Make a Memory

Capítulo XVII – A fuga


...

... ...

— Posso dormir aqui hoje?

Pensei que fosse ter um troço ao ouvi-lo pedir isso.

— V-Você... Você quer dormir aqui?... A-Aqui comigo?

— Oh, não! Não é o que você está pensando!...

Quando vi que ele ficou vermelho, percebi que havia tirado as conclusões erradas.

— Então?... Por que me pediu para dormir aqui?

— Eu pedi para dormir apenas. É que... Eu não gosto muito da casa dos meus pais.

— Ah! Então é isso... – Eu estava compreendendo melhor. – Você sabe por que você não gosta de lá?

— Não. Mas, eu tenho a impressão de que nunca gostei. Para falar a verdade, o Jonathan me disse que eu nunca fui feliz.

— Ele te disse isso? Mas, por quê?...

— Porque eu pedi para ele me falar sobre você.

— Sobre mim?

— Sim. Ele me disse que eu nunca fui feliz... Até conhecer você.

Sim, eu estava mesmo compreendendo melhor como e porque ele estava ali comigo de novo.

— É por isso que eu sei que você é muito importante para mim, Niko. Porque eu já sei que quando você entrou na minha vida você a transformou para melhor. Você mudou a minha vida.

Feliz, peguei no rosto dele e lhe afirmei: - E você mudou a minha.

Dei-lhe outro beijo e aceitei que ele dormisse lá. Afinal, eu queria muito tê-lo pertinho de mim. E o que a gente precisava naquele momento não era de sexo, era de cumplicidade, de estar junto, de não se separar nunca mais.

— Deita aqui, vai. Dorme ao meu lado. Eu vou te abraçar e te proteger. – Tirei os sapatos dele enquanto ele deitava na minha cama. Ele sorria.

— Desse jeito vou ficar mimado.

— Tem nada não. Eu adoro te mimar. Eu vou velar seu sono... Posso até cantar pra você dormir.

Ele riu. – Pode é? Você canta bem?

— Mais ou menos. Eu tento. Mas, você diz que gosta da minha voz...

— Gosto é? Então eu quero ouvir.

— Quer mesmo? – Deitei ao lado dele.

— Quero. – Ele se ajeitou de frente para mim e se aconchegou em meus braços como se fosse um gatinho. Senti naquele ato que ele já sabia que podia confiar plenamente em mim. Como isso me deixava feliz!

Respirei fundo e comecei a cantar suavemente uma canção que dizia assim...

♫♪... Eu poderia ficar acordado só para ouvir você respirar

Te ver sorrindo enquanto você dorme

Enquanto você está longe e sonhando...

Eu poderia passar minha vida nessa doce redenção

Eu poderia me perder neste momento para sempre

Todo momento que eu passo com você

É um momento precioso... ♫♪

Apesar do sono chegando, confesso que eu não tinha vontade nenhuma de dormir. Queria curtir cada segundo daquele momento, abraçado a ele, sentindo-o novamente junto a mim. Eu tinha medo de que ele não estivesse mais ali quando eu acordasse. Tinha medo de que tudo não passasse de um sonho.

♫♪... Não quero fechar meus olhos

Não quero pegar no sono

Porque eu sentiria a sua falta

E eu não quero perder nada

Porque mesmo quando eu sonho com você

O sonho mais doce nunca vai ser suficiente

Eu ainda sentiria a sua falta

E eu não quero perder nada... ♫♪

Eu ainda lutava para não fechar os olhos, para não me entregar aos braços de Morfeu, pois os únicos braços onde eu queria estar era nos braços do meu Félix. Olhei para ele e ele já dormia. Tinha uma expressão tranquila, doce, quase angelical. Parecia até a expressão de felicidade que ele ficava após a gente fazer amor. É... A gente não tinha feito amor àquela noite... Mas, havíamos redescoberto o nosso amor, juntos. Juntos como eu queria que fosse... Para sempre.

