Made of Stone

XXXVIII. De todas as retaliações do mundo


Alex não apareceu no dia seguinte e nem no outro.

Ele não respondeu minhas mensagens - mas as visualizou - e tampouco atendeu minhas chamadas - mas as desligou.

Eu quis perguntar aos demais se eles sabiam de algo, mas não me atrevi. E, já que ninguém havia comentado coisa alguma, imaginei que era algo que ninguém soubesse mesmo - e talvez fosse porque ele não queria que soubessem, eu não quis violar sua vontade. Isso me deixava ainda mais nervoso, pensando na merda que devia estar acontecendo na cabeça desmiolada do Alex para ir embora sem avisar ninguém. Eu também não sabia para onde ele iria, embora também fosse óbvia a opção principal dele: Mallow Coast.

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Se o imbecil desaparecesse sem deixar rastro, como é que alguém saberia?

A polícia iria supor que ele sumiu porque quis sumir, e mesmo se ele estivesse sequestrado, prestes a ser cortado em pedacinhos pelo lunático da praça e mesmo que fosse guardado em freezer por anos para ser comido aos poucos por um amador do Hannibal Lecter, ninguém iria se importar em investigar.

Eu sei que minha mente estava se divergindo para lugares macabros, mas para ser sincero, não havia lugar algum para onde minha mente não se divergisse nos últimos dois dias. Nenhum era agradável, nem mesmo um. As horas se arrastaram muito e, ao mesmo tempo, depois de passados sábado e domingo, eu sequer sabia o que havia feito neles além de encarar o celular e a janela.

Eu não sei o que era pior: estar sucumbido pela dor da preocupação, junto a pensamentos e pesadelos macabros, durante esse tempo todo, ou me deixar ser sucumbido pela dor do abandono quando percebesse que ele está bem.

Os dois eram piores, e eu tive certeza disto na segunda-feira, quando me arrastei para a aula feito um morto-vivo, o choro entalado na garganta o tempo todo, o aperto no peito esmagando todos os órgãos do meu corpo. Eu não iria, eu não podia ir, eu precisava dormir pelo menos uma vez nestes dois dias além de um par de horas, mas eu precisava ver se ele realmente havia partido.

Eu precisava ver se ele não iria na aula, se ele não estava bem.

Mas ninguém sabia sobre sua partida.

Todos agiam como se estivesse tudo bem, em conversas mirabolantes sobre aulas e risadas divertidas, brigas bobas entre si e bocejos - porque a vida é muito difícil quando se tem que acordar cedo. Eu não consegui falar nada, as palavras entaladas na garganta, com medo de que, se eu abrisse a boca, um choro descomunal da minha criança interior iria sair para assombrar a todos.

— Você tá bem?

Assenti, sequer absorvendo de quem veio a pergunta.

Uma mão apertou meu ombro e eu virei para o lado, me deparando com as orbes límpidas e azuis do Mason. Era ele quem perguntava, os olhos em uma seriedade comum, com uma preocupação incomum, o cenho pálido franzido.

— O quê? — consegui deixar escapar, a voz rouca pelo tempo sem uso e pelo choro que se discorreu por dois dias inteiros.

— Você tá bem? — repetiu ele, devagar.

Se eu estou bem?

Pisquei, alargando um pouco os olhos, a pergunta que me pegou desprevenido acabando por me despertar da nuvem pesarosa.

Eu estava esperando algumas perguntas, na verdade, já que sabia que não ia conseguir disfarçar a minha cara de destruído. Eu cheguei a ver meu reflexo no espelho. Mas o que eu esperava era: "o que aconteceu?", "o que houve?", ou ainda, um "Caleb, você sabe por onde anda o Alex?". Então eu teria que negar, ou se eu não conseguisse, iria contá-los sobre a partida antecipada dele para sua jornada como "alguém livre", como queria ser.

"Você está bem?" era muito pessoal e, vindo do Mason, muito atencioso. Senti os olhos marejarem sem permissão, me sentindo estúpido por isso, mas a verdade é que a resposta para essa pergunta era de deprimir qualquer um.

Pisquei muitas vezes, olhando para longe ao ajeitar minha postura, engolindo em seco tantas vezes que sequer havia sobrado saliva na minha boca. Assenti, sabendo que ele havia percebido, mas esperando que ele fizesse o favor de não comentar ou insistir no assunto.

Era o Mason, então ele entendeu e acatou.

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As aulas nem haviam começado e eu já me arrependia de estar ali. Nem todos haviam chegado ainda, e como alguns ainda dormiam de olhos abertos enquanto outros mais matutinos metralhavam conversas aleatórias, ninguém além do Mason prestou atenção em mim. Me perguntei quanto tempo levaria para que percebessem por conta própria que Alex não mais apareceria, e se seria a Mary Jane a primeira a perceber.

Ela ainda não havia chegado, mas ponderei se já não soubesse, já que eles andam tão próximos.

