Make a Memory

Capítulo XXVII - Decisões


No carro, voltando para casa, eu ia pensando na minha conversa com o doutor César...

... ... ...

— Eu quero que você deixe o Félix em paz!

—... Oi?

— É o que você ouviu. Deixe-o. E deixe que ele te esqueça.

— O que o senhor está me pedindo?

— Que se afaste do Félix.

— Que... Que me afaste? E deixar que ele me esqueça... De novo? Ele já me esqueceu uma vez, doutor César, não vou deixar que isso aconteça de novo, nunca mais!

— Você precisa fazer isso. Por mim eu não permitiria que meu filho fosse embora com você, mas não posso fazer nada. Só posso lhe pedir que não o leve.

— Mas... Não... Não, não, eu não posso crer! E tudo que o senhor acabou de dizer sobre fazer o Félix feliz, dar uma nova chance?...

— É justamente por querer uma nova chance que eu vou lhe pedir que não leve o Félix, não afaste o meu filho de novo de mim!

... ... ...

Aquele pedido da parte dele foi muito surreal para mim. Eu jamais esperaria algo assim. Nem sei se fiquei pasmo, chocado ou revoltado... Sei lá! Só sei que não consigo tirar tudo que ele me disse da cabeça.

... ... ...

— Eu... Não estou entendendo, doutor César.

— Se o Félix for com você, ele não vai mais voltar. Eu sei. E acredite, se eu estivesse em condições, eu não te pediria nada, eu exigiria que você deixasse o meu filho em paz. Mas, eu não estou em condições de exigir nada, portanto te peço... Não o afaste de mim.

— Eu... Eu não sei nem o que dizer...

— Ouça... Ouça bem porque eu não vou repetir. Quando o Félix se acidentou, ele e eu havíamos brigado. Quando eu soube do acidente, temi que a última coisa que eu teria para me lembrar dele fosse mais uma de nossas brigas. Eu temi, pela primeira vez na vida, perder o Félix para sempre... Porque eu percebi que ele era meu filho, apesar de tudo, e eu poderia perder outro filho assim como perdi o primeiro. Eu temi não vê-lo mais, eu temi sua morte, eu temi... A solidão. Mesmo que eu não queira admitir, o Félix é o único que me faz companhia, que ainda me suporta!... O que mais quer que eu diga? Que ninguém aqui me trata como ele? Pois sim, é isso, ninguém me trata como ele. E eu não quero perdê-lo.

... ... ...

Aquelas palavras foram espantosas para mim. Eu nunca poderia imaginar o doutor César dizendo tais coisas, dizendo que não queria perder o filho. Eu havia entendido finalmente o teor daquela conversa. Ele tinha medo de perder o Félix para mim e para sempre. Eu precisava mostrar-lhe como aquilo era um grande engano.

... ... ...

— Doutor César, o senhor não vai perder o Félix! Olha, ele ainda pode morar comigo e vir visitar o senhor todos os dias, pode continuar cuidando do senhor, estar disponível quando o senhor quiser...

— Eu não preciso de visitinhas! Eu preciso do meu filho! – Ele me interrompeu, mas eu continuei tentando.

— Mas... Doutor César, eu entendo que o senhor tenha percebido que precisa do Félix mais do que nunca, mas para isso não é preciso que ele e eu nos separemos. Uma coisa não anula a outra. Aliás, acabei de me lembrar de que o Félix falou uma vez sobre uma casa em outra cidade, não sei se ele me falou onde fica, mas ele disse que era uma casa enorme, com piscina, de frente para o mar... Enfim, ele tinha a pretensão antes do acidente de nos levar para essa casa, os meus filhos e eu. E talvez o senhor possa ir morar conosco! Por que não? Para ficar perto dele e assim vocês dois não se afastariam e ele poderia cuidar do senhor, lhe fazer companhia...

— Cale essa boca! – Ele esbravejou e eu me calei. – Será que não vê? Eu já perdi o mesmo filho duas vezes. A primeira quando ele morreu ainda criança... E a segunda quando o Félix passou a se comportar como se fosse ele e agora já sabe que não é. Eu já perdi o Cristiano mais vezes do que um pai pode aguentar, eu não quero perder o Félix também!

— Eu já disse, o senhor não vai perdê-lo, não precisa perdê-lo...

— Eu o perdi. Perdi, sim. Para você.

— Para mim?... Não! Não, doutor César, o senhor não está perdendo o Félix pra mim, porque por mais que eu o ame, ele sempre será o seu filho e... E quer saber? O senhor está perdendo o Félix para o senhor mesmo. Sempre perdeu. E mesmo que o senhor nunca tenha prestado atenção, o Félix o ama muito.

