Make a Memory

Capítulo IV – Existência


...

Pilar tentava argumentar com Félix enquanto ele saía de casa com pressa. Queria ir embora dali como se estivesse fugindo do seu pior pesadelo. Seu rosto só esteve tão alterado uma vez... Quando ele foi descoberto quanto a todos os erros que havia cometido no passado. Mas, agora era diferente. A raiva e a revolta que transpareciam em sua face não tinham mais as nuances da dor da culpa, mas sim da dor da frustração.

Ele só tinha um lugar para ir e precisava urgentemente, desesperadamente, chegar lá para ser salvo.

— Para onde você vai, Félix? Me responde! – Pilar praticamente correu atrás dele enquanto ele saía da casa com as chaves do carro na mão.

— Vou para a casa do Niko.

— Mas, você não acabou de vir de lá?

— Sim. – Ele virou para ela e afirmou. – E de lá não vou sair mais. Só lá eu posso ser feliz, posso ser quem eu sou... E eu não volto mais para cá.

— Mas, filho, você vai me deixar aqui sozinha de novo?...

— Mami, você não está sozinha. Você tem o Maciel, tem o Jonathan, tem a vovótrix... Eu só tenho o carneirinho e preciso muito dele agora. – Félix quase chorou nesse instante, mas engoliu o choro. Pilar, comovida, insistia.

— Mas, você vai ficar lá, morando lá com ele? E suas coisas?

— Depois você manda para lá, está bem? Vai ser melhor assim. – Félix se virou para ir, mas ela ainda questionou:

— Félix! A briga com seu pai foi tão ruim assim dessa vez?

Félix parou e falou friamente: - Em primeiro lugar, pode não ter sido a pior de todas, mas chega uma hora que não dá mais. E em segundo lugar... Eu não tenho mais pai. Aquele homem nunca me quis como filho, portanto, eu não existo mais para ele a partir de hoje. Para ele, Félix Khoury, morreu.

— Filho, não fale assim... Não fale assim que não sabe como me dói te ouvir falar assim. Eu sei o quanto é difícil aguentar o gênio do César, e você já estava fazendo muito por ele, e eu até entendo que você queira ir morar com o Niko e não te tiro a razão, mas... Não acha que está se precipitando?...

— Eu já me decidi. Adeus, mami.

Pilar se pôs a chorar. – Não me diz adeus, Félix. Por favor. Eu estou sentindo um aperto no peito só de te ouvir falar assim. – Ela chegou mais perto e tocou em seu rosto. Ele se agachou e ela lhe deu um beijo na testa outra vez. – Não esquece que eu te amo, viu, meu filho? Você não tem só o Niko não, você tem a mim também. Não se esqueça disso.

Félix afirmou com a cabeça e deu um beijo na testa da mãe, dizendo: - Nunca vou me esquecer de você, mami poderosa. Não se preocupe.

Dito isso, Félix entrou no carro e foi embora. Ainda visivelmente abalado, embora nenhuma lágrima mais aparecesse em seu rosto. Ao que ele passou pelo portão, Pilar levou a mão ao lado esquerdo do peito e após uns segundos em silêncio, pediu: - Que Deus te proteja, meu filho. – De algum modo ela estava sentindo que aquele impulso do filho não iria acabar bem.

Ela, então, voltou para dentro com passos firmes.

— Satisfeito, César? O Félix foi embora! – Se aproximou do ex-marido falando firme.

— Ele foi porque quis.

— Ouça aqui, César... Se acontecer alguma coisa de ruim com o Félix, será culpa sua!

— Não tenho culpa de nada, ele foi porque quis, já disse. Ele já é bem grandinho para tomar as próprias decisões, e se foi isso que ele quis, deixe que se vire sozinho, ora!

— Você não se dá conta, não é? Ele era a única pessoa que estava te aguentando aqui dentro. E agora, hein, César? O que vai fazer sem ele?

Ele ficou calado por uns segundos e depois respondeu:

— Mandem-me para onde quiserem. Eu não me importo com nada.