♫♪... Deitado perto de você

Sentindo o seu coração bater

E imaginando o que você está sonhando

Imaginando se sou eu quem você está vendo

Então eu beijo seus olhos e agradeço a Deus por estarmos juntos

E eu só quero ficar com você

Neste momento para sempre, para todo o sempre... ♫♪

... ...

...

...

... ... - Você não entende? Eu estou aqui, eu estou tentando te ajudar, eu estou vivo! O Cristiano morreu, entendeu? Morreu! Ele morreu e não vai mais voltar! Sou eu quem está aqui, quem sempre esteve, e quem o senhor ignorou a vida inteira!

Essas palavras ainda ecoavam na minha mente onde nada fazia sentido. Pelo menos, até eu encontrar aqueles documentos onde apenas um nome aparecia. Um nome que eu já havia ouvido e me perguntado e perguntado aos outros tantas vezes quem era... E ninguém me dizia nada.

— Félix Khoury.

Tudo ali tinha esse nome. Tudo ali pertencia a ele... Félix Khoury. Mas, se tudo ali era meu... Então...

— Félix Khoury... Sou eu?

Eu precisava de respostas. Eu necessitava explicações. Eu sentia que não podia confiar em mais ninguém... Nem em mim mesmo. Eu não sabia mais quem eu era. Ou eu nunca soube, pelo jeito.

Saí do quarto aflito, procurando alguém que me desse uma luz, que me tirasse daquela escuridão que parecia querer me afundar num mar de dúvidas.

— Onde está meu filho? – Perguntei ao ver uma das empregadas.

— Ele foi ao colégio, senhor.

— E... E minha mãe?

— Ela saiu para fazer compras com a sua avó. Precisa de alguma coisa?

—... Não.

— Tem certeza? Se sente mal?

— Não, não... Pode ir.

Deixei que ela fosse. Ela não iria me ajudar. E meu pai... Não seria ele que me ajudaria. Eu não ia entrar naquele quarto de novo até não saber quem realmente eu era: Cristiano ou Félix.

Tentei esperar, mas as dúvidas e a ansiedade estavam me matando. Cheguei à conclusão de que se minha família não me ajudaria, só tinha uma pessoa a quem eu podia recorrer.

— Niko.

Eu precisava procurá-lo. Precisava confiar em alguém e só podia ser nele. Eu não havia passado a noite dormindo ao seu lado em vão. Ele era minha tábua de salvação, minha luz. E se ele já havia mudado minha vida uma vez, podia mudar tudo de novo.

Saí de casa sem que ninguém me visse. Eu não queria que me barrassem. Eu precisava encontrar o Niko de qualquer maneira. Não peguei carro, não peguei nada. Eu não sabia se conseguiria dirigir. Mas, tinha uma coisa que eu sabia: o caminho para o restaurante. Eu havia decorado o caminho por onde o Jonathan me levou quando fomos ao restaurante do Niko. Tudo que eu precisava era chegar lá.

O caminho era longo e eu não podia perder tempo. Saí andando, afinal, eu não tinha dinheiro para táxi, não tinha nada. Nada nos bolsos, nada nas mãos... Só no coração a certeza de que quando eu estivesse com o Niko de novo eu ficaria bem.

...

...

No restaurante...

— Está feliz hoje, seu Niko?

— Estou, Edgar. Muito, muito feliz.

Acho que era bem visível o quão grande era minha felicidade àquela manhã.

— Aposto que tem a ver com o seu Félix, né? Ele melhorou?

— Tem mesmo. Ele já está bem melhor sim. E acho que daqui em diante tudo só vai melhorar.

Meu coração me dizia que o meu amor estava mais perto de mim do que eu poderia imaginar. Talvez fosse só a ansiedade por vê-lo novamente, por tê-lo outra vez em meus braços, por ter de novo seus beijos e seu abraço apertado. Mas, ao mesmo tempo em que a felicidade estava voltando para nós, meu coração me dizia que ele ainda precisava muito de mim.

...

...

— Niko... Eu preciso tanto de você... – Eu pensava enquanto andava pelas ruas. Eu já não tinha muita certeza de estar no caminho certo, eu só queria chegar a algum lugar onde ele estivesse e me pusesse por entre seus braços e me protegesse.

