Make a Memory

Capítulo XXXI – Devastador


— Novos donos? Estão enganados. Essa casa já tem um novo dono.

— Você? – Não podia ser! Eu não podia mensurar o quão desagradável foi a minha surpresa ao ver o Eron ali, na casa que seria minha e do Félix.

— Olá, Niko. Que mundo pequeno, não é? Quem diria que nos encontraríamos logo aqui, em Angra.

— O que você faz aqui? Por que está nessa casa? Quem te deixou entrar?

— Calma! São muitas perguntas.

— Apenas responda.

— Calma, Niko. Como eu já disse, essa casa já tem um novo dono.

—... Você?

— Não. Não sou eu. Eu bem que gostaria de comprá-la, mas não tenho tanto dinheiro assim para investir num imóvel como esse.

— Então?...

— Eu estou aqui de visita. Sou amigo do novo dono.

— Quem é esse novo dono afinal?

Foi aí que outro homem apareceu. Estava com uma roupa mais despojada, mas eu o reconheci: era o cirurgião-chefe do San Magno!

— O que está acontecendo, Eron?

— Nada de mais, André. São apenas esses dois... Quer dizer, esse casal que cometeu um engano.

Eu não conseguia conter minha surpresa, claro, nem o Félix atrás de mim com nossos filhos. Quando o médico nos olhou, também nos reconheceu. Ele apontou para o Félix.

— Espera... Você não é Félix Khoury?

— Sou... – Félix respondeu meio reticente.

— Ah! Que bom ver que você está melhor depois daquele acidente.

— É... Estou, mais ou menos.

Eron começou a falar.

— Eu ia apresentá-los, mas já vi que não será preciso. Não é, André?

— Não, não, eu já os conheci. Eu participei da cirurgia do Félix e o namorado dele estava lá. Eu só não lembro seu nome, desculpa...

— Niko. – Respondi.

Eron voltou a falar.

— Então, André, como pode ter notado, eles dois pensaram que iam morar nessa casa. Mas, acho que houve um conflito de informações aqui. – Ele olhou pra mim. – Quem te deu uma cópia da chave, Niko?

— A Pilar. – Novamente respondi frio.

— Lógico. Foi o que imaginei. Quando a dona Pilar disse que vocês podiam vir para cá, ela certamente não sabia do trato que o doutor César e eu fizemos.

— Que trato?

— Essa casa está no nome dele. E ele me autorizou a vendê-la. Disse que queria se desfazer dela rapidamente.

— Não é possível!

— É a verdade, Niko. Se quiser, eu posso até ligar para o doutor César para ele mesmo confirmar. – Ele foi pegando o celular, mas eu, com raiva, segurei no braço dele e o puxei para um canto.

— O que significa isso, Eron? Que joguinho é esse? É uma vingança sua? É isso? Tá se vingando por que eu vou me casar com o Félix e eu joguei isso na sua cara?!

— Niko, por favor... Eu sou um profissional, sou o advogado do doutor César e apenas cumpri com meu dever. – Ele se afastou e aumentou o tom de voz de modo a todos ouvirem. – Ele me designou para encontrar um comprador para esta casa. O André me disse que estava interessado em investir em imóveis fora de São Paulo. Então, eu matei dois coelhos com uma só cajadada.

Encarando-o, senti vontade de chorar de raiva. Mas, eu não ia chorar na frente do Eron, não ia dar esse gostinho a ele.

— É. Matou mesmo. – Ele havia matado mesmo dois coelhos com uma só cajadada. Félix e eu. Matou nossa alegria, nossa vontade.

Diante do silêncio que se instalou por alguns segundos, o Jayminho se aproximou de mim, perguntando baixinho: - Papai, a gente não vai mais morar aqui?

A raiva deu lugar a uma decepção enorme e eu não pude dizer nada além de: - Eu não sei, meu filho.

O Félix deve ter percebido como eu fiquei abalado por ter que ser negativo com o Jayminho, pois foi logo chamando a atenção dele.

— Jayminho, vamos ver a praia daqui de frente? Vem. Eu vi quando a gente chegou, é linda. – Ele pegou na mão do meu filho, fez um sinal para mim de que ia me esperar lá fora e saiu com os meus dois pequenos. Mas, antes de saírem ainda pudemos ouvir o Jayminho:

— Papi Félix, a gente não pode mais ficar nessa casa?

