Make a Memory

Capítulo XXXV - Teatrinho


— Fabrício? – Surpreendi-me ao ouvir o choro do mini carneirinho quando eu chegava ao quarto com o Jayminho. Ele correu na minha frente para ver se era o irmãozinho mesmo que havia voltado. E era! Uma surpresa maravilhosa acompanhada de uma péssima.
Meu sangue ferveu quando vi o desprezível do Eron abraçando o meu carneirinho.
— Por que ele está aqui? E logo quando o Fabrício aparece... Que coincidência!
Aquilo tudo era muito estranho e as minhas suspeitas só se tornaram ainda mais claras. Eu ia seguir o Jayminho, mas decidi recuar. Parece que o meu poder de raciocínio rápido voltou naquele segundo e eu fiquei escondido, apenas prestando a devida atenção à situação.
— Fabrício! – Jayminho gritou contente antes de se jogar entre Niko e Eron para abraçar o irmãozinho. Esse é meu garoto! Fez exatamente o que eu queria: separar a maldita lacraia do meu carneirinho.
— Olha, Jayminho, ele voltou! Seu irmãozinho voltou, meu amor!
Ele comemorou e pegou o Fabrício no colo, como se pudesse segurá-lo por muito tempo.
— Cuidado... Coloca ele na cama, Jayminho, ele tá com fome. – Espiei quando ele entrou com o bebê e Niko ficou na porta. Ah, não, carneirinho! Não dá esse sorriso agradecido à lacraia porque senão ele não vai mais embora!
— Bom... Eu não sei como te agradecer, Eron.
— Eu sei. – A lacraia deu um passo e se aproximou um tantinho mais do meu carneirinho. Distância suficiente para a mão boba dele alcançar outra vez a cintura do Niko. Aí não! Já era demais! Aquele inseto do olho colorido estava claramente se aproveitando do momento frágil do Niko para atacar. Claro que eu não podia deixar. Quando fui saindo do meu esconderijo, porém, o Jayminho salvou o dia mais uma vez chegando para afastar o Eron do Niko. Eu tenho que me lembrar de dar um presente ótimo para esse garoto depois.
— Papai! Chama o papi Félix pra ver o Fabrício.
— É verdade! Cadê ele?
— Não sei. Ele vinha atrás de mim...
Foi só ouvir meu nome que a lacraia ficou nervosinha...
— Félix? Você não tinha dito que ele quase se afogou e foi parar no hospital?
Ai, ai, carneirinho... Sempre falando mais do que deve.
— Sim, eu disse. Mas, ele não ficou no hospital. Pensei que você tinha entendido que eu havia acabado de voltar com ele pra cá quando soube que o Fabrício tinha desaparecido.
— Ah!... Eu pensei que... Enfim, mas... Como ele está?
— O Félix? Ele está bem.
— Bem? Quer dizer que ele não perdeu a memória de novo?
Espera! Perder a memória de novo? Logo percebi o que a lacraia estava pensando e que aquela era minha deixa para entrar.
— Niko?...
— Félix! – O carneirinho veio me abraçar e claro que eu adorei, afinal, ele fez isso bem na cara da lacraia, mas ao mesmo tempo eu sabia que precisava ser um bom ator se eu quisesse descobrir o joguinho daquele ser rastejante.
— Eu ouvi o choro... O Fabrício voltou?
— Voltou! Ele voltou! Eu tô tão feliz!
— E eu fico feliz por você, Niko. – Falei frio e interpretei como nunca antes na minha vida. – Por vocês dois.
Olhei para o Eron e ele olhou para mim sem entender nada. Com certeza estava se perguntando por que eu não estava brigando com ele nem nada.
— É... Félix?
— Sim?
— Tudo bem com você?
— Não está vendo? Estou ótimo como sempre. O único problema é... Bem, o Niko sabe.
— Eu sei? – Meu loirinho me perguntou também sem entender nada, óbvio. Eu tinha que fazer alguma coisa para ele não estragar meu plano.
— Niko, o seu bebê está chorando de novo, vai lá. Deve estar morrendo de fome, tadinho, depois de tanto tempo desaparecido...
— É... Sim, eu vou... Vou dar a mamadeira dele.
