Made of Stone

XXXVI. De todos os universos do mundo - Pt. II


A lua era cheia lá fora.

O tom azul escuro do céu durou pouco tempo, escurecendo aos poucos até que ele, por inteiro, houvesse se tornado uma manta preta sobre nós. A única iluminação seria as das estrelas e a da lua cheia, não fossem tantas luzes artificiais vindas da cidade. O bairro do Alex, em específico, parecia produzir luzes brancas mais fortes do que o meu, que geralmente era coberto apenas pelos brilhos amarelados e fracos dos postes de luz.

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Ainda assim, com o escuro do quarto às nossas costas, a visão da varanda permanecia linda.

O jardim verde da casa, com exceção do quarto do Alex, sempre havia sido minha parte favorita daquele lugar - ambos continham vida, a despeito do resto. Havia bastante árvore diferente, arbustos e gramas bem verdinhas, parecia uma parte intocada da natureza.

Desviei os olhos para as mãos trêmulas do Alex, entrelaçadas uma na outra, enquanto os cotovelos estavam no apoio da varanda. Ele as remexia em nervosismo, a mente há mil quilômetros de distância daqui, os olhos fixos em uma árvore aleatória do jardim. Ele estava sério, mas o tipo de seriedade que se vê em quem está perdido em pensamentos sem perceber.

Quem passou o dia ansioso havia sido eu, mas com a chegada da noite, pareceu que havíamos trocado de papel. E, pensando que era durante a noite que ele fumava mais, achei que fizesse sentido.

Me aproximei dele, sem muita pressa, e ele virou o rosto para mim antes mesmo de que eu o houvesse alcançado, na outra ponta da varanda. E ali estava outra cena para poder ser eternizada em um papel, mas tentei deixar meu lado artístico de lado por um instante: Alex parecia despertá-lo de uma maneira que ninguém mais o fazia.

Mais uma vez, como sempre acontecia durante a noite, Alex parecia ser engolido pela escuridão, tornando-se parte dela, como se não fosse possível distinguir onde ela começava e onde Alex terminava. Os cabelos escuros, os olhos escuros, até a camiseta escura que ele usava desta vez, misturavam-se ao infinito escuro que nos cobria. Os olhos focaram em mim, seu semblante relaxando da seriedade prévia, e as íris não pareciam se diferenciar nada da cor espetacularmente escura do céu. Ele não se moveu da posição além de virar o rosto para mim, quase apoiando o queixo no ombro esquerdo, daquele ângulo, mas seus olhos sorriram, assim como os lábios se repuxaram um tanto para cima.

Fechei o espaço entre nós e, ainda me sentindo nervoso com a simples ideia de fazer algo assim, encostei meus lábios nos dele. Foi leve, quase bobo, um selinho singelo. Mas quando me afastei, seus olhos estavam fechados e havia um sorriso largo emoldurando seu rosto.

— Eu acho que eu vou morrer de amor — concluiu ele, assim que abriu os olhos, e eu quase me engasguei na própria saliva.

Olhei para longe, sentindo minha barriga gelar e o rosto esquentar como resposta. "Amor" é uma palavra muito forte e não havíamos a usado ainda, não realmente, então aquilo me fez travar um pouquinho. Não é como se ele tivesse dito que me amava, não realmente, mas aquilo já havia sido o suficiente para me tirar fora do eixo.

— Ninguém morre de amor — decidi retrucar, para não ser engolido pelo silêncio outra vez.

Alex puxou o braço esquerdo do apoio e o usou para me puxar para perto dele, virando totalmente para mim e firmando a base da coluna no apoio lateral da varanda.

— Morre, sim — murmurou ele, e eu me atrevi a olhar nos seus olhos. — Só que morre tão rápido que logo renasce outra vez, então ninguém fica sabendo. — Não pude evitar sorrir, vendo que ele fazia o mesmo. — A gente morre de amor várias vezes, mas o amor que nos mata nos trás de volta no mesmo instante.

Ri, sentindo-o fazer carinho nos meus cabelos.

— De que artigo científico você tirou isso?

Eu sou o artigo científico — objetou ele, afetado, ao arquear as sobrancelhas. Ri outra vez. — Eu sou a prova viva de que uma pessoa pode morrer de amor várias vezes num mesmo dia.

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Espalmei a mão em seu coração, apoiando a outra em sua cintura, e fiz uma careta pensativa, como se o analisasse, antes de erguer os olhos para ele.

— Não sei, não — murmurei, tentando não sorrir. — Você parece bem vivo pra mim.

Ele pensou por um momento, antes de abrir um sorriso bobalhão ao inventar: — É que quando a gente morre de amor, a gente renasce mais vivo ainda.

Desta vez, tive que gargalhar.

— Vem cá.

Alex me abraçou outra vez e eu o retribuí, como em todas as outras, pensando que aquele era o lugar mais confortável do mundo. Senti-o fungar no meu pescoço e afagar minhas costas, e eu deixei um beijo na lateral do seu pescoço. E outro. E outro.

Me afastei para olhar para ele e senti seu nariz roçar o meu como em um beijinho de esquimó antes que ele deixasse o mesmo selinho que o dei, nos meus lábios. Sorri para isso, vendo-o sorrir também, seus dedos acariciando minha nuca.

Como eu havia me inclinado um pouco para abraçá-lo, quando olhava para ele de baixo, ele pareceu mais alto do que era. E a visão de sua mescla com o céu parecia mais evidente ali, já que de perto e de baixo, não havia jardim nem postes de luz, apenas Alex e um pedaço do céu.

— Sabia que os teus olhos são pretos? — perguntei, subitamente, um tanto embevecido com a vista.

Alex arqueou as sobrancelhas, piscando algumas vezes, como se eu o houvesse pego de surpresa. Em seguida, as uniu em confusão, afastando um pouco mais seu rosto do meu para me analisar melhor.

— Pretos?

Assenti, me endireitando para ficar na altura dos seus olhos, mas sem sair do seu abraço. — Sim, como carvão.

Alex me dirigiu um olhar cético, um indício de sorriso nos lábios.

— Caleb, olhos pretos não existem.

Desta vez, fui eu que arqueei as sobrancelhas. Estreitei os olhos, sabendo bem o que eu via, mais porque ele parecia se divertir um tanto com a minha fala descabida.

— Então você não tem olhos — concluí, dando de ombros.

Alex gargalhou, inclinando o rosto para trás, mas me segurou quando eu fiz menção de me afastar para lhe dirigir um tapa.

— Eu tô falando sério — insistiu ele, diminuindo o riso. Alargou os olhos olhos de propósito, tentando aproximar o rosto do meu. — Meus olhos são castanhos, vem mais perto pra ver melhor.

Neguei, tanto o pedido quanto a fala. — Não são.

Alex sorriu.

— Eu li sobre isso uma vez — informou ele, tentando não sorrir. — A íris do nosso olho nunca vai ser da cor da pupila. Pode ser que meus olhos sejam bem escuros, quase da mesma cor, mas não são negros. — Franzi o cenho, imaginando que ele falava sério, e ele pegou o celular do bolso. — Peraí, vê agora?

Alex ligou a lanterna do celular e colocou a luz bem próxima aos seus olhos, e eu me aproximei para ver melhor. Empurrei sua mão para que aproximasse ainda mais a luz e ele fez uma careta, os olhos lacrimejando pelo ato.

Abri a boca em espanto, piscando para ver se enxergava bem, e senti minhas próprias sobrancelhas erguerem-se tanto quanto podiam.

Seus olhos eram realmente castanhos, um marrom tão escuro quanto a pupila, e mesmo com a lanterna tive dificultade de ver a diferença entre as duas cores. Era como a cor de chocolate amargo, que escurece conforme a porcentagem. E tudo bem que era noite e mesmo com a lanterna não daria para ver tão bem, mas sua íris parecia limpa, quase fosca, tanto quanto a pupila era. Não era como os olhos do meu irmão, que dentro do verde podia-se ver traços de tons diferentes, ou como os olhos azuis do Mason, que eu tinha certeza que podia ver pontinhos escuros dentro.

Os olhos do Alex eram uniformes e límpidos, como se alguém houvesse deixado cair uma gota de tinta escura ali e o trabalho estivesse pronto.

Aquilo me fez sorrir.

— Sim, eu vejo.

— Isso te diverte?

Tirei o celular do seu rosto, com piedade das lágrimas que começaram a cair sem que ele reclamasse, e desliguei a lanterna. Alex fez uma careta, piscando algumas vezes para se ajustar à ausência de luz do ambiente e esfregou os olhos molhados algumas vezes.

