Make a Memory

Capítulo XXXIII – Pesadelo


— Carneirinho! Pelas contas do rosário... Que beijo foi esse?

— Ah, Félix... Que saudade!

Eu sei que parecia ridículo estar ali agarrado no pescoço dele, beijando e acariciando-o, enquanto ele estava deitado numa cama de hospital sem entender nada... Mas, afinal, quem não é ridículo quando ama?

— Você voltou... Voltou, meu amor...

— Carneirinho... – Ele tentava rir, mas eu praticamente não deixava. – Não estou entendendo nada.

— Meu amor... Félix... Félix! – Segurei no rosto dele com ambas as mãos. – Como é bom te ter de volta! Sentir que você tá aqui comigo... – Comecei a acariciar seu rosto como se ainda quisesse senti-lo de verdade ali comigo. E acho que era isso mesmo que eu queria... Saber se aquilo era mesmo real ou se não passava de um sonho.

— C-Carneirinho... Para. Para, criatura, chega! – Ele segurou em minhas mãos. – O que houve, hein? Até parece que eu morri e ressuscitei!

—... Acho que... Foi meio isso...

— Como é?

Meu sorriso se apagou quando percebi que seria necessário explicar para ele tudo que havia acontecido desde o seu acidente. Fiquei com receio de sua reação ao saber tudo pelo que ele havia passado.

— Nas últimas semanas... Foi isso que aconteceu, Félix. Você... Morreu. E agora você voltou.

Coitadinho. Ficou me olhando com uma carinha assustada sem compreender uma palavra do que eu lhe dizia.

—... O que... O que houve? Eu... E-Eu fiquei em coma? Foi isso, carneirinho? Me responde!

— Você não se lembra de nada?

— Não!... Do que eu deveria me lembrar?

Percebi que ele havia esquecido completamente os seus dias como Cristiano. E agora? Como contar para ele tudo que ele viveu achando ser o irmão que morreu?

— Meu amor... Você... Você não se lembra de nada.

— Não me lembro de nada? Como assim, carneirinho? Eu estou aqui, com você, eu me lembro de você, eu não sei onde estou, m-mas, como assim não me lembro de nada? Não tô entendendo...

— Calma, calma, Félix. É que... Como eu vou te contar tudo que aconteceu nesse tempo? Foi tanta coisa. Nem sei por onde começar...

— Ora, começa do começo! Faz como quiser, mas me conta logo, Niko. Eu não salguei a santa ceia pra ficar aqui nessa aflição enquanto você fica aí fazendo a misteriosa!

Suspirei profundamente e olhei em seus olhos mais uma vez. Aquele brilho vívido no olhar, aquele jeito de sempre querer algo mais, aquele tom de voz debochado...

— Ah, as coisas que você diz... É tão bom te ter de volta. – Expressei cheio de saudade.

Ele me encarou ainda cheio de dúvidas, mas com uma ternura que para mim tornava cada vez mais claro a diferença entre o meu Félix e o Cristiano.

— Carneirinho... Eu estou mais calmo. Está bem? Agora, me conta, o que aconteceu comigo. Por que eu estou num hospital? Ainda mais aqui, em Angra dos Reis? Fala a verdade, por favor. E a verdade verdadeira, por que eu sei que você não sabe mentir, e se você me esconder alguma coisa eu vou saber.

Suspirei de novo tentando encontrar as palavras certas enquanto ele se agitava cada vez mais.

— Amor, o que está fazendo? – Perguntei quando ele começou a se mexer como se fosse se levantar. – Você ia se afogando, acho que tem que ficar mais tempo de repouso.

— Não. Repouso nada! Eu quero saber o que me aconteceu de verdade, e quero agora. – Ele levantou pondo os pés no chão com cuidado. Ficou de pé devagar e depois começou a apalpar o próprio corpo como se procurasse algo.

— O que foi?

— Não sei! Me diga você! Eu estou sentindo minhas pernas, posso andar, estou enxergando, falando, ouvindo... Não pareço ter problema nenhum.

— E não tem, Félix.

