Made of Stone

XXXV. De todos os universos do mundo - Pt. I


Eu lembro de pensar que estava sonhando.

Lembro de manter minha mente em branco porque, quando você está sonhando e pensa muito na possibilidade de não ser real, você acaba acordando - e acordar era o menor dos meus desejos.

Estar nos braços dele era assustador, mas pela primeira vez desde que o conheci, eu não deixei medo algum me dominar. Foi uma das únicas vezes, durante aquela época, em que eu lutei contra todos os meus sentimentos opressores.

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Talvez porque o Alex realmente me trouxesse essa sensação de que tudo é possível. Essa adrenalina que atravessa meu corpo como se eu fosse invencível e destemido e poderoso. Talvez porque o Alex, sendo tão maravilhosamente o Alex, fazia o risco de me machucar valer a pena. Talvez, ainda, porque eu jamais havia me deixado levar pelo que sinto desta pura forma: sóbrio, em sã consciência, em plena escolha. Jamais havia encarado um medo tão profundo e desviado dele como se não me atingisse. Jamais havia me arriscado tanto assim ou me permitido tão genuinamente.

Bom, eu também jamais havia tentado para saber o que podia acontecer como resultado. Aquela era a primeira vez.

Uma coisa é não encarar os medos porque acha, por pura covardia, que pode se ferrar. Outra, bem diferente, é não encarar seus medos porque sabe, por experiência própria, que pode se ferrar. E era esta mesma experiência própria, da qual eu igualmente queria e temia provar, que me levou aos braços do Alex naquele dia.

Ao menos, depois daquilo eu pude dizer que havia me arriscado, colocado meu peito em frente à bala, e na próxima vez que tive medo, eu tinha aquela experiência própria como motivo para me acovardar. E é evidente que houve uma próxima vez, afinal, eu fui atingido na primeira. O amor não se aprende da primeira vez, são necessárias muitas tentativas. E quem sabe se elas, um dia, acabam?

O que sei é que a primeira fica tatuada na memória.

A lembrança daquele dia em específico, e os demais que passamos juntos, ainda é a mesma. Nós dois, separados do mundo, presos em nosso próprio universo, feito especialmente para a gente. Um universo onde podíamos ser nós mesmos, estarmos juntos e sermos eternos.

Nosso perfeito imperfeito universo, imobilizado no tempo.

*

Eu sou uma pessoa quieta.

Eu posso passar um dia inteiro sem dizer uma palavra e sequer perceber, geralmente quando estou sozinho. Quando em grupo com meus amigos, ainda assim, eu não costumo ser muito falante. São eles que mantém o diálogo acontecendo, criando um tópico de conversa após o outro, e é de costume que sejam eles a me introduzir na conversa, raramente eu o faço por conta própria.

Não é que eu não tenha muito a dizer, ou que eu não goste de conversar, nem que eu não aprecie as minhas companhias. É só que ouvir, prestar atenção e observar, para mim, são coisas que vêm naturalmente.

Alex, no entanto, é uma pessoa falante.

Ele fala pelos cotovelos, não importa o tópico ou seu estado de humor. Ele metralha palavras, sejam bobagens, seriedades ou apenas devaneios. Se ele está muito quieto, só pode dizer que está irritado, nervoso ou angustiado com algo. E, mesmo nestes casos, se ele não está sozinho, ele ainda assim tende a se esforçar para manter uma conversa, jamais completamente calado.

Então, é justo que eu tenha pensado que havia algo de errado.

Alex me abraçou e não pronunciou uma única palavra na última meia hora.

Nenhuma sequer palavra.

Eu devo estar sonhando.

— Você tá bem? — sussurrei, preocupado com o silêncio.

Alex inspirou fundo como se quisesse que o ar inteiro do ambiente adentrasse seus pulmões e, logo que o soltou, puxou-me ainda mais de encontro ao seu peito com força. Soltou um resmungo baixo, roçou o nariz nos meus cabelos e se aconchegou um pouco mais em mim. Em seguida, ouvi um estalo de beijo na minha testa, antes que ele voltasse a se aconchegar, me abraçando.

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Eu me sinto...

Estranho.

Tem algo esquisito no meu peito, como se meu coração houvesse dobrado de tamanho e gritasse por atenção. Eu não conseguia ignorá-lo. Meu estômago coçava vez ou outra, como se também quisesse dizer algo para mim. Minha pele inteira também chamava atenção, ora por formigar, por arrepiar ou por esquentar, como se eu tivesse febre. E o meu corpo todo por vezes tremia como se fizesse frio e, por outras, esquentava como se fizesse calor.

Eu sei que tem a ver com o Alex, mas...

É isto mesmo?

Ninguém me disse que paixão é como uma doença.

Passei a última meia hora, quando não olhava para o Alex ou fechava os olhos, encarando a varanda do seu quarto.

