Make a Memory

Capítulo XXXII – O Despertar


Pegadas na areia... Era tudo que aquele homem ia deixando para trás. Naquela noite fria, o vento mexia seus cabelos negros e arrepiava sua pele... Mas, ele parecia nada sentir. E não sentia... Só a saudade.

Saudade de quê? Ele mesmo se perguntava. Aqueles a quem amava estavam lá dormindo serenamente esperando sua companhia... Mas, ele os havia deixado. Se ele havia escolhido partir a dormir do lado deles, por que sentia saudade agora?

Talvez porque soubesse que não voltaria a vê-los. Não voltaria a se deitar ao lado daquele ser pelo qual se apaixonou, não voltaria a ser o pai daquelas crianças que aprendeu a amar. Talvez, de alguma maneira, ele soubesse que jamais voltaria.

Aquilo era uma despedida.

O homem chegou mais perto do mar até molhar os pés nas ondas. Mais alguns passos e logo a água batia em sua cintura. E ele não parou. Continuou em frente como se o oceano o fosse levar para o mundo das memórias que ele estava procurando.

Dentre as poucas recordações que guardava de um breve espaço de vida, uma em especial lhe veio à mente. Um pedacinho de uma conversa com sua eterna babá, Márcia...

... ... ... - Olha, meu menininho... Eu vou te contar a toda a história de novo. Eu já te contei uma vez e vai ser com a mão no coração que eu vou te contar de novo. Mas, depois disso, não me peça pra repetir, por favor, porque é... É doloroso demais.

— Está bem. Me conte tudo.

— Eu era a sua babá quando você era só um bebezinho. Você era só um recém-nascido e precisa de cuidados. Mas, sua mãe... Ela teve uns problemas e não conseguia cuidar de você.

— Que tipo de problemas?

— Eu não sei, só sei que fui contratada pra cuidar de você. Mas, aí tinha o seu irmãozinho também. O Cristiano era um menino lindo e muito agitado. Ele não parava quieto, Félix. Eu tentava ficar de olho nele também, mas não era fácil. Enquanto ele era muito bagunceiro, você era muito dengoso. Você era muito novinho, chorava a toda hora. Mas, era tão bom cuidar de você. Você era tão lindo. ... Na época eu ainda não era mãe, e como eu ficava a maior parte do tempo com você eu cuidava de você como se você fosse meu próprio filho. ... Eu te amei desde a primeira vez que te peguei nos braços, Félix. Por isso, você é meu menininho.

— E o Cristiano?

— Ele não gostava muito de ser cuidado, não. Dava pra ver que ele ia ser um menino rebelde. A gente dizia pra ele não fazer tal coisa, ele ia lá e fazia. Ah, ele gostava de ficar correndo naquele jardim enorme da casa de vocês... Fazendo traquinagens, cortando as plantas, jogando coisas na piscina... É... Naquela piscina...

— Por que parou?

— É difícil lembrar que... Que ele adorava atirar coisas na piscina e acabou... ... Daquele jeito.

— Que jeito?

—... Sabe, Félix... Uma vez eu procurei sua chupeta e a mamadeira por todo lado. Não encontrei. Sabe onde estava? Na piscina. Eu fui procurar pelo jardim e peguei no flagra o Cristiano enchendo sua mamadeira com água da piscina, acredita? E a chupeta estava lá, boiando. Boiando...

— Por que fez essa cara? Você ficou tão triste dizendo isso...

— Foi... Foi do mesmo jeito que eu... Que eu o encontrei.

— Q-Quem?

—... O Cristiano. ... O seu irmãozinho, Félix... Ele... Ele morreu afogado... Na piscina.

— E-Ele... O quê? Afogado?

—... Pois é. Eu estava passeando com você pelo jardim, parei perto da piscina porque você começou a chorar e eu corri pra pegar sua mamadeira, e quando eu voltei... Quando eu voltei, eu... Eu vi a pior cena que eu poderia ver. O Cristiano tinha caído na piscina... Ele não sabia nadar, ele... Estava lá, boiando... Morto. Foi num minuto! Um minuto que eu demorei e... E cheguei tarde demais. ... ... ...

