Lifehouse - Breathing

Expectativas. As pessoas têm expectativas. E algumas não conseguem esperar, penso, retornando para a cama. Não sentia vontade de fazer nada, só ficar embrulhadinha no meu canto, olhando para qualquer coisa no meu quarto, ouvir qualquer coisa que vinha daquele pen-drive. Mas as pessoas sempre têm expectativas, sempre esperam respostas.

Murilo esperava, assim como Vini, Djane, Sávio e... Flávia e Gui. Acontece que alguns não conseguem esperar e arrancam as verdades às suas maneiras. Murilo, felizmente, não. Bem, ele também perguntou. A diferença é que ele respeitou meus limites. E continua respeitando. E continua do meu lado, sendo verdadeiro. Não posso dizer o mesmo de Aguinaldo ou Flávia.

Depois de jorrar no meu irmão tudo que me pesava por dentro, ele juntou meus pedaços e disse que não havia nada de errado comigo. Não comigo. Me abraçou forte e chorou comigo. Disse que poderia confiar nele. Que não era pedir demais se sentir segura para estar com uma pessoa, que ele batalhou muito para ser essa pessoa e agora apenas era a pessoa que iria me ajudar a fazer dar certo. Ajudar a fazer a vida dar certo.

Segura com ele, eu realmente contei. Tudo. Ponto a ponto do que eu sabia. Ainda havia coisas que eu vinha me lembrando, mas não tinha certeza. Era um negócio esquisito falar sobre aquelas pessoas, que eram umas das poucas que eu mais prezava no mundo. E “só aconteceu” não era justificativa suficiente. Eu queria... Eu nem sei o que queria. O que quero.

Eu só sinto o corpo dormente, como se tivesse passado por algum procedimento anestésico. Embora não tenha o coração já não tão atormentado como nos dias anteriores, havia um peso enorme em mim, que somente para me sentar e tomar o café da manhã, me doía tudo.

Mas Murilo foi meu guindaste. Trouxe meu achocolatado e me empurrou algumas coisas mais. Ficou comigo enquanto comia. Perguntei de Dona Bia e ele disse que tinha sido ela quem tinha preparado tudo. Me queria forte de novo. Murilo apenas comentou que era cansaço do ritmo da faculdade e que por isso eu não queria sair do quarto.

Pensei nas expectativas dela ao saber de mim acamada assim, acordando tarde. Quando era meu irmão, ela sempre desejava o melhor também. Não a vi quando fui ao banheiro e achei bom assim.

Eu só deixava o Murilo entrar porque, como ele mesmo disse, ele batalhou por esse lugar. Ele merecia esse lugar. Eu merecia todas as suas palavras, mesmo que não acreditasse nelas. Eu merecia alguém me dizer que não havia nada errado comigo.

De volta às cobertas, mexo no sonzinho na mesinha ao lado, onde eu enfiei o pen-drive do Sávio. Coloco pra repetir uma música mais amena depois de tantas outras pesadas. Eu sequer sabia onde tinha deixado meu celular e não havia forças em mim pra ver ou fazer nada mais. As músicas ao menos preenchiam o espaço e minha cabeça. Ora e outra tentava só entender alguns trechos, mesmo que não quisesse saber das letras. Aquela de Linkin Park no carro com o Sávio havia me destruído. Mas era exatamente como eu me sentia e eu precisei expressar.

Na volta, depois de Sávio ter estabelecido que era hora de retornar, eu tornei a aumentar o som. Estava com aquele gosto ruim na boca e as batatas ainda se revirando dentro de mim. Sávio baixou o som de novo e passou algumas até achar essa música mais amena. Lembro porque a batida era diferente e isso foi diminuindo também meu ritmo agitado. Era algo com respirar, pelo que captei da letra. Por um momento me perguntei como ele poderia ouvir todas aquelas músicas e não reagir como eu estava reagindo a elas.

Ele sabia de cor e salteado a letra de Easier To Run. Não cantou nenhuma vez mais e ora e outra dizia que a gente já estava chegando. Eu tava tão sei lá que tinha hora que nem sabia mesmo para onde estava indo. Quer dizer, que caminho era. Quando tocou uma que eu conhecia mais ou menos, My Sacrifice do Creed, perguntei como ele ouvia um estilo de música que revolvia todo um sentimento deprimente.