Ao atravessar uma rua, distraído, um carro quase me atropelava. Eu parei com o susto bem na frente do carro e, ao olhar para o motorista, ele olhava para mim com cara de espanto, como se não acreditasse que estava me vendo. Mas, eu o reconheci, era aquele homem que foi falar comigo no hospital e disse que era o advogado do meu pai.

— Você? O que você está fazendo aqui? Para onde vai? – Ele pôs a cabeça para fora do carro e me perguntou, mas eu não quis responder. Ele não me inspirava confiança e eu continuei andando. Só que ele ficou me seguindo com o carro.

— Ei! Ei!... Cristiano! Espera!

Parei quando ele me chamou assim.

— O que você quer?

— Eu que te pergunto... Pra onde você vai? Por que está sozinho? Você... Se lembra de mim? Eron, o advogado do doutor César, lembra?

— Eu lembro sim. Mas... Preciso ir.

— Espera! Onde está indo? Quer uma carona? – Ele parou o carro.

Olhei ao meu redor e percebi que pelo caminho que eu recordava ter passado com o Jonathan eu ainda demoraria demais para chegar até o Niko. Eu precisava da ajuda de alguém, quem quer que fosse.

— Eron?...

— Fala.

— Você... Você conhece... Um chef de restaurante chamado Niko?

Não sei por que, mas me arrependi de ter perguntado isso a ele quando vi que ele arregalou os olhos para mim e me olhou como se eu fosse seu pior inimigo.

Ele demorou a responder, e eu já não queria mais sua ajuda, então voltei a andar. Mas, ele desceu do carro e veio em minha direção.

— Espera! – Ele segurou em meu braço com força, isso me assustou.

— Que é?

— Por que me perguntou sobre o Niko?

— Então, você o conhece?

— Conheço. Mas, você se lembra dele?

—... Solta meu braço!

— Desculpa. – Ele me soltou. – É que eu fiquei surpreso quando você me perguntou sobre ele.

— Por quê?

— Porque eu achei que você o tivesse esquecido completamente.

— Esqueci, mas não completamente. Eu já sei que o Niko e eu... É... Nós... Nós somos amigos. – Eu não ia falar para ele o que eu realmente já sabia.

— Ah, então... Já sabe que são amigos?

— Sei.

— Tá. Ele te falou?

— Falou.

— O que mais ele te falou?

— Hum... Algumas coisas. Mas, por que quer saber? Você também é amigo dele?

Ele ficou me olhando como se pensasse em algo muito rápido. Será que ele havia notado que eu estava mentindo ao dizer que só sabia da minha amizade com o Niko e nada mais? Para minha surpresa e decepção, ele me respondeu:

— Sou um pouco mais que amigo.

— Como assim?

— Sou o namorado dele.

Ouvir aquela afirmação foi como sentir uma faca sendo enfiada em meu peito. Tudo era muito novo para mim, mas eu já sabia que o sentimento que eu tinha pelo Niko era maior do que eu podia imaginar.

— Namorado?... C-Como assim, namorado dele? Ele... Ele é meu...

— Seu o quê?

—... Nada.

— Você parece meio abalado com isso.

— É que ele disse que é... Q-Que... Que ele é meu amigo e não me disse nada sobre você.

— Entendo... Mas, é, somos namorados. Na verdade, estamos separados há um tempo, mas tenho certeza que vamos voltar, afinal, nós nos amamos.

— Se amam?

Parecia que o mundo estava desmoronando na minha frente. Eu havia acabado de perder toda a confiança que eu havia depositado no Niko. Havia perdido tudo. Agora já não tinha mais para onde ir, a quem recorrer, a quem pedir socorro.

Levei as mãos à cabeça pelo dor que estava sentindo e minha única vontade era de chorar. Ele continuava ali, olhando para mim como se curtisse cada segundo do meu sofrimento. Mas, eu não deixava que ele visse o quanto eu estava triste. Eu segurava o choro bravamente, embora por dentro as lágrimas inundassem meu coração.