E ele continuou. Continuou até sentir que seus pés já não tocavam mais o solo do fundo do mar. Seu corpo agora boiava... Foi aí que ele sentiu como se pudesse voar. Voar mais alto, mais longe... Voar para um lugar calmo que o aguardava, para que ele, o Cristiano, finalmente descansasse em paz.

Recordações breves e muito rápidas com o seu amado carneirinho passaram como um filme em sua cabeça. E em meio a tantas declarações de amor, ele fez a sua última.

— Perdão por ter te esquecido, carneirinho... Mas, não era eu quem deveria me lembrar de você. Era outro... Era o seu Félix. Perdão por ter roubado o lugar dele. Perdão por ter tentado roubar seu amor. O seu amor é dele... É do seu Félix, não meu. Mas, eu prometo que nunca vou te esquecer. Porque eu sei que você vai cumprir a sua promessa e nunca vai me soltar. Mas... Agora sou eu quem precisa se soltar de você, Niko. ... Tomara que você possa reencontrar o seu verdadeiro amor antes que seja tarde demais... Tanto para mim quanto para ele.

Suas lágrimas se misturaram com a água salgada do mar que já cobria todo seu corpo. E ele, antes de prender o fôlego, ainda sussurrou:

— Só espero que isso dê certo... Que a mesma água que levou o Cristiano um dia, o leve de novo, agora para sempre. E que traga à tona o seu irmão que não deveria ter deixado de existir.

E, após um último suspiro, ele mergulhou por inteiro no infinito azul, com a esperança de que a mesma água que é fonte de vida trouxesse de volta uma vida esquecida.

...

...

...

Acordei pela manhã ainda meio exausto, com muita preguiça depois de tudo que havia acontecido, mas eu precisava levantar para um novo dia com a minha família. Eu estava realmente disposto a tornar aquele fim de semana inesquecível, apesar de bem diferente do que eu imaginava.

Meu despertador foi o Fabrício que já se mexia ao meu lado, claro, com fome. Ainda bem que ele não era muito de chorar senão já teria acordado o Jayminho também.

— Oi, meu amor... Bom dia. Papai já preparou seu leitinho, calma, calma... – Peguei-o no colo ao sentar na cama e reparei na falta do Félix.

— Félix. – Chamei-o pensando que ele poderia estar no banheiro. – Félix, vem cá. Pega a mamadeira do Fabrício, por favor. – Mas, nada. Nenhuma resposta. Foi aí que olhei bem para o lado dele na cama... Estava intacto. Ele não havia se deitado ali. Como assim? O Félix não dormiu aqui? Onde ele dormiu?

Recordei que ele andava pra lá e pra cá pelo quarto enquanto eu ia dormir com os meus filhos. Ele estava agitado demais àquela noite. E a última imagem que eu tinha dele era ele na varanda daquele quarto, com um olhar vazio, me dizendo que já vinha se deitar.

— Por que ele não veio se deitar? Cadê o Félix? – Eu me perguntei.

Como o Fabrício já estava impaciente, começando a chorar, levantei para buscar o “café da manhã” dele.

Depois de um filho alimentado, era hora de acordar o outro.

— Jayminho... Acorda, meu amor. Já tá tarde.

— Hum? – Ele esfregou os olhinhos. – Mas, papai, não tem escola hoje.

— Eu sei, meu amor, mas não é tão cedo. Já são quase dez horas, sabia?

— É?

— É, sim. Eu também acordei tarde hoje, acredita? Por isso, a gente tem que se arrumar pra descer pra tomar o café da manhã.

— Tá. – Ele levantou e logo deu pela falta dele também. – Cadê o papi Félix?

— É... Eu não sei. Eu vou procurar. Fica de olho no seu irmãozinho enquanto isso?