— É. Agora você disse uma grande verdade, César. Você não se importa com nada! Com nada nem ninguém.

Pilar abandonou a conversa e entrou em casa. César ficou lá, sozinho... Como sabia que estaria a partir daquele momento.

...

...

No percurso para a casa de Niko, no carro, Félix mal prestava a devida atenção ao seu redor. Sua cabeça doía, cheia dos mais nebulosos pensamentos. Tudo era uma mistura de revoltas e arrependimentos. Tudo era confusão. Diferente do Félix de sempre, este não conseguia raciocinar direito nesse momento.

— Ele nunca vai me amar... Nunca... – Referia-se ao pai. – Nunca vai gostar nem um pouquinho de mim. Ele só considera a Paloma e o maldito filho morto dele! Às vezes queria eu ter morrido naquela piscina. Eu. Todo mundo teria sido poupado da minha existência. Pra quê que eu nasci? Pra quê? Pra fazer tudo errado. Pra ser odiado. Pra não servir pra nada! – Socou a direção do carro. – O Cristiano era quem deveria estar aqui, não eu. Deveriam ter me jogado na piscina o-ou numa caçamba feito um lixo!... Do mesmo jeito que fiz com a Paulinha. ... Até isso, até isso teria sido evitado se eu não existisse! Todo mundo seria mais feliz se Félix Khoury simplesmente não existisse.

De repente, seu celular tocou. Ele viu a foto de Niko e logo atendeu:

— Carneirinho! Carneirinho, como é bom ouvir sua voz!

— Félix? Sua voz está alterada. O que foi?

— V-Você me ligou na hora certa.

— O que está havendo? Está me deixando preocupado.

— Você está em casa?

— Sim, eu vou ao restaurante agora, queria perguntar se você quer almoçar comigo mais tarde... Por quê? Onde você está?

— Estou dirigindo.

— Ai, Félix, eu não sabia. Não é bom dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo. Vou desligar.

— Não! Não, por favor, não desliga!

— Mas, Félix...

— Eu estou indo para aí, carneirinho.

— Para cá? Para minha casa?

— Sim!... Eu... Eu posso ficar aí?...

— Pode...

— Posso morar com você?

Niko emudeceu ao ouvir Félix falar isso.

— Carneirinho! Carneirinho! Está ouvindo?

— O-Oi? O... Que você disse?

— Eu posso morar com você? Eu sei que você vai deixar.

— V-Você... Você quer morar comigo?

— Quero. É o que mais quero, carneirinho. Não vamos mais para Angra, não vamos para canto nenhum. Vamos morar juntos, na sua casa, eu vou te ajudar com os meninos, no restaurante, você vai ver. E nós seremos felizes, seremos uma família, porque eu vou provar que posso sim cuidar de alguém e vou cuidar de você e dos seus filhos.

— Félix... I-Isso é lindo, mas... Eu não tô entendendo nada.

— Eu te explico quando chegar aí, Niko. Só me diz que me ama que eu já vou me sentir muito melhor.

Niko conhecia muito bem a voz de Félix quando ele estava triste e desta vez ele parecia realmente estar passando muito mal. Sua voz estava chorosa e ele parecia desesperado para chegar. Niko não queria prolongar a conversa, então apenas fez o que ele pediu.

— Eu te amo, Félix. Chega logo aqui, por favor, eu quero saber o que aconteceu. Eu tô te esperando...

Niko ouviu que Félix riu do outro lado, mas mais parecia que estava chorando. O loiro sabia que seu amado precisava de seu carinho, sua compreensão e seus cuidados.

— Eu também te amo, carneirinho. ... Vou fazer como você fez, vou pedir pra você repetir...

— Repetir?

— É, repete que me ama, vai.

— Tá bom... Eu te amo.

— De novo.

— Eu te amo.

— De novo... Por favor...

— Ah, meu amor... Eu te amo, te amo, te amo! Posso repetir quantas vezes for preciso. Eu te amo, nunca se esqueça disso. Vem logo pra mim, vem.