— É impressão minha ou você não gostou muito de saber que o Niko e eu nos amamos?

— É impressão sua. – Respondi rapidamente.

— Ah, tá...

— Eu preciso ir. – Saí andando, mas ele segurou meu braço com força outra vez.

— Espera! Já disse que eu te dou uma carona. Para onde você quer ir?

— Não quero mais. Me solta!

— Ora... Pensei que você queria encontrar o Niko. Vamos, eu ia mesmo ao restaurante para vê-lo.

— Você... Ia vê-lo?

— Eu vou vê-lo. Vou pedir para ele voltar comigo. Olha... – Ele tirou uma foto do bolso e me mostrou. Era uma foto dele com o Niko, onde eles estavam juntos. – Viu? Eu não paro de pensar nele um só segundo. Quero tanto que a gente volte a ficar assim... Juntinhos.

Peguei aquela foto sem querer acreditar no que eu estava vendo e ouvindo. Como aquilo podia ser verdade depois de o Niko ter me contado uma história de amor tão linda de nós dois? Mas, estava lá, impressa na foto a prova do quê o Eron estava falando, enquanto que o Niko não me deu prova nenhuma da nossa história. Eu já não tinha mais em quem acreditar.

Não aguentei mais as lágrimas que queriam escorrer em meu rosto. Fechei os olhos amassando aquela foto com raiva, com um ciúme que eu não sabia de onde havia saído. Quando ele pegou em minha mão tentando pegar a foto de volta, dizendo: - Me devolve! – Eu não me segurei e dei um soco na cara dele. Na mesma hora saí correndo de lá, mas ainda pude ouvi-lo me xingar de desgraçado e gritar:

— Pode ficar com a foto! Porque eu vou ficar com o Niko!

Corri. Corri sem olhar para trás.

Agora sim eu estava perdido. Completamente perdido. Não apenas perdido pelas ruas da cidade, mas perdido dentro de mim... E não tinha ninguém para me ajudar a me encontrar.

...

...

...

Horas depois...

— Ele não aparece em lugar nenhum. Já procuramos por toda a casa. – Dizia um dos empregados à família Khoury. Pilar, Bernarda e Jonathan estavam bastante preocupados com o desaparecimento de Félix.

— Eu sabia! Eu sabia que não era bom deixá-lo sozinho, mamãe! – Pilar chorava. – Com aquela cabecinha confusa daquele jeito, para onde ele terá ido?

— Vó, eu vou pegar o carro e dar umas voltas por aí, para ver se vejo ele.

— Sim, vai lá, filho, vai lá. Cuidado, viu? E qualquer coisa, nos avisa.

— Tá. – Jonathan pegou as chaves e saiu com o carro, procurando o pai.

— Eu também vou, em outro carro. – Maciel disse.

— Vai, Maciel. E, por favor, procura bem o meu filho.

— Sim, meu amor, eu vou fazer tudo o possível pra achá-lo.

Maciel também saiu. Bernarda tentou tranquilizar um pouco a filha.

— Venha, Pilar, vamos rezar para que ele apareça. É a única coisa que podemos fazer.

...

Enquanto isso, Félix andava sem rumo pelas ruas da cidade. Estava totalmente perdido, em corpo e mente.

As horas iam passando, a tarde caindo... E cada vez ele ia mais longe. Poderia ter voltado para casa antes? Sim, porém não. Ele não poderia. Ou não queria voltar sem as respostas de que precisava.

E ele não tinha mais ninguém para quem pedir tais respostas. Não tinha mais ninguém em que confiar. Para onde ir assim? Não tinha lugar.

...

Já no restaurante...

— Não adianta, Eron. Não me importo com nada do que você está dizendo, porque eu sei que o Félix não me esqueceu de verdade.

— Por que você tem tanta certeza, hein, Niko? Você já falou com ele, por acaso? Já disse a ele qual relação existe entre vocês?