— Fico.

— Olha, eu vou deixar ele aqui na cama, com os travesseiros ao redor para ele não cair. Cuida bem dele, tá? Eu já volto.

Fui até o banheiro... Nada do Félix. Na varanda também não estava. Era um quarto pequeno, simples, não tinha muito onde procurar ali. Troquei de roupa, então, e desci. Fui até a recepção da pousada, mas eles também não o haviam visto. Eu estava ficando cada vez mais preocupado. Veio logo à minha cabeça tudo o que o Félix havia passado desde o acidente e a possibilidade de ele ter fugido de novo e acontecido algo grave.

E se ele ficou confuso com tudo que aconteceu e saiu por aí sem rumo? E se ele se perdeu? Eu não consegui evitar pensar besteira. E se ele teve uma falha de memória e se esqueceu de onde estava? E se ele sentiu uma dor de cabeça forte e saiu buscando uma solução e aconteceu alguma coisa com ele?

Minha cabeça estava ficando cheia de pensamentos tenebrosos quando a recepcionista da pousada me falou: - Acabei de perguntar ao vigia do turno da noite e ele me disse que viu o seu companheiro sim. Ele saiu daqui andando muito rápido e parecia que estava chorando.

— C-Chorando? Ah, não! O que houve? Ele não falou nada?

— Não. O vigia disse que até perguntou se ele estava bem, mas ele não respondeu nada e saiu ainda mais rápido. Disse que ele parecia muito triste e foi em direção à praia.

— Ah... Obrigado pela informação.

Voltei ao quarto. Eu não podia deixar meus filhos sozinhos, mas minha vontade era sair correndo para procurar o Félix e saber o que havia acontecido com ele. A aflição e uma intuição horrível de que algo ruim estava acontecendo estavam tomando conta de mim, mas eu precisava permanecer inteiro para não desmoronar na frente dos meus pequenos.

— Papai, e o papi Félix? Cadê ele?

— E-Ele... Ele... Saiu. Ele saiu, Jayminho. Mas, mais tarde ele volta.

— Pra onde ele foi?

— Ele... Teve que resolver umas coisas. Mas, eu acho que ele volta logo, tá? Não se preocupa, meu filho.

O Jayminho era muito novinho para se preocupar com o desaparecimento do Félix, já que ele nem sabia que eu estava mentindo. Mas, eu sim tinha três preocupações. Eu queria muito procurar pelo Félix, eu temia aquela sensação de perda que doía em meu coração, mas não tinha onde deixar meus filhos.

Se estivéssemos em São Paulo eu teria a Adriana ou chamaria alguém da família Khoury para me ajudar, mas aqui em Angra eu não tinha ninguém a quem recorrer. Eu estava sozinho e só conseguia pensar o que eu iria fazer se o Félix se perdesse de novo. Será que ele voltaria inteiro dessa vez? Eu precisava dele! Ele precisava voltar para mim! E outra pergunta que não calava era: por que ele fugiu agora? Logo agora que eu preciso dele tanto.

Por mais que eu pensasse, eu não conseguia ter uma boa ideia do que fazer. Era nessas horas que mais me fazia falta a inteligência do antigo Félix. Eu me sentia tão revoltado por não pensar em nada que até começava a acreditar que ele estava certo quando ele me chamava de “bicha burra”. Era verdade. Eu era burro. Senti-me o mais burro dos homens quando cogitei a possibilidade de o Félix ter fugido por causa do que eu disse a ele. Depois de ter dado a entender que eu sentia falta de como ele era antes, que precisava do Félix de antes mais do que do de agora. Mas... Como eu poderia imaginar que ele teria essa reação?!