— Sim — concordei, achando aquilo incrível. — É como se eles fossem da cor mais escura do castanho que podiam ser, teimando com todas as leis da física. — E se aquilo não soava como o próprio Alex, eu não sei o que seria. — São muito bonitos. Eles se adaptaram, então vou chamar como são: olhos pretos.

Alex parou de esfregar os olhos para gargalhar mais uma vez. Me puxou para perto, colando a testa na minha, e balançou a cabeça de um lado ao outro, como se desacreditasse no que ouvia.

— Como é que eu vou discutir com isso? — perguntou, o tom de voz divertido, ao deixar um beijinho no meu nariz.

Sorri, limpando uma lágrima que ele havia espalhado no rosto.

— Eles te protegem.

Alex fez carinho no meu rosto. — Você acha?

Assenti. — Uhum. Você é bem difícil de ler.

Alex quase arquejou, afastando o rosto do meu em um rompante, como se me analisasse em busca de algum sinal de zombaria. Pisquei, sério, e sua expressão de incredulidade só aumentou.

— Eu?! — perguntou, como se aquilo fosse uma piada. — Caleb, pelo amor de deus, você se conhece?

Dei de ombros e ele riu mais uma vez, me abraçando e me enchendo de beijos. Deixei que o fizesse, abrançando-o de volta e tentando aproveitar cada segundo, já que sabia que não podia ficar grudado nele vinte e quatro horas por dia e que uma hora a gente teria que se afastar.

Ficamos abraçados por um tempo, mais uma vez, o silêncio confortável recaindo sobre a gente. E, apesar de já estarmos em pé ali na varanda há umas boas duas ou três horas, eu não conseguia me cansar daquilo. Eu não queria ir embora, não queria voltar à realidade, não queria sair do nosso personalizado universo.

E, como se lesse meus pensamentos, Alex quebrou o silêncio para perguntar mais uma vez: — Dorme aqui comigo?

Neguei, sem me afastar, com uma careta.

— Não, é muito estranho.

Alex me obrigou a me afastar do abraço, me olhando nos olhos com uma expressão incrédula novamente. — Mas eu prometi me comportar!

— Você cruzou os dedos!

Ele mordeu o lábio inferior, tentando não rir, mas assentiu positivamente, revirando os olhos.

— Tá bom, tá bom — concordou, ficando um pouco mais sério em seguida, o tom de voz baixando ao questionar: — Mas você quer mesmo ir embora?

— Não.

Alex pareceu relutar por um segundo, e eu imaginei que o que eu via era um tanto de insegurança, ainda mais quando vacilou ao abrir a boca e fechar outra vez. Quando tornou a perguntar, soou cauteloso:

— E não quer ficar?

Não é que eu não quisesse ficar, óbvio que eu queria, mas dormir aqui agora não era a mesma coisa que dormir aqui antes. Bastava que ele olhasse para mim, me tocasse por toda a parte, me beijasse onde seus lábios podiam alcançar, e eu me perdia.

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Me perdia da minha própria razão e, a julgar que Alex não parecia se importar com isso, eu era o único com uma razão funcional ali.

— Quero, mas...

Seu rosto relaxou no mesmo instante.

— Sem "mas". Dorme comigo?

Senti meu rosto esquentar mais rápido do que pude retrucar.

Era tudo culpa dele, a expressão de cachorrinho abandonado - obviamente falsa! - que contrariava todo o demais: o sorriso divertido escondido porque ele mordia o lábio inferior com travessura, os olhos enigmáticos que pareciam queimar minha pele, a mão que estava na minha cintura mas moveu-se para grudar meus quadris nos dele.

— Não fala assim! — reclamei, quando encontrei a voz. — Eu já...

— Ok, ok, ok — interrompeu, revirando os olhos, antes de me soltar para pegar minhas duas mãos nas suas e deixar um beijo nelas. — Caleb — pronunciou, teatral —, por obséquio, dorme no colchão ao lado do meu, onde eu não vou fazer nenhuma perversidade com você, mas vou segurar sua mãozinha enquanto dormimos?

Segurei o riso, puxando as mãos para deixar um tapa nas suas.

— Que idiota.

Alex sorriu abertamente, me atirando um beijo no ar. — Lindo.

Suspirei, analisando-o por um momento antes de assentir e dizer a resposta que ele conseguia arrancar de mim desde que nos conhecemos:

— Tá bom.

*

Eu achei que não fosse conseguir dormir, tamanha a ansiedade, mas foi só ouvir o ressonar baixinho do Alex que minhas pálpebras começaram a ceder.

Alex não teve problema algum para dormir, depois de se aconchegar em mim feito um urso de pelúcia, em menos de cinco minutos depois que a conversa cessou. Tudo bem que a gente só conseguiu parar de conversar, brincar e se beijar ali pelas duas da manhã, mas mesmo assim, ele adentrou o terreno dos sonhos muito rápido.

Ao menos, desejei que assim fosse.

Assim que as súplicas começaram, eu abri os olhos instantaneamente, o coração disparando à mil ao assimilar a estranheza da situação, como se eu estivesse em perigo.

— Não — sussurrava ele, ao meu lado. — Não, não, não...

Eu não pude vê-lo com muita nitidez, devido ao escuro, mas podia perceber que estava de barriga para cima, a panturrilha esquerda por cima da minha direita e ainda sentia seu braço feito de travesseiro para mim. A respiração estava curta, como se fosse difícil respirar, mas não estava tão alta a ponto de eu haver acordado com isto.

Foram suas palavras que me acordaram.

— Espera — murmurou, o rosto movendo-se um pouco com a tensão, mas o resto do corpo imóvel. — Esperem por mim, eu... — Um gemido dolorido saiu dos seus lábios. — Me esperem...

— Alex?

Toquei em seu peito e dei uma mexida para ver se ele acordava, assim que percebi que estava sonhando. Isso pareceu agitá-lo, porque a respiração aumentou um tanto de volume.

— Eu te amo — choramingou, e eu senti meu coração apertar. — Espera — repete, a respiração pesando. — Eu te amo, eu te amo...

Como se meu corpo finalmente saísse do choque inicial, levantei o tronco, apoiando-me no braço direito e tentei sacudi-lo um tanto mais forte. — Alex, acorda — chamei mais alto, preocupado.

— Desculpa — lamuriou mais um pouco e logo em seguida veio um soluço alto. — Não, por favor...

Agoniado com o choro que aumentava de volume, apertei sua mão e chamei mais alto: — Alex!

Com a visão mais acostumada com o escuro, pude ver quando ele abriu os olhos arregalados, todo seu corpo se sobressaltando como se levasse um choque. Ao mesmo tempo, girou o rosto na minha direção e eu dei um pulo com o movimento brusco, meu coração na garganta.

— Agatha?!

Arregalei os olhos ao ouvi-lo, sendo retribuído pelos seus, que sequer piscaram, congelados em mim como se visse um fantasma. Seu peito subia e descia, o resto do corpo todo imóvel feito uma estátua.

— Sou eu — sussurrei, em resposta, esperando alguma reação.

Quando achei que a situação não poderia ser mais perturbadora, ele continuou olhando para mim na expressão horrorizada e congelada, como se sequer me enxergasse ali. Eu me perguntava se ele realmente havia acordado quando o vi piscar e o rosto se contorcer em uma careta de dor.

Senti meu coração se romper dentro do peito.

— Alex...

Ele levou as duas mãos ao rosto, em parte limpando-o, em parte tapando-o, e eu pude ouvir como tentava segurar o choro sem sucesso algum.

Deitei de volta na cama, me acomodando para puxá-lo para mim, mas ele compreendeu o que eu tentava fazer e o fez por conta própria. Apoiou o rosto na curva do meu pescoço e eu o abracei rapidamente, dando meu braço direito para que ele usasse de travesseiro desta vez. Senti-o passar o braço pela minha cintura e me abraçar de volta.

— Tá tudo bem — sussurrei, afagando suas costas ao ouvi-lo chorar baixinho, de forma engasgada. — Foi só um pesadelo, você tá bem agora — garanti, deixando beijinhos em seus cabelos da maneira como ele fez comigo o dia todo.

Levei a outra mão para o seu rosto e me surpreendi de ver que estava todo molhado, pelas bochechas, pelos fios de cabelo perto das orelhas, pelo pescoço. Não havia visto as lágrimas no escuro e deviam estar rolando há mais tempo antes que eu acordasse. Meu peito apertou ainda mais, achando aquele som dolorido o mais triste que havia ouvido em muito tempo e desejei poder transferir o que ele sentia para mim.