— Já que você insiste, eu vou te dizer. Sim. Sim, eu já conversei com ele. Sim, ele já está sabendo o que existe entre nós. E sim, ele ainda me ama como antes.

Eron comprovou que estava certo. Félix mentiu para ele ao dizer que tudo que sabia sobre Niko era que os dois eram amigos. E assim sendo, com a mentira que Eron lhe contou, ele havia conseguido deixar Félix ainda mais confuso.

— Quer dizer que você já contou tudo para ele. E você provou que ele também te ama?

— Provei. Provei a partir do momento em que olhei fundo nos olhos dele e falei que o amava. E sabe o que ele fez? Ele retribuiu meu olhar, retribuiu meu amor com um beijo no qual não precisa palavras e... Até ficou para dormir na minha casa.

— Então... Vocês voltaram.

— A gente nunca se separou. Nossos corações, nossos pensamentos, sempre estiveram unidos.

— Ou seja... Já posso perder toda e qualquer esperança com você, não é?

— Já deveria ter perdido faz tempo, não acha?

—... Ok. Já que é assim... Adeus, Niko.

— Adeus.

— Sabe... Eu vou te deixar em paz. Embora eu ainda ache que você também deveria perder suas esperanças com o Félix. Eu duvido muito que vocês ainda tenham outra oportunidade de serem felizes juntos.

— Não sei por que duvida, Eron. Nós teremos. Pode ter certeza que o Félix e eu seremos muito felizes.

— Se você diz... Bem, eu já vou. Até mais, Niko.

— Até mais? Pensei que fosse um adeus.

Eron apenas deu um sorriso cínico e foi embora sem dizer mais nada, deixando Niko desconfiado se ele estaria tramando algo. Na cabeça do advogado mil coisas se passavam. Para ele, ele havia conseguido tirar Félix do caminho por enquanto. Mas, se sua mentira fosse descoberta e Félix voltasse a ser uma ameaça, ele ainda tinha outras cartas na manga para jogar.

...

E a primeira cartada de Eron estava dando certo. Ele havia conseguido deixar Félix tão confuso e triste, que ele havia se perdido pela cidade. Andava desorientado, sem saber para onde ir nem para onde voltar. Mas, o pior de tudo era não saber quem era de verdade.

...

Ao anoitecer, na casa dos Khoury, toda a família já estava reunida em volta da mesa. Porém, não para o farto jantar como de costume, mas para tentar descobrir onde Félix poderia estar.

— Já procurei por todo lado, mas nenhum sinal dele. – Dizia Jonathan.

— Eu também rodei por vários lugares, mas nada. Não vi o Félix, nem ninguém que o tivesse visto. – Maciel continuou. – Mas, essa cidade é muito grande, ele pode estar em qualquer lugar. Acho que se a gente se dividisse para procurar por cada zona da cidade, talvez fosse mais fácil.

— Boa ideia, Maciel. – Lutero se pronunciou. – Vamos nos organizar para procurá-lo. Vamos também avisar a polícia, procurar em hospitais, delegacias...

Atílio também estava presente. – Lutero, e se ele tiver tido uma crise? Não sei... Algo relacionado à memória, por exemplo. Ele pode ter fugido por causa disso?

— É possível. Pode ter acontecido algo que o fez ficar confuso o suficiente para sair de casa assim.

— Ah, meu filho!... – Pilar se lamentava. – Para onde ele pode ter ido? O que pode ter acontecido para ele agir assim?

— Boa pergunta. – Bernarda completou. – Lutero, o que pode ter acontecido para o Félix sair de casa sem avisar a ninguém? Ele pode ter recordado algo?

— Bom... Pode. E a tal recordação pode ter deixado sua mente em choque. Por exemplo, ele pode ter se lembrado de que estava praticamente fugindo de casa quando sofreu o acidente. Daí, ele retornou àquele momento e fugiu.

Essa possibilidade assustou Pilar. – O quê? E se acontecer outro acidente? Ele não pode ter fugido!...