“Não são de todo assim”, ele respondeu. “Cresci ouvindo esses estilos e me sinto confortável com elas. E elas falam de tudo. Tem música pra todo tipo de sentimento”. De fato, pensei, lembrando da minha relação com as músicas da Britney Spears. Tocou uma do Three Days Grace também, que por vezes foi um tipo de protesto pra mim, em outros tempos. A verdade é que a música mexe com você de acordo com seu espírito. Se eu estava me sentindo péssima, até o hip hop mais animador me pareceria triste.

Coloco a música para repetir de novo e sinto que vou descobrir a letra pra breve. Mas ouço um toc toc na minha porta e nem me viro quando o Murilo entra.

— Mamãe no telefone. Eu tava barrando aqui, mas ela tá um pouco insistente e eu não quero dar um alarde.

— O que ela quer?

— Saber do Natal.

Natal. Eu não sei da minha vida hoje, que dirá do Natal. Mas é a minha mãe, né.

Levanto a cabeça o bastante para receber o celular do Murilo e reúno forças para atender.

— Oi, mãe. Tô estudan...

— MILENA LINS ALBUQUERQUE CAMARGO! TEM CELULAR PRA QUÊ? POR QUE NINGUÉM ME ATENDE NESSA CASA?

Expectativas. As pessoas têm expectativas. E algumas não conseguem esperar.

~;~

Porque eu não quero nada mais que sentar do lado de fora da sua porta e ouvir você respirando. Depois de tanto repetir essa música, foi a única parte que me preservei de captar. Sua batida leve e simples era o que estava me mantendo para fazer qualquer coisa e nada ao mesmo tempo. Totalmente no automático eu tomei banho e almocei. As coisas passavam por mim e eu não correspondia a elas. Às vezes o Murilo falava algo e eu só podia me desculpar por não ter ouvido. Mamãe gritou comigo por sabe-se lá o quê e eu só dizia que estava estudando. Não sei se ela chegou a entender. De todo modo, tornava para a cama. Acho que cochilei variadas vezes.

E isso me preocupa, de certa forma. Me sinto hiper vulnerável. Alguém poderia chegar com jeitinho e me fazer falar coisas. Aperto o travesseiro contra mim por reviver aquela conversa de novo. Não sei se era eu pensando demais ou se minha mente estava repetindo as cenas em sonho. Só sei que me encontrava no quarto de Gui mais uma vez e ele dizia:

Às vezes, quando você tá muito exausta, fala coisas durante o sono. No limiar do sono, na verdade.

Isso não era nenhuma novidade pra mim, porém, saber que eles tinham feito isso de propósito, me dava um quente por dentro muito ruim. A Flávia completou:

— Eu só fiz algumas perguntas e você respondeu, só isso.

E o Gui, ainda alterado pela discussão que teve com ela, interveio:

— Não, Flávia, não foi só isso não. Conta direito. Olha, quando ela me falou disso, eu não acreditei. Então um dia... ela me mostrou. A Flávia conversava com você como se fosse o Murilo. E teve uma hora que eu tive que ser o Murilo.

Mas dessa vez ele agarrou meu braço e sacudiu e eu apenas me protegi, me esquivei. E então ouvi uma voz longe.

— Lena?

Acordo num salto, sem entender onde estou de primeira. Era ou não era o quarto do Gui? Não, era meu quarto. Minha cama. E o Murilo. Preocupado. A música ainda tocava. Percebo que era mais um daqueles casos de estar sonhando uma coisa perturbadora e alguém do mundo externo mexer em você a ponto de afetar o próprio sonho. Sinto um carinho ao rosto, mas ainda estou tão sensível que novamente me esquivo.

— Ei. Tá tudo bem. Sou eu.

— Desculpa.

— Pelo quê?

— Não sei.

Ao vê-lo agachado a minha cama, me permito compreender melhor a realidade de ele próximo e presente ali.

— Acho que era só um sonho, não era? Você quer comer alguma coisa?

— Que horas são?

O quarto estava um pouco escuro desde cedo, então eu não saberia identificar. Parecia que estava presa há horas e ao mesmo tempo a nenhum tempo.

— Quase 18h. Posso trazer um suco ou fruta, algo assim.

— Não tô muito a fim, se não se importar.