— E por que esse mistério todo, carneirinho? – Ele voltou a sentar na cama. – Será que eu fiz cachinhos na peruca de Sansão para você ficar fazendo suspense para me dizer que eu não tenho absolutamente nada?! A não ser que... É um problema interno? É isso?

— Não! Ai, Félix, até desse seu jeito dramático eu estava com saudade, sabia? Você está ótimo. Não tem nada.

— Como não tenho nada? Eu sei que tem alguma coisa errada. Espera... Eu acabei de acordar numa cama de hospital... – Ele me encarou com desconfiança. – Niko... Que dia é hoje?

— Oi?

— Que dia é hoje?

— Pra que você quer saber?

— P-Para... Para saber quanto tempo eu fiquei em coma.

— Quê?!

— Niko, não tente me enganar que eu não sou burro. Pensa que não percebi?

— Que não percebeu o quê?

— Que eu fiquei em coma, ora! Pelas contas do rosário! Por isso eu acabei de acordar aqui, por isso não me lembro de como viemos parar em Angra dos Reis. Eu fiquei em coma muito tempo?

— Félix, Félix, calma! – Peguei em seus braços que já começam a se agitar enquanto ele falava. – Relaxa! Eu vou te contar tudo. Mas, tenta relaxar... Isso vai demorar.

...

...

...

Enquanto isso...

Na casa de praia, Eron havia acabado de sair deixando André sozinho.

— O que será que o Eron fazia tanto aqui antes de ir à praia?

O médico se perguntava quando, olhando ao redor, viu que o advogado havia esquecido o celular. Curioso e aproveitando a oportunidade, ele pegou e não demorou muito para descobrir a senha. Após algumas tentativas de descobrir a senha numérica, digitou os números seis, quatro, cinco e seis, os quais em teclados antigos formariam o nome Niko.

— Olha só, abriu! Muito interessante, Eron. Para quem diz que não pensa mais no ex...

Depois de confirmar que Eron ainda era interessado em Niko, André não se importou em mexer à vontade no celular do advogado. Também não precisou de muito tempo. Após descobrir algumas fotos de Niko que Eron provavelmente vivia admirando, ele também descobriu várias ligações feitas minutos antes de Eron sair.

Ao ligar para os mesmos números, entendeu do que se tratava. E que a obsessão de Eron por Niko era maior do que ele imaginava.

— Ele ligou para vários hotéis e pousadas daqui. Claro... Ele está tentando descobrir onde o ex-companheiro está. Isso se não já descobriu.

...

André não estava errado. De fato, Eron já havia descoberto onde Niko havia se hospedado.

—... Se ele saiu mesmo, porque os filhos dele estão brincando ali na área de recreação? – Eron perguntava à recepcionista.

— Senhor, o hóspede teve que sair com urgência e pediu que uma de nossas camareiras ficasse cuidando das crianças. Isso é tudo.

— Urgência? Aconteceu alguma coisa com ele?

— Desculpe, mas não podemos dar essa informação.

— Mas, eu preciso saber!... Deixa pra lá. Apenas me diga se ele saiu sozinho ou com o... O companheiro dele.

— Ele saiu sozinho e isso é tudo que posso dizer, senhor.

— Sozinho? E por que uma camareira ficou cuidando das crianças? Cadê o Félix?

— Senhor, eu já disse que não posso dar mais nenhuma informação. Eu peço que se retire, por favor.

Eron não perguntou mais nada e saiu dali. Mas, ainda queria saber:

— Aonde será que esses dois foram? E se o Niko saiu mesmo sozinho... Onde será que o Félix se meteu? ... Ah, como seria maravilhoso se ele tivesse perdido a memória outra vez! E se tivesse se perdido mesmo agora, de uma vez por todas.

Ele já ia atrás de mais informações, mas pensou melhor e teve outra ideia.

— E se... Talvez... Sim. Essa pode ser a hora certa de colocar meu plano em ação.

...

...

...

Uma hora depois...

Félix mantinha o olhar pasmo, fixo no nada, enquanto eu terminava de lhe contar os tristes detalhes da sua perda de memória.