De repente, nessa hora, Niko se assustou ao ouvir um barulho horrível de batida de carro. O susto o fez ficar paralisado por um minuto como num transe, sem acreditar no que havia acabado de escutar.

—... Félix?... Félix? O que foi isso?... – Começou a chamá-lo e a cada chamado não respondido a dúvida sobre aquilo que havia escutado aumentava e o desespero tomava conta de si. – F-Félix?... Félix, me responde, por favor. Félix!... Félix... FÉLIX!

...

...

... ... ...

Ao ouvir aquele barulho ensurdecedor do outro lado, gritei horrorizado. Meu coração palpitou e eu paralisei. Sabia que havia acontecido algo muito grave com o meu Félix.

Perdi as forças, deixei o celular cair no chão. Minhas mãos tremiam e antes mesmo de eu conseguir chorar eu já solucei, completamente chocado pela situação. Era como se eu chorasse sem lágrimas. Era como acordar amedrontado após um pesadelo terrível. Não podia estar acontecendo o que eu imaginava.

Adriana estava em casa e deve ter ouvido meu grito de desespero, pois saiu para me acudir. Eu não sei nem como caminhei quando ela segurou em minha mão me ajudando a entrar em casa.

— Seu Niko! O que foi, seu Niko? Fala comigo! O senhor tá passando mal? Venha, entre!

Eu a ouvia, mas não conseguia falar nada. Tentava e nenhuma palavra saía de minha boca. Eu havia travado.

— Seu Niko, fala alguma coisa! Parece que tá tendo um troço, meu Deus!

Nervosa, ela correu para a cozinha para pegar um copo de água com açúcar. Antes mesmo de ela retornar, eu comecei a voltar a mim sentindo uma tristeza enorme tomar conta da minha alma e meus olhos, enfim, enchendo-se de lágrimas.

— Toma essa aguinha com açúcar, seu Niko. Vai fazer bem.

Minhas mãos estavam trêmulas demais para pegar o copo. Senti-a segurá-las de novo, encostar o copo na palma da minha mão e apertar meus dedos contra ele. Mesmo com dificuldade, tomei um gole que parecia rasgar minha garganta. Aquilo não seria suficiente para me acalmar. Nada seria.

— O que foi, seu Niko? Tá melhor? O que foi?

— E-Eu... Eu o-ouvi o... – Finalmente eu estava conseguindo formar as palavras, pensar talvez... Mas, o quão era difícil de explicar aquilo! Levei minhas mãos ao meu rosto e chorei quando percebi que não conseguiria. Após alguns minutos, consegui falar:

— O Félix, Adriana, o Félix...

— Aconteceu alguma coisa com o seu Félix?

— Ai... Ai... – Eu não sabia o que realmente havia acontecido com ele, mas parecia que podia sentir sua dor. – E-Eu não queria pensar nisso, não, não quero, não quero nem pensar no que pode ter acontecido com ele!...

— O quê que pode ter acontecido com ele, seu Niko?

— E-Ele... Eu não sabia!... – O desespero ao cogitar a possibilidade de um acidente tomou conta de mim de novo, junto a um sentimento de culpa inevitável. – Se eu soubesse que ele estava dirigindo eu não teria ligado para ele!

— Eu não tô entendendo nada, seu Niko...

Respirei fundo para conseguir explicar.

— Eu... Estava falando com o Félix ao celular, ele me disse que estava dirigindo, eu queria desligar, mas ele disse que eu não desligasse...

— E o que houve?

—... Eu acho que... Eu ouvi um barulho muito alto e... E-Eu a-acho que ele sofreu um acidente.

— Gente do céu! Um acidente? Minha nossa!...

O susto dela me fez acordar do meu. Levantei depressa, tentando parar de chorar e fazer alguma coisa útil.

— Eu não posso ficar aqui chorando, preciso fazer alguma coisa, não sei, preciso encontrá-lo, eu preciso saber o que aconteceu, saber onde ele está...

