Make a Memory

Capítulo XVI – Aquele beijo


Aquele beijo tão sublime foi o que eu precisava para me certificar de que eu não poderia ter me esquecido do Niko.

...

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Aquele beijo correspondido foi o que precisava para provar que ainda existe um Félix dentro do Cristiano e eu posso resgatá-lo com o meu amor.

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Ao cessar o beijo, foram nossos olhos que se encontraram. Quantas coisas eu queria falar ao Niko naquela hora! E ao mesmo tempo, nenhuma palavra era suficiente para explicar tudo que senti.

— O que era mesmo que você queria me pedir? - Ele me perguntou.

— É... Era... – Eu o beijei. Só esse gesto era válido.

...

...

Ele me beijou! Ele me beijou! E como aquele beijo me emocionou! Ele me beijou por iniciativa própria, por vontade, porque ele quis me beijar!

E eu tinha que aproveitar aquele beijo ao máximo!

Minhas mãos que estavam em seu rosto deslizaram até sua nuca, puxando seu rosto para mais ficar ainda mais junto ao meu, sua boca para ficar ainda mais colada na minha. Aprofundei aquele beijo dando vazão a toda a saudade dele que estava guardada em mim.

...

...

Eu sei que dei início aquele beijo, mas ele me beijou tão intensamente que senti perder o fôlego e o chão de debaixo dos meus pés.

Estava acontecendo justo o que eu pensava. O beijo do Niko tinha algo de diferente, algo especial, algo... Que eu já conhecia.

— Niko! – Exclamei seu nome num suspiro após soltar sua boca.

Nós dois estávamos ofegantes. Não dava para negar... Aquele beijo havia me levado a uma dimensão maior do sentimento que eu já sabia ter por ele.

...

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Nós dois estávamos ofegantes, tanto pelo beijo quanto pela emoção. Não dava para negar... Era bom demais o que estava acontecendo! Aquele beijo havia me levado a imaginar que o homem da minha vida estava de volta.

Quando ele chamou meu nome fiquei só olhando para ele... Buscando o brilho dos olhos do Félix que eu conheço. Aquele brilho apaixonado que o meu Félix sempre tinha ao me beijar. Procurei também o sorriso malicioso que ele fazia antes de me fazer uma proposta indecente. Mas, nada daquilo estava lá. Um brilho diferente, especial talvez... Mas, o sorriso não. O que existia era um rosto assustado, confuso, sem saber como lidar com seus próprios instintos e sentimentos.

...

...

O que fazer com a ideia de estar apaixonado por ele? Como lidar com tudo isso que estou sentindo?

— Niko... – Peguei nos ombros dele desesperado por respostas. – O que é isso?

— Isso o quê?

— O que realmente havia entre nós? Qual era a nossa relação? Me diz... Por favor! – Não consegui segurar o choro. – P-Por que eu te esqueci?

Vi o Niko também encher seus olhos de lágrimas. Ele acariciou meu rosto e falou:

— Não chora. Não chora senão eu vou chorar também.

— Por que chora por mim? Eu te perguntei isso no hospital e você disse que era porque nós somos amigos. Mas, nós não somos só amigos, Niko. Amigos não se beijam assim, amigos não sentem...

— Não sentem... O quê?

—... O que eu senti ao te beijar. ... Fala a verdade. Eu já beijei sua boca antes, eu já te abracei, eu já te acariciei, eu... Eu sei disso! Não me pergunte como, pois eu não me lembro, mas eu sei! – Suspirei profundamente para não chorar mais. – Por favor... Pelo que você mais ama, me conta a verdade.

— Pelo que eu mais amo?

Por que ele me olhava daquela maneira ao falar “pelo que mais amo”? Será que falava de mim?

...

...

Ele queria que eu lhe contasse a verdade pelo que mais amo. Como dizer que ele era parte do que mais amo na vida?

— Sim. Pelo que mais ama, me conta tudo.

— Quer que eu te conte tudo? Está bem... – Respirei fundo e procurei falar com o coração. – Nós dois somos bem mais que amigos...

— O que somos? Amantes?...

— Não! Nós somos namorados.

—... Namorados? – Vi que ele ficou surpreso e eu tomei uma decisão. Peguei duas taças, enchi-as do mesmo vinho que tomamos no jantar e servi uma para ele e outra para mim, enquanto dizia:

— Olha... Eu quero te contar toda nossa história. É isso que você quer?