Mas a bomba estava prestes a cair, vindo do próprio sangue: outro Cunningham, correndo feito um doido para dentro do colégio - atrasado, como sempre, mas também pálido feito um defunto. Ofegante, ele parou na nossa frente um segundo antes do sinal tocar para a entrada, apoiando as mãos nos joelhos.

— Alex fugiu.

Isso chamou a atenção de todos quase que imediatamente.

— Como assim? — perguntou Grace, aproximando-se para esfregar sua mão nas costas dele como forma de aliviar a respiração ruim. — Respira primeiro, criatura!

Feito como ordenado, ele inspirou e expirou fundo algumas vezes, a cor retornando para o corpo quando explicou o que eu já sabia: — Ele fugiu de casa, levou suas coisas, não disse pra onde ia e não voltou até agora.

— O quê? — murmurou Bex, o cenho vincando. — Mas por quê?

— O que houve? — pronunciou-se, também, Korn ao seu lado.

— Isso tá mal contado, Ian, como assim? — exigiu Grace, afastando-se um tanto dele para olhá-lo melhor.

— Eles tiveram uma briga feia — continuou Ian, os olhos arregalados. — Especialmente com meu tio, pelo que entendi nem mesmo minha tia conseguiu separar os dois.

Separar os dois?

Eu peguei as mãos dele, eu as enlacei nas minhas, e não havia machucado nenhum - só o tremor constante de alguém desamparado. Mesmo que ele não dissesse com todas as palavras, eu sei que ele não ergueu a mão para o pai dele e, se o conheço o suficiente, provavelmente nem tentou se defender enquanto apanhava como se fosse um delinquente.

Alex teme o pai tanto quanto o odeia.

— Puta que pariu — deixou escapar Dan, arqueando as sobrancelhas.

— Que homem mais filho da puta — xingou Grace, franzindo o cenho em irritação, enquanto os demais assentiam. Todos já tinham ouvido falar da postura péssima do Sr. Cunningham, e alguns até haviam visto. — Eu aposto que o Alex nem fez nada demais.

Nada além de existir, acrescentei, também rancoroso a respeito dos pais. Quero dizer, todos os problemas do Alex parecem originar dali.

— Eles não me contaram muito — disse o Ian, mas o semblante estava triste: — Mas minha mãe me perguntou se eu sabia que ele é gay. Então acho que não preciso saber de mais nada pra entender o que aconteceu.

Todos arquearam as sobrancelhas ao mesmo tempo.

— Será que ele foi empurrado? — questionou Cris, ponderativa, seguida da resposta de Bex:

— Não sei, mas conhecendo o Alex, acho bem possível que ele tenha contado por conta própria — murmurou, acertando em cheio. Suspirou pesadamente em seguida. — Não tem nada pior que abandono parental por algo tão simples quanto ser quem você é.

Korn deixou um beijo casto em sua testa e abraçou seu amor. Todos já sabiam a história da saída de armário de Bex, o abandono dos pais e o único acolhimento provindo da sua avó, com quem ainda vive.

Sempre que eu pensava nisto, eu lembrava da minha primeira grande briga com o Alex. Ele havia dito muitas coisas desnecessárias, mas outras que eu precisava ouvir. Querendo ou não, o Alex foi o pontapé para que eu tivesse consciência do tamanho da minha sorte com relação à minha família. E, quanto mais tempo passava e mais histórias de outras pessoas eu ouvia, mais eu apreciava o amor e o apoio que eu tenho.

— Quando foi isso, Ian? — questionou Dan, apoiando os cotovelos nos joelhos, as sobrancelhas unidas.

— Na sexta — contou, e eles arquejaram com a resposta. Bex pegou o celular na mesma hora para mandar mensagem. — Mas minha tia achou que ele estivesse na casa de algum de nós e como ele não levou muita coisa, ela pensou que as coisas dele ainda estavam ali. Quando ela foi checar depois, vendo que ele demorava pra voltar, percebeu que ele levou tudo o que precisava, tudo o que ele mesmo comprou, e deixou a maior parte das coisas que os pais deram.

— Caralho! — exclamou Cristina, impressionada. — Ele queria mesmo dar no pé.

— Ai, sinceramente? — chamou Bex, com uma careta. — Que bom pra ele. Devia ser um inferno viver lá e ele já é maior de idade, cara, eu saí de casa com dezesseis! — Balançou a cabeça, os olhos escuros preocupados. — Nunca entendi por que ele demorou tanto pra sair.

Senti um aperto no peito com a fala, lembrando das coisas que ele me disse ainda na sexta, antes de ser agredido pelo pai. Desviei o olhar para longe, mas ainda podia ouvir a conversa, vendo o vulto de Grace passar por mim.

— Sim, ele sempre quis sair de lá — emendou a Grace, sentando-se no banco ao lado de um quieto Mason.

— É, mas eu não achei que ele fosse fugir — comentou Ian, ainda magoado.