— Vai lá.
Dispensei o Niko que entrou olhando para mim com a cara de quem tinha visto assombração. Fiquei com peninha. Ele devia estar confuso, me achando super estranho e com razão. Mas, quando ele entrou eu continuei meu teatrinho.
— Você está mesmo bem, Félix?
A lacraia também estava me estranhando. Era tudo que eu queria.
— Na verdade... Não. – Falei bem sério. – E acho que você pode me ajudar.
— Eu?
— Claro! Você é o advogado do San Magno, não é? Portanto, advogado de minha família também, ou seja, meu advogado.
— Seu?! – Ele exclamou surpreso e eu estava me segurando para não rir da cara dele.
— Óbvio. Afinal, eu sou o presidente do San Magno, ou não?
— P-Presidente?! Você? Espera... Eu não estou entendendo mais nada.
— Eu muito menos! Eu não sei o que aconteceu comigo nem por que estou aqui!
— Hein? Como assim? Como assim você não sabe o que aconteceu com você?
— Isso mesmo, nem como vim parar aqui, não sei de nada. Tudo que eu sei é que acordei hoje num hospitalzinho daqui, que por sinal era um horror, e a primeira pessoa que vi foi o Niko, me olhando e me dizendo como estava feliz por eu ter acordado. Imagina o meu susto. Eu achei que fosse o apocalipse e que ele fosse meu anjo da guarda me chamando! Se bem que é bem difícil um anjo aparecer pra mim.
O Eron permanecia calado com a maior cara de susto, com aquela boca mole aberta parecendo um peixe morto. Mas, melhor que ver isso era ver que ele estava acreditando em cada palavra que eu dizia.
— Por acaso, Eron, você pode me esclarecer o que eu faço aqui e como fui parar num hospitalzinho de quinta?
— Eu... Então... Espera, deixa eu ver se eu entendi. Você não se lembra de nada antes disso?
— Do que eu deveria lembrar, hein? O quê? Eu sofri um acidente, por acaso? Foi isso? Porque não, eu não me lembro de nada. Não faço ideia de como vim parar em Angra dos Reis e muito menos o que o seu companheiro fazia ao meu lado quando acordei.
— Meu o quê?!
— Seu companheiro, ora! Não é isso que o Niko é? Ou pelo menos já foi, não sei. O que eu sei, Eron, é que você tem que me ajudar a entender o que diabos está havendo aqui, porque eu sou seu chefe, eu sou o presidente do San Magno, e você tem que me ajudar.
— Presidente do San Magno...
Ele se afastou um pouco, bastante pensativo. Eu tinha conseguido enganar a lacraia, com certeza. Ele voltou, então, com um sorrisinho nos lábios, ou melhor, naquela boca mole. Ele queria me enganar também, olha só! Logo eu, o mestre.
— Pois é, Félix, você como presidente do San Magno é meu chefe e, portanto, eu devo e posso ajudá-lo. Você deve estar muito confuso e não é pra menos. Eu vou te contar tudo.
— Tudo é? Estou ouvindo.
— Você realmente sofreu um acidente há alguns dias e perdeu a memória... As memórias recentes, pelo menos.
— Entendi. E? Como vim pra cá?
— Bom, é que... - Ele olhou para dentro para ver se o carneirinho não vinha, certamente. - Então, o que aconteceu foi que o Niko e eu brigamos e ele inventou de vir passar um fim de semana em Angra, com os filhos. Pouco depois eu vim atrás dele para fazermos as pazes. Mas, você tinha assuntos urgentes do hospital para resolver comigo e quando soube da viagem resolveu vir também.
— Eu vim até Angra dos Reis só para assuntos de negócios com você? Me poupe, Eron, eu não sou assim.
— É... Não, claro que não... Não foi apenas por isso... Você também... Quis se dar um tempo, umas pequenas férias... Só. Afinal, comandar um hospital é desgastante.
— Claro...
— Então, como você quer que eu te ajude?
Que tremendo cara de pau essa lacraia! Mas, nesse jogo eu sou muito melhor que ele.
— Quer saber no que você pode me ajudar? Quero que me ajude a voltar para São Paulo, agora mesmo. Quero ir para a casa de mami poderosa que é o meu lugar.