— É. É isso que eu quero.

— E você... Está disposto a ir aonde eu for?

— Estou.

— Então... Vem comigo. – Peguei em sua mão.

— Para onde vai me levar?

— Para meu quarto.

— S-Seu quarto? Por quê?

— Só vem...

...

...

...

Enquanto isso, na casa dos Khoury...

— Vim trazer seu jantar, vô. – Jonathan servia César quando este lhe perguntou:

— Onde está o Félix?

— É... Ele... Por que quer saber?

— É tão difícil assim dizer onde ele está?

— Ele... Ok, eu não gosto de mentir. O meu pai saiu.

— Saiu? Para onde? Ele não está em condições de sair. Quem foi com ele?

— Ele está bem acompanhado, é tudo que o senhor precisa saber.

Nesse momento César começou a entender tudo.

— Com quem ele está?

—... Pra quê quer saber, vô?...

— Porque tenho esse direito! Ou não?

— Tem, mas...

— Mas, nada! Não precisa falar, eu já sei... Eu já sei onde ele deve estar.

— Sabe?

— Está com aquele tal que ele diz estar apaixonado, não é?

Jonathan se surpreendeu. – Como você sabe disso?

— Do jeito que você ficou para me responder, percebi que só podia ser isso. Além do mais, ele veio conversar comigo e me contou tudo.

— E o que você disse a ele?

— Não importa! – César começou a se irritar. – Você também o apoia, não é? É a favor disso?

— Eu sou a favor da felicidade, vô. E se a felicidade do meu pai é ao lado do Niko, eu vou apoiar sempre.

— Quem é esse tal de Niko que enfeitiçou o Félix mesmo agora que ele pensa ser o Cristiano? – Perguntou num misto de raiva e curiosidade.

Jonathan deu uma risada e comentou: - Pois é, eu também não acreditei, mas mesmo sem se lembrar dele, meu pai voltou a se apaixonar por ele. É incrível! O amor deles é mais forte que as memórias perdidas... Mais forte que a própria vida, talvez.

— Por que diz isso?

— Ora, porque meu pai, praticamente, perdeu a vida. A vida dele mesmo, do Félix. Ele passou a se ver como o Cristiano, a viver a vida que seria do Cristiano e, no entanto... O Niko conseguiu conquistar até mesmo o Cristiano. Isso só quer dizer uma coisa: que não importa a vida que ele esteja vivendo, seja Félix ou Cristiano, rico ou pobre, com sucesso ou na sarjeta... O amor deles sempre vai prevalecer... Acima de tudo e de todos.

Sem ter mais o que dizer depois disso, César terminou seu jantar calado e bastante pensativo.

...

...

...

Já, em outro lado da cidade...

Certo advogado via fotos antigas num álbum repleto de recordações.

— Ah, Niko, olha só... Você era uma gracinha quando era mais novo. Se bem que o tempo só te fez bem. Está tão lindo agora!

Eron falava sozinho enquanto passava as páginas do álbum. Em seu apartamento, recordava os bons momentos que teve em todos os anos que teve Niko como companheiro. Contudo, a recordação que mais lhe vinha à cabeça era o momento em que o perdeu.

— Niko, Niko... Que saudade de você! – Deslizou os dedos por uma das fotos. Uma em que Niko o beijava. De repente, fechou o álbum com força. – Por que eu fiz tanta besteira, hein? Como eu pude ser tão burro? Se eu não tivesse te traído você ainda estaria comigo! Você seria meu, e não do... Do Félix.

Seus arrependimentos, às vezes, tomavam forma de ira, despeito, e até vingança.

— Você poderia voltar a ser meu. Poderia me perdoar. Eu ainda te quero tanto, Niko. Só que você fica aí perdendo tempo, sofrendo por alguém que nem se lembra de você. Você não vê que ele não te merece, Niko? Quem é capaz de te esquecer? Quem?... Só o Félix mesmo, porque eu não sou. Eu não te esqueci, nem vou esquecer nunca. Só o Félix te esqueceu... E se eu pudesse te fazer esquecer o Félix, eu faria.