Grace riu. — Não é fuga quando se é maior de idade, é? — brincou, embora o tom fosse ameno, como se não quisesse tirar sarro dele. — Ele só saiu de casa, Ian, e ele é um adulto, pode muito bem se cuidar sozinho.

— Mas ele não saiu só de casa — insistiu Ian, o tom preocupado, e eu podia jurar que os olhos brilharam um tanto como se estivesse prestes a chorar. Quando se trata do Alex, eu sempre me identifiquei muito com o Ian. — Ele disse que ia sair da cidade e que nunca ia voltar - foi isso que ele disse pra minha tia.

— A gente fala muita coisa quando tá de cabeça quente — descartou Grace, em um tom calmo.

— Sim, e ele realmente quer se mudar daqui — concordou Bex, assentindo, uma careta pensativa. — Mas não quer dizer que ele vai jogar tudo pro ar agora, falta quase nada pro final do ano letivo.

— É, não faz sentido dar no pé dois meses antes de se formar — acrescentou Dan, balançando a cabeça. — Relaxa, ele tá por aí e daqui um pouco aparece.

— Se ele tiver realmente saído da cidade, eu não julgo — acrescentou Cristina, dando de ombros. — Vocês também não deviam.

— Eu não tô julgando ele — acrescentou Ian, rapidamente, antes de murchar os ombros com uma expressão magoada. — Mas ele nem... Mas ele nem se despediu.

— Se eu fosse embora sem olhar pra trás — continuou Cristina, falhando em consolá-lo quando os outros tentavam o contrário —, também não iria querer despedidas.

Um silêncio recaiu logo após, as palavras da Cris fazendo eco na minha cabeça, mas o silêncio não demorou muito.

— E ninguém sabe nada mesmo? — acrescentou Korn, no instante seguinte focando os olhos em mim. Engoli em seco. — Caleb? Ele não tá ficando na sua casa?

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Senti os olhos de todos em mim, em especial os olhinhos do meu melhor amigo, como se não houvesse deixado de prestar atenção em mim por um segundo desde antes de Ian chegar. Incapaz de abrir a boca e falar, sentindo-me pior com o olhar piedoso que Bex me dirigiu ao perceber, eu apenas neguei com a cabeça.

— Ele não responde as mensagens de vocês também? — questionou Bex, cautelosa, parecendo dirigir a mesma atenção que Mason dirigia a mim.

Todos negaram, pegando os celulares, mas o meu já estava girando em círculos na minha mão. Eu não tinha nem vontade de checar se havia mensagem nova, porque sabia que só ia encontrar um vácuo.

— Talvez ele esteja com a MJ — apontou Cristina, dando uma olhada nos demais. Alex e MJ eram os únicos que não estavam ali.

— É mesmo! Cadê ela? — questionou Dan, olhando ao redor. — Ela sempre é pontual. Aliás, o sinal não tinha batido?

Como se a palavra de Dan fosse lei, o monitor de cara de peixe morto apareceu ao nosso lado no mesmo instante. As mãos na cintura, uma carranca de mau humor, e um suspiro pesaroso de quem não é pago o suficiente pelo que faz. Só então percebemos que não havia mais ninguém no pátio além de nós.

Todos levantaram em um pulo e nos dirigimos para as aulas.

— Não se preocupe — murmurou Mason, ao meu lado, ao ajeitar os óculos e olhar para longe. — Ele tá bem.

Assenti, também virando para o outro lado.

Tudo que eu conseguia pensar era que “bem” certamente ele não estava.

*

A primeira coisa que senti quando vi o Alex no intervalo do colégio foi alívio. A segunda foi confusão e a terceira foi raiva.

Nós recém havíamos nos sentado no chafariz quando a inconfundível figura de Alex Cunningham saiu da diretoria a sorrisos mínimos com a diretora, antes de focar os olhos em nós e, meio caminhar, meio correr, na nossa direção.

Eu não tive muita reação além de colocar a mão do peito como se pudesse encorajar meu coração a ter calma. Um peso saiu das minhas costas e tudo o que pude fazer foi encará-lo nos primeiros segundos, mesmo quando o alívio passou e a raiva tomou conta. Descobri que a preocupação era mais pesada que a raiva naquele momento, porque apesar de querer esganá-lo, eu ainda me sentia bem melhor do que nos últimos dois dias.

E eu tive o pensamento mais cruel - ao menos, pensei que fosse - que havia destinado ao Alex desde que o conheci: se quer tanto ir embora, vai logo. Pela primeira vez, de fato, desejei que ele pudesse colocar um fim na nossa agonia e simplesmente partir como deseja.

Por que fazer o que havia feito comigo naquele dia se estaria aqui logo depois?

Se ele tanto queria ir embora, se isso resolveria todos os problemas dele, então que ele fosse logo e parasse de ficar nesse vai e vem que nunca se resolve.

— Alex!

Não pude discernir quem havia chamado, em tom de voz surpreso e aliviado, antes que ele chegasse até nós.