— Eu tô cansado — murmurou ele, a voz rouca, quando o choro cessou minimamente. — Tô cansado de sonhar com isso — admitiu e o choro recomeçou. — Por que os pesadelos não param?

Aquilo me deixou angustiado por motivos diferentes.

Primeiro, porque aquilo me pegou de surpresa, havia uma parte do Alex que eu não conhecia muito bem e também não sabia como conhecer, já que compunha uma parte dolorosa para ele. Segundo, porque o Alex ter pesadelos com a irmã não era uma novidade para mim, mas a maneira como falou deu a entender que acontecia muito mais do que eu imaginava. Terceiro, porque aquilo era obviamente uma ferida ainda aberta e para que ele sonhasse tantas vezes devia doer mais do que eu também supus um dia.

Estalei um beijo em sua testa, acomodando-me mais contra ele.

— Eu não sei — sussurrei, embora sentisse que ele não estava realmente perguntando a mim, mas a ele próprio. — Mas... Eu também tinha pesadelos e encontrei uma forma de não ter mais — compartilhei, baixinho, ao tentar não ser completamente inútil ao problema dele.

Alex ergueu os olhos para mim pela primeira vez e eu limpei as lágrimas restantes em suas bochechas e debaixo dos olhos. Ele os fechou pelo carinho por um tempo e logo os abriu outra vez.

— Qual?

Suspirei, lembrando dos meus antigos pesadelos com certa amargura.

Quando eu era criança, eles se resumiam a monstros, perseguição e morte. Quando mais velho, eles eram e ainda são mais focados em terror psicológico, geralmente de ter que fugir de algo e me esconder sem nem enxergar do que se trata. Cada pesadelo é uma batalha de sobrevivência e muitas vezes eu perco.

— Minha porta tem que estar fechada — murmurei e vi quando ele piscou, franzindo o cenho. — As luzes tem que estar apagadas ao ponto de eu não ver nem uma sombra no escuro, de não enxergar nada — numerei, pensando a respeito. — E a música tem que estar tão alta que eu não ouça nem minha própria respiração. — Alex piscou, apenas ouvindo. — Se alguma dessas coisas não tá em ordem, eu durmo muito mal e acordo toda hora ou, se eu tô muito cansado, eu durmo e tenho pesadelos.

Alex ficou alguns segundos me olhando, tempo o suficiente para eu perceber, com satisfação, que o choro havia cessado de vez. Fiz carinho em seu rosto e ele piscou, parecendo voltar à realidade outra vez.

Sorriu um pouco, com doçura, embora a voz ainda soasse estranha pelo choro: — Sempre dormiu mal aqui então?

Sorri de volta, sem jeito, mas dei de ombros.

— Não costumo ter pesadelos na casa dos outros — defendi, baixinho, e ele sorriu mais. — Mas é, eu não durmo muito bem — admiti —, sempre acordo com o mínimo dos barulhos.

Alex tirou um fio de cabelo dos meus olhos, acariciando meu rosto de forma semelhante a que eu fazia nele.

— Isso é dizer muito sobre quem dorme feito uma pedra — disse ele, e eu assenti, meio sem graça. — Da próxima vez, eu apago a luz de fora antes da gente dormir — prometeu, referindo a luz que vinha da varanda, permitindo que a gente se enxergasse no escuro.

Quis sorrir, mas a voz fanha dele ainda me deixava entristecido.

— Mas quem teve pesadelo foi você, Alex — sussurrei, vendo que o sorriso dele sumia do rosto.

Ele balançou a cabeça, descartando isso como se não fosse nada.

— Isso só quer dizer que luzes acesas não funcionam pra mim também. Mais motivo ainda!

— Alex...

— Deixa — pediu, selando nossos lábios rapidamente. — Você mesmo disse: já passou, tá tudo bem. Não se preocupa comigo.

Torci o nariz para isso.

— É claro que me preocupo — resmunguei, e ele soltou um riso fraco, roçando o nariz no meu feito um beijo de esquimó.

— Desculpa se te assustei.

— Eu não me assusto tão fácil — sussurrei de volta, devolvendo o beijo de esquimó.

Pela penumbra da luz, vi um sorriso espalhar por seu rosto, enquanto sua respiração aquietava novamente e ele acariciava meus cabelos da mesma maneira como eu acariciava os dele. Fungou algumas vezes, mas já era notável que o choro havia chegado a fim, e sorriu mais uma vez.

Não tirei os olhos dele por um segundo.

— Eu sei — sussurrou, enfim, em resposta.

A voz ainda rouca pelo choro e pelo sono trouxe milhares de significâncias para aqueles duas simples palavrinhas, e eu passei o resto da madrugada pensando nelas.

Acaricionei seus fios escuros e suas costas até que sua respiração pesasse e ele caísse no sono uma vez mais, mas não me atrevi a fechar os olhos. Vigiei-o até que o dia amanhecesse, sussurrando palavras de conforto quando parecia que ele retornava à terra dos sonhos ruins - e ele retornou umas três vezes ainda - até que a respiração acalmasse novamente.

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Com o sol nascendo e refletindo no quarto inteiro, meus olhos pesaram e caí em um sono leve, apertando-o junto a mim para que não acordasse de braços vazios.

*

Eu não via o tempo passar.

Um dia, dois dias, três dias, uma semana.

Se me perguntassem o que havia sido ensinado em aula, sobre o que Mason e Cristina tagarelavam o dia todo, que motivo Ian e Grace arranjaram para implicar um com outro, qual havia sido a piada que fez todos rirem até se curvarem sobre as barrigas, quais os assuntos discutidos nas refeições em casa, eu não saberia dizer.

Tudo o que eu sabia, nos últimos dias, era que eu o esperava na entrada do colégio e que eu o seguia todos os dias na saída, fosse para a casa dele ou a minha. Eu sabia que, quando eu chegava em casa, me atirava na cama e mandava mensagens - quando já não haviam mensagens dele a serem respondidas.

Alex, Alex, Alex.

Manhã, tarde, noite. Sol, vento, chuva. Em casa, na escola, na rua.

Quero dizer, quando é que não havia sido tudo sobre o Alex?

Ser correspondido, no entanto, tão abertamente, fazia tudo ser diferente do que era antes, ainda que sempre houvesse sido tudo sobre ele.

Naquela tarde, depois de sair do colégio, a gente apressou o passo para virar a esquina e não sermos mais vistos por nenhum dos nossos amigos. Ele pegou minha mão assim que ficamos sozinhos, mesmo que um outro aluno com o uniforme do colégio passasse por ali, e a gente caminhou com lentidão até a minha casa.

Eu jamais me acostumaria com isso.

Assim que adentramos no bairro, conversando sobre as matérias e o fim de ano que se aproximava, o assunto se desviou para o que faríamos em seguida. Ao menos, em relação à faculdade ou trabalho.

Ele me olhou de canto com hesitação quando perguntei sobre a faculdade de música.

— Caleb... — começou ele, perdendo o sorriso e a voz por um instante. — Eu não vou entrar pra faculdade. Não neste ano — sussurrou, com uma careta receosa.

Franzi o cenho, perdido.

— Mas... — Tentei lê-lo, mas não consegui. — Você disse isso no ano passado.

Alex suspirou, assentindo, ao balançar nossas mãos juntas.

— Eu sei, mas esse ano foi tão...

Suspirou novamente, desanimado, sem completar a frase. E, talvez sem perceber, diminuiu os passos ao mesmo tempo que eu o fazia.

— Eu não tive ânimo ou força de vontade pra estudar, eu estava... — Mais uma vez, não completou. — Eu fiquei tão puto de ter que repetir tudo de novo que toda vez que eu abria os livros, eu... — Estalou a língua. — Estudar o que eu já havia estudado sem ter a certeza de que ia me ajudar a entrar na faculdade ou não só me deixou mais ansioso. Então eu precisava me acalmar e eu fumava, e eu... — Olhou para mim com um sorriso forçado, dando de ombros. — Eu acabava só fazendo música.

Eu o encarei por um momento, mas acabei assentindo.

Eu sei o quanto aquele ano havia sido ruim, não só para nós dois, mas para ele em específico. Eu vi com os meus próprios olhos o tanto que sua mente andava anuviada e eu não precisava ver além disso para saber que ele não devia ter cabeça para estudar.

No fim, ainda me sentia um pouco mal por haver querido tanto que ele estivesse próximo de mim mais um ano, a despeito do fundo do poço no qual isto o jogaria.