— Tudo bem. Mas você vai jantar, né?

Murilo se levanta e anda pelo quarto, liga a luz no interruptor, algo que quase me cega e depois desliga o som na cômoda ao lado.

— Já deu essas músicas tristes, né, mana. Você precisa reagir.

— Estou reagindo.

Insisto, meio aleatória e falando um pouco arrastado. Murilo se senta na borda da minha cama e me toca no rosto, afastando as mechas.

— Eu sei, minha pequena. E tudo bem descansar. Mas... Não assim, ok? Presa em si mesma. Essa é a hora que você tem pra me escravizar, então aproveita.

Eu sei que ele está tentando instigar meu humor, mas não sei se tenho a capacidade de responder no momento.

— Tá, vou ligar a rádio, pelo menos.

Ele mexe no aparelho de som e passa por alguns programas, e sem muitas opções, para numa estação com um pagodinho básico. Eu estava tão mal assim? Me forço a sentar na cama só pra parar aquele ruído. Que me perdoem quem curte pagode, mas ali não tava nada confortável. Murilo suspira.

— O que eu posso fazer pra te trazer um pouco de vida, pequena?

— Não é algo que você possa fazer.

— Nem piadas ruins?

— Nem uma verdadeira vaca tossindo uma música inteira.

— Nem uma girafa parindo do seu lado, imagino.

Ele diz com certa graça e eu só pisco sem compreender. Então explica:

— Você me disse isso no ano passado, quando o Vini tava no hospital, no dia que tive que ir me consultar. Enquanto estava no soro, precisei de ajuda para ir no banheiro e você...

— Acho que lembro. Que você não queria ir com o Diogo, que era enfermeiro.

— Isso. E aí você me soltou essa pérola. Que poderia ter uma girafa parindo ao meu lado, que eu conseguiria fazer xixi.

Rio minimamente pela lembrança e sei que ele percebe. Mas Murilo finge que não.

— Posso ao menos escolher uma música de novo? Não da rádio.

Dou de ombro e ele pega meu notebook na mesinha dali. Abro um espaço na cama e deito ao seu braço enquanto liga o aparelho, que estava só hibernando. Logo ele entra num navegador já aberto com outras abas. Ele puxa uma nova aba e joga algo que não entendi muito bem no youtube. Ao ver as respostas, reagi com um sorrisinho mínimo por que era, assim, inacreditável. Logo o clipe I Love Rock N’ Roll da Britney Spears tocava.

Britney Spears – I Love Rock N’ Roll

— A gente pode se reinventar na Britney também, sabe. Nem sempre precisa ser uma coisa ruim. E se é pra ser rock, eu vou escolher algo mais animador. E depois preparar um pen-drive pra tirar o Sávio desse ponto morto também.

— Murilo!

Protesto, com graça.

— Tu não duvida de mim, porque eu faço mesmo.

Entro na dele pelo seu digno esforço.

— Ele gosta de Backstreet Boys.

— Maravilha!

Os dedos rápidos dele fazem um comando pra abrir nova aba e buscar uma música do grupo. The Call, como imaginei, porque era uma de suas preferidas. Deixa lá no ponto enquanto a Britney ainda pirava em outro link. Ele se ajeita melhor na cama, mas ambos ouvimos seu celular tocar em outro cômodo.

— Volto já.

Pego o notebook e vejo uma das abas abertas, como meu e-mail. Apago alguns spams e espio rapidamente minhas redes sociais. Eles não tinham mandado mensagem alguma. Faço uma forcinha de levantar e procuro meu celular na bolsa. Deles nada também. Tinha algumas mensagens do Vini, de Djane, Sávio e as muitas ligações de mamãe. Mas não abro nada. Sigo pra cozinha para beber uma água.

Ao alcançar a sala, ouço meu irmão no celular:

— É, é melhor assim. Ela só precisa de um tempo. Depois...

Quando se vira e me vê, ele sorri e continua.

— Depois a gente se fala.

— Aline?

Sigo para a geladeira.

— Vini. Ele queria vir, mas achei melhor não. Fiz mal?

— Não. Preciso de um tempo off de pessoas.

— Mas não de mim, tua criatura preferida.

Confirmo, antes de beber minha água.

— É, Mu, não de você. Obrigada por isso.

