Depois da falha tentativa de me redimir com Selina, apenas voltei para casa, pois já não havia muito que fazer para convencê-la a falar comigo. Barbara, Tabitha e eu tivemos de esperar o horário que o barco voltaria para nos buscar, tanto que demorou até voltar e demorou até nos levar de volta a ilha de Gotham, fazendo com que chegássemos um pouco mais de 23:00. O caminho todo eu não troquei nenhuma palavras com nenhuma das duas, nem mesmo me esforcei para tentar dizer qualquer coisa, do mesmo jeito que elas não tentaram trocar nenhuma palavra comigo. E, quando havíamos chegado à ilha, desci do barco e segui até meu carro prometendo a mim mesma que não faria mais nada esta noite que não fosse chorar a madrugada toda... Sozinha.

Posso ser uma companhia para mim mesma, aliás, eu devo me acostumar se for levar em conta que não tenho absolutamente ninguém. Não tenho planos futuros e nem mesmo motivo algum para fazer qualquer coisa. Meu único plano era ir até Selina e resolver as coisas com ela. Falhei mais uma vez, mas isso já não é mais novidade para mim, e provavelmente a tendência será só piorar.

Sentada na banheira com minhas pernas encolhidas e meus braços passando em volta delas eu tentava parar de soluçar em meio ao choro, porém eu já sabia que seria impossível eu me conter, e ser acostumada a chorar faz com que eu já saiba disso. Levanto-me rapidamente da banheira e me direciono até a frente da pia, que havia um espelho em cima, na parede. Só fui ter a noção que socava o local diversas vezes quando o mesmo já havia trincado no centro e os trincos iam se espalhando, até o momento em que acabou desprendendo-se da parede e caindo com todos os cacos em cima da pia, alguns até chegaram a cair no chão, mas não tive tempo para pegar, pois minha mão direita - a que eu usava para bater no espelho - latejava de forma que chegava a ser desesperadora.

— Que porra! - gritei ao puxar um dos cacos maiores que estavam enfincados em minha mão.

Meu choro se intensificava e meus gemidos de dor também pareciam não querer parar. Burra do caralho. Estava com tanta raiva de mim mesma que quando dei por mim já começava a tirar os grandes cacos, mesmo que estivesse doendo, ainda sim tirava. Não era por medo de que aquilo estourasse uma artéria ou algo do tipo, mas sim porque estava com raiva de mim e precisava amenizar a dor em meu peito com algo que doesse mais, muito mais.

Escutei um estrondo alto, parecia de uma porta batendo muito forte, e logo em seguida eu escutei algo do lado de fora do banheiro e logo deduzi que poderiam ser passos, o que me deixara preocupada, pois nas condições atuais eu não posso nem mesmo aguentar tanto tempo numa briga, então meu primeiro instinto é afastar-me da porta e ficar parada no canto do banheiro já sabendo que uma hora aquela porta seria aberta.

A mesma foi aberta com um Jeremiah nada feliz, mas que estranhamente mudou sua expressão ao ver-me sentada encolhida no canto do banheiro.

— Jeremiah...

— Por que está machucada? - perguntava enquanto andava até uma toalha que estava pendurada ao lado da banheira.

Pegou a toalha em mãos e veio em minha direção, logo me cobriu com a mesma e me ajudou a levantar do chão. Fiquei sem saber como agir com ele ali, porém em seguida percebi que se ele estava me ajudando, então eu podia confiar nele, mesmo que nós dois não sejamos assim tão próximos. Ajeitei a toalha em meu corpo de forma que ela não fosse cair, e só fui lembrar-me da dor em minha mão quando Jeremiah a puxou e enfiou dentro da torneira que o mesmo também havia ligado.

Soltei um grito ao sentir como latejava ainda mais com contato que a água estava fazendo com os ferimentos, porém ele continuava a segurar minha mão embaixo d'água mesmo que eu tentasse puxar.

— Está doendo! - gritei.

Sem resposta. Qual é o problema dele?

Tentei puxar minha mão mais uma vez e ele continuava a puxando de volta para onde estava.

— Para! Por favor!

Soquei seu peito com minha outra mão que estava livre, o que fez ele se distrair com meu soco e aproveitei para puxar minha mãe e ele não conseguir segurá-la.

— Qual é a merda do seu problema?! - fui socando o peito dele com a minha mão que estava boa, mas ele a segurou e empurrou-me até a parede, fazendo com que eu chegasse a bater a cabeça, mas não chegou a ser uma dor enorme, porém era incomoda.

— Como foi a sensação de me dedurar para a polícia?! - gritou de volta.