— Se acha que você não vai passar para a faculdade, vai fazer o quê?

Alex soltou um riso nervoso, levando suas mãos para os bolsos da calça - ação que eu já havia percebido se tornar rotineira desde que parou de fumar, para pegar o cigarro e o isqueiro, antes de perceber o erro e optar por só contorcer os dedos em movimentos frenéticos.

Por fim, tornou a levar a mão esquerda à minha e enlaçá-las outra vez.

— Eu já dei uma pesquisada, e eu sei em que locais eu poderia trabalhar em MC — fala, referindo-se a Mallow Coast. — Eu fiz algumas ligações e falei com uns contatos de conhecidos por lá. Tem alguns bares e locais abertos ao público que poderiam me aceitar mesmo sem experiência como músico. Tenho um amigo — fala, mas faz uma careta pelo adjetivo —, bom, um moleque que costumava ser meu amigo, que é gerente de um bar famoso de lá.

Arqueei as sobrancelhas, aquilo me pegando de surpresa.

— Você ainda conversa com eles?

Alex fez uma careta novamente, como se essa não fosse a palavra certa para o que ele fazia.

— Ah, eu tenho todos nas redes sociais, você sabe. — Assenti. — Só que da metade do ano pra cá eu tenho procurado por eles por ajuda, basicamente, já que eles conhecem melhor a cidade agora do que eu. — Outra careta ao pensar a respeito, antes de continuar, em tom mais baixo: — Eu não queria pedir nada de ninguém, mas eu não tô em condições de ser orgulhoso. Eu só preciso ter tudo certo para que eu não precise ficar tanto tempo aqui depois da formatura.

Mordi os lábios, assentindo, os olhos presos nos meus próprios tênis ao caminhar.

Faltava menos de dez dias para outubro e, tendo em vista que o período de provas seria na primeira semana de dezembro, isso nos dava cerca de um mês e meio juntos. Talvez dois meses, quase três, se ele ficasse dezembro inteiro aqui com a gente - e eu gostaria de supor que sim, já que a formatura do ensino médio do colégio sempre acontecia ali pelo final de dezembro - e também ficasse parte de janeiro também, nas férias - o que eu já achava improvável, para ser sincero. Dois meses, no máximo.

Era pouco tempo.

Muito pouco tempo.

— Mas... — emendou ele, rapidamente, ao apertar a minha mão. — A gente não precisa falar disso. Desculpa. — Parou de caminhar subitamente, com a expressão culpada, ao se virar para mim. — Caleb?

Pisquei, balançando a cabeça, e forcei um sorriso. — Não tem problema.

— Caleb...

— Eu só ia dizer que — interrompi, inspirando fundo —, você sabe, o meu cunhado também é de Mallow Coast. Eu sei que ele se mudou pra Lydris, mas a família dele é importante por lá. — Sorri fraco, com os olhos nos seus. — Se você precisar de algo, eu tenho certeza que eles não vão hesitar em ajudar.

Eu sei que existem partes egoístas em mim, mas eu não sou uma pessoa egoísta. E mesmo que eu me permitisse ser, eu não conseguiria ser egoísta com ele.

Eu estive na área VIP, assistindo na primeira fila o tanto que ele havia sofrido no ano que se passou. Eu o assisti, literalmente, definhar até a imagem cansada que eu via agora durante os últimos meses, como se ele fosse qualquer pessoa que não apenas um adolescente. E isto era algo que eu jamais gostaria de assistir novamente.

E eu não sou bobo, eu já entendi que mesmo vendo-o sorrir ao meu lado nos últimos dias, mais do que o havia visto sorrir o ano todo, não apagava nada da dor acumulada ali dentro. E também não dissipava sua vontade de abrir as asas e voar para longe, livre como tanto gostaria de ser, para poder se curar longe daqui.

Se eu pudesse pagar para assisti-lo compôr o próprio espetáculo do jeito que queria, na liberdade que merecia, ao invés de ser marionete no espetáculo dos outros, eu o faria sem pensar duas vezes.

— Vem aqui — murmurou ele, depois de me encarar com tanta ternura que achei que fosse morrer. Me abraçou apertado, estalando um beijo no meu ombro. — Você é um anjo, obrigado.

Sorri, retribuindo o abraço ao me enfiar meu nariz na dobra do seu pescoço. — Você merece.

Alex me afastou de súbito, com os olhos entusiasmados e um sorriso de orelha a orelha. Colocou ambas as mãos em meus ombros para falar, os olhos sequer piscaram para que eu mantivesse os meus ali.

— Sabe, eu... Desde semana passada, eu tenho pensado nisso mais a fundo, e pesquisado mais, e... — Ele me soltou nervosamente, animado com o que estaria prestes a falar, usando as mãos para gesticular. — Esse bar, que meu amigo trabalha — mencionou e eu assenti —, se eu tocasse lá, eu poderia ganhar um dinheiro bom. Eu não queria pedir nada de nenhum deles, mas, com um emprego bom e um lugar simples pra ficar, eu poderia visitar com frequência. — Pisquei, mas mal tive tempo de processar antes que ele continuasse: — Eu estive pensando em outros lugares para ir, sabe, além de MC, mas lá é tão pertinho daqui. É a cidade praiana mais próxima que seja grande e que tenha as oportunidades que preciso, mesmo que já não fosse minha primeira opção por motivos de apego.

Pisquei, minha mente zerando, e sequer ouvi direito o demais.

— Você pretende visitar com frequência? — perguntei, lentamente, para ter certeza de que havia ouvido certo.

Alex arqueou as sobrancelhas.

— Claro — concordou, sem hesitar.

Meu coração quase saiu pela boca, e eu não quis nem adivinhar que tipo de expressão de bocaberta eu fazia. E, quando eu continuei encarando-o feito um imbecil, ele mudou a expressão rapidamente, como se compreendesse minha confusão. Aproximou-se mais, pegando minhas duas mãos nas suas, e me sorriu com afeição.

— Você... — começou, baixinho, mas se impediu novamente. — Caleb, você mudou as regras do jogo. É claro que, depois de ter você comigo, eu não poderia simplesmente ir embora sem olhar pra atrás — evidenciou, como se fosse óbvio. — Caleb, você é... — Eu vi seu pomo de adão subir e descer antes que sua expressão suavizasse e ele apenas sorrisse. — Você é muito, muito, muito importante pra mim.

Senti os olhos marejarem antes que eu pudesse identificar tudo o que sentia, meu coração que parecia haver parado por um instante pareceu haver ganhado vida novamente.

Então foi isso que ele quis dizer com "morrer de amor"?

Fiquei sem palavras.

— Ei — disse ele, divertido, ao chamar minha atenção. Levou uma mão ao meu rosto, me analisando, e eu pisquei rapidamente ao olhar para longe, impedindo que lágrimas se concretizassem. — O que é isto? — perguntou, com um risinho, mas eu dei um tapa na sua mão. — Você devia saber que as coisas haviam mudado.

— Não assim — admiti, e ele balançou a cabeça de um lado ao outro, desacreditado.

Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, Alex se inclinou e me roubou um beijo, o que raramente fazíamos na rua, mas foi tão rápido que não tive a chance de retrucar.

Não pude retrucar tampouco, com a carinha de traquineiro que ele me dirigiu depois, as mãos nas próprias costas, como se não houvesse aprontado. Sorri para isto, e ele deu de ombros, voltando a caminhar e me oferecendo a mão para as enlaçarmos novamente.

— A gente dá um jeito — concluiu ele, como se aquilo não fosse nada, para encerrar o assunto. Parecia ter total certeza disto, tanto que não havia resquício algum de preocupação ou dúvida em sua voz. Haviam essas duas emoções quando dizia respeito a encontrar um lugar naquela cidade, a encontrar um emprego, a se formar no colégio, a deixar seus pais para trás sem problemas. Mas quando dizia respeito a nós dois, a gente daria um jeito.

Aquilo me comoveu mais do que eu imaginava.

Meu coração, que já parecia estar travando ultimamente com tanta montanha russa, mais uma vez pareceu indicar que eu morria de amor. E eu amei a expressão, amei que ela havia sido feita por ele, amei a sensação. E eu o amei, como sempre, um disco repetitivo.

Ainda me sentindo um tanto anuviado, sabendo que meu processador lento - honestamente, só parecia ser lento referente ao Alex - demoraria o dia todo para digerir essa informação, fiquei calado por alguns instantes ao caminhar ao seu lado.

— Eu tinha a impressão que você não tinha muita coisa planejada — limitei-me a falar, baixinho, ainda preso nas palavras dele.