Fui logo pegando as chaves do meu carro quando Adriana comentou:

— Seu Niko, vai dirigir assim, nervoso desse jeito? Vai causar outro acidente!

Ela tinha razão. Voltei a raciocinar quando pensei nos meus filhos. Eu não podia sair daquele jeito e correr o risco de fazer uma besteira: - T-Tem razão... Mas, eu preciso fazer alguma coisa!

— Olha, notícia ruim chega rápido. Se tiver acontecido alguma coisa grave com o seu Félix vão avisar, não?

— Eu não aguento esperar! Eu preciso saber dele!... – Só uma coisa veio à minha cabeça. – Já sei! Eu vou ao San Magno! Se aconteceu alguma coisa com ele devem levá-lo pra lá, e de qualquer jeito eu aviso a família, ou tento saber de alguma coisa, não sei... Eu vou.

— Vai assim, seu Niko? O senhor não tá em condições de dirigir.

— Não, não, eu sei, não consigo nem pensar direito agora quanto mais pegar num volante. Me chama um táxi, por favor. E diz pra vir rápido, urgente!

Ela correu para o telefone enquanto eu comecei a andar de um lado a outro sem saber o que fazer ou o que pensar. Aquele barulho que ouvi foi de batida de carro, eu tinha certeza disso. Eu rezava para não ter acontecido nada de grave com o meu amor, mas uma sensação ruim no meu coração me dizia que ele estava machucado e precisava muito de mim.

...

Quando o táxi chegou segui aflito para o San Magno. Porém, não o encontrei.

...

— Como assim vocês não sabem nada do Félix? Não tiveram notícia? Nada? – Eu questionava a Simone e a Patrícia, a mesma pergunta que eu já havia feito às recepcionistas e a, pelo menos, uns dez enfermeiros e enfermeiras.

— Não, não sabemos de nada, Niko. Mas, se acalma. O que aconteceu?

— Eu nem sei, Pati...

— O Félix sumiu, foi isso?

— Não, Simone! Ele sofreu um acidente, eu acho... Eu não sei!...

— Então, é melhor avisar a Paloma, né? Sei lá... – Patrícia sugeriu, mas Simone disse:

— Não, não é bom, a Paloma não pode ter preocupações assim. Eu vou chamar o Lutero.

— Sim, sim, vai lá, Simone, por favor! – Pedi.

Ela foi depressa, mas quando eles voltaram já tinham uma notícia para mim.

— Olá, Niko...

— Lutero! Que bom que você está aqui! Olha, eu não sei o que aconteceu com o Félix, mas eu tenho certeza que ele se envolveu num acidente. Eu tenho medo de que ele esteja machucado, eu precisava saber alguma coisa, por isso vim pra cá, foi o primeiro lugar que pensei...

— Eu já estou sabendo, Niko. Acabei de receber notícias de uma ambulância que está vindo para cá e... Está trazendo o Félix.

Ouvir aquilo me fez cair sentado numa cadeira atrás de mim. Minhas pernas simplesmente perderam a força.

— T-Trazendo o Félix? Uma ambulância?...

— Sim. Infelizmente é verdade, ele sofreu mesmo um acidente. Os paramédicos encontraram a carteira dele e quando viram de quem se tratava, ligaram para cá para trazê-lo.

Na minha cabeça só se repetiam as palavras: - Não pode ser... Não pode ser... Não pode ser... – Mas, era.

Lutero continuou me explicando e eu mal conseguia prestar atenção ao que ele dizia.

— Parece que foi grave, mas eu só verei o estado dele quando chegarem. Estarão aqui em poucos minutos, eu vou aguardar. Com licença.

Ele se retirou e eu fiquei ali sem chão.

Eu havia mesmo ouvido o acidente do meu namorado.

E não pude fazer nada...

Nem podia fazer nada agora...

Nada além de esperar. Esperar que ele chegasse são e salvo. Esperar que meu Félix voltasse inteiro para mim.

... ...

...

...