Ah, é mesmo. Me esqueci do que eu havia feito. Como ele está aqui agora?

— Não pensou um segundo no que poderia ter feito a mim?!

Fiquei quieto, pois não sabia mesmo o que responder.

Ele espera que eu me sinta mal por ter entregado ele para a polícia? Nós dois nem nos conhecemos direito, é claro que eu não ia me importar em ferrar ele, aliás, ele poderia ter ferrado eu antes mesmo de eu ter feito isso com ele. Não vou colocar confiança numa pessoa que mal conheço.

— Na real, não pensei em porra nenhuma. Quem ia ser levado ao Arkham seria você, não eu, então foda-se qualquer coisa que pudesse ter acontecido a você - cuspi as palavras.

— Então talvez você deva ter se esquecido que concordamos em ter uma aliança um com o outro para qualquer coisa que viéssemos a tentar conseguir em Gotham - dei uma risada, mesmo que não tivesse graça no que ele estava dizendo.

— Pode esquecer o que havíamos conversado - fui andando até a porta do banheiro e a abri, começando a caminhar até meu quarto. Jeremiah veio logo atrás - Francamente, estou me recusando a confiar em qualquer Valeska, seja você ou ele. Da ultima vez que confiei em alguém como você acabei me fodendo por vários anos, então dispenso ter qualquer tipo de confiança em alguém que vem do mesmo parentesco que Jerome.

Abri a porta do meu guarda-roupa e ao invés de pegar uma roupa que fosse de ficar em casa acabei pegando um vestido colado no busto e solto até minhas coxas. Ficaria, sim, de forma simples em casa, mas eu não estou sozinha e recuso a estar vestida de forma mais simples perto de uma pessoa que nem tem intimidade comigo. Preciso estar sempre bonita perto de quem "não conheço".

— Está fazendo tudo isso por causa do meu irmão? Quantos anos você tem? Cinco? Deixe de ser criança.

— Está me chamando de criança pelo que eu estou dizendo sobre não confiar em você assim como não confio nele? Primeiro de tudo, você sabe ao menos a merda que eu passei estando ao lado dele por tanto tempo?! - voltei a gritar. - Tipo, você nem me conhece, não pode me chamar de criança reclamar de não confiar em alguém com parentesco com a pessoa que praticamente destruiu a minha vida e foi embora.

Respirei fundo e me segurando para não voltar a gritar. A vontade que eu tinha era de quebrar tudo, mas eu não queria parecer louca ou coisa do tipo na frente dele, então tentei ao máximo ficar calma e não ter um surto. Devo até mesmo estar vermelha de ódio. Jeremiah, pelo contrario, estava tranquilo, não parecia querer sair quebrando tudo por aí. Talvez ele seja mais seguro.

— Talvez possa me contar o que de tão ruim ocorreu a você nestes anos - suas palavras soaram reconfortantes. Não era como se ele estivesse me obrigando a conversar sobre o assunto ou como se não se importasse com isso. Foi como se tivesse me dando liberdade para pensar se eu queria ou não conversar sobre aquilo que não me fazia bem.

Eu quero conversar sobre isso?

Apontei com a cabeça para a porta e ele saiu sem dizer absolutamente nada, o que me deixou aliviada, pois não estava de conversar naquele momento. E, talvez, depois de alguns minutos eu já possa estar mais calma para poder ir conversar com ele. Desta vez sem gritaria.

(...)

Jeremiah estava sentado na poltrona da sala com suas pernas cruzadas e as mãos em cima do joelho. Já estava mais calma, o que fez até eu conseguir soltar um baixo riso ao vê-lo sentado daquela maneira tão formal que parecia que só ele se sentava. Sentei-me na outra poltrona que ficava ao lado daquela que ele estava sentado e cruzei as pernas em cima do assento puxando um pouco a barra do meu vestido pra baixo na tentativa de esconder um pouco minhas coxas.

Esperava que Jeremiah dissesse algo, mas ele continuou quieto, e pior ainda, nem olhou em minha cara. Comecei a me perguntar se ele queria que eu dissesse algo e se preferia que eu quem começasse a falar, porém o silencio incomodo dele começava a me deixar tão inquieta que eu pensei que fossem várias coisas possíveis.

— Por que não diz nada? - perguntei o que realmente senti a necessidade de perguntar.

Um leve sorriso cresceu em seu rosto, mas ainda assim ele continuou olhando para a janela ao invés de olhar diretamente para o meu rosto. Pode ter sido um bom sinal ele ter sorrido.

— Estou te dando liberdade para poder falar o que quiser e quando quiser. Não vou interferir caso queira dizer qualquer coisa - explicou e logo em seguida franzi a testa.