— Tem toda razão, lá é o seu lugar. E eu te mando pra lá agora mesmo se quiser.
— Não sei se percebeu, Eron, mas não tenho dinheiro aqui comigo. Aliás, não sei nem onde estão minhas coisas, estou de mãos abanando...
— Não se preocupe. Eu pago para você ir de táxi, no maior conforto, e depois se eu achar suas coisas eu mando para a casa da Pilar.
— Nossa! Até parece que eu não salguei a santa ceia para ter um empregado assim tão prestativo.
— Eu não sou seu empregado, Félix. - Ele me deu um sorrisinho enjoado e eu respondi igual.
— Se eu sou o presidente do hospital você é meu empregado sim.
— Enfim... E aí, vamos chamar um táxi?
— Você vai mesmo pagar para que eu vá embora? Que pressa, Eron! Quer ficar sozinho com o Niko, é?
— Já que você citou, sim, quero.
— Hum... Lógico. Então, eu vou. Mas, antes, me esclarece mais umas coisinhas. O bebê do Niko desapareceu de repente. Como você o encontrou tão rápido?
A lacraia ficou mais branca que papel. - E-Eu... Eu só usei meus contatos...
— Bons contatos esses seus, hein?... Bom, vamos, me leve até um ponto de táxi. Preciso chegar em São Paulo hoje ainda.
— Claro! Vamos.
Todo alegrinho achando que ia se livrar de mim a lacraia me levou até o ponto de táxi mais próximo e combinou a viagem com o motorista. Tinha tanta pressa que até pagou adiantado. Eu entrei no táxi e saí, deixando aquela criatura nojenta comemorar sua "vitória".
Assim que estava distante o suficiente conversei com o taxista e tracei minha nova rota para tirar de uma vez por todas a lacraia do meu caminho.
...
...
Eu estava cuidando dos meus filhos ainda sem conseguir compreender o comportamento do Félix quando alguém me ligou.
— Alô?
— Oi, carneirinho.
— Félix, onde você se meteu? De quem é esse número?
— Eu pedi o celular emprestado ao taxista aqui.
— Você tá num táxi? Por que você tá num táxi? E por que foi tão frio comigo, com a gente?...
— Calma, Niko, eu vou explicar bem rápido, portanto me ouve com atenção. Antes de tudo me diz: a lacraia está aí por perto?
— Não. O Eron não voltou.
— Ainda! Mas ele vai voltar que eu sei. Aquele inseto do olho colorido pensa que se livrou de mim e que vai se reaproximar de você.
— Como assim?
— Niko, eu tenho certeza que ele armou isso tudo de desaparecer com o Fabrício.
— Mas... Ele me devolveu o Fabrício...
— Disse certo, carneirinho. Devolveu. Porque foi ele quem pegou.
— O que quer dizer? Não pode ser...
— Niko, pelas contas do Rosário, não discuta! Foi ele sim e eu vou provar. Mas para isso eu preciso me afastar. É só por hoje, pode ficar tranquilo. Agora, me faz um favor?
— Claro, amor, tudo que você quiser.
— Fica longe da lacraia.
— Hã?
— Carneirinho, ele vai te procurar. Aposto que ele vai chegar com um papo de que eu não me lembro de você, que você deve me esquecer também, blábláblá... Finge que é verdade. Tá? Finge que eu perdi a memória de novo e não lembro nem que a gente namorou, ok? Faz isso, por favor, carneirinho, é muito importante.
— É... Tá bom, Félix. Eu finjo, então. Mas, como assim?
— Se ele perguntar: eu acordei sem saber porque você estava ao meu lado e tudo que me lembro é de que sou o presidente do San Magno. Ok?
—... Ok. Apesar de não estar entendendo nada.
— Você vai entender. Apenas confie em mim, me espera. E fica bem longe da lacraia! E, sobretudo, não deixa nossos filhos perto dele, tá?
— Tá bom. Eu vou confiar em você... Como sempre.
— Obrigado. Eu... Eu te amo.
— Eu também te amo.
Mal eu havia desligado o telefone alguém bateu na porta. Quando abri...
— Eron?
— Oi, Niko. Voltei.
— É... Voltou mesmo.