— Onde você se meteu?! — perguntou Ian, abrindo os braços, indignado.

— Não esperava ver você aqui tão cedo, cara, o Ian fez todo um reboliço sobre você ter fugido — brincou Dan, recebendo um olhar indignado do Ian, ao rir.

— Todo mundo pensava que você tinha fugido! — exclamou Grace, abismada.

— Alex — chamou Ian, colocando a mão em seu ombro como se para se certificar de que ele estivesse mesmo ali —, a tia liga toda hora, preocupada, pra saber onde você tá.

Uma careta se forma em seu rosto antes dele dar de ombros, respondendo de forma evasiva: — Não poderia me importar menos.

Se suas palavras chocaram alguém, ninguém deixou transparecer.

— Alex, você tá bem? — perguntou Bex, se aproximando para tocar seu rosto de forma parecida com a que eu o fiz na sexta. — O que houve com o seu rosto?

O inchaço ao redor do olho esquerdo havia diminuído bastante, mas os tons vermelhos haviam se transformado em um caleidoscópio arroxeado e verde.

— Meu pai — responde, simplesmente, e eu até me impressionei com a honestidade.

Imaginei que ele fosse se esquivar das perguntas, por não querer falar sobre, mas não foi o que aconteceu. Nada acontecia da forma como eu esperava, e eu supus que era culpa minha que não tivesse me acostumado com isto.

A gente não poder sobre nada, nem sobre nosso próprio destino.

Bex piscou algumas vezes, franzindo o cenho, antes de perguntar: — Onde dormiu?

Arqueei as sobrancelhas.

— É, onde é que você estava nesses últimos dois dias? — intrometeu-se Ian, como se a cada segundo uma nova indignação surgisse. — Por que não foi lá pra casa?

No entanto, a resposta para isto era óbvia: ele não iria para a casa de nenhum familiar, especialmente para a casa da irmã do pai, por mais que amasse aquela parte da família.

Alex dirigiu os olhos a mim, ao passo que meu cérebro passava por um circuito.

Onde ele dormiu?, me perguntei também, receoso. Para ser sincero, pensando que Alex havia deixado a cidade e feito algo estúpido, tudo o que pensei foi que dormiria em metrôs ou algo assim até chegar lá. E que, quando chegasse, dormiria na casa dos seus amigos.

No entanto, ele não havia saído da cidade.

Onde diabos ele dormiu?

— Na casa de um amigo — respondeu, vagamente, depois de hesitar ao me olhar. — Vou ficar lá por um tempo.

Na casa de um amigo, repeti, mentalmente.

A cena do Alex pulando da minha janela para ser abraçado por escuridão e tempestade retornou à minha mente, assim como a forma como me humilhei implorando que ele ficasse. Ele negou, ficou desaparecido por uns dois dias, mas ainda assim aceitou o amparo de outro alguém para ficar.

Engoli em seco, sentindo meu coração se encolher um pouco.

E por que ele está ocultando que amigo é este?

Se fosse o Bruno, o Matt ou o Ben, ele não teria nenhum problema em dizer em voz alta. Desviei o olhar, sentindo o desgosto amargar minha boca, pensando que, de todos os amigos do Alex, os únicos que não conhecíamos - e que moravam na cidade - eram rolos sem compromisso.

— Eu vou embora, como vocês já sabem — anunciou, mais uma vez, ao continuar. — Mas, como fui aconselhado — acrescentou, e eu ergui os olhos para encontrar os seus, fixos em mim —, vai ser melhor se eu tiver terminado o ensino médio antes. Eu só tenho que esperar um pouco mais. Só um pouquinho mais — acrescentou, mais como um murmúrio, como se falasse consigo mesmo.

— Mas, Alex, meu bem — chamou Bex, e ele virou o rosto para encontrar seu olhar —, você sabe que não precisa fazer isto, não é? Existem programas específicos para maiores de idade, para que terminem o ensino médio em poucas semanas.

Alex assentiu, e Korn interrompeu: — Mas meu amor, o cara já tá quase se formando, ele tem as presenças e agora que começar as provas, ele vai ter as notas também.

— Sim — concordou, mas tornou a olhar para o Alex incisivamente, como se o compreendesse: — Mas se ele precisa se afastar, talvez trabalhar, e ter um tempo para colocar a cabeça em ordem, ele tem essa opção também. Não é, Alex?

Korn pareceu discordar, mas hesitou, olhando para o Alex também.

— Eu já tô aqui — respondeu ele, dando de ombros —, vou terminar agora.

Bex franziu o cenho, a expressão tomada de preocupação - e eu supus que além de entender o rechaço dos pais com relação à sua identidade, Bex também via o que eu via: ele não estava bem e muito menos estável.

Quando alguém fez mais uma pergunta, ele cortou, os olhos presos em mim: — Caleb? — chamou, e eu sustentei seu olhar. — Posso conversar com você um minutinho?