— É... Eu acho que não. Mas, deixa o seu papai Niko resolver, tá?

Eles se afastaram e logo o Eron se aproximou de mim.

— Nossa! Estranha a atitude do Félix... Além disso, o Jayminho já está até chamando-o de papi? Foi isso mesmo que eu ouvi?

— Isso não te interessa! – Respondi sentindo a raiva voltar. – Como pôde vender a casa assim? Eu ia morar aqui com os meus filhos e com o Félix, o Jayminho estava ansioso, contente por vir, eu queria me mudar com eles, você estragou tudo...

— Ei! Ei! Pode se acalmar, Niko? Eu não estraguei nada...

— Estragou sim, estragou minha vida. De novo. Parece que é só o que você sabe fazer.

Ele se virou para o André que, claramente, não estava entendendo nada, e pediu: - Você pode nos deixar conversar a sós?

O médico fez sinal positivo, apesar da expressão questionadora, e entrou em um cômodo da casa deixando-nos a sós.

— O que quer dizer com “estraguei sua vida de novo”, Niko?

— Ah! Era só o que faltava, você se fazer de idiota! Aliás, nem precisa se fazer, Eron, esse papel lhe cai perfeitamente. Você é um idiota!

— Niko, eu não vou permitir que me insulte dessa maneira. Eu não te fiz mal algum... Não agora, pelo menos. Eu apenas cumpri uma ordem do doutor César. Como que eu ia saber que você e o Félix vinham pra cá?

— Eu não sei! Eu não sei, mas... Eu tenho certeza que você sabia. Tenho certeza.

— Você não pode afirmar com tanta veemência. Eu não soube mais nada de vocês dois desde aquele seu noivado. Eu não fazia ideia, aliás, eu não faço ideia de quais seus planos ou os do Félix. Tudo que eu fiz foi o meu trabalho. Eu vendi essa casa para o André, ele já assinou o contrato e ponto final.

Eu estava mantendo meus braços cruzados para não avançar no pescoço dele. Nem sei qual era minha vontade naquele momento, mas não era coisa boa.

— Ele... Ele já assinou o contrato de compra e venda?

— Já. Essa casa já pertence a ele.

— E vocês dois estão aqui pra quê? Vai me dizer que ele comprou a casa antes de conhecê-la?!

— Não, não, nós a conhecemos antes, numa visita rápida. Ele se decidiu, comprou, e agora estávamos apenas... Conhecendo melhor tudo.

— Sei... Se conhecendo melhor, você quer dizer, né? Eu ouvi dizer, no hospital, que vocês dois estavam saindo juntos. Por isso vendeu a casa tão rápido assim para ele?

— Por que essa pergunta, Niko? Ciúmes?

— Ah, Eron, fala sério! Nunca tive ciúmes de você, não vai ser agora que tenho o Félix ao meu lado. Me poupe.

— Então, o que tem a ver se eu estiver ou não saindo com o André?

Pensei um monte de coisas naquele minuto. Pensei que ele podia ter combinado de comprar aquela casa junto com o tal do André só para me chatear se já soubesse que eu queria ir pra lá, ou talvez que ele tivesse enganado o André para fazê-lo comprar a casa rapidamente... Sei lá! Era tanta confusão na minha cabeça! Nessa hora estava me fazendo uma falta enorme aquele homem inteligente, rápido, meticuloso, que eu conheci. Estava faltando a atitude do meu Félix ali. Eu, simplesmente, não sabia mais como agir diante de tal situação.

— Nada, Eron, nada... Não tem nada. Deixa... Deixa pra lá. Deixa. Eu não quero mais falar com você. Eu só quero ir embora daqui.

Fui saindo, mas ele ainda teve a petulância de dizer.

— Olha, antes de ir vocês tem que devolver a cópia da chave.

Respirei fundo e contei até três para não me virar e socar a cara dele. Eu apenas peguei a chave no bolso, estendi a mão com ela entre os dedos e o entreguei.

Saí dali pisando firme, mas o Eron ainda me seguiu, falando:

— Niko! Lembre-se apenas que tudo isso não foi culpa minha. Eu apenas fiz o que tinha que fazer. E eu não sou seu inimigo. Nunca fui. Eu quero seu bem, mesmo que você não acredite.

É claro que eu não acreditava. Como alguém que só tinha me feito mal, podia dizer assim que queria meu bem? O Eron, definitivamente, não sabia a diferença entre o bem e o mal.