Ele parou por um momento em que até pareceu ficar mais calmo e declarou:

— Eu também... Amo o meu filho.

— Ah... O senhor não sabe a alegria que daria a ele se falasse isso pra ele.

Mas, aquele momento de trégua logo acabou.

— É por isso que eu não quero que ele vá com você. Esse amor que ele diz ter por você não vai dar em nada! Fui eu que sempre o amei, porque eu sou o pai dele.

Respirei profundamente para manter a paciência e não desabar. – Ah, doutor César... O senhor tem um jeito bem diferente de amar um filho, sabia? Eu não compreendo como o senhor pode querer que ele viva sem amor para viver para o senhor.

— Eu não quero que ele viva para mim, eu só quero que ele fique aqui para poupá-lo de muitos problemas que ele teria ao seu lado. Eu quero protegê-lo.

— Protegê-lo? Como assim? Que problemas são esses?

— Você mesmo disse agora a pouco que não queria pensar como eu. Mas, lá fora tem um monte de gente que pensa como eu. O mundo inteiro pensa como eu...

— Ah, não, o mundo inteiro não! Muita gente, admito, agora o mundo inteiro...

— O mundo é assim, é das maiorias, e você nem ninguém pode mudar isso. Eu não quero o Félix metido com uma minoria que acha que pode fazer alguma diferença. Para o seu governo, as pessoas não mudam. E eu não quero que essas pessoas façam o meu filho sofrer.

— Do mesmo jeito que o senhor o fez sofrer durante toda a vida dele? – Joguei isso na cara dele. Nada mais que a verdade. E ele ficou calado... A afirmação.

... ... ...

Ainda era difícil acreditar nas verdadeiras razões daquela conversa. O doutor César queria mesmo que o Félix não sofresse, mas achava que conseguiria isso fazendo com que eu desistisse dele. E o pior, com as justificativas mais bobas que poderia ter. Quantos pensamentos errados ele tinha! E o pior é que ele não conseguia entender, ou simplesmente, não queria entender que o filho dele só seria realmente feliz ao meu lado, vivendo esse nosso amor. Mesmo que existisse – e existia – um monte de gente que nos olharia feio e agiria com preconceito, nada iria abalar o que o Félix e eu já havíamos construído: a nossa vontade de amar e viver, e de viver para amar.

Só havia uma saída para aquele impasse. A decisão não era minha nem de César Khoury. A decisão era somente do Félix.

... ... ...

—... Doutor César... Mesmo que eu quisesse lhe dizer que aceito seu pedido de desistir do Félix, eu não poderia. Primeiro, porque eu amo o seu filho de verdade e sei que ele seria mais feliz ao meu lado. E segundo, porque a decisão de se afastar de mim e ficar aqui com o senhor só cabe ao próprio Félix. Eu não posso simplesmente sair daqui e dizer pra ele “acabou, não vamos ficar mais juntos, mas fica aqui cuidando do seu pai pra o resto da vida”! Se for isso que ele quiser, eu vou respeitar. Se isso for o que o fará feliz, eu vou deixá-lo, para sempre se necessário. Mas, eu sei qual a verdadeira felicidade dele... Sou eu.

— Está sendo arrogante!

— Não! Estou sendo realista! Eu não vou sacrificar o meu amor pelo Félix, por causa do senhor nem por ninguém. A não ser que o Félix decida ficar. Aí eu o deixarei em paz.

— O Félix não está em condições de tomar decisões agora, seja sensato...

— Ele está sim, doutor César. Quando nós dois estávamos na minha casa, tomamos várias decisões. Tomamos a decisão de refazermos nossas vidas, de ficarmos juntos como um casal e formamos uma nova família. Só o senhor que não quer entender isso! Mas, se quiser eu vou chamá-lo agora mesmo para ele dizer isso ao senhor pessoalmente.

— Você não entendeu nada? Você também é pai, não é? Eu só quero o meu filho aqui, perto de mim, longe de você e dos erros que você o fará cometer!

— Erros? Ah! Agora eu entendo bem o que há com a família Khoury. O senhor sempre achou que sonhar com uma família fosse um erro, não é, doutor César? Por isso, deu no que deu... Tudo errado nessa família.

— Você não tem o direito de falar assim!

— Talvez não. Mas, o seu filho tem todo o direito de decidir o futuro dele. Portanto, com licença.