Antes que eu respondesse, temendo que a imaturidade me impedisse de dizer que “sim”, Bex interrompeu, segurando o braço dele:

— Alex — chamou, o tom tão sério que o fez estancar —, confie em mim quando eu digo isto: empinar o nariz e seguir em frente quando nos tacam pedras só funciona quando deixamos as feridas cicatrizarem antes de recebermos mais.

Alex engoliu em seco, claramente desconfortável com a fala. Os demais ficaram em silêncio, e eu também, ao perceber que o conselho não era nada ruim.

Ele se virou em direção de Bex e colocou uma mão em cada ombro: — Eu tô bem — repetiu, enfático, antes de sorrir com carinho —, não se preocupe comigo.

Bex retirou as mãos dele de seus ombros e colocou as suas nos dele. — Se você tá bem, então me escute. Não tem nada de “bem” sobre ser rejeitado pelos próprios pais a ponto de sair de casa por isto. — Alex desviou o olhar. — Eu sei que você tem muitos planos e quer pular logo para eles, mas algumas coisas levam tempo, por mais que você queira muito apressá-las. Essa é uma delas. Alex, olha pra mim. — Então, ele o fez. — Toma um tempo pra você, entenda o que acabou de acontecer, isso também faz parte da cura.

Alex sorriu, piscando muitas vezes ao olhar para longe, antes de sorrir, sem retribuir o olhar outra vez: — Ok, tem razão. Vou ter isso em mente.

Dan pigarreou, como se para afastar o constrangimento daquela conversa.

— É, cara, se cuida — aconselhou por cima, também. — Se a gente não se cuidar, quem vai fazer isso por nós? — Deu de ombros. — E se precisar de um lugar pra ficar, meus pais são da hora! Você pode ficar lá com a gente, de boas.

— É verdade! — acrescentou Grace, como se recém passasse por sua cabeça. — Meu pai te aceitaria uns tempos lá de boas também, Alex!

Em seguida, veio um tsunami de convites para que Alex ficasse em suas casas, porque todos o aceitariam lá de qualquer forma. Eu não falei nada, porque já havia falado e ele sabia, mas, apesar de todo o rancor que eu sentia subir pela minha garganta, me permiti sorrir para a sororidade e união deste grupo como um todo.

Alex tinha uma família: só não era a que ele esperava.

— Caleb?

Quando ele começou a se sentir emotivo, e eu percebi pela maneira como evitava olhar a todos, ele novamente se esquivou ao me chamar. Eu quis negar, mas não pude, pela primeira vez na vida desejando fazer parte do grupo de amigos do Alex e nada mais.

Não queria voltar para a nossa bolha estourada de jeito nenhum.

Segui-o para longe, para um cantinho sem ninguém debaixo do sol, os alunos passando ao redor vez ou outra. Parei de frente para ele, vendo-o lutar um pouco com as palavras antes de conseguir pronunciar:

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— Você tinha razão — murmurou, e eu desviei o olhar para o chafariz. — Eu estou mal — admitiu, e eu o relanceei rapidamente. — Mas a melhor ajuda que eu poderia ter agora era sair de . Eu não pensei que não precisava sair daqui também.

Na verdade, pensou sim, mas não quis.

Nada disto justificava não haver retornado minhas chamadas e mensagens, muito menos haver ficado na casa de alguém depois de haver jurado de pés juntos que não podia ficar aqui mais segundo algum.

Como eu não conseguia respondê-lo de forma educada em momento algum, optei pelo silêncio. Alex suspirou, dando um passo em frente.

— Me desculpa se te assustei — sussurrou, e eu ergui os olhos, encontrando culpa ali. — Eu... — Balançou a cabeça de um lado ao outro. — Eu não sei o que houve, eu entrei em pânico.

— E sua reação foi querer ir pra longe sem olhar pra trás — deixei escapar, franzindo os lábios em seguida para não falar mais nada.

Alex mordeu os lábios por um instante, titubeando, antes de me olhar com uma expressão infeliz.

— Eu não tava pensando direito, me desculpa — pediu, sincero. — Mas é óbvio que, quando eu esfriasse a cabeça, eu mudaria de ideia. — Desta vez, fui eu que balancei a cabeça de um lado ao outro, mas ele se apressou em dizer: — E mesmo que eu fosse, eu já tinha dito a você: eu não vou ir sem olhar pra trás, eu vou te visitar, eu vou ficar com você.

Neguei mais uma vez.

— Você também tinha dito que ia ficar até o fim do ano. Você disse que ia aproveitar seu tempo comigo. — E, quando ele abriu a boca, finalizei: — Você prometeu.

Alex hesitou por um momento.

Abriu e fechou a boca algumas vezes, a expressão se tornando desolada a cada frase, como se soubesse que havia pisado na bola. A culpa brilhou nos olhos escuros, e eu odiei vê-la ali mais que qualquer coisa: significava que eu tinha razão, e que Alex sabia que eu tinha razão.