Continuei com passos firmes e sem olhar para trás até o carro de onde vi, ao longe, o Félix brincando com os meus filhos na praia. Ver aquela cena fez todas as emoções que eu estava segurando transbordarem por meus olhos. Chorei. Chorei feliz por ver dois sonhos meus... Um realizado e outro transformado em pesadelo. E os dois estavam totalmente ligados. Eu tinha a família que eu sempre sonhei, o homem da minha vida e meus filhos queridos... Mas, não tinha mais nosso novo lar. Para onde eu ia levá-los agora? Como eu ia contar ao Jayminho que a gente não ia mais ter uma casa nova? Pela primeira vez senti como era ruim para um pai destruir os sonhos de uma criança. Mas, eu não tinha escolha.

...

...

Eu nem sabia o que pensar depois dessa confusão. Eu não fazia ideia de que essa tal casa pertencia ao meu pai. E agora ele a vendeu. O que será que o Niko vai querer fazer? Eu fico me perguntando, mas não consigo pensar em nada. Comecei a brincar na praia com os filhos dele, ou melhor, nossos filhos, para distraí-los, principalmente o Jayminho. Ele estava tão feliz, tão ansioso. Vai ser difícil contar pra ele que não podemos mais nos mudar.

Eu brincava com as crianças, quando vi o Niko vindo em nossa direção. Ele parecia muito triste. Não era para menos. Eu também fiquei me perguntando se fiz certo ao deixá-lo sozinho discutindo com o Eron. Eu queria tê-lo ajudado, defendido de alguma forma, mas eu não sabia como. Além do mais, um de nós precisava pensar primeiro nas crianças, e decidi que seria eu.

— Oi, carneirinho.

— Oi. – A voz dele estava infeliz. Os olhos também. Era visível o quanto ele estava se esforçando para sorrir para nós.

— Papai! Papai, Niko! – O Jayminho correu até ele. Já tinha se distraído o suficiente para esquecer o assunto da casa. – Olha, papai, viu as ondas, que altas! Olha lá! – As ondas quebravam nas barreiras de pedras.

— Estou vendo, filho. Que lindo, né? – Niko segurava algumas coisas. – Olha, peguei seu casaco. Daqui a pouco começa a anoitecer e pode ficar mais frio. Veste pra não se resfriar, tá?

— Mas, papai Niko... A gente não vai mais pra a casa nova?

Vi-o suspirar. – É... Não. Por enquanto, não. Mas, olha só, vamos fazer um piquenique aqui na praia? A gente almoçou tarde, aí a gente faz um lanchinho e jantamos mais tarde também. Que tal? Aí eu deixo hoje você assistir um filme comendo pipoca.

— Oba! Sério mesmo?

— É, sério.

— Valeu, papai! – O Jayminho abraçou o pai em comemoração e depois veio até mim.

— Papi Félix, você ouviu? Vamos assistir um filme com pipoca!

— Ouvi, Jayminho. Gostou? Viu como o seu papai Niko é bom?

— É, ele é. Agora vamos fazer o piquenique.

— Vamos.

Estendemos uma toalha que o Niko trouxe na areia e depois ele foi pegar uns lanches no carro. Trouxe tudo e nós comemos. Depois fiquei com Fabrício no colo enquanto o Jayminho andava por ali colhendo conchinhas. O Niko se sentou ao meu lado, calado, olhando para o horizonte. Era hora de conversarmos.

— Como você está, Niko?

— Bem.

— Mesmo?

— Estou... Bem. Muito bem. Estou aqui com você, com meus filhos... É tudo que eu queria.

— Nem tudo, né?

Ele me olhou por um instante e voltou a olhar o horizonte. Pela primeira vez eu deslumbrei do mais belo pôr do sol que eu poderia ver. O pôr do sol que brilhava em sua pele e refletia em seus olhos.

— Carneirinho...

Quando o chamei assim, seus olhos se fecharam e eu vi uma lágrima escorrer deles.

— Não chora. – Eu não sabia muito bem o que falar, mas tentei. – Olha... A casa... Não era tão importante assim. Nos mudarmos era só um detalhe, mas não muda realmente o que somos, e... E eu sei que somos feitos um para o outro e isso não vai mudar. Podemos voltar para sua casa em São Paulo e sermos felizes, como fomos até agora...