Pouco depois, a ambulância já chegava ao hospital enquanto o cirurgião-chefe que Lutero chamou para ajudar conversava com ele, juntamente com Rafael, que estava presente quando Lutero recebeu a notícia.

— A situação dele é muito grave, doutor Lutero? – O médico perguntou.

— Vamos saber agora. Mas, por telefone os paramédicos me disseram que ele sofreu traumatismo craniano. Deve ser levado imediatamente para o bloco cirúrgico.

— Não dá para saber com precisão o que pode acontecer com ele.

— Não. E eu não sei como contar isso para a família.

Rafael indagou: - Eu vi que o Niko está aqui. O senhor já contou para ele a situação real do Félix?

—... Não, não pude. Ele está nervoso demais, quase em choque. Estou pensando em como contar para todos tudo o que os paramédicos me contaram.

— O que eles contaram? Além do traumatismo craniano... Tem mais?

— Tem. ...Disseram que o resgataram quase sem vida. O reanimaram, mas... Ele entrou em coma.

— Coma? Então... O Félix pode morrer?

Lutero preferiu não dar essa resposta e esperar.

...

...

... ...

— Vão rápido! Passem! – Ouvi de longe as vozes dos médicos carregando um homem na maca. Como eu não me aguentava de ansiedade, todo paciente que chegava eu já ia olhando, procurando saber se era meu Félix. Foi quando ouvi as vozes e a correria. E quando avistei de perfil o rosto daquele paciente, soube logo que era o meu amor.

— Félix! – Agarrei-me aquela maca como se minha vida dependesse disso. De fato, minha vida naquele momento dependia de saber se ele estava vivo.

— Precisa se afastar... – Ouvi a voz de algum médico, provavelmente, mas eu precisava ver o meu amor.

Olhei bem para seu rosto e procurei desesperadamente aquele sorriso contagiante que só ele tem. Não estava lá...

Que dor enorme que senti!

Vi sua cabeça suja de sangue assim como a gola de sua roupa... E eu gosto tanto de me agarrar às golas das camisas dele quando vou beijá-lo... Foi angustiante. Senti como se cortassem minha alma em pedaços.

— Félix... Meu amor... Fala comigo. Acorda...

— Niko, acalme-se, por favor. Eles precisam levá-lo. – O Lutero falou comigo, mas eu não queria me soltar do Félix... Apesar de saber que era necessário. Segurei, então, a mão dele e falei baixinho ao seu ouvido:

— Fica bem, meu amor. Fica bem e volta pra mim. Eu não vivo sem você.

Tive então que desfazer o laço entre meus dedos e os dele e apenas observar a cena: o amor da minha vida sendo levado... Sem ninguém me garantir que voltaria.

Minha amiga Patrícia e a Simone vieram me acalentar, mas eu só conseguia dizer o que sentia naquele momento após vê-lo... Ver seu estado, seus ferimentos, a expressão vazia em seu rosto tão diferente da habitual...

— Esse não é o Félix que eu conheci!... Eu quero meu Félix de volta!

... ...

...

...

Enquanto Félix travava uma luta entre a vida e a morte na mesa de cirurgia, Lutero pediu para Rafael preparar a família para as notícias. O advogado ia pessoalmente à casa dos Khoury quando o chamaram...

— Rafael!

— Fale, Eron, eu estou com pressa.

— Estão falando nos corredores que o Félix chegou acidentado. É verdade?

— Infelizmente é sim.

— Qual a situação dele?

— É muito grave. É tudo que sei.

— Para onde você estava indo?

— O doutor Lutero está na sala de cirurgia, ele me pediu para ir avisar à família, já que sou como da família também...

— Entendo. Posso ir com você?

— Para quê?

— Eu ainda sou o advogado do doutor César, quero ver como ele receberá a notícia. Além do mais, eu sei que a relação dos demais com ele não é das melhores, então...

— Tudo bem, vamos.

Os dois foram rumo à casa dos Khoury.

...

Depois...

— Meu filho não! – Pilar chorava inconsolável enquanto era amparada por Maciel.

