Make a Memory

Capítulo XXXIV – Engano


O Fabrício havia sumido. Essa foi a nossa assustadora e desagradável surpresa ao voltarmos à pousada. Niko estava inconsolável e eu, confesso que depois de tudo que soube sobre mim nos últimos dias eu não conseguia pensar muito bem no que fazer para ajudá-lo.

— Como assim sumiu? Cadê essa criança? Ele é só um bebê, não pode sair andando por aí! – Eu reclamava com o gerente, mas ele também não tinha uma solução. A camareira que ficou cuidando dos filhos do carneirinho também estava lá, chorando sem parar pelo descuido, pedindo mil desculpas. Ela também não sabia o que tinha acontecido. Disse que deixou de dar atenção ao pequeno um minuto enquanto levava Jayminho ao banheiro e quando voltou encontrou apenas o carrinho vazio.

Eu achava tudo muito estranho, mas realmente não sabia por onde começar a procurar. Ainda mais porque toda essa história mexia muito comigo, não só pelo desespero do carneirinho, mas também porque lembrava a minha própria história com o Cristiano. A Márcia também havia se descuidado dele por um minuto enquanto dava atenção a mim e tudo acabou numa tragédia. Pensar nisso me deixava inquieto, confuso, preocupado e sem conseguir raciocinar direito.

O gerente nos explicou que podia haver algo nas câmeras de segurança, mas tinha que pedir para trazerem as imagens que eram mandadas diretamente para uma central de segurança.

Minha maior preocupação não era apenas descobrir alguma pista que me levasse ao Fabrício, mas como acalmar o Niko e o Jayminho que estavam inconsoláveis.

— Por que isso tá acontecendo, Félix? Por quê?! Eu quero meu filho. Ele não pode ter sumido de novo. De novo não!

— Calma, carneirinho, calma, eu vou achá-lo. Eu o encontrei uma vez, não foi? Eu vou encontrar de novo. Não se preocupa.

— Não, Félix, não! Eu não consigo! Daquela vez a gente sabia que quem tinha sequestrado ele tinha sido a Amarylis. Você só precisou descobrir pra onde ela tinha levado ele e pronto. Mas, e agora? Agora não sabemos quem foi. Não sabemos o que aconteceu, com quem ele pode estar, se podem fazer mal a ele... Não! Meu bebê!

— Shh... Shh... Carneirinho, não chora assim. Não se desespera. Olha, pensa no Jayminho, ele também precisa de você agora. Ele também tá preocupado com o irmãozinho. Ele tá lá no quarto, sozinho... Precisando do pai.

— Félix, eu sei... Eu sei... Eu queria me acalmar, pensar... Mas, eu não consigo! Eu não consigo mais, entende? Eu tô inconformado! Eu tive que passar todo o tempo que você ficou sem memória pensando sozinho em tudo. Você me fez muita falta e eu só queria seu apoio, sua inteligência pra me ajudar. Mas, justo agora que você volta, o meu filho... Meu filho, Félix... Some assim! Cadê o meu Fabrício? Eu quero o meu Fabrício!

— Carneirinho!... – Abracei-o forte tentando tirar um pouco que fosse daquela tensão, embora fosse impossível. – Pensa... Pensa que, pelo menos agora, eu, o verdadeiro Félix, estou aqui com você. E não vou te deixar sozinho. Eu vou usar todos os meus neurônios para descobrir onde o mini carneirinho está. Confia em mim. Eu vou trazê-lo de volta pra você. Confia em mim.

Continuei abraçado a ele por mais uns minutos até sentir que ele se acalmava. O calmante que eu havia pedido antes ao gerente também ajudou. Niko ficou um pouco mais tranquilo, mesmo que fosse por conta do remédio, e eu o levei para o quarto.

O Jayminho também dormia, mas eu ainda podia ver as lágrimas que haviam molhado seu rosto e travesseiro. Como me doía ver meus amores assim! Eu não queria deixá-los, mas precisava encontrar o Fabrício de qualquer maneira.

Esperei que o carneirinho também pegasse no sono para sair e procurar pistas. Eu precisava achar algo que me levasse ao meu filho. Sim, meu filho, pois já era assim que eu deveria chamar o Fabrício há muito tempo. Meu filho. E eu ia encontrá-lo.

...

...

Mais tarde...

Acordei com muita dor de cabeça. Eu sabia que havia tomado um calmante e que aquilo não me faria bem, mas acho que eu ia morrer de tanto chorar se não tivesse tomado.

Pior que qualquer enxaqueca, era a dor no meu coração. A dor de não saber mais uma vez onde estava o meu bebê, meu Fabrício.