—... E foi assim que você veio parar aqui, agora. E por isso que eu tive toda essa surpresa quando percebi que você tinha recuperado a memória, Félix. Porque você voltou a ser você mesmo.

— Quer dizer que antes... E-Eu era... O Cristiano?

—... Era.

— C-Como? Como isso pode ser possível, carneirinho? – Ele me olhou com os olhos cheios de lágrimas. Eu não saberia explicar aquela expressão assustada em seu rosto.

— Eu não sei, Félix. Eu também não entendo. Nunca entendi porque você acordou achando ser o Cristiano.

— O Cristiano... Logo ele!... Mas, eu... Eu nem conheci o Cristiano...

— Mas, quer saber, Félix? O que importa é que você se recuperou. É você mesmo agora e... E nós vamos ser muito felizes, meu amor. – Tentei dar forças a ele naquele momento. Ele precisava, era notável o quanto estava abalado. – Olha só... Quer saber o que foi mais... Mais mágico nisso tudo?

— O quê?

Sentei ao lado dele e peguei em sua mão do mesmo jeito que fiz durante todo o tempo que ele ficou sem memória e falei:

— O mais mágico foi que mesmo achando ser o Cristiano... Você se apaixonou por mim. Compreende isso, Félix? O nosso amor é maior que qualquer barreira. Maior que as memórias, maior que o tempo, maior que a vida. Porque mesmo sem ser a sua vida que você estava vivendo, você aceitou viver ao meu lado. Você compartilhou sua vida comigo... Mesmo que fosse a vida do Cristiano. Sabe o que isso quer dizer?

Ele ficou calado e eu respondi:

— Isso quer dizer que não importa o que você fizesse da sua vida, o que acontecesse conosco ou o que estivesse reservado para nós... A gente ainda ia se amar. De qualquer maneira. Em algum lugar... Em algum momento. ... Somos almas gêmeas. ... Eu te amo, Félix.

Ele desviou o olhar de mim nesse instante, apenas pelo segundo necessário para as lágrimas escorrerem por sua face. Ele voltou a me olhar e com um: - Eu te amo, carneirinho. – Ele me abraçou muito forte. Naquele abraço, senti de volta por inteiro o meu único e verdadeiro amor, a minha felicidade em meus braços. Agradeci aos céus por tê-lo de volta e dei-lhe um beijo no pescoço com toda a paixão que eu queria lhe proporcionar. Eu não queria soltá-lo nunca mais. Porém, um enfermeiro entrou.

— Opa! Com licença...

— Pode entrar.

— Vim colocar mais um soro nele. É o último. Tem uma medicação, ele pode ficar sonolento. Mas, depois disso já vai poder ir embora.

— Ah, que bom! – Comemorei. – Viu, Félix? Daqui a pouco você já vai sair. Eu sei que você não gosta de hospitais. Também, quem gosta, né?

O Félix continuava muito calado. Não era para menos depois de tudo que lhe contei. Ele precisava saber pelo que tinha passado, mas eu tinha noção de que devia estar doendo no coração dele. Não era nada fácil.

Como o enfermeiro tinha dito que talvez o Félix dormisse um pouco, resolvi pedir para conversar com o médico que o havia atendido para tentar entender melhor sua situação.

...

Depois...

—... Bem, por tudo que o senhor me contou, a única possibilidade a que posso chegar é de que o seu companheiro passou por dois momentos extremamente traumáticos. Um antes do primeiro acidente e outro agora quando quase se afogou. Isso o fez recuperar a memória da mesma maneira que o fez perdê-la.

— Traumático? Mas, como o quê, por exemplo?

— Qualquer coisa pode ser traumática, dependendo da pessoa. Houve alguma perda na família ou alguma perda importante para ele, talvez alguma briga ou discussão acalorada com alguém que ele preza?...

Enquanto o doutor falava, fiquei me lembrando de como o Félix falava comigo ao telefone naquele fatídico dia...

... ... ... - Carneirinho! Carneirinho, como é bom ouvir sua voz!

