Eu ouvia.

Eu ouvia a sirene do carro da polícia, eu ouvia o choro da minha mãe e principalmente ouvia as batidas e murros seguidos na porta. Eu ouvia, mas ignorava totalmente.

Ajoelhada no box do banheiro, com o chuveiro ligado, numa tentativa frustrada de que a água levasse os meus problemas pelo ralo, eu tentava buscar algo que me distraísse. Tentei observar o vapor formando minúsculas gotinhas que escorriam lentamente pelo espelho e a água tentando descer pelo ralo dando a curva no meu pé que parecia atrapalhar. Até tentei avaliar a gravidade do corte que eu ganhei na testa mas doía demais, eu deveria ter ouvido as enfermeiras ao invés de correr. Devo ter passado uns 15 minutos lá, calculando quanto mais demoraria pra o box encher depois de eu ter posto uma toalha no ralo e acabar de vez com minha agonia. Depois chegar à conclusão de que chamariam os bombeiros para me tirar dali antes que meu plano findasse, decidi fazer somente o que eu sempre fiz.

Quando eu era criança e ficava com dor de cabeça e o remédio não ajudava em nada, era pra lá que eu ia. Quando minha mãe brigava comigo também. Quando eu terminei com meu namorado ou quando queria chorar por me sentir a pior pessoa do mundo, lá era meu refúgio. Não sei exatamente o por quê da minha proximidade com a água ou quando isso começou exatamente, mas quando eu sento naquele velho box de frente pra uma parede que faltam um ou dois azulejos e deixo as gotas caírem uma à uma em mim é uma das melhores sensações do mundo. Eu podia jurar que conseguia ouvir cada gota, e que apesar delas terem o mesmo peso são sempre sons diferentes, e que sons maravilhosos. Então eu começava a ouvir uma bela e única sinfonia jamais ouvida ou reproduzida pelos homens.

E isso me desligava do mundo. É como se a àgua me cobrissem e tornasse o mundo mais mudo. Desligava, no passado porque dessa vez não funcionou. A água perdera seu efeito sobre mim e sobre as pessoas. Eu tentava me concentrar em ignorar o mundo mas não conseguia. De repente, como num filme saindo de um flashback, os sons foram voltando, se tornando mais nítidos até que eu ouvia perfeitamente toda a discussão na sala.

Eu ainda ouvia.

Eu ainda ouvia a sirene do carro da polícia, que agora parecia ter chamado mais um ou dois amiguinhos pra “festa”. Eu ainda ouvia minha mãe chorando, mas agora estava gritando com um policial sobre privacidade ou algo do tipo, o que era bem ridículo já que eu havia chamado eles. E eu ainda ouvia as batidas e murros na porta, o que só confirmou minha suspeita sobre a chegada das outras viaturas já que agora três homens berravam e esmurravam a porta ao invés de um. Devido a força e frequência das batidas puxei uma toalha quase que instintivamente e me cobri. Aquilo tudo era muito ridículo. A rua toda devia estar pensando por quê diabos tinham três viaturas na minha porta e por quê minha mãe estava gritando daquele jeito, o que diriam então se três policiais arrombassem a porta do banheiro e me tirassem nua de lá?

Eu decidi que ia sair dali, iria acabar com aquela palhaçada toda.