Finalmente, eu não estava errado, apesar de que queria muito estar. Aquele homem não era mesmo o Félix que eu conhecia, o Félix que eu amava. Era só uma sombra, um resquício daquele homem pelo qual me apaixonei. Aquele era só o Cristiano fingindo ser o meu Félix. E tudo que eu desejava era que o verdadeiro homem da minha vida voltasse. Mas, para que isso pudesse acontecer um dia, eu rezava para que não acontecesse nada de mal com o, agora também meu, Cristiano.

...

— Papai, tá chato aqui. Vamos pra a praia. – O Jayminho reclamava após o café da manhã.

— Nós vamos, Jayminho. Mas... Você não quer esperar o seu papi Félix voltar, não?

— Ele vai demorar muito?

O que dizer para uma criança numa hora dessas?

— Eu não sei, filho. Eu não sei.

— A gente podia ir e ele encontrava a gente lá.

O Jayminho precisava mesmo se distrair. E eu também. Era a única maneira de acabar um pouco com aquela aflição que me sufocava.

— Tá bom, vamos à praia. Eu vou deixar um recadinho aqui para caso ele volte, para ele ir procurar a gente lá, tá?

Escrevi num pedaço de papel que estaríamos na praia caso ele voltasse, o que eu duvidava, embora a esperança fosse o que me mantinha de pé.

Saímos da pousada direto para a praia.

...

Chegando lá, deixei o Jayminho brincar na beira do mar como ele queria e fiquei com o Fabrício numa cadeira, na areia. Alguns minutos depois, meu garoto veio em minha direção.

— Papai, papai!

— Que foi?

— Olha, eu fui pegar mais conchinhas e olha o que eu achei. – Ele me mostrou um botão de camisa.

— Parece com os da camisa do Félix... – No mesmo momento a minha aflição aumentou. Aquele botão era igual ao da camisa que o Félix estava à noite. Por que será que estava tão perto do mar?

— Filho, fica sentadinho aqui enquanto eu vou com o seu irmãozinho ali.

— Ah, deixa eu continuar no mar, papai. Eu quero nadar.

— Você ainda não sabe nadar direito e eu não quero que vá para o mar sem eu estar olhando. É rápido. Fica aí.

— Tá.

Ele, sempre obediente, ficou enquanto eu fui até o posto dos salva-vidas. Eu estava com um péssimo pressentimento e torcia para que minhas suspeitas não fossem reais.

— Vocês não teriam visto durante a madrugada ou de manhá, bem cedinho, um homem andando por aqui, parecendo estar muito confuso, triste, algo assim? Ele é bem alto, mais alto que eu. Tem cabelo preto e a pele branca, mas não tanto quanto a minha. Ele estava vestindo uma camisa azul e uma bermuda cinza. Ele sumiu ontem à noite e eu estou louco procurando por ele.

Os dois salva-vidas se olharam e eu sabia que eles tinham algo para me dizer.

— É quase a mesma descrição do homem que encontraram boiando no mar essa manhã.

— B-Boiando? C-Como?...

— Bem, hoje, pela madrugada, um dos nossos homens foi chamado para prestar os primeiros socorros a uma vítima de afogamento que umas pessoas encontraram aqui perto. Era um grupo de jovens que estava na praia àquela hora da manhã e eles contaram que avistaram um corpo quando iam mergulhar.

— U-Um... C-Corpo? – Comecei a me tremer tanto que até o Fabrício sentiu minha tensão e começou a chorar.

— Com licença. Eu sei como acalmá-lo. – O outro salva-vidas o pegou vendo que eu não tinha condições de segurar meu filho naquele instante.

— Você d-disse um corpo?

— Acalme-se. O senhor ficou pálido. Deixe-me terminar. Eles pensaram se tratar de um corpo, pois o indivíduo estava boiando, se deixando levar pelas ondas. Mas, um deles o retirou de lá enquanto os outros chamaram o salva-vidas. Nosso colega prestou os primeiros socorros ao verificar que o afogado em questão ainda estava vivo. Depois ele foi levado para o hospital mais próximo e se encontra lá nesse momento.

— Qual hospital?