Alex suspirou, assentindo, e eu ergui os olhos para ele, fingindo que eu era capaz de conversar sobre qualquer coisa com as borboletas dançando samba na minha barriga.

— É que... Eu evito falar sobre isso — confessou, com uma careta, como quem se desculpa. — Eu sei que me mudar daqui não é tão fácil para vocês, especialmente para o Ian. E com você, pra ser sincero, eu evitei trazer à tona neste ano para evitar mais conflitos entre nós dois. E na última semana, bom, eu nem pensei no assunto porque minha cabeça tava meio longe de qualquer coisa que não fosse você.

Deu de ombros, sorrindo adoravelmente, e eu quase morri outra vez.

Mas então digeri suas palavras anteriores e murchei um pouquinho. Ele havia evitado conflitos comigo o máximo que pôde, mesmo quando se tratava de conversar sobre algo que ele queria tanto, como sair da cidade.

— Me desculpa — pedi, a culpa me atingindo.

Mas ele sequer diminuiu o passo, minha casa já visível de onde estávamos, apertando minha mão ao chamar meus olhos para ele.

— Pelo quê? — perguntou, sorrindo com leveza, antes de balançar a cabeça de um lado ao outro. — Eu também não fui um santo. — Mas senti que o vinco entre minhas sobrancelhas continuava ali, então ele suspirou. — Esse ano foi... — Pensou em uma palavra adequada. — Ruim para a gente, não é?

Para dizer o mínimo, pensei, conseguindo sorrir um pouco, mas sem muito humor. Assenti, vendo-o assentir também, mais como um hábito.

— Não mais — continuou, firme, os olhos pretos presos nos meus. —Não é? — questionou, um vislumbre de um sorriso, e eu sorri mais abertamente desta vez. — Não mais.

Alex beijou os nós dos meus dedos ao levar nossas mãos unidas aos lábios e olhou em frente com a cabeça erguida, como se realmente deixasse tudo aquilo para trás.

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Por um tempo, eu realmente acreditei.

*

— Vai, me conta?

— Não.

Quando chegamos na minha casa, não tinha ninguém, então não me importei de ficar na sala com ele. A gente ligou a televisão e deixamos rolar um filme que já estava pela metade, mas não importava, porque nenhum de nós sequer prestava atenção.

Alex é tagarela por natureza, ele não sabe assistir filme feito gente normal. Mas eu também não estava a fim de prestar atenção, então não podia julgá-lo.

Ele se inclinou na minha direção mais uma vez, apoiando o queixo no meu ombro. — Vamos, Caleb, me diz o quanto que você gosta de mim.

Me inclinei para longe, desvencilhando-me dos seus braços, ao pegar o Waltney que estava no outro sofá e jogar na cara dele. — Não.

Alex aproveitou que eu havia me inclinado para trás para me manter assim, empurrando-me até que eu estivesse deitado e ele por cima de mim outra vez. Dobrei as pernas contra o peito para tentar chutá-lo para longe, mas ele segurou meus dois tornozelos e os empurrou para os lados, basicamente abrindo as minhas pernas sem a menor vergonha na cara.

— Alex! — gritei, sentindo todo o sangue do corpo subir para o meu rosto

Ele apenas riu, soltando minhas pernas e jogando-se em cima de mim para deixar um beijinho no meu nariz. No mesmo instante, Magic apareceu correndo como se sua vida dependesse disto, parando ao nosso lado e latindo na cara dele.

— Tá tudo bem, garoto — garantiu ele, para o cachorro, quase que de forma didática. — Não vou machucar seu pai.

Magic não pareceu acreditar na cara dele, latindo outra vez com os olhos onde nossos corpos se encontravam, não gostando do que via. Eu ri e estendi a mão, fazendo carinho nele rapidamente, e só então ele se sentou e abanou o rabo, satisfeito.

— Tá tudo bem, garoto — repeti o que ele havia dito, acariciando as orelhinhas caídas. — Bom garoto.

— Ultrajante!

Gargalhei, empurrando Alex novamente, mas ele me venceu, abrançando-me feito um urso de pelúcia. Olhou para mim com olhinhos de cachorro abandonado.

— Vamos, por favor? — tornou a pedir, antes que estreitasse os olhos pretos. — Você nem tinha dito com todas as letras.

Suspirei, buscando apoio em Magic, mas ele já havia deixado aquela conversa, erguendo-se para se deitar no sofá ao lado, que já havia feito dele a despeito dos gritos da minha mãe. Voltei os olhos para Alex e fiz carinho em sua orelha de forma parecida que fiz com o Magic.

— Eu gosto de você, Alex — admiti, baixinho, vendo o rosto iluminar-se no mesmo instante. Ele me apertou ainda mais contra ele, um indício de sorriso brincando em seus lábios.

— Quanto?

— Muito — respondi, sem pensar duas vezes.

Alex abriu o sorriso mais lindo do universo.

— Desde quando? — insistiu, em seguida.

Engoli em seco, pensando um pouco se falava a verdade ou não. Alguma coisa dentro de mim ainda queria me proteger de toda a exposição, de pôr o coração para fora. Alguma coisa queria enfiá-lo de volta ao meu peito e resguardá-lo ali, onde estava seguro.

Ainda assim, respondi: — Desde sempre.

Alex se afastou, erguendo o corpo para me olhar melhor, com ceticismo.

— Você só tá dizendo isso porque é o que quero ouvir? — perguntou, estreitando os olhos, mas a expressão suavizou no instante seguinte. — Tá me paparicando, é isso? — Sorriu largamente. — Ok, mas então faça direito.

Alex, então, deitou o rosto no meu peito e aconchegou-se ali, no mínimo espaço entre meu corpo e as costas do sofá, praticamente todo o corpo em cima de mim. Em seguida, pegou minha mão direita e levou-a ao seu cabelo para que eu fizesse cafuné.

Obedeci, em silêncio e, depois de ponderar se realmente queria saber ou não, devolvi a pergunta: — E você, desde quando?

Alex deu de ombros. — Desde sempre.

Torci o nariz, o gosto amargo que sempre me vinha à boca ao lembrar daquele imbecil - ou dos outros imbecis - retornando.

— Mentira — acusei, usando a mão que afagava seu cabelo para puxar uma porção deles sem muita força. — Você tinha mais alguém.

Eu não podia ver seu rosto, mas tinha certeza que ele havia revirado os olhos. — Mais alguém — repetiu, estalando a língua. — Eu era jovem e ingênuo e carente — listou, parecendo estar bastante familiarizado com as palavras escolhidas, e ponderei se ele pensava muito naquilo. — Eu não sabia o que sentia, eu só pensava que...

Suas palavras foram diminuindo até sumir e então, subitamente, ele espalmou uma mão no meu peito para apoiar-se e levantou o tronco para me olhar. Pisquei, arqueando as sobrancelhas, enquanto ele me analisava com uma expressão desconfiada.

— Você... — começou, mas se interrompeu. Me analisou por mais um instante. — Caleb, eu não tô me aproveitando, né?

Franzi o cenho, tentando seguir seu raciocínio, mas logo entendi.

Tentei não me ofender com seu pensamento de que talvez eu também fosse alguém jovem, ingênuo e carente que não sabe exatamente o que sente, e focar no que parecia incomodá-lo ainda mais.

— Como o Dean? — perguntei, vendo-o hesitar, como se não esperasse que eu percebesse a comparação que ele fazia. — Você não é nada como ele.

Sua expressão suavizou, mas uma ruga ainda permanecia entre as sobrancelhas escuras. — Você não o conheceu.

— Eu conheço você.

Alex me encarou por um instante, alguma coisa brilhando nas íris escuras que me enchia de alegria, antes de quebrar o olhar intenso e voltar a se aconchegar no meu peito, satisfeito com a resposta.

Ficamos um tempo assim até que eu acrescentasse, porque não pude me conter: — E eu não sou carente.

Alex deu um risinho, como se esperasse um comentário assim.

— É, dizem que os opostos se atraem — apontou ele, alegre, roçando o nariz no meu pescoço feito um cachorro. — E eu sou bem carente mesmo.

Fez cócegas, então eu ri feito um idiota e tentei afastá-lo, mas ele não se importou com as súplicas. Só parou para me beijar e, com as bochechas doendo pelo riso, não reclamei e retribuí sem pensar duas vezes. Ele sorriu contra os meus lábios, me abraçando de maneira pouco acomodada, visto que estávamos os dois esmagados em pouco espaço no sofá.