Fui, no mesmo instante, em direção à porta, abri e chamei o Félix. Ele veio correndo. E eu, imediatamente, lhe expliquei:

— Félix, o seu pai gostaria que você ficasse aqui. Eu já disse que nós dois decidimos morar juntos, só que, mesmo assim, ele quer que você fique. Eu sei que ele também precisa da sua companhia e dos seus cuidados. Eu vou entender se você quiser ficar, ele é seu pai, essa é a sua família, sua casa. E eu sempre vou estar te esperando. Minha casa sempre estará de portas abertas para você, assim como o meu coração. Portanto, Félix, quem tem que decidir é você. Você quer ir comigo ou quer ficar aqui? Você que escolhe. E saiba que eu vou respeitar a sua decisão seja ela qual for.

... ... ...

E o Félix tomou sua decisão.

... ... ...

Ele olhou para o pai e falou:

— Pai, eu já tinha decidido ir embora com o Niko. Eu quero morar na casa dele, com ele, com os filhos dele. Não quero mais voltar para essa casa.

— Essa é a sua casa!

— Mas, eu não gosto daqui, pai! Eu... Eu vou me sentir bem melhor lá na casa do Niko.

Ele não estava gostando nada da decisão do Félix. Olhava para o filho como se detestasse cada palavra que ele dizia.

— Diga-me apenas por quê, Félix?

— Por quê? Porque lá eu... Eu sinto que eu tenho uma vida mesmo sem ter as memórias dela. Eu sinto que lá eu posso existir e viver como sou enquanto que aqui eu sinto que... Que devo me esconder. Eu não sei de quê, mas é o que eu sinto. E eu não gosto de sentir isso, pai. Por isso que eu quero tanto ficar com o Niko.

— O que tem na casa dele que você tanto gosta, hein?

— Bom... Pai, o problema não é a casa. Eu não gosto é dessa casa, não gosto de ficar aqui, mas eu adoro ficar com o Niko aonde quer que ele esteja. Você me entende, não é?

—... Entendo...

— Mesmo?

— Entendo que você já tomou sua decisão. Portanto, vá. Vá com ele. Mas, não volte mais aqui.

— Quê? Não, pai! Olha, não é porque eu decidi morar com o meu namorado que eu não posso vir aqui te ver, ver a minha mãe, minha avó, meu filho. Eu gosto de ver vocês também. Eu ainda posso ajudar o senhor com seus problemas de saúde, eu posso lhe fazer companhia se quiser...

— Pode nada! Sai! Sai daqui! Você já fez sua escolha, não fez? Então, vai.

— Mas, pai!... Não é porque eu amo o Niko e quero ficar com ele que eu não ame o senhor e minha mãe e todos aqui. Vocês também são minha família. E eu posso dividir o meu amor sim, porque não?

— Porque não! Você acabou de escolher seu destino, Félix. Quer brincar de formar uma família com esse aí? Quer brincar de casinha, brincar de ser papai, de ser feliz pra sempre? Pois vá com ele. Agora! Vá de uma vez e não me apareça mais aqui.

— Mas, pai... E se... E se você precisar de mim?...

— Eu não preciso de você.

Eu tive que me intrometer nessa história. O Félix estava ficando confuso de novo e triste demais para aguentar tudo sozinho.

— Com licença, doutor César, mas o senhor precisa do Félix, sim.

— Eu não preciso! Nem dele, nem de ouvir você.

— Precisa sim! E o senhor vai me ouvir! Vamos recapitular quem é que não precisa do outro aqui? O Félix tem pessoas que o amam, que o amam de verdade. Tem a mim, a minha família, a família dele. E quem o senhor tem, doutor César? A Pilar ainda tem consideração pelo senhor, sendo que ela nem tem a obrigação de mantê-lo aqui nem de cuidar do senhor. Os únicos que ainda o amam nesse mundo são seus filhos... O Félix e a Paloma; o Júnior ainda é muito novinho pra entender essas coisas. E um deles, um dos seus filhos, justamente aquele que ficava aqui cuidando do senhor, ajudando-o e ouvindo desaforo dia após dia, é aquele que o senhor está dispensando agora. – Apontei para o Félix – E tudo por quê? Por um capricho! Por um preconceito absurdo! Por não querer ver seu filho feliz ao lado de outro homem. É só por isso! Pois bem, doutor César... A Paloma não pode ficar aqui com o senhor, ela tem a família dela pra cuidar. E agora, o Félix também vai ter a família dele... Ele terá a mim. E aonde quer que ele vá, eu vou.