Eles me indicaram e eu imediatamente peguei o Fabrício e corri para onde o Jayminho estava. Eu precisava deixá-los de volta na pousada e ir imediatamente nesse hospital para ver se era do Félix que eles estavam falando.

Assim o fiz. Pedi para uma camareira ficar cuidando dos meus filhos enquanto eu saía. Combinei um pagamento com ela pelo trabalho e logo depois eu já estava a caminho do tal hospital, rezando para encontrar o meu amado lá. São e salvo.

...

...

...

Na praia...

— Até que enfim chegou, Eron. Que demora, hein?

— Desculpa por te deixar esperando, André. Eu estava resolvendo uns assuntos.

— Sei. Que tipo de assuntos?

— Nada demais.

— Nada demais? Igual aos seus sonhos que também não são nada demais?

— É... André, já falamos sobre isso. Eu não posso controlar com quem eu sonho.

— Isso eu sei, Eron. Mas, vamos combinar que é bem estranho você estar dormindo ao lado de uma pessoa e escutar ela chamando o nome de outra pessoa enquanto dorme.

— Não era minha intenção te chatear.

— Eu sei que não era sua intenção. Como você mesmo disse não se pode controlar os sonhos... Pelo menos, não os que temos quando estamos dormindo. Mas, o problema aqui, Eron, é que eu estou achando que você sonha com o seu ex também quando está acordado. E aí não dá pra iniciar qualquer outra relação enquanto você não esquecê-lo completamente.

—... Você está enganado, André. E não vamos mais falar disso, por favor?

— Eu não ia falar, mas foi impossível não me lembrar quando vi justamente o seu ex correndo feito louco por aqui agora há pouco.

— O Niko? Correndo na praia? Por quê? Ele... Estava com o Félix, por acaso?

— Não. Estava só com um bebê e outro garotinho maior.

— Correndo aqui com os filhos? Estava brincando com eles, algo assim?

— Puxa! Quanta curiosidade, hein? E ainda diz que não tem mais interesse nele.

— André, eu só queria saber...

— Ok, Eron, ok. Eu já entendi. Pelo que eu vi, ele não estava com cara de quem estava brincando, não. Eu acho até que ele estava chorando, isso sim.

— Chorando?... E sem o Félix. ... O que será que aconteceu?

...

...

...

No hospital...

Eu o havia encontrado. Mas, já nem sabia se era isso mesmo que queria. Que tristeza enorme foi vê-lo, outra vez, deitado numa cama de hospital, inconsciente.

Disseram que ele havia engolido muito água e que tinha líquido nos pulmões também. Por sorte não era uma quantidade significativa e ele já estava fora de perigo. Disseram também que ele poderia acordar a qualquer momento, eu só precisava aguardar. Mas, como ele acordaria? Da última vez que ele voltou da inconsciência assim, não era mais ele mesmo. E agora? Se ele acordasse e tivesse perdido novamente a memória? Todas as recordações que já construímos juntos desde então. Todas as novas memórias que fizemos. E se ele perdesse tudo isso outra vez? Ele aguentaria conviver com isso? E eu... Eu aguentaria? Eu poderia manter vivo o amor por um homem vazio?

Questões e mais questões ecoavam em minha cabeça dentro daquele quarto de hospital, até que apenas uma voz ecoou quebrando o silêncio.

— Carneirinho?

Meu coração parou no momento em que ouvi sua voz. Virei para ele e me aproximei para comprovar que era verdade o que eu estava vendo. Ele estava com os olhos abertos, olhando para mim.

Eu ia chamar seu nome... Mas, o medo de que ele fizesse aquela expressão questionadora de antes me fez calar. E se ele não se lembrasse de novo de quem era? E se não se lembrasse de mim? Eu não sei se conseguiria reviver aquela dor.

Mas... Ele me chamou de novo.

— Carneirinho.

Mas... Espere! Eu sequer percebi como ele me chamou. Ele me chamou de carneirinho... Como antes... Como sempre. E algo no seu tom de voz fazia todo o meu medo desaparecer.