— Eu sei — sussurrou, por fim, tentando pegar minha mão, mas eu desviei. — Me perdoa — pediu, mas eu não consegui fazer nada além de negar. — É por isto que eu tô aqui: eu não vou quebrar minha promessa.

— Você já quebrou.

Alex franziu o cenho.

— Não — nega, incisivo, ao dar outro passo na minha direção. Desta vez não me movi. — Não, eu não fui a lugar nenhum e não irei. Caleb, eu não disse aquilo da boca pra fora, eu prometi que ia ficar porque eu quero ficar com você. Eu quero e eu vou — afirmou, firme, o cenho vincado.

Engoli em seco, desviando o olhar.

Eu não diria em voz alta porque ele não iria aceitar, mas ele até podia querer estar comigo agora, apesar de eu já achar difícil de acreditar, mas ele queria ir embora tanto quanto - talvez mais. E essa balança não fechava nunca, e eu nunca saberia em que momento ia pesar mais para o outro lado do que para outro, a ponto dele quebrar promessas quando entrasse em pânico novamente.

E entrar em pânico, ter crises e querer fugir eram probabilidades gritantes, ainda mais quando ele não buscava ajuda profissional e estava longe de ter alguma estabilidade, mesmo que quisesse. E isto ficava cada vez mais evidente para mim, tanto que eu chegava a me questionar como é que demorei tanto para perceber que era esta a situação do Alex.

Eu não podia aceitar aquilo, não podia mesmo, mas também não conseguia ser tão duro quanto deveria.

— Eu acho que nem você mesmo sabe o que quer de verdade — murmurei, olhando para longe, quanto mais aquela concepção se fazia óbvia na minha cabeça.

Alex segurou meu pulso, chamando meu olhar para ele.

— Não seja injusto — pediu, baixando o tom de voz. — Eu tive um momento de recaída, eu não tava bem, eu tava no meio de uma crise. Me desculpa se te assustei, não era mesmo a minha intenção, eu sequer tinha intenção nenhuma - eu não tava pensando — vomitou as palavras, apressado, antes de baixar o tom para um mais sério: — Mas por favor, Caleb, não use as palavras que eu disse em um momento de fragilidade pra descartar as que venho dizendo quando tô lúcido.

Fiquei em silêncio por um momento.

O pedido me pareceu justo e eu sei que ele tinha uma pontinha de razão, apesar do meu corpo inteiro estar rejeitando-o no automático. Mesmo que as palavras fossem expelidas em um momento de fragilidade, elas ainda tinham um peso. O que aconteceu naquela noite teve um peso e quebrou algo. Aquela noite aconteceu e eu sofri as consequências. Eu não iria fingir que nada aconteceu só porque ele não estava bem naquele momento, porque a noite na qual eu me revirei chorando e os demais dias esperando por uma resposta também aconteceram.

Mesmo assim, perguntei, baixinho: — Onde você tá dormindo?

Alex mordeu os lábios novamente, desviando o olhar.

— Na casa de um amigo — repetiu, o que havia dito aos demais.

Uni as sobrancelhas em desconfiança. Ao menos, quando estivéssemos sozinhos, esperei que ele falasse a verdade, o que me fez pensar que haver sido evasivo não foi pelos demais, foi porque eu estava entre eles.

— Que amigo?

Alex negou, a careta culpada. — Eu não posso contar, prometi que não ia.

Franzi ainda mais o cenho, a irritação fazendo coçar minha pele.

— Jillian? — tentei, vendo-o revirar os olhos em seguida.

— Será que você pode parar de desenterrar o Jillian, Caleb? — reclamou, mas eu respondi que não mentalmente. Não era algo que eu podia esquecer, quando encontrá-los aos beijos tenha marcado tanto nossa história.

— Então quem? — insisti, em um misto de curiosidade e irritação.

Alex parou o olhar fixo em mim. — Caleb — murmurou, enfático —, eu não estou te traindo.

Aquilo me pegou desprevenido, e não de um jeito bom. Quase arquejei, ignorando o formigar do estômago, franzindo o cenho com tanta raiva que o senti arder.

— “Traindo”? — perguntei, incrédulo. — Nós não estamos juntos.

Alex suspirou, embora não parecesse nada surpreso com a minha sentença.

— Caleb...

Mas aquilo havia sido o ápice para mim.

Me senti atacado - não exatamente pelo Alex mas por mim mesmo. Uns dias antes e eu me perguntava sobre rótulos e o que contar aos nossos amigos, e agora ele simplesmente largava um “não estou te traindo” como uma confirmação de que estávamos mesmo juntos. Uma confirmação apenas após aquela noite horrível, uma validação de todos os momentos que vivemos juntos no nosso universo feito sob medida apenas após sentir que ele havia ruído junto com a tempestade.

Eu não sei dizer por que aquilo doeu.