Jonathan a interrompeu. – Calma, vó! Ele não saiu com nenhum carro, pode ficar tranquila nessa parte. Para o meu pai ter saído dessa casa sem que ninguém se desse conta ele só pode ter ido a pé. Portanto, ele deve estar em algum lugar não muito longe.

— Mas, também é perigoso. Talvez até mais! Como que ele sai andando por aí sem saber para onde?...

Jonathan pensou e comentou consigo: - Ou, talvez ele saiba... – Pensando se seu pai não teria ido procurar Niko. Então, assim que pôde, foi até ele.

...

— Niko! Meu pai tá aqui? – Perguntou ao chegar a casa dele.

— Não, Jonathan... Por quê? Eu acabei de chegar do restaurante... – O loiro estranhou o nervosismo dele. – O que tá acontecendo com o Félix?

— Niko... Parece que o meu pai fugiu de casa.

— Quê?! Ele fugiu? – Niko ficou pálido com a notícia.

— É! Quer dizer, ele saiu de casa sem dizer a ninguém e até agora não apareceu.

— C-Como? A que horas ele saiu?

— Desde cedo.

— Desde cedo? E ninguém viu?

— Não. Eu havia saído para resolver umas coisas do colégio, minha avó também... Ah, Niko! Eu não sei mais onde procurá-lo.

— Mas... Como?... Eu também vou procurar ele, Jonathan. Vou procurar até achar. Eu não vou perder o Félix de novo! Eu não posso! Eu não vivo sem ele!

Os dois saíram, cada um em um carro, para novamente percorrerem as ruas da cidade à procura de Félix.

...

Enquanto isso, numa rua da periferia, Félix caminhava, cansado, com sede e faminto. Mas, mais que tudo isso, sentia um peso, um peso enorme das questões que o cercavam. E sentia também o medo. O medo da solidão. O medo de não poder confiar em ninguém. O medo avassalador e constante de um homem sem memórias, sem uma vida para se pensar.

Entrando num beco onde a luz do único poste piscava lhe dando ainda mais medo, ele deu de cara com dois tipos que só pioraram a situação.

— Aê, cara... Isso é um assalto! – Um deles anunciou mostrando uma arma escondida embaixo da camisa.

— Passa a grana! Passa tudo que tiver!

Assustado, Félix levou as mãos à cabeça. Havia ficado praticamente sem voz diante daquele perigo.

— Ficou surdo, cara? Tô dizendo pra passar a grana!

— Ih! Ele é mudo, olha...

— E-Eu não tenho nada. – Félix respondeu.

— Como que não tem nada? Tá achando que a gente tá de brincadeira? Tá achando? – O que havia mostrado a arma, a apontou para ele.

— Não, não! Eu não tenho nada. É sério! – Félix deu uns passos para trás até bater numa caçamba de lixo. Ele parou, pois estava acuado.

— Tu com essa pinta de rico, não tem nada, meu irmão? Qual é? Passa o celular!

— Não tenho celular.

— Tu quer levar chumbo na cara, não quer? – Chegou com a arma mais perto do rosto dele.

Félix estava tão cansado e com tanto medo que não conseguiu responder nada. O bandido que lhe apontava a arma mandou: - Tira esse relógio. Agora!

Apesar das mãos tremendo, Félix tirou o relógio.

— Agora o sapato! Esse sapato é caro. Tira!

Félix se abaixou devagar e tirou o sapato. Então o assaltante falou para o outro: - Revista ele pra ver se ele não tem celular mesmo.

O outro o revistou enquanto Félix tinha uma arma apontada para sua cabeça.

— Ele não tem nada mesmo não.

— Que bosta, maluco! Quem é que não tem celular hoje em dia? Eu devia dar na tua cara por isso.

Nessa hora eles ouviram o som de uma viatura passando ali por perto. Assustados, os bandidos se prepararam para fugir quando Félix, instintivamente, gritou: - Socorro! Socorro!

— Cala a boca! – Um deles bateu na cabeça dele com a arma e o outro o jogou dentro da caçamba. Depois, fugiram.

Félix ficou ali, desacordado, dentro de uma caçamba, no meio do lixo.

...