Logo me veio à cabeça cada palavra do Félix e, então, a desconfiança: Será que era verdade que o Eron tinha algo a ver com o desaparecimento do Fabrício? Como ele conseguiu encontrar o meu bebê tão rápido?
— Eron... É... Eu estava pensando em ficar um pouco sozinho com meus filhos... Curtindo, sabe?...
— Não vou demorar. Eu só queria ter uma conversa séria com você.
— Conversa séria? - Pensei rápido no que fazer para ele ir embora, mas a verdade era que eu estava curioso sobre o que ele queria me falar. - Entra, então. - Saí da frente e deixei-o passar.
— Niko, eu estou muito preocupado com você e com os meninos.
— Preocupado com quê?
— Com a sua insistência em continuar ao lado do Félix mesmo com todos os problemas que ele vem apresentando.
— Ah... Se refere à memória dele?
— Sim. Niko, eu conversei com ele agora há pouco e a situação é grave.
— Grave? Onde ele foi?
— Ele foi embora.
— Embora? Pra onde?
— Ele me pediu para voltar para a casa dele, em São Paulo.
— Quê?! E você deixou ele ir?
— Niko, me escuta! - O Eron me pegou pelos ombros para que eu prestasse atenção nele. - Eu fiz o melhor para ele. Ele queria voltar, eu paguei um táxi e ele se foi. Sabe o que ele me disse antes para que eu tomasse essa atitude?
— O que ele disse?
— Ele me disse que é o meu chefe porque ainda é presidente do San Magno. Que eu tinha obrigação de ajuda-lo, porque ele não lembrava como tinha vindo parar aqui, em Angra dos Reis.
Naquele instante comprovei que o que o Félix tinha falado era a mais pura verdade. Mas, e quanto às outras suspeitas? Será que meus filhos e eu corríamos perigo com o Eron por perto?
— Eu... Eu já sabia, Eron.
— Ele deve ter acordado assim. Estou certo?
—... Está. Ele... Ele acordou mais uma vez sem se lembrar de mim. Ele perdeu a memória de novo. - Virei de costas para ele fingindo que chorava. Eu não me sentia bem mentindo, mas eu precisava entender até onde o Eron queria chegar.
— Niko, eu quero que saiba que você não está sozinho.
— Claro que não. Eu tenho meus filhos. Eles me dão toda a força de que preciso.
— Eu sei. Mas, estou falando em algo mais que isso. É você quem cuida dos seus filhos... Mas, quem vai cuidar de você?
— Eu sou adulto, Eron, posso me cuidar sozinho.
— Todo mundo precisa de alguém, Niko. E eu estou aqui agora.
— Quem eu quero aqui é o Félix.
— Niko. - Ele voltou a pegar nos meus ombros, agora com mais força. - O Félix nem se lembra de você! Ele te esqueceu. Esquece ele também!
Incrível... Ele estava fazendo exatamente o que o Félix tinha previsto. Não me restavam mais dúvidas, eu precisava me livrar do Eron urgentemente.
— Primeiro, me solta. - Ele me largou. - Segundo... Não é tão fácil assim esquecê-lo.
— É só você querer, Niko.
— Eron, nem que eu quisesse eu poderia esquecer o Félix.
Ele já estava ficando impaciente. - Ele nem é grande coisa!
— Ah, é, sim. Você não o conhece como eu conheço.
— E-Eu não estou falando nesse sentido...
— Nem eu. Apesar do Félix ser lindo e não deixar nada a dever no sexo, não é disso que estou falando. Estou falando de algo a mais, Eron... Estou falando de alma. A alma do Félix que eu conheço é grande. E é gêmea da minha.
Dava para ver o quanto o Eron estava decepcionado e zangado.
— Não dá para acreditar como você foi se apaixonar tanto por alguém que não vale a pena.
— Eu também me perguntei muito isso, Eron... Até o dia em que me separei de você.
Peguei pesado dessa vez, talvez. Mas, serviu para que ele saísse da minha casa com pressa e com muita raiva. Apostei que ele não iria mais voltar... Mas me tranquilizei cedo demais.
Quando me virei para trancar a porta ele voltou, e se aproveitou da minha surpresa para me beijar.