Saí do quarto nesse instante, pois já não aguentaria mais nada que saísse da boca daquele senhor e nem as lágrimas que insistiam em embaçar minha visão. O Félix ficou, mas eu ainda ouvia o que diziam, pois fiquei encostado à porta.

— Pai... Você não pode reconsiderar? Deixa que eu continue vindo aqui te ver, mas, que eu possa morar com o Niko. Ele é o amor da minha vida.

— Vá. Já não me importa o que você faça de agora em diante. Apenas vá. Mas, que fique claro que eu tentei. Não venha reclamar depois.

— Espera aí! Tentou o quê?

— Tentei te fazer desistir dessas ideias estúpidas! Você vai sofrer, vai se arrepender. Você vai ver como estou certo quando for tarde demais. Quando toda a sociedade estiver fazendo chacota de você, e quando esses pensamentos absurdos de formar família com outro homem tiverem se transformado num grande fracasso.

Tive vontade de entrar de novo no quarto quando ouvi o pai do Félix dizer isso, mas o Félix foi mais rápido ao responder:

— Você pode estar errado, pai. Pode ser que dê tudo certo e possamos ser mesmo uma família feliz. Mas, mesmo que não seja assim... Eu prefiro tentar fazer novas memórias ao lado do Niko do que passar o resto da minha vida aqui, sem nada significante para me lembrar. Eu não queria ter que escolher entre vocês dois, não faz sentido! Mas, já que você não quer fazer parte das minhas novas memórias se eu escolher ficar com o Niko... Então, isso é um adeus, pai. Porque eu escolho ficar com ele.

Eu me afastei da porta quando ouvi os passos do Félix se aproximando. Ele saiu e fechou a porta atrás dele. Quando me viu, me abraçou forte. Ficamos assim abraçados até a Pilar se aproximar.

— Meninos, o que foi? O César falou alguma coisa pra deixá-los assim, foi?

— Não, Pilar, não se preocupe. Está tudo bem. Nós só... Tivemos uma longa conversa. Muito longa mesmo.

Félix ainda me completou: - E nós dois tomamos uma decisão muito importante, mãe. Aliás, o Niko e eu já tínhamos pensado nisso antes de vir pra cá.

— Que decisão, meu filho?

Senti-o pegar minha mão antes de anunciar. – Nós vamos morar juntos.

Pilar fez uma cara de surpresa antes de dar um sorriso. – Meu filho!... Você... Você não vai mais voltar pra cá, então? É isso? Vai... Vai morar com o Niko?

— Vou, mãe. – Ele me soltou e pegou nas mãos dela. – Mãe, me desculpa, mas eu não quero mais morar nessa casa. Tenta me entender... Eu amo o Niko. E quero ficar com ele. Eu sinto que lá eu nunca mais vou me perder.

Pilar ficou muito emocionada. E eu, então, já não conseguia falar mais nada. A emoção era latente em todos nós. E ela falou apenas o que a gente precisava ouvir.

— Filho... Eu vou sentir saudade. Vou sentir muita saudade de não te ver todo dia... Aqui, tomando café da manhã naquela mesa, conversando, fazendo suas piadas... – Ela começou a fazer um carinho no rosto dele. – Mas, eu sei que você mudou. Mudou, e não foi só depois desse acidente, não... Você mudou bem antes... Quando conheceu esse ser maravilhoso aqui. – Ela acariciou o meu rosto. – Meninos, eu vou ser muito feliz como mãe. Muito satisfeita por ver o meu filho realizado ao lado da pessoa que ele ama.

Félix e eu pegamos nas mãos dela ao mesmo tempo, felizes com suas palavras.

— E você, Niko... Finalmente será meu genro, né? – Nós dois rimos. – Posso te considerar um filho também?

— Oh, Pilar! É claro que sim! – Abracei-a anestesiado com tão bela reação de sua parte em contrate com as besteiras que eu tive que ouvir do doutor César. Félix também abraçou a nós dois e eu sentia que aquele enlace era o início de uma bela nova história para nós.

Depois, fomos arrumar as malas do Félix e nos despedir dos outros...

... ... ...

... E agora eu estava aqui, dirigindo o meu carro, com o meu amor ao meu lado. Estendi a mão para ele lembrando o modo como ele fez comigo quando me ajudou a resgatar o meu bebê. Ele me olhou por um instante, e soube exatamente o que era para fazer. Ele segurou a minha mão daquele mesmo jeito... O mesmo jeito que eu fiz com ele. E a repetição daquele gesto me fez acreditar ainda mais que o meu Félix estava voltando para mim. Com algumas mudanças, sim, mas nada que me impedisse de me apaixonar cada dia mais por ele. E mais... Que agora nada poderia nos separar.