— Muda... Muda sim... – Ele sussurrou. Eu não entendi.

— Como assim, Niko? O quê que muda? É só uma casa...

— Não é a casa. É você.

— E-Eu?

— Por que você saiu? Por que me deixou sozinho? Eu precisava de você, Félix. Eu precisava tanto de você agora... Félix.

Ele falava isso olhando para o mar, não para mim. Senti bem o peso do que ele queria dizer com aquilo. Ele não precisou de mais nada para me fazer compreender o que ele sentia. Ele sentia a falta do verdadeiro Félix. Aquilo doeu profundamente no meu coração porque eu sabia que a verdade era que eu não podia ser o Félix que ele queria.

...

...

Aquelas palavras saíram meio sem querer. Era o que eu sentia naquele momento, a falta daquele homem inteligente, criativo, que teria buscado uma solução para os problemas. Mas eu não queria que ele soubesse o que eu estava sentindo, não assim. Na hora em que vi a decepção nos olhos dele me arrependi de tudo que falei.

— Meu amor, me perdoa. Eu... Eu não queria dizer isso...

— Você queria, Niko. Você queria. Mas... Eu entendo. Não precisa me pedir perdão. Eu sei que não sou o seu Félix. – Ele pegou em minha mão dispersando tudo de ruim que eu estava sentindo e me fazendo ver que valia a pena continuar acreditando na essência do meu verdadeiro Félix dentro daquele homem que estava ao meu lado.

— Mesmo assim, meu amor, me desculpa pelo que eu falei. Não foi por mal, eu só... Fiquei com raiva. Não sabe a revolta que eu tô aqui dentro. Mas, eu sei que você está se esforçando para ser o melhor homem para mim. Eu te amo, viu?

— Eu também te amo, carneirinho. – Ele encostou a cabeça em mim e eu já me senti bem melhor. Tanto que tive uma ideia.

— O que vamos fazer agora? Vamos embora? – Ele me perguntou.

— Não. Já está tarde. Daqui a pouco os meninos vão estar muito cansados, e nós também.

— O que vamos fazer, então? Não temos para onde ir.

— Quem disse? Nós não temos mais a casa, mas se eu disse que nós íamos passar um final de semana em Angra dos Reis, nós vamos passar um final de semana em Angra dos Reis. E vamos fazer ser maravilhoso.

Pusemos minha ideia em ação. Saímos de lá direto para procurar um hotel.

...

...

...

Algum tempo antes...

Após a discussão com Niko, Eron voltou para dentro da casa. Lá, André o esperava para obter algumas explicações.

— Posso dizer que foi bem estranha essa discussão entre vocês, Eron.

— É... André, acho que você pôde perceber e eu não tenho porque negar. O Niko é meu ex. Nós não nos damos mais tão bem e... Bem, é principalmente por culpa do Félix.

— Culpa do Félix? Por quê? Você ainda sente algo pelo seu ex?

— Não, imagina! O que aconteceu foi que o Félix fez a cabeça do Niko contra mim. Ele é assim. Agora o Niko pensa que tudo que eu faço é por causa dele ou contra ele.

— Sei. Vem cá... E por que o Niko disse que você estragou a vida dele?

— Problemas do passado, André. Não vale a pena falar sobre isso. – Eron percebeu que André não estava muito convencido. – Você não parece estar acreditando muito em mim.

— Não, é impressão sua.

— Não está desconfiando de mim, está?

— Já disse que não, Eron.

— André, estamos começando a nos conhecer melhor... Achei que gostasse de mim.

— Eu gosto, Eron. Mas, justamente por estarmos nos conhecendo ainda que eu não preciso confiar plenamente em você.

— Nossa! Isso foi bem... Direto.

— Não leve a mal, mas eu sou assim. Além do mais, você me deu motivos.

— Que motivos? O que acabou de acontecer? Eu te disse que o Niko desconfia de casa passo que eu dou, por isso ele ficou daquele jeito...

— Eron, eu ouvi praticamente toda a conversa entre vocês. Por que você disse a ele que eu já tinha comprado essa casa se é mentira? Eu ainda não assinei contrato nenhum.

— Eu sei, André, mas... Você vai assinar, não vai?

— Eu não sei. Ainda não me decidi. É um investimento muito alto uma casa desse porte.

— E eu que pensei que tinha te convencido...

— Não, eu ainda tenho muito a pensar. Muito.