Eu gostava de beijar o Alex, porque podia fazer aquilo o dia todo sem me cansar. E eu sabia que beijar era algo bom desde a primeira vez que experimentei, com outra pessoa, além de saber que beijar o Alex era mil vezes melhor, desde a primeira vez que experimentei com ele. Mas beijar era aquele tipo de coisa que só parece ficar melhor com o tempo - você acha que vai enjoar depois que não é mais coisa nova, mas isso parece impossível.

Nós ficamos ali por um bom tempo, o suficiente para o filme acabar e outro começar no lugar dele. Mas o Alex estava começando a ficar impaciente e inquieto com o que, eu supus, fosse o desconforto do pequeno sofá, nada parecido com os gigantescos da sua casa. Fazia sentido, afinal, era eu que estava perfeitamente deitado e confortável ali, enquanto ele tentava achar uma posição que não fosse incômoda para ele.

Em algum momento, ele se levantou do sofá, desgrudando a boca da minha pela primeira vez no que pareceu ser muito tempo. Dirigiu-me um olhar traquineiro e logo estendeu as mãos para me puxar com força.

— Alex! — berrei, quando ele praticamente me jogou por cima do ombro com um riso.

Desta vez, Magic apenas resmungou no meio do sono e continuou a dormir, ignorando o que acontecia à sua volta. Alex pareceu satisfeito, me levando até o quarto, e me jogou na minha própria cama, jogando-se em cima de mim logo em seguida.

Argh — reclamei, pelo peso, mas ele me ignorou. — Pra que me trazer no ombro feito um brutamontes? Era só ter pedido que eu viria — retruquei, afastando-o para julgá-lo com o olhar.

Alex fez a melhor pokerface que conseguiu, e só respondeu: — Mas assim não tem graça.

— Idiota.

Alex sorriu predatoriamente ao me olhar e eu não tive chance de fugir antes que ele me abraçasse outra vez e me enchesse de beijos. Ri outra vez, mas os beijos logo perderam a graça ao passo que subiam pelo meu pescoço.

Apesar da cama ser de solteiro, ela era bem mais espaçosa que o sofá, então ele ficou à vontade o suficiente para se esparramar em cima de mim. Encontrou minha boca com a sua sem perder tempo algum, aprofundando o beijo, como se continuasse de onde paramos antes.

Só que havia um motivo para a gente ter ficado na sala em um primeiro lugar e eu começava a me lembrar dele quando seu corpo pareceu grudar-se ainda mais no meu. Minha cama era confortável, e seus beijos também, e a maneira como a gente parecia simplesmente achar um jeito de encostar cada parte do corpo um no outro era automática, quanto mais confortável ambos estávamos.

Comecei a ficar tenso quando minha mente começou a anuviar.

— Por que você fechou a porta? — perguntei, sem fôlego, quando consegui me afastar minimamente.

— Pra gente ganhar tempo para se desgrudar quando sua mãe chegar — respondeu, entre beijos, desviando-os para o meu pescoço.

— Só por isto? — insisti, os olhos presos na madeira da porta. Alex apenas ronronou no meu pescoço, sem desgrudar de mim. — Alex?

Por fim, ele assentiu, deslizando a língua próximo à minha orelha, o que fez arrepiar meus pelos dos pés à cabeça. Fechei a mão em sua camisa por instinto, os pelos da minha nuca eriçados quando me encolhi minimamente.

Alex soltou um risinho, se afastando para me olhar melhor. Senti as orelhas arderem pela análise que ele fazia, os olhos se prendendo nos meus lábios que formigavam e voltando para os meus olhos alargados. Então, um sorriso diferente curvou-se em seus lábios.

— Por quê? — perguntou, divertido. — Acha que eu tenho más intenções?

Pisquei, ainda tentando acalmar minhas batidas cardíacas. Não sorri como ele, mas respondi com honestidade: — Acho.

Alex gargalhou e eu franzi o cenho pelo atrevimento. Mas, antes mesmo que o riso acabasse, ele pegou meus pulsos com as ambas as mãos e os ergueu acima da minha cabeça. Arregalei os olhos instintivamente, sentindo-me ultrajado de todas as maneiras possíveis. Tentei baixar as mãos mas ele foi mais forte do que eu.

Todo o sangue do meu corpo subiu para o rosto, ao passo que me sentia um misto de envergonhado até a medula e furioso pelo embaraço. Quis estrangulá-lo bem ali mas não consegui nem abrir a boca de tão chocado que estava.

Quero dizer, aquela posição me fazia sentir aprisionado, exposto, indefeso, vulnerável. Era quase que uma manifestação física do que se passava dentro de mim quando eu estava com ele.

Fechei a cara, tentando dizer com o olhar o que minha boca não conseguia pronunciar no momento: me solta.

Aquilo era exposição demais e eu não havia assinado embaixo.

— Tá com medo de quê? — perguntou, a expressão divertida dando lugar a uma pervertida. Cutucou-me na cintura. — Hum?

Eu não tinha medo dele nem nada parecido, eu só estava desacostumado. Com isto que a gente tinha, com os beijos, os abraços, os risos e brincadeiras bobas — e a maneira rápida como passávamos de uma coisa para outra em menos de cinco minutos. Eu estava desacostumado a me sentir assim.

E bom, é, talvez este descostume me desse um pouco de medo, especialmente ao senti-lo todo por sobre mim quando sei que eu me derreto junto do meu cérebro, do meu raciocínio e da minha dignidade. Era sempre assim quando estávamos juntos, e sozinhos, e eu ainda não estava preparado para me deixar tão desprotegido perto dele.

Não é que eu não gostasse, era todo o contrário - embora eu odiasse, sim, a posição em que estávamos no momento, e eu não vou elaborar todos os motivos para odiá-la. Mas, fora isso, ele havia acertado: a ideia de ficar sozinho com ele me dava medo.

Mas não era medo dele, nunca seria medo dele.

Como eu não respondi, ele soltou um riso, libertando meus braços que, instantaneamente eu puxei para a segurança do meu próprio peito com um olhar assassino dirigido a ele. A diversão nos olhos pretos seguia ali quando ele deixou seu corpo cair para o lado, puxando o meu junto, sem deixar de me abraçar. Deitou o rosto na palma da mão, apoiando seu próprio peso com o cotovelo novamente, e me sorriu.

— Caleb, eu adoraria tirar proveito de você — revelou, e eu pisquei, vendo-o soltar um risinho —, mas eu não posso. Gosto demais de você pra isso — completou, como se isso fizesse sentido, e eu uni as sobrancelhas em desagrado. — Então, relaxa, vem aqui. — Me puxou, tentando fazer com que eu me encaixasse nele novamente, e com um riso, garantiu: — Você tá à salvo.

Pisquei, tentando compreender o que ele dizia.

Que merda isso quer dizer?

Evitei bufar, pensando que não era possível que, depois de tudo o que passamos, ele ainda me tratasse da mesma maneira anciã que me tratava quando ele tinha a minha idade. Eu não sou mais criança, e ele pode ter dezoito, mas Alex é tudo, menos um adulto.

Inclinei meu rosto para trás, sua tentativa acabando frustrada.

— O que isso quer dizer? — verbalizei, o cenho franzido, incapaz de elaborar melhor uma pergunta.

Alex piscou, confuso, mas então algo passou por seu rosto que lhe fez soltar um riso engasgado. Aproximou o rosto um pouco mais do meu, e a cada milímetro, minhas sobrancelhas uniam-se mais em desgosto.

— Ora, não é do teu agrado? — gracejou, perto o suficiente para roçar o nariz no lóbulo da minha orelha. Encolhi o ombro direito, ouvindo mais um risinho, ao passo que eu perdia a pose desgostosa no mesmo instante. — Quer que eu me aproveite de você?

Pisquei, envergonhado que houvesse soado desta forma.

— Não foi... Não foi isso que eu disse — garanti, tropeçando nas palavras, o que foi ainda mais vergonhoso.

Uhum — concordou, sem acreditar em uma palavra.

Alex aproveitou a deixa para subir em cima de mim novamente, desta vez, com uma perna de cada lado do meu corpo e as mãos apoiadas em cada lado de onde meu rosto estava. Estava praticamente sentado por sobre mim - o que eu tentei não pensar muito sobre - e sorriu de canto.

— Caleb — murmurou, o rosto pairando sobre o meu, e soltou um risinho —, não é que eu queira te assustar nem nada parecido, mas... — Mordeu o lábio, o que fez com que meus olhos descessem para ali. — É bom que você saiba o que tá dizendo pra mim.

Engoli em seco, sem conseguir tirar os olhos da sua boca. — Como assim? — murmurei, a cabeça vazia.