Reabriu o álbum e, mais uma vez, acariciou a foto dele e de Niko juntos.

— Quer saber? Eu vou te fazer esquecê-lo assim como ele te esqueceu. Eu pensei que não fosse ter nunca mais outra oportunidade para te reconquistar, mas, agora eu tenho. E eu não estou disposto a perder essa chance. Eu não quero mais ter que aguentar essa solidão. Eu te quero de volta, Niko... Quero tanto... Você vai ser meu de novo. Eu vou te fazer meu de novo de qualquer maneira.

...

...

...

Algum tempo depois, na casa de Niko...

♪♫ ...Olá, de novo, somos você e eu

Como sempre costumava ser

Bebendo vinho, passando o tempo

Tentando resolver os mistérios da vida... ♪♫

A música tocava naquela velha vitrola enquanto Félix, deitado em meu colo, recebia um cafuné e ouvia uma história de amor. A nossa história.

—... Depois de eu ter vivido tanta desilusão, tanta traição, esse homem foi, pouco a pouco, salvando minha vida. Me salvando de cair na solidão e no sofrimento. Foi me trazendo a alegria de viver, uma nova autoestima... E me seduzindo, me deixando cada vez mais apaixonado. Esse homem foi o meu herói e, desde então, eu não sei mais viver sem ele. Ele se tornou meu namorado, meu melhor amigo... E minha esperança de dias melhores.

Ele olhou para mim e perguntou: - Por que fala “esse homem” se você está falando de mim?

— Porque eu... Falo de você que vejo, mas não de você que me vê.

Sei que ele não poderia entender o que eu queria dizer, mas eu falava da diferença entre ele estar se vendo como Cristiano e eu estar vendo o meu Félix. Ele se sentou ficando de frente para mim, ainda curioso.

— O que quer dizer? Eu... Eu mudei muito depois do acidente?... Eu sei que me esqueci de muita coisa, mas não foi por que eu quis, eu juro!...

— Ei! Eu sei, calma...

— Eu juro, Niko, eu juro que se eu pudesse escolher eu jamais teria te esquecido!

Aquelas palavras bateram fundo no meu coração. Emocionaram-me, me fazendo só aumentar meu amor por ele.

— Eu acredito em você. Não se preocupa! Afinal, você não me esqueceu completamente, não é? Senão não estaria aqui comigo. – Sorri e ele sorriu junto.

— Tem razão. Eu não te esqueci de verdade. Acho que eu esqueci quem você é, mas não que você é importante para mim. Porque isso eu soube desde a primeira vez que te vi.

Minha emoção só aumentava. Como mensurar tamanho amor, tamanha ternura?

— Você também é muito importante pra mim. Sabe como se chama isso?

— Não.

— Se chama amor. Amor é o que eu sinto por você.

Ele parecia meio sem graça com minha confissão, meio sem saber o que dizer.

♪♫ ...Se você não sabe se deve ficar

Se você não diz o que está pensando

Apenas respire

Não há outro lugar em que deveríamos estar...

Você quer tornar memorável? ♪♫

Porém, em um minuto ele disse tudo, quando me beijou mais uma vez.

...

...

Ele me ama? Sim, ele me ama! Seria amor o que eu também sinto por ele?

Beijei-o novamente para comprovar que a magia que eu sentia naquele instante era mesmo real. E como era!

♪♫ ... Se você se for agora, eu entenderei

Se você ficar, ei, eu tenho um plano

Nós tornaremos este momento memorável... ♪♫

Após o beijo, perguntei a mim mesmo em voz alta, ou melhor, num sussurro:

— O que é isso que sinto?

— É amor. Eu já te disse...

— Então... Eu te amo? É isso? Eu também te amo?

— Por que pergunta? É você quem diz.

— Eu... E-eu achava que tinha algo errado comigo...

— Errado? Como assim errado?

— Que... Q-Que era errado amar outro homem! Quando eu vi que não conseguia parar de pensar em você, eu...

— Ei! – Ele me interrompeu. – Errado é não amar. Errado é perder a chance de ser feliz.

Fiquei olhando em seus olhos após aquelas palavras e a única coisa que me veio à cabeça foi...

— Eu posso dormir aqui hoje?

...

...

...

No dia seguinte...