— Félix? Sua voz está alterada. O que foi?

— V-Você me ligou na hora certa.

— O que está havendo? Está me deixando preocupado.

— Você está em casa?

— Sim, eu vou ao restaurante agora, queria perguntar se você quer almoçar comigo mais tarde... Por quê? Onde você está?

— Estou dirigindo.

— Ai, Félix, eu não sabia. Não é bom dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo. Vou desligar.

— Não! Não, por favor, não desliga!

— Mas, Félix...

— Eu estou indo para aí, carneirinho.

— Para cá? Para minha casa?

— Sim!... Eu... Eu posso ficar aí?...

... ... ...

— Sabe, doutor, eu acho que ele estava fugindo no dia do acidente.

— Fugindo?

— Sim. Fugindo da realidade. ... Antes do acidente ele falou comigo pelo telefone. Dava quase para sentir o quanto ele estava nervoso, agitado, abalado mesmo e triste, muito triste.

— Ocorreu algo para ele ficar assim?

— Ocorreu sim... Muita coisa. Com certeza uma discussão péssima com o pai o deixou daquele jeito e... Quando ele acordou do acidente, ele achava ser o irmão que morreu. O irmão que ele sempre achou que o pai amava mais que ele.

— Isso já explica muita coisa. Bom, eu indico que ele faça consultas com um especialista; neuro, psicólogo, psiquiatra, etc. E acima de tudo, que receba muito carinho e compreensão da sua parte. Ele pode ficar confuso esses dias, tenha paciência.

— Eu sempre tenho muita paciência. Principalmente para ele.

Depois de receber algumas dicas do médico, voltei para ficar com o meu Félix. Aproveitei que ele estava dormindo serenamente para ficar ali admirando sua beleza e a felicidade por ele estar completo de novo.

— Eu tô tão feliz por te ter de volta, meu amor. Quando você acordar, nós vamos voltar para casa e vamos ser finalmente a família completa que tanto sonhamos. Porque eu sei que você também sonha com isso...

...

... ... ...

... - E o melhor de tudo é que mesmo compreendendo o quanto, o como e o porquê do sentimento... Ainda assim é um sentimento incompreensível.

... - É o apocalipse eu estar divagando sobre essas coisas dentro do carro no meio do trânsito infernal...

... - Espero que dessa vez o papi não tenha notado minha ausência. Eu não aguento mais brigar com ele. É nessas horas que eu me sinto mal até por estar me sentindo tão bem.

... -... Era muito difícil não ficar de coração partido quando eu pensava nas palavras do papi e sabia que, se ele pudesse escolher, não me teria como filho. ...

... -... E você, hein? Que não foi capaz de amar nem o próprio filho, hein? Fala! Quem aqui que não ama ninguém?

— Como queria que eu te amasse se eu nunca quis um filho como você?

—... Foi o simples fato de eu nascer, não foi, doutor César? O senhor nunca me suportou!

—... O pior de tudo foi quando perdi meu outro filho e percebi que você jamais seria igual a ele.

—... Se você pudesse trocar a vida do Cristiano pela minha... Você trocaria?

—... A morte do Cristiano me doeu muito porque ele já era maior, era meu primeiro filho, e eu conhecia a personalidade daquele garoto, ele se tornaria um homem como eu. Já você... Você é uma decepção...

—... Eu sim sou capaz de amar alguém! Bem diferente de você!

—... Dane-se se você não gosta que eu lhe chame assim... ... Essa é a nossa última briga, ouviu?... ... Já que sou o filho que nunca quis ter, de agora em diante será como se nunca tivesse tido.

—... Eu não aguento mais!

—... Nunca vai gostar nem um pouquinho de mim. Ele só considera a Paloma e o maldito filho morto dele! Às vezes queria eu ter morrido naquela piscina. Eu. Todo mundo teria sido poupado da minha existência. Pra quê que eu nasci? Pra quê? Pra fazer tudo errado. Pra ser odiado. Pra não servir pra nada!... ... O Cristiano era quem deveria estar aqui, não eu. ...