Alex inclinou o rosto para o lado e eu ergui os olhos para as orbes escuras divertidas, como se achasse graça em me ver tão deslocado. Ele deixou um beijo rápido nos meus lábios, aproximando o rosto do meu.

— Se você der a entender que quer que eu me aproveite de você tanto assim — murmurou, contra a minha boca —, é bom que tenha certeza do que faz, porque vão haver consequências.

Pisquei, atordoado, e acabei apoiando as duas mãos nas suas coxas como um reflexo.

— Mas, Alex — sussurrei, franzindo o cenho —, isso nem faz sentido. — Alex afastou um tanto o rosto para me ver melhor, unindo as sobrancelhas em confusão. Pisquei também, sério, ao pensar nas suas palavras. — Como pode ser que você se aproveite de mim se eu tô aqui por vontade própria?

Sua expressão suavizou, embora um brilho diferente tenha aparecido nos olhos escuros. Ele se afastou, sem tirar os olhos dos meus, até que estivesse, literalmente, sentado por cima de mim. Inclinou o rosto quase imperceptivelmente para o lado, uma seriedade refletindo a minha, embora algo destoasse no seu olhar.

— Tá dizendo que eu posso fazer o que eu quiser com você? — questionou em um tom baixo, mas eu me senti arrepiar dos pés à cabeça da mesma forma. — E que, se eu fizer o que quiser, você vai aceitar de bom grado? É isso?

Engoli em seco, mas assenti o que era óbvio. No fundo, queria ter acrescentado: você sempre pôde fazer o que quisesse de mim, mas achei que algumas coisas podiam ser privadas.

Isto, no entanto, acabou quebrando toda a tensão no ar. Pisquei, vendo como Alex saía da pose de predador ao passo que um sorriso meigo brotava em seu rosto e logo outro riso divertido.

Balançou a cabeça de um lado para o outro em descrença.

— Você não tem nenhuma noção do perigo, hein, Caleb? — ralhou, com diversão, estalando a língua. — Não sei se eu fico admirado ou preocupado com isto.

Torci o nariz. — Besta — resmunguei, e ele riu. — Como se você fosse muito perigoso — debochei, rolando os olhos.

Com incredulidade no olhar e um sorriso de quem sabe mais sobre a vida, Alex balançou a cabeça de um lado ao outro mais uma vez, mais lento que da primeira.

— Você diz que eu posso fazer o que eu quiser com você, mas não sabe o tipo de coisa que eu quero fazer com você — pronunciou, palavra por palavra, enfático. Arqueou as sobrancelhas com meu silêncio, os olhos sem sair dos meus. — Sabe?

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Tenho certeza que todo o sangue do meu corpo subiu para o meu rosto pela maneira como começou a queimar. Reprimi a vontade de esfregar minhas próprias orelhas ardidas.

Não, eu não sei exatamente, mas várias imagens foram trazidas à minha cabeça como uma demonstração das possibilidades.

Resisti à tentação de perder toda minha compostura, no entanto, e me forcei a sustentar a intensidade do seu olhar. Meus pulmões sofreram com isto, porque é muito difícil fingir estar respirando normal quando o ar parece rarefeito à sua volta.

Para ser sincero, eu realmente senti ali que estava mesmo brincando com fogo e que não devia ter noção alguma do perigo, como me foi informado, mas não podia perder a compostura agora.

— Pois é — continuou ele, na ausência de uma resposta. — Então não ofereça coisas que não...

— Eu não me importo — interrompi, e ele arqueou as sobrancelhas. — Mesmo que eu não saiba, eu confio em você.

Alex ficou o que pareceu uma eternidade em silêncio, e eu quase podia ver a tela azul em seu olhar, o que me fez esconder os lábios para não rir. Quando eu o fiz, ele soltou uma espécie de gemido ou grunhido antes de fechar os olhos em desalento.

— Caleb, eu tô tentando te ajudar aqui — resmungou, e eu ri.

Quando ele abriu os olhos, meu sorriso desvaneceu rapidinho antes que ele se aproximasse tão rápido que quase me sobressaltei. Segurou meu rosto pelo queixo com uma mão, pressionando minhas bochechas e eu senti meus lábios automaticamente formarem um biquinho involuntário, embora ele não tenha posto força para machucar - apenas machucar meu ego ao imaginar como deveria estar minha cara agora.

As orbes escuras sustentaram as minhas quando ele pediu, baixinho: — Não fale coisas assim para ninguém mais. — Pisquei, e ele soltou meu rosto, os lábios nos meus em um beijo singelo. — Tá bom?

Assenti, rapidamente, sem pensar duas vezes. — Tá bom.

Apesar da áurea do quarto me fazer arrepiar, ainda assim Alex também fez meu coração ficar quentinho.

Ele sorriu em seguida, assentindo também, e roçou a ponta do nariz no meu, com carinho. Tomou meus lábios em um beijo lento, uma das mãos em meus cabelos, e eu soltei um suspiro involuntário. Meus olhos fecharam-se por conta própria, mas mesmo não podendo vê-lo, eu o sentia em cada toque.

Podia ser um tanto agressiva, para alguém como eu, a maneira como ele metralhava palavras e gestos significativos o tempo inteiro. Eu podia me afogar neles, em seus olhares, suas ações, seus toques, suas palavras, todas carregadas de intensidade, praticamente jogadas para fora dele com brusquidão.

Mas não havia nada brusco ou agressivo na maneira como me beijava.

Não importava que, segundos antes, Alex me olhasse de maneira tão intensa e primitiva que eu poderia me quebrar sob seu olhar, que dissesse palavras tão indiretamente indecentes, nem que subisse em meu colo da maneira mais indecorosa do mundo. Não importava a agressividade intensa de todas as coisas brutas que ele sentia, desde afeto até todo o embaralho de sentimentos pecaminosos que no fundo eu sabia que nós dois sentíamos um pelo outro. Quando eram dirigidos a mim, esses sentimentos jamais chegavam em mim com a mesma intensidade que saíram dele, e me atingiam como um roçar carinhoso em minha pele.

Eu não sei que espécie de filtro emocional que Alex tinha, mas eu o amava por isto. Passados minutos falando sobre como tirar proveito de mim e em como era um perigo para alguém como eu, passados minutos me olhando de maneira tão intensa que podia muito bem haver tirado o ar dos meus pulmões, me beijava com tanta ternura que eu podia derreter.

Alex moveu as pernas nas quais minhas mãos se encontravam e de alguma forma conseguiu fazer o contrário e encaixar-se entre as minhas. Quis sorrir por isto, porque agora eu me sentia mais próximo dele, visto que todo o seu tronco estava aconchegadamente colado no meu e eu pude abraçá-lo outra vez. Sua língua deslizava na minha com tanta mansidão que eu comecei a esquentar mais uma vez, embora desta vez não fosse por vergonha.

Como se tivessem vida própria, minhas pernas se abriram mais para encaixá-lo, rodeando sua cintura. O beijo molhado havia, então, se deslocado para o meu rosto ao passo que ele deixava beijos gentis da minha mandíbula ao meu pescoço e ali é que se tornaram um tanto censuráveis, ao passo que seu braço circundava minha cintura, entre meu corpo e o colchão.

Embriagado pelo que ele me fazia sentir, só consegui querer mais e mais, deslizando as mãos por suas costas até sentir as omoplatas nas mãos e puxá-lo para ainda mais perto.

Quando minha respiração começou a arrastar-se pela dificuldade em desempenhar essa ação, e um pânico começou a formar-se dentro de mim pelos sentimentos novos, um som característico reverberou pela casa.

O portão.

Nós dois paramos instantaneamente, mas um segundo depois, Alex continuou o que fazia, desta vez, trazendo os beijos de volta à minha boca. Seus olhos também me encaravam, semi abertos, e eu podia jurar que falavam por conta própria.

— Alguém chegou — consegui formular, em um murmúrio, meu cérebro liquefeito.

— Deixa — murmurou de volta, passando a língua nos meus lábios. — Só mais um pouquinho — sussurrou, e algo me disse que ele não dirigia o pedido a mim mas a quem houvesse chegado, logo tornou a me beijar.

Sua língua uniu-se à minha mais uma vez e eu apertei sua camisa contra os dedos, sentindo-me arrepiar. Havia algo quase obsceno na maneira como ela deslizava na minha, que fazia formigar meu estômago - e partes que não devia! - e o meu senso de perigo, como Alex havia dito, começar a gritar. Algo que me fazia sentir constrangido, sem que nada precisasse ter acontecido.