— Hum... Será que tem alguma coisa que eu possa fazer para te convencer mais fácil? – Eron se aproximou dele claramente com segundas intenções, mas André se desvencilhou.

— Não, não... Por mais tentador que seja, eu não sou fácil, Eron. Eu me aproximei de você porque pensei que você fosse diferente.

— Diferente? André, eu acho que você está me julgando muito mal e por uma bobagem. Você acha mesmo que eu quero vender essa casa apenas por uma vingança boba, pelo meu ex? Isso é absurdo! – Nesse mesmo instante ele se virou e olhou pela janela de onde dava para ver Félix e Niko na praia. – Oh! Olha só! Ele fez aquele drama todo, mas já está ali se divertindo com o noivinho como se nada tivesse acontecido. Viu?

— É, eles parecem estar se divertindo mesmo...

— Viu só? Eu tenho a razão. O Niko gosta de fazer tempestade em copo d’água e com o Félix então... É um horror. O Félix é uma péssima influência.

—... Eu não sei se você é mais ressentido com o seu ex ou com o Félix.

— Nada a ver, André. Não sou ressentido com ninguém.

— Tá bem. Eu vou acreditar em você, Eron... Por enquanto. Mas, quanto a casa, que fique bem claro: eu ainda não me decidi. Não sei se vou comprar a casa do doutor César Khoury.

...

...

...

Horas depois...

Niko e eu encontramos uma boa pousada para passarmos a noite. Alugamos um quarto para uma família. Como era um lugar estranho, o Niko achou melhor que o Jayminho não ficasse num quarto separado, mesmo que fosse ao lado do nosso. Ficamos num quarto bem simples, mas muito bonito. Tinha uma cama de casal e uma cama de solteiro. Os três já dormiam após passarmos duas horas assistindo os filmes que o Jayminho queria ver. Ele dormia na cama menor e Niko com Fabrício, na maior. Ainda tinha um cantinho para mim, claro.

Os garotos estavam exaustos e o Niko também, com certeza. Ele estava cansado da viagem tanto quanto da discussão lá na casa. Eu não pude deixar de pensar que ele também estava cansado um pouco de mim. Não do meu jeito de ser, mas do meu jeito de não ser quem ele queria que eu fosse.

Pensando nisso eu não conseguia dormir. Andei um pouco pelo quarto antes de parar diante da janela de onde dava para ver uma das praias de Angra. O mar estava calmo, seu movimento era percebido apenas pela parcela de luz que refletia da lua minguante em cada pequena onda que se levantava na superfície da água. Eu, ali, olhando para aquele céu e aquele mar, pensava comigo como eu gostaria, às vezes, de me esconder como a lua estava se escondendo aos poucos. De desaparecer. Desaparecer até poder voltar brilhando como uma lua cheia. Enchendo o coração do Niko de todo o amor e orgulho que um dia ele já deve ter sentido por mim... Pelo seu antigo e querido Félix.

Irônico como eu já tinha tudo que poderia querer ali comigo, e só não tinha uma coisa... Eu não tinha a mim mesmo. Como fazer o Félix voltar? Era o que eu mais me perguntava. Perguntava também às estrelas, ao céu, ao mar... Procurando uma resposta que não vinha.

Fui retirado de meus pensamentos solitários ao ouvir o carneirinho me chamando:

— Félix... Não vem dormir, meu amor? Tá tarde.

— Vou agora.

Ele voltou a fechar os olhos e eu me aproximei. Dei um beijinho nos nossos filhos e um beijo nele. E naquele instante... Não sei. Não consegui me deitar ao seu lado. Senti uma pontada no coração, uma dor tão forte. Senti minha alma apertada, senti um vazio. Senti como se aquilo tudo fosse uma despedida.

Eu não suportei tamanha dor, tamanho vazio, e saí dali em silêncio. Eu chorava discretamente por fora, mas por dentro, me sentia destruído, em desespero. Eu não encontrava explicação para aquele sentimento devastador.

Andei, andei e quando percebi já estava na praia. Meu caminhar ia deixando pegadas na areia, mas meu caminho era incerto. Para onde eu tinha que ir? Eu não sabia. Só sabia que tinha que me encontrar. Encontrar o Félix que faria o Niko feliz e que me faria feliz. Porque eu já não me suportava mais. Eu precisava, de alguma maneira, deixar de existir para que o Félix voltasse à vida.

...