Como isso podia estar acontecendo de novo? Por quê? Quem teria sido capaz de levá-lo assim?

As perguntas enchiam minha cabeça de pensamentos tenebrosos enquanto eu só via o rostinho do meu bebê. Estaria chorando nesse exato momento? Eu sentia que sim. Sentia que ele precisava de mim. E eu não podia fazer nada!

— Papai?... – O Jayminho levantou e veio em minha direção.

— Meu filho... – Abracei-o, usando todas as minhas forças para não chorar muito na frente dele. – Ah, meu filho... Cadê o seu irmãozinho, hein?

— Ainda não acharam o Fabrício?

— Não, meu amor.

— Eu tô com saudade dele.

— Eu também. – Era em vão tentar não chorar. Eu, simplesmente, não conseguia parar.

— Não chora, papai. Eu vou chorar também.

— Não... Não, por favor, não chora. Eu vou parar, tá? Mas, você não pode chorar, senão eu choro mais.

— Tá, eu não vou chorar.

— Então, eu já parei também. Pronto. – Enxuguei minhas lágrimas e as dele. Respirei fundo e engoli o choro para não causar mais sofrimento ao meu filho.

— E o papi Félix? Eu vi que ele tinha chegado com você. Dá pra ver a recepção de lá do pátio de recreio.

— É pátio de recreação, filhote. E sim, o Félix tinha vindo comigo, mas acho que ele deve ter saído enquanto a gente dormia. Com certeza ele foi procurar o seu irmãozinho.

— Ah, eu tenho certeza que ele vai achar. O papi Félix é muito esperto.

— É mesmo. E adivinha! Ele voltou a ser o mais esperto de todos de novo.

— Sério? Ele é de novo o mais inteligente e legal de todos, todos mesmo?

— É sim, meu amor! Eu sei que você achava que o Félix estava muito quietinho nesses últimos tempos, mas agora ele voltou a ser como ele sempre foi e vai ser o seu papi e do Fabrício, para sempre.

— Para sempre?

— Para sempre. Sabe por quê? Porque eu sei... Eu sei que nós vamos encontrar o seu irmãozinho logo e... E seremos uma família completa. Você vai ver. ... E nós nunca mais vamos nos soltar.

Quando meu menininho sorriu para mim e me abraçou, eu senti metade da minha felicidade voltando. A outra metade só viria quando eu estivesse com o meu Fabrício nos meus braços.

— Eu não quero te soltar, papai.

— Oh, eu também não. Mas, olha só, vai tomar um banho porque você brincou muito hoje, e quando terminar eu vou pedir alguma coisa pra você comer, tá?

— E pra você? Não tá com fome?

— Não...

— Eu também não quero.

— Por que não? Não pode ficar muitas horas sem comer.

— Mas, eu não quero. Eu não sei se meu irmãozinho tá com fome, eu também quero ficar com fome.

Aquele gesto tocou meu coração e outra vez eu não pude segurar as lágrimas.

— Oh, meu amor... Quando seu irmãozinho voltar... Olha, a gente... A gente faz um piquenique até, tá? Mas, agora você vai comer alguma coisa, porque eu não quero que você fique doente.

— Tá bom.

— Então, vai lá tomar um banho, vai. Eu vou pedir um hambúrguer pra você, daquele que você gosta.

O meu menininho foi, obediente como sempre. Eu aproveitei para sair do quarto e ir até a recepção buscar alguma notícia.

...

...

...

— Nada ainda?

— Não, senhor. Mas, o gerente mesmo foi com o seu companheiro até a central de segurança verificar as imagens das câmeras. Pode estar certo de que se alguém entrou aqui e pegou seu filho eles vão encontrá-lo.

— Tomara. ... Mas, eu ainda não me conformo. Não entendo como alguém estranho pode ter entrado aqui sem que vocês vissem e sair levando um bebê!

—... Também não entendemos. A pessoa que pegou seu filho deve ter saído com ele por outra saída, como a dos empregados, por exemplo. Ou a saída extra do pátio de recreação, já que as crianças estavam lá.

— Só espero que encontrem rápido. Eu não tô suportando ficar longe dele, essa incerteza, essa angústia de não saber onde ele está nem com quem. Que tipo de pessoa leva uma criança assim?! Isso não é gente.

Após o breve desabafo de Niko, ele foi até a cozinha pedir o hambúrguer para Jayminho. E quando já ia voltando com o prato, ouviu alguém chamá-lo.

— Niko!

— Eron?

— Oi! Finalmente eu te encontrei.

— Por que estava me procurando?

— Porque deixamos uma conversa pendente lá na casa de praia e...

— Eron, por favor, me deixa em paz. Não temos nada pra conversar. Eu estou passando por um dia péssimo, me deixa...