— Eu nunca vou te soltar, Félix. Nunca. – Voltei a lhe jurar. – E, sabe, meu amor... Mesmo que a gente, às vezes, passe por algumas coisas chatas como as que o seu pai estava dizendo, nós vamos superar juntos. Vamos passar por cima de tudo e de qualquer um que queira nos prejudicar, porque seremos mais fortes, tá? Seremos uma família feliz.

Ele, que parecia pensativo e distante durante o caminho, sorriu para mim nesse momento e declarou:

— Eu também nunca vou te soltar, carneirinho. E, sabe de uma coisa? Pra onde você for, eu vou.

Ouvir aquilo foi de uma magia inigualável. Saiu de sua boca direto para o meu coração, como uma flechada do cupido que fez meu coração bater mais forte por ele. Eu não conseguia evitar me questionar: será que ele se lembra de que um dia eu disse isso mesmo a ele? Mas, eu voltava a me responder: imagina, Niko, ele não lembra. Mas, não importa se ele lembra ou não, o que importa é o que ele sente agora. Eu sei o que ele sente e isso é o que me faz feliz. E o que eu sinto? Eu sinto o mesmo por ele.

Isso se chama amor. Recíproco e verdadeiro.

...

...

O Niko e eu estávamos cumprindo a nossa decisão. Eu não podia ter tomado outro caminho senão ficar com ele. Finalmente eu sentia que tinha um lugar para onde voltar e alguém em quem confiar. E de bônus eu tinha o amor. Esse amor lindo e sincero que o Niko me oferecia junto à sua família e que inexplicavelmente me fazia sentir pleno.

Eu ainda me sentia triste pela conversa com meu pai, pela não aceitação dele quanto ao meu relacionamento, pelas coisas ruins que ele disse que poderiam acontecer conosco... Mas, no fundo do meu coração eu sabia que eu não poderia ter tomado decisão melhor. Todos os sentimentos que eu sentia quando estava com o Niko eram de tal plenitude... Parecia até que eu não precisava de outras memórias, além das que eu já tinha com ele e das que poderíamos ainda ter, juntos.

Isso ficou ainda mais claro quando ele pegou em minha mão e me jurou mais uma vez que nunca me soltaria. Eu só precisava disso para ser feliz. Todavia, ele ainda teve outra ideia. Perguntei o que era quando estranhei o caminho por onde ele ia.

— Onde estamos indo?

— Vamos buscar o Jayminho na escola. Ainda não é a hora certa, mas eu vou pedir para ele sair um pouquinho mais cedo, só hoje.

— Pra quê?

— Como para quê, Félix? Para a gente comemorar! – Ele parou o carro perto de uma escola. – Vamos nós três comemorar o seu primeiro dia na nossa família. Tenho certeza que ele vai adorar. Outro dia a gente faz alguma coisa com o Fabrício junto também. Imagina só, nós quatro passeando pela primeira vez como uma família completa? Eu mal posso esperar!

O Niko estava tão entusiasmado que me deu um beijo bem rápido nos lábios antes de descer do carro e correr até a escola. Eu fiquei lá esperando e pensando no que ele tinha dito: “pela primeira vez como uma família completa”. Eu sentia como se fosse mesmo a primeira vez que eu fazia parte de uma família verdadeiramente completa.

Como se já não fosse o bastante a sensação de felicidade que o Niko me proporcionava, esse sentimento só se reforçou quando eu vi o Jayminho saindo da escola e correndo diretamente para mim. Eu abri a porta do carro e ele praticamente pulou em cima de mim e me abraçou forte. Fez me sentir tão bem! E fez sentir que tudo valia a pena quando disse:

— Papai Niko disse que você já vai morar com a gente. Que bom! Você já vai poder ser o meu papi Félix!

Incrível como aquele menino que não era nada meu tinha por mim um amor tão grande a ponto de me querer como pai dele... Enquanto que o meu próprio pai não me queria mais como filho. Como podia ser isso? Só podia ser aquilo que minha mente insistia em não esquecer... Sentimento não tem explicação, é assim mesmo, só existe.

E foi em nome desse sentimento que era o único guia da minha vida a partir dali que eu abracei aquele menino de novo e falei:

— Eu vou ter muito orgulho de ser o seu papi Félix, Jayminho.

...