Empurrei seu peito para longe, os lábios se desfazendo dos meus e me deparei com os olhos escuros. Sentia meus próprios olhos arregalados pelo pânico, mas pisquei, tentando não parecer tão apavorado assim.

Alex não havia feito nada além de me beijar e eu já estava sem fôlego.

O pensamento fez minhas orelhas arderem mais ainda.

Alex ainda piscava lentamente, como se estivesse tão embriagado quanto eu, de volta à normalidade aos poucos. Os olhos se abriram mais ao me observar e, como eu não me pronunciei depois de afastá-lo, um sorriso preguiçoso tomou seus lábios.

— Não me entenda mal, Caleb — começou, e a voz levemente rouca fez os cabelos da minha nuca arrepiarem —, mas acho que vi você corar mais vezes na última hora do que no tempo todo em que te conheço.

Empurrei-o outra vez, afastando-o um pouco mais de mim, mas o sorriso só aumentou.

— Eu gosto — concluiu, dando de ombros.

Apesar das palavras bestas, as bochechas dele também estavam avermelhadas, mais do que eu também já houvesse visto antes. Elas se aproximaram de mim outra vez quando ele forçou seu corpo para baixo, mesmo com minha mão espalmada ali, com a intenção de me beijar.

— Idio...

Minhas palavras morreram quando prestei atenção na vibração sob minha palma da mão. Alex pareceu confuso, mas eu deslizei os olhos para a camisa amassada sob minha mão, confirmando o que eu pensava, e então voltei os olhos a ele, alargando-os em surpresa.

As batidas de seu coração eram rápidas e erráticas, como as minhas, e contrariavam qualquer estabilidade da sua voz ou suas palavras traquineiras. Eu podia senti-lo como se o segurasse na minha palma, tamanha a força com que batiam contra suas costelas, ao passo que ainda tomavam um tempo para se acalmar.

Exatamente como o meu.

Alex não disse nada, só trouxe uma das mãos que seguravam seu peso para a minha, envolvendo-a da mesma forma que eu sentia envolver seu coração.

— O que sente? — perguntou, apertando minha mão contra o seu peito.

O que mais eu sentiria?

Suas batidas eram fortes e erráticas, retumbando na minha pele como se quisessem dizer algo por conta própria, um reflexo do meu coração. Eu diria que, no mínimo, o que sinto é que ele tem um coração bem saudável, mas sabia que não era isto o que ele queria ouvir. E também não era isto que significava a vibração na palma da minha mão.

Ainda assim, teimei: — Que talvez você precise de um compasso, se tiver algum problema cardíaco.

Alex estreitou os olhos escuros, mas eu vi que os lábios se ergueram nas beiradas, como se não pudesse evitar rir. — Haha — debochou ele, embora os olhos continuassem a brilhar. — Você é meu problema cardíaco e compasso nenhum vai resolver.

Não pude evitar e sorri, vendo-o sorrir abertamente de volta.

Alex era bobo, idiota e brega nas coisas que falava, e eu amava cada pedacinho disto. Mas apesar de conhecê-lo há uns belos três anos, eu não conhecia este lado dele nem que quisesse, e muito menos sabia reagir a ele. Cada palavra bonitinha, capaz de derreter o coração de qualquer um, me pegava desprevenido e eu simplesmente lidava com elas da melhor maneira que conseguia.

Às vezes, nem conseguia.

E algumas das coisas eram difíceis de acreditar, destinadas a mim. Era, de novo - como um disco arranhado -, meu próprio coração querendo se proteger de mentiras, de enganos, de futuras e possíveis dores. Era um mecanismo de defesa, quem sabe, mas eu não o compreendia bem o suficiente para desativá-lo quando ele passava a me atrapalhar.

Torci o nariz em seguida, minha mente voando para lugares desgostosos, listando vários motivos para que eu não aceitasse aquela sentença como uma verdade de pronto.

— Como eu vou saber se não é assim toda vez que você tá com alguém? — verbalizei, tentando manter a voz neutra para não me denunciar mais do que minhas palavras.

Ao invés de revirar os olhos ou suspirar pesadamente, como eu esperava que ele fizesse, Alex foi tomado por uma seriedade incomum. Não estava chateado, bravo ou triste, parecia apenas desprovido de qualquer barreira travessa que pudesse vir com as palavras sinceras que diria a seguir.

— Eu acho que você já sabe — afirmou, em um tom ameno, os olhos limpos de qualquer vestígio de brincadeira. — E o meu coração é prova disto. O que sinto por você, Caleb, não é segredo há muito tempo — murmurou, acariciando meu rosto com ternura. — Talvez nunca tenha sido.

Engoli em seco.

Os guardiões em torno do meu coração baixaram a guarda instantaneamente - até mesmo eles gostavam muito do Alex -, as lanças apontadas para o chão, o portãozinho aberto. Ao menos, foi assim que eu imaginei, sentindo as barreiras se quebrarem à minha volta.

Como é que ele conseguia fazer isto comigo?

Eu podia ouvir a voz da minha mãe ao fundo, ocupada em alguma conversa intensa ao telefone com alguém desde que havia chegado, embora eu só prestasse atenção nela agora.

Sentei na cama rapidamente, vendo-o ajeitar-se também de frente para mim, ainda esperando por algo. Aproximei meu rosto dele, sem ousar piscar para que ele percebesse que eu entendia sua seriedade, meus olhos nos seus.

Eu não sabia me expor como ele, mas gostaria de, ao menos, retribuir a confiança de pôr seu coração para fora ao tentar pôr o meu também.

— Quer ouvir o meu também? — perguntei, baixinho, imaginando que não havia melhor maneira que aquela.

Alex sorriu no mesmo instante, fechando os olhos e passando a mão no rosto, como se não acreditasse no que ouvia. Soltou um risinho e me olhou com tanto carinho que eu achei que tinha falado algo diferente do que planejei, e então puxou meu rosto para deixar vários beijinhos no meu rosto.

— Não precisa — respondeu, entre beijos, soltando risinhos entre eles.

No entanto, eu o afastei.

Observei as íris escuras, prestando maior atenção desde semana passada, podendo ver como se diferenciavam um pouquinho da pupila, achando aquela a coisa mais linda do mundo. Era como um exposed do fato de que as características do Alex eram todas assim: pareciam complexas, mas eram apenas atipicamente singelas, de uma maneira curiosa, disfarçadas de algo de outro mundo.

Quando o conheci, achei que fosse um daqueles garotos ricos que só faz besteiras porque pode - ou porque acha que tem problemas quando não os tem -, que causa preocupação nos pais sem importar-se, que não estuda e tem o cérebro vazio de informações, e ainda consome drogas ilícitas porque acha que isso o faz "legal" diante das amizades superficiais que não significam nada para ele. Um garoto problema como todos os garotos problema.

Parece ridículo, agora, associar essa denominação a ele.

Alex sempre foi uma pessoa bastante singela: ele fala o que sente na hora que sente, fumava porque tem ansiedade, faz besteiras porque isto o faz sentir vivo, vive rodeado de amigos os quais ama de coração, não estuda mas presta atenção em aula e absorve mais informação do que eu fazendo os dois juntos e vive querendo fugir porque gostaria de causar preocupação aos pais mas tudo o que recebe é desdém. Não é difícil decifrá-lo, Alex sempre foi bastante humano, não é nenhum quebra-cabeças impossível de resolver. Se haviam algumas peças faltando para mim era apenas porque ele ainda não estava preparado para compartilhá-las. Alex não é complexo como eu costumava pensar, e seus olhos comumente castanhos - embora atípicos, como ele - ao invés de uma impossível coloração preta, eram prova disto. Ele é bastante singelo, mas o meu erro quando o conheci foi pensar que ele fosse remotamente semelhante a uma pessoa superficial.

Não existe nada de superficial a respeito dele.

Alex carrega a profundidade de um oceano dentro do peito.

Peguei sua mão direita e apertei-a contra as minhas em concha, trazendo para o meu peito.

— Eu sinto o mesmo por você — sussurrei, sério, minha atenção nas orbes singelamente lindas. — Acredita em mim?

Alex assentiu, fazendo carinho no meu rosto com a mão livre.

— Sem pensar duas vezes. E você?

— Sempre.

Naquele momento, eu tive certeza que a expressão "morrer de amor", cuja definição foi criada por Alex, se tornaria tão rotineira na minha vida que eu não me surpreenderia se tivesse mesmo problemas cardíacos no futuro.

E, mais uma vez, de fato, eu morri de amor por Alex.