Satisfeito, ele entra na cozinha e se senta na mesa, bem diferente do que foi a noite passada. E começa:

— Sabe, mana, eu tava vendo aquele seu vídeo que saiu. Com a Dani.

— Hum.

— Você canta muito bem. Mesmo.

Não sei muito o que falar com ele dizendo coisas assim e meu irmão percebe. E emenda:

— É só que... fiquei me perguntando aqui como isso passou pela gente.

— Tipo o quê?

— Você cantar, ué. E quando digo cantar, cantar como uma artista.

— Ah. Eu não... Não tenho pretensões.

— Aposto que a Dani também não tinha.

— É, mas ela leva jeito.

— Eu acho que você não viu o vídeo direito. Vou pegar pra te most...

Coloco o copo que tinha em mãos na mesa e meio que o interrompo.

— Mu... Agora não. Eu... Não tenho pra cabeça pra isso. Na verdade, pra nada.

— Quer só conversar?

— É, mas não sobre isso. Ou sobre aquilo. Ou sobre qualquer coisa.

— Hum. Tudo bem.

Meu mano parece um pouco triste e quero apenas dizer sinto muito. Fico agradecida demais por estar tentando e melhorando o ambiente, mas realmente, não era um bom dia para mim.

Assim que coloco o copo de volta na prateleira, ele passa para abrir o armário. Pega uma tigela, uma panela e logo mais um pacotinho de pipoca. Assisto em silêncio a criatura em igual silêncio, se movendo no preparo. Então lembro, vagamente, do que ele me disse tempinho atrás: tudo o que você falar de negativo sobre si, eu vou dar meu jeito de achar ou tornar algo positivo. Acho que era seu jeito de fazer algo bom no meio dessa tempestade ruim.

Minha vontade é de voltar para a cama, mas também não quero reencontrar meus fantasmas lá. Não agora. Sento à mesa só para assistir meu mano de um lado para o outro, ajeitando também o que parecia ser nosso jantar. Havia um pote de isopor em cima do fogão.

— Isso é o que tô pensando que é?

— Não sei. O que você acha que é?

Sei que está embromando pra me manter falante e só sigo.

— Caldo.

— É isso. Seu preferido. Quando quiser, é só esquentar.

— Que horas você saiu?

— Cheguei não faz muito tempo. Você estava dormindo.

— Tendo pesadelos sobre ter pesadelos.

Digo, bem baixinho.

— Disse alguma coisa?

— Eu só não vi muita coisa durante o dia.

— Ainda.

Com a pipoca começando a estourar, Murilo sai rapidamente e volta com meu notebook. O automático do Youtube já tinha levado o vídeo da Britney a um da Christina Aguilera e não deixo de lembrar da Dani surtando uma vez na faculdade por conta da letra sexualizada que ela percebeu. Vez que a música já estava no final, Murilo reativou o vídeo dos Backstreet Boys e deixou ali tocando relativamente baixo.

Backstreet Boys – The Call

Meu irmão estava... engraçado. Solto. Não parecia que estávamos passando por um baque. Que tínhamos brigado e depois chorado e depois se acertado. Ao mesmo tempo que eu queria que parasse tudo aquilo, não conseguia tirar isso dele. Ou de mim.

A tigela de pipoca chega até mim na mesa e abocanho algumas sem cerimônia. Murilo não diz nada, mas parece novamente satisfeito.

— Sabe de uma coisa?

Só digo um “hum”, com a boca cheia de pipoca e olhando rapidamente meu notebook por eu ter ouvido uma notificação.

— Pensa rápido: tem alguma coisa no mundo que você queira fazer?

— Tipo um sonho?

— Pode ser.

— Acho que não tenho um sonho no momento. Só terminar a faculdade.

— Algo mais pra você e não pro mundo.

— Ah. Hum. Acho que...

Vejo a mensagem na rede social. Era a Dani me enviando um novo vídeo. A música que lhe pedi naquele dia do ensaio. Uma música que Viviane cantava. Isso me conecta com boas lembranças e me injeta certo ânimo. Murilo vê, mas faz graça:

— Eu não tô nesse cenário? E o Vini, tá?

Fecho a aba para ver depois, pois quero ficar somente nesta conversa. É o que consigo processar no momento.