— Espera, o que? Não entendo.

— Quando estávamos em seu quarto eu disse que depois você poderia conversar sobre o passado merda que você diz ter tido. Bom, agora é o "depois" que eu havia dito aquela hora - e voltou a se calar.

Assenti, entendendo o que disse. Não sabia se falava ou não sobre Jerome e eu. O que eu falaria? Teria coragem de dizer a Jeremiah que já fui machucada até fisicamente por seu irmão? Seria vergonha para o resto da minha vida, admitir todas as coisas que já aconteceram entre eu e ele.

— Não quero falar sobre isso.

— Então não fale.

Assenti suspirei.

— Mas posso falar algo que não é sobre ele.

— Tipo o que?

— Tipo eu ter saído do Arkham e não ter ido atrás da minha família - disse e olhei para ele.

Com certeza não era como se ele estivesse chocado com o que havia dito, era apenas como se ele não estivesse esperando que eu dissesse aquilo. Pode ser porque ele não estava esperando que uma garota tenha preferido ficar com um cara que a fazia sofrer do que com sua família. Bem... Pensando assim, ele deve ter mesmo ficado espantado ao eu ter feito esse tipo de revelação.

— E não, eu não sinto remorso ou coisa do tipo por ter feito isso.

— Você não gostava da sua família?

— Eu amava minha família, embora eu tenha feito a maior merda do mundo com eles ainda não consigo sentir nada. Sabe, eu já quis sentir, porém acho que não adianta sentir remorso por algo assim. Na verdade, não costumo sentir nada de ruim comigo quando faço mal a alguém.

— E como está depois de ter os deixado?

— Ainda que faça anos que não os vejo, sinto saudades, mas já não é algo que chega a me incomodar. Apenas sinto a saudade e logo deixo pra lá. Nunca mais vou vê-los mesmo - dou de ombros e desvio o olhar de volta a sacada.

— É bom que não se importe - ele falou. - Se importar com as pessoas é apenas um atraso de vida.

— Pois é. Eu que o diga - dei uma gargalhada divertida e o olhei, e ele fez o mesmo.

Estávamos rindo tanto que nossos rostos já estavam vermelhos, e ele eu não sei, mas eu estava até sentindo calor e minha barriga chegava a doer. Nós olhávamos um para o outro enquanto seguíamos rindo de algo que já devia ter passado a graça para qualquer outra pessoa, mas nós não somos as outras pessoas.

Fazia tanto tempo que eu não sorria desse jeito. Até mesmo quando eu ainda estava com Jerome já fazia tempos que eu não dava gargalhada de algo que não fosse ver alguém morrendo.

— Que... Merda - eu disse ainda entre risos.

Aos poucos o riso foi cessando e fui então caindo na realidade das coisas, fazendo com que lágrimas teimosas começassem a descer de forma que eu não fui capaz de segurar, e quando dei por estava soluçando por algo que eu não sabia ao certo o que era, mas que me deixava destruída. O pior de ter tantos problemas e dores passadas é que quando você não aguenta e começa a chorar, não sabe ao menos por qual problema ou dor que o choro pertence.

— Vai embora. Por favor - levantei-me da poltrona e apontei para a porta, pedindo que Jeremiah fosse embora.

— Por que está chorando? - perguntou enquanto também se levantava da poltrona.

Ele parecia realmente meio confuso com o que estava acontecendo.

— Ande logo - comecei a empurrá-lo até a porta, e o mesmo nem tentava fazer nada, pois provavelmente já sabia que não tinha forma de lidar comigo naquele momento.

Eu já ia abrindo a porta quando Jeremiah segurou em meus ombros e encostou meu corpo na parede na intenção de eu ficar quieta, mas eu imediatamente segurei em suas duas mãos e cravei minhas unhas nelas.

— Madison! - gritou.

— M... Me desculpe - disse em meio aos soluços.

Realmente não quis machucá-lo.

— Por favor... Vá embora - peço enquanto volto a empurrar ele até a porta.

— Não vou.

— Precisa ir. Por favor, vá.

— Eu vou, mas quando você ficar bem, preciso que me fale - assenti rapidamente. - Você é melhor do que uma crise de choro.

E bati a porta sem esperar que ele fosse dizer mais qualquer outra coisa.

Já sabia que não iria me controlar quando estivesse sozinha e fui sem pensar duas vezes pegar um grande vaso amarelo que ficava ao lado de um dos sofás e joguei na parede fazendo-o quebrar em milhares de estilhaços que rapidamente voaram por toda a sala.

Ah, eu com certeza precisaria tomar o remédios que me deixavam dopada por horas.