— Sério, não imaginei que você fosse ficar pra dormir lá. – Jonathan conversava com o pai ao voltarem à casa de Pilar. – Vocês foram rápidos, hein?

— Jonathan! – Félix riu sem graça.

— Tá bem, tá bem, já entendi. Mas, me fala... Como foi o jantar?

— Foi muito especial. O Niko me contou a minha história com ele.

— Então, você já sabe que vocês estavam namorando?

— Estávamos não... Estamos.

— Quê! Então, vocês estão juntos de novo?

Félix balançou a cabeça confirmando. Jonathan sorriu feliz com a notícia, mas antes que pudesse comemorar, um dos empregados apareceu dizendo:

— Desculpem interromper, mas o doutor César disse que assim que chegassem fossem falar com ele.

Os dois se entreolharam já com uma expressão mais séria, tentando descobrir o que César queria. Jonathan já podia imaginar...

— Queria falar com a gente, vô? – Perguntou ao entrar no quarto de César seguido por Félix.

— Com os dois não, só com ele. – Fez um gesto com a cabeça para Félix. – De você eu só quero uma informação.

— Diga.

— Foi buscar ele só agora, foi?

Jonathan olhou rapidamente para o pai e voltou para o avô, respondendo com a verdade.

— Fui.

— Hum. Pode sair agora.

— Mas, vô...

— Sai, Jonathan! – Ordenou. – Eu quero falar a sós com o... Seu pai.

Félix tocou no ombro do filho e falou: - Pode ir, eu falo com ele.

Mesmo não querendo muito, com receio do que estaria por vir, Jonathan saiu do quarto.

— Já estamos sozinhos, pai. Pode falar.

César parecia zangado, com uma respiração forte e um ar de seriedade.

— Onde você passou a noite?

Félix tossiu como se tivesse engasgado, enquanto procurava uma boa resposta para dar.

— Fale logo, deixe de rodeios! – César exclamou enfurecido.

Félix respirou fundo e, já prevendo que a reação do pai não seria nada boa, fechou os olhos e falou muito rápido:

— Eu dormi com o Niko.

César olhou para ele da forma mais fria possível.

— Você o quê?

— E-Eu... Eu...

— Você fez o quê? – Esbravejou.

— E-Eu dormi com o Niko, pai. Mas, n-não é nada do que você tá pensando, eu só dormi na casa dele, só isso...

— E você quer que eu acredite?! Seu... – Fez um movimento como se fosse se levantar e quase caía da cadeira.

— Pai! – Félix correu para ajudá-lo depressa.

— Me solta!

— O que pensa que está fazendo? Acha que vai conseguir se levantar sozinho?...

— Já disse para me soltar! – Gritou.

— Pai!... – Ele o soltou assim que notou como César estava revoltado.

— Não me toca.

— O que foi? Até parece que... Que tem nojo de mim.

— Tenho. Você me dá nojo.

Félix não entendia o porquê daquelas palavras.

— Por que está dizendo isso? Você é meu pai...

— Você não é meu filho.

— Como é?

— Não é. Você não é meu filho. Não é o filho que eu sempre quis. Não é nem nunca será.

— Do que está falando?

— Eu pensei... Eu cheguei a pensar que poderia te mudar... Que poderia te ver diferente agora, mas... Você é o mesmo. Continua sendo o mesmo ser desprezível que sempre foi.

Ele continuava sem compreender o motivo de tanta raiva por parte do próprio pai. Com os olhos cheios de lágrimas, mas se recusando a chorar, indagou:

— Quer dizer que eu sou um ser desprezível pra você? Então... É isso que ninguém quer me falar, não é? O senhor nunca me amou.

César lançou um olhar gélido para ele e respondeu apenas um...

— Não.

Nesse instante, Félix sentiu sua cabeça doer, mas ainda perguntou com os olhos em lágrimas:

— Por quê?

— Porque nunca quis um filho assim... Como você.

Félix ficou zonzo e encostou-se à parede do quarto para não cair. Sua tontura tinha uma razão: mais uma lembrança...

... ...

... - Como queria que eu te amasse se eu nunca quis um filho como você?

— Sabe... Eu fiquei muito tempo da minha vida me perguntando o que eu tinha feito de tão errado para o senhor não gostar nem um pouquinho de mim, mas hoje eu sei o que foi... Foi o simples fato de eu nascer, não foi, doutor César? O senhor nunca me suportou! ... Fala! Não foi isso? Você nunca me suportou, nunca me quis...