—... - Carneirinho! Carneirinho! Está ouvindo?...

—... Repete que me ama, vai.

—... Eu te amo.

— De novo.

— Eu te amo.

— De novo... Por favor...

— Ah, meu amor... Eu te amo, te amo, te amo! Posso repetir quantas vezes for preciso. Eu te amo, nunca se esqueça disso. ... ...

... ... ...

...

— Carneirinho!

Félix acordou dando um grito. Levei um susto e me aproximei dele rapidamente.

— Félix, o que foi? O que você tem?

Ele estava muito assustado, alterado, suando frio. Percebi isso quando peguei em suas mãos e ao ver sua testa molhada. Ele tremia. E, de repente, começou a chorar desesperadamente.

— Félix! Amor!... – Coloquei-o entre meus braços para acalentá-lo. Eu não sabia o que dizer, não sabia por que ele estava daquele jeito.

Esperei que ele se acalmasse até que ele conseguiu respirar e me contar:

— E-Eu tive um pesadelo.

— Oh! Meu amor, foi só um pesadelo, não fica assim...

— Não foi só um pesadelo, carneirinho. Foi... Muito real.

— Às vezes, alguns pesadelos parecem muito reais, mas mesmo assim...

— Não, carneirinho, você não tá entendendo. Não foi só um pesadelo, foi uma lembrança.

—... Uma lembrança?

— É. Eu já sei por que eu acordei depois do acidente achando ser o Cristiano.

— Por quê?

— Porque eu queria ser ele.

...

...

O Niko me olhou de um jeito que eu sabia que ele não havia entendido bem o que eu queria dizer. Mas, eu me entendia muito bem. Eu havia acabado de me lembrar do momento do meu acidente. Momentos antes também, quando briguei com o papi, quando saí de casa querendo não olhar mais na cara dele, quando ia em direção à minha salvação, ou seja, o carneirinho...

— Eu queria ser o Cristiano, carneirinho. Durante toda minha vida eu tentei ser o filho que o papi queria ter. E quem ele queria era o Cristiano, não eu. Ele nunca me quis. ... Portanto, eu... Eu, na verdade, tentei a vida inteira ser o Cristiano... O filho perfeito que o papi queria.

— Félix... Já chega de se torturar. Para de sofrer por isso, meu amor. Olha, se o seu pai nunca, nunca demonstrar que te ama, nunca demonstrar carinho por você, pode ter certeza que amor e carinho não vão lhe faltar. Não mais.

Ele tentava me acalentar com tanto amor e sinceridade que eu acreditava em cada palavra do que ele dizia.

— Eu sei, carneirinho. Eu sei que você me ama... – Acariciei o rosto dele. – E que você vai repetir isso quantas vezes for preciso.

Vi o belo olhar verde dele se iluminar quando eu disse isso. Ele também recordou quando me disse isso, eu sei. Ele sorriu e me abraçou, declarando:

— Eu sempre vou repetir que te amo. Quantas vezes forem necessárias para você não esquecer nunca mais.

Suas palavras bateram forte no meu coração.

— Desculpa por ter te esquecido, carneirinho. Me perdoa?

— Eu já te perdoei, Félix.

— Eu sou mesmo muito mal...

— Ei! – Ele me olhou. – Por que diz isso?

— Porque só sendo mesmo péssimo para conseguir esquecer um ser como você.

As lágrimas que vieram novamente foram interrompidas pelas mãos dele no meu rosto, enquanto ele dizia:

— Quem disse que você se esqueceu de mim? Você havia esquecido o meu nome, meu endereço, o fato de sermos namorados... Sim. Mas, você nunca se esqueceu do quanto você me ama. E do quanto você é importante para mim. Sabe por quê? Porque cada vez que você se sentiu perdido, você me procurou. E... Quando você me achou, foi quando você se encontrou. Cada vez, Félix... Cada vez que encontramos um ao outro, nós encontramos a nós mesmos. Por isso é que eu não vivo sem você, Félix.

Eu nunca me senti tão eu quanto quando estou com ele, assim, junto de mim, me amando.