— Meu amor, calma, o Félix é forte, ele sempre sai bem de tudo, tenho certeza que vai sair bem dessa.

— É meu filho, Maciel, meu filho!... – Ela virou-se para Rafael. – Como ele está, Rafael? Me diga a verdade.

— Os detalhes médicos eu não sei dizer com clareza, Pilar. Só o que sei é que a situação dele agora é considerada grave.

— Oh, não!...

— Podemos ir ao hospital quando você quiser.

— E-Eu quero ir agora mesmo!

— Nesse momento vale você se tentar se acalmar um pouco antes de ir. O Félix está agora mesmo passando por uma cirurgia e pode demorar um pouco, você sabe como é. Não vai poder vê-lo assim que chegar lá. – Rafael argumentou e junto com Maciel convenceram-na de esperar uns minutos até se acalmar para poder ir. Eles ainda precisavam contar a Bernarda também e pensar em como contar para Paloma, já que emoções fortes podiam comprometer sua gravidez.

Enquanto isso, Eron conversava com César.

—... Devido a gravidade do acidente o Félix foi levado direto para a sala de cirurgia. E isso é tudo que sei até agora, doutor César.

César ouviu a tudo calado e sem esboçar reação alguma. Estava atônito, mas não deixaria transparecer.

Pouco antes quando Eron lhe disse que tinha uma notícia sobre Félix, ele logo pensou que o filho havia feito alguma besteira como era de seu costume, segundo ele. Mas, ao saber do acidente, doutor César simplesmente não sabia o que pensar.

— Bem... Quer que eu lhe mantenha informado sobre o estado de saúde dele... Ou não?

César respirou fundo antes de decidir: – Não. Eu não quero saber.

— Não? – Até mesmo Eron achou aquilo demais. – O senhor não quer saber de nada? Nem se ele vai sobreviver? Nada?

— Não, não quero saber de nada. ...Eu não posso fazer nada por ele agora, então também não quero saber como isso terminará.

—... Está bem, já que é assim, eu já vou. Só vim acompanhando o Rafael para lhe comunicar pessoalmente. Creio que ele já contou para os outros, todos devem estar se preparando para ir ao hospital agora.

— Você pode ir.

Eron saiu do quarto e logo em seguida, todo o peso por anos e anos acumulado na consciência de César foi sentido por ele que, talvez pela primeira vez na vida, derramou uma lágrima pelo filho.

Ele não chorou. Apenas uma lágrima solitária escorreu em seu rosto fazendo com que ele levantasse a trêmula mão esquerda para enxugá-la enquanto resmungava consigo mesmo ao lembrar-se do que Pilar o havia jogado na cara.

“Se acontecer alguma coisa de ruim com o Félix, será culpa sua!”

Mesmo que não quisesse admitir, ele sabia das suas verdadeiras culpas na vida de Félix. E essas culpas o estavam matando por dentro.

...

...

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Horas depois...

Cheio de esperança, mas ainda aflito, eu esperava o Félix sair da cirurgia. Do meu lado estavam inconsoláveis Pilar e dona Bernarda.

Geralmente eu gosto de abraçar e consolar as pessoas, mas naquela hora não era o mais indicado para isso.

Dona Bernarda, com toda sua ternura, era a que trazia mais paz para aquela espera agoniante. Ela não soltava as mãos da filha e quando eu a olhava ela me olhava de volta e dava um meigo sorriso como quem diz: “Calma, meu filho, o Félix ficará bem. Ele voltará para nós, tenha fé”.

Era tudo o que eu precisava ter... Fé.

De repente, o Lutero apareceu para nos dar alguma notícia. Nós três levantamos rapidamente. Foi então que eu percebi que além de nós três também estavam presentes o Eron, o Rafael e o Maciel.

— Como meu filho está? – Pilar perguntou.

Percebi o Lutero respirando fundo antes de abraçar dona Bernarda. Eu senti meu coração tremer e uma onda de ansiedade e adrenalina tomar conta de mim como se eu pressentisse que algo pior havia acontecido.

...

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