— Niko, o que foi? Parece tão abatido.

— Estou mais que abatido, estou... – Não conseguindo segurar o choro mais uma vez, deixou as lágrimas rolarem. – E-Estou arrasado. Nem sei...

Eron pegou em seus ombros como se quisesse acalentá-lo. – Niko, o que você tem? Aconteceu alguma coisa?

— O Fabrício...

— O que tem o Fabrício?

— Ele... Ele sumiu, Eron. O meu bebê desapareceu.

— Desapareceu? Como assim? Quando, como aconteceu?

— Hoje. Eu tinha acabado de voltar com o Félix do hospital e ele tinha desaparecido.

— Espera! Com o Félix? Do hospital? Por que estavam num hospital?

— O Félix quase se afogou hoje pela manhã. Eu deixei os meninos aqui com uma camareira e fui até o hospital atrás dele. Graças a Deus ele está bem, mas... Mas... – Enquanto Niko engasgava com o choro pelo sumiço do seu filho, Eron começou a pensar sobre os motivos de tanta tristeza.

— Então, o Félix quase se afogou e foi parar no hospital... E ele não está aqui agora. O que será que aconteceu?Será que perdeu a memória de novo? Deve ter sido. Se ele recordasse ele estaria aqui nesse instante com o Niko. ...

— Você está sozinho? – Eron perguntou, verificando a ausência de Félix.

— Agora estou, como você vê. O Jayminho tá me esperando lá no quarto, eu vou levar esse hambúrguer pra ele. Deixa eu ir antes que esfrie.

— Espera, deixa eu ir com você. Você está muito abalado, eu posso te fazer companhia.

— Não! Não, não precisa. Não tem necessidade. Eu vou ficar com meu filho e... E esperar por notícias. Eu... Vou rezar pra que meu bebê esteja bem, sei lá...

Com a certeza de que Niko não chorava apenas por Fabrício, mas também por Félix, Eron colocou seu joguinho em ação.

— Niko, escuta... Vamos deixar nossas diferenças de lado. Nesse momento você precisa de ajuda e eu quero te ajudar apesar de tudo.

— O que você quer dizer?

— Que eu vou investigar, Niko. Eu tenho muitos contatos, eu vou investigar e eu vou trazer o Fabrício de volta pra você. Eu te prometo.

— Sério, Eron?

— Claro que é sério. Você queria esse filho quando ainda estávamos juntos, o Fabrício também poderia ser meu filho, e é claro que eu vou fazer de tudo para encontrá-lo. Eu faço até o impossível para trazê-lo de volta são e salvo para você, Niko.

Niko, em sua doce ingenuidade e vendo mais uma luz no fim do túnel, indagou:

— Você faria isso? Mesmo depois... Depois do que eu fiz?

— O que você fez?

— Você sabe! Eu te convidei para o meu noivado com o Félix sem você saber, só para que você visse o quanto eu sou feliz com ele. Eu quis esfregar isso na sua cara.

— Ah, sim, isso... Eu já esqueci. Já não importa mais. Eu só quero te ver feliz. Eu queria muito que você acreditasse que eu só quero te ver feliz. E por isso eu vou encontrar o Fabrício, custe o que custar.

— Eu... Eu ficarei extremamente agradecido se você conseguir, Eron. Você sempre foi um profissional competente. Encontra meu filho, por favor.

O advogado saiu de lá exatamente como queria. Com um Niko que poderia ficar muitíssimo agradecido a ele, a seus pés.

...

Horas depois...

— Nada, carneirinho. As câmeras daqui são uma porcaria. Só você vendo, imagens mais borradas que pintura surrealista. É o apocalipse!

— Quer dizer que... Não tem o que fazer? Não pode, Félix, tem que haver alguma coisa, tem que ter um jeito de a gente achar meu filho!...

— Calma! Ei! Calma... Tem um jeito sim. Olha só, a polícia já está investigando e, como a gente sabe como é a demora no Brasil, eu mandei que as imagens fossem investigadas também por um cientista forense especializado. Ele vai focar as imagens o máximo possível para a gente descobrir a cara do pilantra que levou o Fabrício.

— A cara do pilantra? Então... Vocês sabem que foi um homem? Tem alguma pista?

— Carneirinho... A verdade é que... Sim. Foi um homem que o levou. Não dá pra ver quem foi, mas aparece uma silhueta masculina muito suspeita. Suspeita até demais pra mim.

— Como assim? Você suspeita de alguém?

—... Não, não. Deixa as imagens chegarem e nós vamos ter uma foto desse bandido em nossas mãos e aí sim, ele vai ter que nos devolver o Fabrício.