— Eu... Não vivo sem você, carneirinho.

Voltamos a nos abraçar e ele ficou cuidando de mim até a hora em que um enfermeiro veio tirar o soro e avisou que eu já podia ir pra casa. Eu já estava bem melhor, sentia minhas forças voltando como se eu tivesse recuperado a vida. E era quase isso mesmo.

...

Foi aí que o Niko me pôs no carro e, no caminho, me contou o resto da história da minha perda de memória. Ele já havia me contado tudo que ocorreu em São Paulo enquanto eu achava ser o Cristiano, mas faltava a última parte: o que havia acontecido em Angra dos Reis.

— Então, aquela lacraia do olho colorido vendeu a casa que era do papi para o doutorzinho com quem ele tá saindo?

— Foi. E parece que não tem mais jeito, acho que o André já assinou o contrato de compra.

— Não me faltava mais nada! É o apocalipse o papi ter mandado essa lacraia peçonhenta vender a casa onde eu queria morar com você! Ele fez isso porque eu já tinha contado os meus planos para ele e, claro, o papi é esperto, soube logo para onde eu queria levá-lo e tratou de se livrar da casa.

— Pois é. Bom, nós vimos muito pouco da casa, mas pelo que deu pra ver é muito boa. Você teve uma excelente ideia. Seria ótimo se a gente pudesse morar lá com os nossos filhos, eles iam adorar.

— Nossos filhos... Eu que adoro quando você fala isso, sabia?

— Pior que eu sei.

Rimos e eu peguei em seu ombro, imaginando as reações deles ao ver a casa.

— Aposto que o Jayminho amou o jardim, a piscina...

— Como você sabe?

— Eu só imaginei. É meio óbvio.

— É mesmo. Bom, vamos para a pousada e arrumar nossas coisas para voltarmos a São Paulo, tá?

— Vamos. Mas, eu ainda não me conformo, carneirinho.

— Com o quê?

— Com o fato de termos perdido aquela casa. Ela tinha que ser minha. E eu ainda vou dar um jeito de conseguir recuperá-la.

Niko começou a rir quando falei isso.

— Que é? Tá caçoando de mim agora?

— Não, Félix, é que... É tão bom ouvir você falando assim, sua atitude, seu jeito... É bom demais te ter de volta.

— Pelo seu sorriso... Esse meu jeitinho de ser fez tanta falta assim, foi?

— Muita falta. Você não sabe quanta saudade você me deu.

— É... Carneirinho, me diz uma coisa... Enquanto eu achava ser o Cristiano, você e eu...

— Você e eu o quê?... Ah! Você quer saber se a gente...

— É. Eu dava conta do seu fogo mesmo desmemoriado?

Ele abriu um sorriso enorme e ficou com as bochechas vermelhas. O que será que tinha acontecido entre nós durante esse tempo para ele ficar assim?

— Olha...

— Ih! Começou com “olha”, não quero nem saber, carneirinho. Não me diz. Já vi que não devo ter nem tocado em você, né?

— Na verdade... Rolou sim.

— Rolou? Tipo o quê?

— Nós tivemos uma segunda primeira vez, digamos assim. Foi muito bonito, foi especial. E depois, você sempre me pedia uma coisa...

— Que coisa?

— Hum... Olha, Félix, nós já chegamos. Vamos logo que eu tô morrendo de saudade dos meus filhotes, nunca deixei os dois sozinhos tanto tempo com alguém que não fosse a Adriana. Então, vamos ficar com eles, arrumar as malas, e da próxima vez que estivermos a sós a gente conversa bastante sobre nossas noites de amor que você não lembra, tá?

— Tá, né? Não tem outro jeito.

— Você não vai acreditar.

Preferi nem imaginar sobre o que ele estava falando. Saímos do carro e entramos na pousada.

Porém, o que tinha tudo para ser um final feliz apesar dos percalços, se tornou outro pesadelo. Esse mais real e muito mais assustador.

...

— Onde está meu filho?! Eu quero meu filho!

...