Cheguei mais perto, peguei em sua mão e, cheio de uma esperança imensurável e sem explicação que tomou conta de mim, falei:

— Félix? Você... Você se lembra de mim?

Ele olhou bem nos meus olhos por um segundo com uma expressão muito séria. Meu coração estava apertado. Mas... De repente, ele sorriu. Sorriu e falou a coisa mais maravilhosa que eu poderia ouvir.

— Como eu me esqueceria de você, carneirinho?

Aquele aperto no meu peito passou dando lugar a uma felicidade enorme. Abracei o meu amor sorrindo por vê-lo bem.

Só que tinha algo a mais... Algo diferente. O jeito como ele me olhou, como me chamou... Algo havia mudado.

— O que houve, carneirinho? Onde estamos?

— Estamos num hospital. Você quase se afogou.

— Me afoguei? Onde?

— No mar.

— Mar? Aqui?

— Sim. Você não lembra onde estamos?

Aquela expressão questionadora dele voltou e eu comecei a ficar preocupado novamente.

— Onde estamos?

— Meu amor, estamos em Angra dos Reis. Você não lembra?

— Não. Quando viemos pra cá? Pra quê?

— Ontem. Viemos pra conhecer a casa...

— A casa? Aquela casa da minha família? – Ele completou antes mesmo que eu terminasse de falar. Achei muito estranho.

— É... Sim. Essa casa. A gente até trouxe os nossos filhos, não lembra?

— Nossos?... Nossos filhos?

Temi que a mente dele estivesse mais confusa que nunca. Mas, ele me provou exatamente o contrário.

— Sabe... Eu não sei o que está acontecendo, mas... Eu adoro ouvir isso, sabia, carneirinho?

— Ouvir o quê?

— Nossos filhos.

—... Como assim?

Ele me encarou com uma indagação. – Eu sofri algum acidente, por acaso?

— S-Sofreu. Você... Você perdeu a memória...

— Quê?!... Ah!... Isso explica porque eu não lembro como vim parar aqui.

— F-Félix... Eu não tô entendendo...

— Me diz uma coisa, carneirinho... Fui eu mesmo que te contei sobre essa casa aqui em Angra ou foi o Jayminho?

— O Jayminho? É... É... Foi. Foi ele. Ele contou primeiro...

— Eu deveria saber que ele não ia guardar o segredo por muito tempo.

Agora quem estava assustado e confuso era eu. Do que ele estava falando? Parecia até que se lembrava... De tudo... De antes.

— Q-Que segredo, Félix?

— Eu contei ao Jayminho que eu queria me mudar para a casa daqui de Angra. Que eu queria levar vocês e cuidar de vocês. E que, a partir daí, eu seria um segundo pai para ele e o Fabrício.

Senti um arrepio percorrer todo meu corpo. Não podia ser! Será que... Aquele homem na minha frente... Não era mais aquele de antes... Era outro... O outro... O que eu me apaixonei perdidamente... Era o meu...

— Félix?

— O que foi, carneirinho? – Ele riu. – Ai! Meu peito dói. Mas, enfim... Não sei por que essa sua cara de surpresa se você já sabe de tudo, dos meus planos... Já estamos aqui mesmo, né? Pelas contas do rosário, desfaz essa carinha de susto, que eu não mereço isso depois de acordar num hospital, né? Ainda mais porque estou vendo que é um hospital mixuruca, carneirinho. É o apocalipse!

Ah! Uma reclamação!... Uma reclamação nunca foi tão boa de ouvir como essa.

— Félix! Você voltou!

— Voltei? De onde, criatura?

— Você voltou!... Voltou pra mim!

Não resisti e praticamente pulei em cima dele, dando-lhe o beijo mais cheio de amor possível, para matar um pouquinho que fosse aquela saudade sem tamanho que eu estava do meu verdadeiro e único Félix.