— Não! Eu nunca suportei esse seu jeitinho, suas manhas, seus problemas. E o pior de tudo foi quando perdi meu outro filho e percebi que você jamais seria igual a ele. ...

... ...

...

...

O que aquela lembrança significava? Levantei a cabeça num susto após recordar esse triste acontecimento.

— Outro filho? – Indaguei em voz alta e vi que meu pai olhou para mim.

Havia um segredo ali... Sobre mim, sobre minha vida, sobre minha família... E ninguém tinha coragem de me contar.

— O quê?

— Outro filho. Você disse outro filho.

— Quando eu disse isso? Está louco?

— Não, pai, não estou. – Encarei-o. – Eu já sei que isso que vejo, essas imagens, essas vozes, não são ilusões, são lembranças. E eu me lembrei de uma coisa. Uma briga... Entre nós dois. E você dizia que percebeu que eu jamais seria igual ao filho que você perdeu.

Notei a expressão de raiva de meu pai mudar para espanto. Pelo jeito, eu havia me recordado de algo muito importante. Ele ficou pálido... Mas, eu tinha que saber mais.

— Você perdeu um filho, pai? Foi isso? Eu... Eu tinha um irmão?

Ele permanecia em silêncio. Silêncio que estava me sufocando.

— Pai, me responde! Que lembrança foi essa que eu tive? Você tinha outro filho? Você me comparava a ele, por acaso?

— Saia daqui. – Ele falou parecendo calmo, mas estranhamente assustado.

— Não, pai, eu não vou sair até que me responda!

— Sai daqui! – Esbravejou.

— Não! – Nivelei minha voz com a dele. – Agora o senhor vai me responder. Quem era esse meu irmão? Qual o nome dele? Como o senhor o perdeu, ele morreu ou o quê?

— Não tenho porque te responder nada!

— Tem sim! Eu preciso saber! Eu tenho que saber o que se passa na minha cabeça, o que é cada nome, cada rosto, cada voz... Você não entende?

Meu pai levou a mão esquerda à cabeça. Percebi que ele também devia estar sentindo dor e me preocupei. Cheguei mais perto dele para ajudá-lo, mas novamente ele me rejeitou.

— Sai de perto de mim!

— Mas, pai... Você não entende? Eu estou aqui, eu estou tentando te ajudar, eu... – Soltei-o e me afastei quando, mais uma vez, uma lembrança surgiu. Era minha própria voz, dizendo:

... ... - Você não entende? Eu estou aqui, eu estou tentando te ajudar, eu estou vivo! O Cristiano morreu, entendeu? Morreu! Ele morreu e não vai mais voltar! Sou eu quem está aqui, quem sempre esteve, e quem o senhor ignorou a vida inteira!

... ...

Aquelas palavras em minha mente me fizeram perder as forças. Encostei-me à parede, mas mesmo assim não consegui me manter de pé e deslizei até o chão.

— O... O C-Cristiano... Morreu?

Eu estava distante, mas percebi que meu pai olhou para mim como se visse um fantasma.

— O que você disse?

— Morreu!... Ele morreu!... Eu... Eu morri?

Eu nunca estive tão confuso quando agora.

Levantei-me depressa e saí correndo de lá. Fui direto para meu quarto e me joguei na cama. Queria me trancar, queria pensar ou, no mínimo, tentar colocar algum pensamento em ordem. Apesar de que era uma tarefa impossível. Como ordenar algum pensamento se nada que minha memória me trazia era claro para minha compreensão?

— O Cristiano morreu... Morreu e não vai mais voltar... Foi isso que eu disse! Por quê? Por quê? Se... Se eu sou o Cristiano... Não sou? Ou será que não sou?

Levantei os olhos e vi meu armário. Aquele armário que me deixava apreensivo. Saí da cama e fui até ele, curioso com algo que eu havia deixado inacabado.

— Aquela caixinha... – Peguei a caixinha que eu havia achado antes quando mexia no armário. Eu ainda não havia visto seu conteúdo.

Abri-a. Havia papéis lá dentro. Documentos. Documentos onde constava um só nome...

— Félix Khoury.

...