— Os dois estão. Acho que meu sonho seria, se é que dá pra chamar isso de sonho, estar todo mundo junto, em algum fim de semana, fazendo nada com nada, mas todos animados, contando uma história qualquer, mamãe implicando com papai, papai implicando, sei lá, com você, ou com o Vini. E nenhuma nuvem pesada sobre a gente. E gelatina. E sorvete. E talvez uma jogatina simples.

Eu pensei de primeira em um almoço na casa do vô-sogro, mas depois imagens dos meus pais jogando uno vieram e tornaram tudo um bolo.

— Parece um bom plano de Natal.

Natal. Eu nem me dei conta que falava como se fossem nossas férias ou recesso de fim de ano. Talvez isso tenha saído de uma maneira inconsciente por mamãe ter ligado mais cedo pra perguntar meus planos, já que no ano passado até o Gui apareceu de repente. Mas esse ano nem ele nem a Flávia iriam aparecer.

— E é isso que você precisa ter em mente, mana.

— Não entendi.

— Fazer tudo para ter esse momento que acabou de descrever. Eu tô com você, assim como o Vini. A gangue toda na verdade. Não sei como reunir todo mundo, mas a gente pode dar um jeito. Sei lá, dessa vez nossa família poderia vir pro fim de ano e a gente juntar todo mundo naquela casa enorme. A Aline e a Lia e... sabe? Todo mundo mesmo. Todo mundo que é importante pra a gente no momento.

Rio só de imaginar a bagunça, mas é uma bagunça que eu quero.

— Por esse sorriso, já me valeu tudo. Mas tenha em mente isso sim, ok? A gente toma esse final de semana para descansar. Talvez fazer nada, talvez fazer faxina – mais interna, do que externa. Eu colocaria mais dias nessa conta também, mas o que você me contou envolve informações valiosas para certas pessoas e... Bem, vamos fazer isso juntos. Vamos levantar juntos e dar um salto de fé. As coisas vão melhorar. Tudo bem? Vamos por partes.

— Obrigada por isso, Mu.

Sei que parece que tô me repetindo toda hora por me fazer agradecida a todo momento, mas também sei que meu mano aprecia isso. Ter uma resposta calma e não violenta dele, e uma resposta paciente e dinâmica, é motivo o suficiente para agradecer sempre que possível. Então acho que ele ainda vai me ouvir muito falar isso.

Por um segundo penso na Lia e em como possui uma sorte danada de também ter essa criaturinha ao lado dela.

— Obrigado a você, minha pequena.

— Pelo o quê?

— Por me deixar entrar no teu mundo. E eu quero que você entre no meu mundo também. Estive e estou me preparando para isso. Acho que apenas gostaria que você encontrasse tudo arrumado aqui dentro. Mas tá uma zona!

Murilo senta e faz uma careta engraçada. E continua:

— Só que ontem, quando você me mostrou a sua bagunça, eu nem liguei mais para a minha. E aposto que da mesma maneira que eu quis arrumar a sua, você vai querer arrumar a minha. Com amor, carinho e respeito. Não quer dizer que temos que fazer tudo sozinhos, não é?

Não imaginaria que ele falaria disso, porque, bem, ele nunca fala mesmo.

— Você fala da terapia que mencionou?

A palavra parece ficar em suspenso no espaço enquanto nós dois processamos.

— Sim. Mas, como eu disse, vamos por partes. Eu vou te contar tudo. Não hoje, não agora, porque a gente vai esvaziar a cabeça. Ver um filme, jogar alguma coisa, ver foto antiga, qualquer coisa. E em algum momento, quando você estiver mais inteira, e sendo você, como linda criatura que é, vamos conversar sobre essas coisas.

Sinto um aperto por dentro que vejo que na verdade é um quentinho de compreensão. De amor, carinho e respeito, como disse. Não tem nada errado comigo. Não comigo. Mesmo me sentindo vulnerável, me sinto amada e segura.

Era exatamente o que precisava.

— E quanto a amanhã?

— O que tem amanhã?

— O almoço de família.

— Não vamos. Só vamos ficar aqui, até você enjoar da minha cara.

— Parece um bom plano. E a Lia?

— Já liberou o dindo dela.

Era isso. Murilo não desistindo de Milena e Milena não desistindo... de si mesma.