— Não — repeti, firme, puxando meu pulso dele. — Você ia embora — apontei, porque não conseguiria negar, não de verdade, que as duas semanas que estivemos juntos realmente significavam que “estávamos juntos”. — Você foi embora — enfatizei, e no minuto que as palavras começaram a sair, junto dos rancores, não pararam mais.

A ira foi aumentando ao passo que eu verbalizava meus sentimentos, sem freio, todos aqueles entalados na garganta, impedidos de sair pela preocupação. E agora que a preocupação aliviava, vendo que o imbecil do Alex havia aparecido como se nada houvesse acontecido, depois de todo o espetáculo cruel da sexta-feira, muito bem aquecido e acolhido por alguém aleatório que não eu, todo o demais que eu sentia veio à superfície.

Em especial, a mágoa.

— Você apareceu no meu quarto, no meio da madrugada, no meio de uma tempestade, encharcado no frio, pra se despedir porque iria para o outro lado do mundo sem se importar com nada nem ninguém além de você mesmo — acusei, vendo-o encolher-se minimamente ao desviar o olhar. — Mesmo que você estivesse tendo uma crise, foi assim o tempo todo por dois dias? Por que não me avisou que, pelo menos, estava bem? Ou que ainda estava por aqui?

Alex abriu a boca, mas eu não havia acabado.

— Você sabia que nesse tempo todo eu pensava que você tinha ido embora naquele estado — acusei, tentando manter a voz firme, mas ela fraquejou na próxima frase: — Você sabia que eu tava preocupado.

Alex vacilou, uma careta culpada novamente tomando conta do seu rosto e eu quis arrancá-la com as mãos.

— Eu não tava pensando — defendeu-se, mais uma vez. Por dois dias?! —Desculpa — pediu, tentando pegar minha mão novamente mas eu recusei. — Eu não sabia o que te dizer, eu ainda tava pensando no que fazer em seguida, e eu fiquei com vergonha depois do escândalo que eu fiz e de te preocupar. Quis colocar a cabeça em ordem e falar com você quando eu estivesse cem por cento bem, pra não falar besteira e não te preocupar ainda mais. Eu não queria ser um fardo pra você, Caleb, me desculpa.

Engoli em seco.

— Você ia embora mesmo — sussurrei, a ficha caindo.

— Caleb, eu já disse...

— Naquele momento, você ia mesmo. — Alex hesitou, confirmando o que eu dizia. A irritação começou a coçar minha pele novamente. — Mais do que isto: você tentou me levar junto — acusei, recém me recordando daquilo. — Alex, você perdeu de vez o juízo! — Ele franziu o cenho, como se não entendesse onde eu queria chegar. — Ainda bem que eu ainda o tenho.

Alex suspirou, mas inclinou o rosto, ainda tentando entender o que eu dizia.

— Como pode pensar que a gente fugiria juntos? — continuei, me impressionando cada vez que pensava mais a respeito. — Você é maior de idade. — Fiz um gesto em direção a ele e, em seguida, a mim. — Não esqueça que eu não sou.

Desta vez, vi qualquer neutralidade sumir por completo do seu rosto quando ele avermelhou, e não foi de vergonha.

— O que quer dizer com isto? — grunhiu, aproximando-se de mim quando desviei para longe. — Que eu estaria te sequestrando? Que eu estaria abusando de você?

Quando me desviei dele mais uma vez, com raiva, ele caminhou até ficar de frente para mim outra vez, fumacinhas saindo de sua cabeça em um misto de indignação, incredulidade e mágoa. — Caleb!

— Eu só tô dizendo que o que você fez foi maluquice. E se eu tivesse aceitado? — perguntei, mas a mágoa não deixou seu rosto.

— Eu sabia que não iria — murmurou ele, por fim.

Torci o nariz. — Então só perguntou sem realmente querer que eu fosse? Só para não ficar com peso na consciência?

— Não faça isso — pediu ele, com desgosto. — Saber que você não iria não é o mesmo de não querer que fosse.

No entanto, aquilo me deixou ainda mais indignado.

Para ser sincero, no meu atual estado de defesa própria, não havia muita coisa que Alex pudesse dizer que não me deixasse indignado. Mas pensar que ele realmente havia se colocado naquela situação - e me colocado nela também - me dava dor de cabeça só de pensar nos possíveis desenrolares dessa história se eu não tivesse a cabeça no lugar.

— Você podia ser acusado de sequestro de menor!

Alex bufou, gesticulando com ênfase: — Será que você pode parar de falar como se eu fosse um velho molestador de carteirinha? — grunhiu, e eu recuei. — Caralho, Caleb! Vive reclamando que eu trato você como criança, diz que a gente tem praticamente a mesma idade, ainda se incomoda que eu me restrinja de tocar em você, e agora vem me dizer isso?!

Dei um passo para trás, fechando as mãos em punho para tentar controlar a raiva, mas ela não diminuiu até que ele se pronunciasse outra vez:

— O que é que você pensa de verdade? — perguntou, mais baixinho, e eu ergui os olhos para vê-lo com uma expressão vulnerável. — Acha mesmo que eu estou errado por estar com você?