— Ah, Félix... Eu não aguento mais. Eu não aguento mais essa angústia.

— Eu sei que não adianta te pedir para não ficar nervoso, mas agora é só questão de horas, minutos talvez. – Félix acariciou o rosto do seu amado carneirinho tentando tranquilizá-lo. – Você quer tomar um calmante de novo para descansar?...

— Não. Quero ficar acordado. Pode ser que esse perito chegue com as imagens ou que o Eron ligue pra me dar alguma notícia...

— O Eron? O que essa lacraia tem a ver com essa história? – Félix logo se pôs de pé, contrariado.

— Ele esteve aqui quando você saiu...

— Pra quê?

— Não sei... Ele queria conversar alguma coisa comigo, mas acabou nem me dizendo o que era. Quando eu contei do desaparecimento do Fabrício ele prometeu me ajudar.

— Niko, eu já estou te ajudando. Eu sou o segundo pai dos seus filhos. Você não precisa daquela lacraia pra nada!

— Félix, por favor, não discute por isso agora. Quanto mais gente tiver atrás do Fabrício melhor. Eu preciso do meu bebê comigo.

Félix deu um longo suspiro.

— Tá bem. Eu vou aceitar, só por causa do Fabrício. Mas, que fique bem claro que eu não quero mais essa lacraia do olho colorido se metendo na sua vida.

— Que seja, Félix. Só me dá um abraço.

Enquanto abraçava o seu amado carneirinho, Félix pensava:

—... Ainda mais se minhas suspeitas estiverem certas. Aquilo na câmera me é familiar. E se for quem estou pensando... Ele vai me pagar. Eu vou pisar nele como o bicho asqueroso que ele é.

No meio do abraço, Jayminho apareceu.

— Papi Félix!

— Oi! – Félix largou Niko e levantou Jayminho nos braços.

— Já achou meu irmãozinho?

— É... Ainda não... Mas, eu acho que sei onde ele pode estar. Logo, logo ele vai estar aqui, tá?

— Tá bom. – Jayminho fez uma carinha de tristeza.

— Ei! O que é isso? Não faz biquinho. O Fabrício vai voltar logo mesmo, você vai ver. Afinal, quem é o seu herói aqui, hein? Além do seu papi carneirinho, claro.

— É você.

— Sou eu?

— É.

— Então? Eu não já salvei o Fabrício uma vez, vou salvar de novo. Com meus ultra, super poderes de inteligência.

— Você é mais inteligente que o Batman, Félix!

— Ah! Eu sou mesmo. Ele só é mais rico.

Apesar de sorrir vendo Félix fazendo Jayminho sorrir, Niko continuava sem chão. Pelo menos, até uma hora em que Félix foi com Jayminho pegar o jantar e Niko preferiu ficar sozinho. Eis que uma visita lhe traz uma surpresa.

— Já vou! – Falou ao ouvir as batidas na porta.

E ao abrir...

— Fabrício!

— Aqui está ele, Niko. Eu disse que ia trazê-lo de volta pra você.

— Meu bebê! Me dá ele! – Niko logo pegou seu bebê dos braços de Eron e o abraçou chorando. – Meu filho! Meu filho!... Eu tive tanto medo de ter te perdido, meu amor. Meu menininho, meu Fabrício! – O pequeno começou a chorar, mas mesmo assim Niko o abraçava e sorria enquanto chorava.

— É tão bom te ver assim, emocionado, mas feliz.

— Eu tô muito feliz, muito!... Oh, meu bebê, você deve estar com fome, não tá? Eu vou te dar seu leitinho. – Virou de novo para Eron. – Obrigado.

Era tudo que o advogado queria ouvir.

— De nada, Niko. Você merece.

Em meio às emoções, Niko segurou Fabrício com um braço e com o outro abraçou Eron. Eron, claro, não perdeu tempo e o abraçou por inteiro, pela cintura e pelo pescoço.

Chorando, Niko pediu: - Desculpa.

— Não tenho nada que te desculpar, Niko.

— Eu te julguei muito mal. Eu pensei horrores de você. Você... Cometeu muito erros, sim, mas... Mas, você trouxe mesmo o meu filho de volta. Você finalmente cumpriu uma promessa.

Eron o abraçou mais forte.

— Eu fiz o que fiz porque ainda gosto muito de você, Niko.

...

Nessa mesma hora, Félix e Jayminho estavam voltando para o quarto e ouviram o choro de Fabrício.

— Fabrício?

— É! É ele! É o meu irmãozinho! Ele voltou! – Jayminho correu na frente sendo acompanhado por Félix que, quando chegou à porta do quarto, se deparou com uma cena bem desagradável.

...