Engoli em seco, negando.

É claro que não.

— Não — sussurrei, sincero. — Mas estaria se me convencesse a fugir com você.

Alex fechou os olhos, inspirando fundo.

— Eu já disse que eu não tava pensando direito. Eu não sei explicar —acrescentou, desamparado, os olhos se enchendo d'água, como se suas próprias ações não fizessem sentido nem para ele. — Eu estava... — Suspirou, passando as mãos no cabelo como se não quisesse entrar nesse assunto novamente. Então focou em outra coisa: — E por que está insistindo nisso? Eu não fui embora e mesmo que eu fosse, você não teria ido comigo. Você escolheu não ir!

Estreitei os olhos, rangindo os dentes de tanta frustração acumulada.

— Porque eu não posso confiar em você! — gritei, antes que eu pudesse conter. — Eu nunca pude! Eu só posso confiar em mim mesmo — reclamei, aumentando o tom de voz. — E é claro que eu escolhi não ir, porque eu ainda tenho a cabeça no lugar!

Alex abriu a boca, as sobrancelhas escuras unidas em um misto de mágoa e indignação, mas eu não havia terminado.

— Porque se dependesse das suas ideias loucas, eu acabaria dando um infarto na minha mãe e no meu irmão e você acabaria detrás das grades! — vomitei as palavras, vendo sua expressão mudar mais e mais, mas não as contive. — Se eu dependesse de você, eu estaria fodido, Alex, talvez mais do que você está.

Me arrependi no minuto que fechei a boca, mas não voltei atrás.

Não achei que ele tivesse razão, mesmo que não estivesse bem, e que apesar de estar ocupado demais tentando lidar com seus problemas, isso não justificava me deixar na mão.

Ele não sabia cuidar nem dele próprio, tampouco deixava que a gente fizesse isso por ele, então eu tinha que cuidar de mim.

Ainda assim, doeu.

Seus olhos nublaram de um jeito diferente daquela noite; não estavam foscos e sem vida, pelo contrário, mas tanto sentimento ruim os deixou um tanto tenebrosos. Em uma seriedade extremamente magoada, ele assentiu, aos poucos, sem tirar as orbes perturbadoras das minhas.

— Que bom que esclarecemos isto, Caleb — pronunciou, enfim, a voz soando estranha. Soltou um som pelo nariz, como se desacreditado: — Você finalmente disse o que pensa de mim. Demorou o suficiente — cuspiu, antes de dar as costas e caminhar para longe.

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Eu o observei passar longe do chafariz de propósito, apesar dos nossos amigos tentarem chamá-lo antes de olhar para mim. Talvez tivessem ouvido quando ergui a voz, talvez só tivessem observado de longe, mas eles sabiam que a gente havia brigado mais uma vez.

Incapaz de caminhar até lá também, me sentindo vazio, dei as costas e caminhei na direção contrária, longe de todos até as aulas retomarem.

Eu sei que eu havia sido um pouco injusto, mas ele também havia sido.

Não dei o braço a torcer, e ele tampouco daria, como eu viria a descobrir nos próximos dias.

*

Em guerra, quando soldados são atingidos diversas vezes pelo inimigo a ponto de sequer conseguir levantar, a reação instantânea não é afastar-se para se curar, não é ficar parado e se render, não é rezar ou pensar em estratégias; é retaliar. A despeito da lógica, da dor, da vontade de viver, o instinto é fazer com que o inimigo pare: pare de se mover, de atirar, de existir, para que você possa fazer algo além do instintivo; algo como pensar.

É praticamente um instinto de sobrevivência.

Alex e eu não estávamos em guerra um com outro, talvez com nós mesmos, mas a gente constantemente se atingia da mesma forma.

Para ser sincero, naquele momento, Alex não era o único que não entendia o peso que suas palavras e suas ações tinham sobre mim. Eu também não conseguia compreender. Era óbvio que eu tinha dificuldade para confiar e para me deixar levar, tanto que demorei anos para aceitá-lo por completo, mas nenhum de nós previa que a confiança tinha suas condições.

A instabilidade do Alex acabou balançando um pouco com nosso mundinho de cristal, e no mínimo vislumbre de um terremoto, eu abandonei nosso universo como preservação.

Confiar, para mim, era um problema do qual nós dois estávamos cientes, mas nenhum de nós previu que três anos de construção de uma confiança ruiria por completo em cinco minutos. Os problemas com os quais ele estava lidando há anos me atingiram como destroços de uma explosão - não era culpa dele e eu quis pedir desculpas por fazê-lo sentir assim, mas o meu sistema de defesa se ergueu e tudo o que eu pude fazer era me defender.

Eu sabia que ele não me atingira de propósito, mas ainda doeu.

E eu também não retaliava de propósito, mas sei que doeu nele também.