Depois de nos beijarmos, ele me arrastou para a cama dele e deitou-se comigo, sem nunca deixar de me abraçar. Ele estava do lado direito e eu do esquerdo da sua cama de solteiro e, como eu estava meio que virado para ele, afundado na dobra de seu pescoço, minha visão era a da varanda.

O sol ainda estava erguido lá fora, devia ser umas quatro da tarde. Não estava quente, mas talvez fosse porque estávamos dentro de casa, e o ventinho que escapulia para dentro do seu quarto era agradável.

Eu podia ouvir sua respiração compassada, podia ver seu peito envolto pela camiseta escura subir e descer, podia sentir sua pulsação ritmada, sua mistura de aromas, seu corpo quente no meu, seus dedos mexendo em meus cabelos, bem como sua respiração fazendo mover meus fios castanhos.

Parece um sonho.

Ergui os olhos para ele, vendo-o girar o rosto na mesma hora para me olhar também, e por um minuto, não pude dizer nada. Me sentia nu de vê-lo me observar de tão perto com suas orbes escuras, sabendo que ele podia ver os detalhes do meu rosto e que não eram perfeitos como os seus.

Os olhos negros esconderam-se detrás das pálpebras e ele aproximou-se um tanto mais para inspirar novamente perto dos meus cabelos.

— Alex? — chamei, finalmente, em um murmúrio.

Ele abriu-os outra vez, trazendo a mão que descansava no seu lado direito para o meu rosto, usando-a para tapar minha boca.

Shh.

Franzi o cenho e o ato o fez abrir um sorriso preguiçoso, retirando a mão da minha boca e a levando para alcançar a outra que me envolvia, fechando os braços em meu entorno ao puxar-me ainda mais contra o seu corpo.

Ponderei se estava tentando fazer a gente ocupar o mesmo espaço no universo, mas não me importei. Estranhamente, eu não podia julgá-lo, porque a ideia me agradava da mesma forma.

— Não me respondeu — apontei, embora sem pôr um pingo de energia para lutar contra o aperto.

Ele sorriu novamente.

— O que acha? — murmurou, e eu percebi que trinta minutos de silêncio na sua presença foram o suficiente para eu sentir falta da sua voz. — Pareço estar mal?

Afastei um tanto o rosto para analisá-lo melhor, percebendo o tom divertido da sua voz e a expressão tranquila. Meu corpo, no entanto, não foi permitido de se afastar um milímetro sequer.

— Você parece... — Pensei por um instante. — Calmo.

Desta vez, o sorriso largo me permitiu visualizar seus dentes e pequenas rugas ao lado dos olhos. — Eu acho que tô em paz pela primeira vez em muito tempo.

Arqueei as sobrancelhas, sentindo...

Sentindo aquilo no meu peito mais uma vez gritar.

Remexi-me um tanto, nos seus braços, tentando impedir a nova onda trêmula que atingia meu corpo, além do frio na barriga.

— Mas você parece inquieto — contrapôs, olhando-me com curiosidade.

Então é mesmo como uma doença.

Enquanto eu estava inquieto e falante, Alex estava calmo e quieto. Acho que é seguro afirmar que não estávamos em nossos estados de espírito normais.

— No que tá pensando? — murmurou ele, inclinando o rosto para me ver melhor.

Nada de profundo, eu acho.

Eu não consigo pensar em nada ou raciocinar sobre nada.

Mas talvez isto fosse bom.

— No que você tá pensando? — contrapus, evitando seus olhos escuros.

Alex suspira, voltando a deitar a cabeça no travesseiro e se aconchegar em mim. Observei-o de baixo, seus olhos presos no teto, mas como se não o pudesse ver.

— Que eu devo estar sonhando — sussurrou, e eu me senti aliviado de que talvez esta reação não fosse anormal. Eu me sentia da mesma forma. — Não quero me mexer muito, nem falar muito, nem pensar muito, pra não acordar.

Apesar de me sentir da mesma forma, aquilo me deixou comovido.

Alex não merecia se sentir dessa forma por minha causa. Se eu me sentia assim, é porque este é o Alex, é normal que qualquer pessoa queira estar em seus braços e tenha medo que ele desvaneça no ar. Sentia que, se ele se sentia assim por mim, era porque de alguma forma eu o fiz acreditar do contrário, e que jamais estaria com ele.

Engoli em seco, tentando afastar o pensamento. O último que eu queria é ter outro ataque de choro.

— Você não vai — sussurrei, de volta, para garantir.

Ouvi o riso fraco que ele soltou, beijando-me os cabelos com carinho. Frouxou o aperto para afagar meu braço esquerdo, repousado sobre sua barriga, com sua mão direita. Seus dedos deslizavam por ele desde meu ombro até meu pulso, e logo retornavam para o meu ombro.

Eu podia ver, além de se sentir, os meus pelos eriçarem com o contato leve ao passo que me sentia arrepiar. Ainda assim, os pensamentos de Alex pareciam tão longe quanto podiam estar, os olhos ainda presos no teto de seu quarto.

Se eu não tivesse tão agitado de estar próximo dele, a lentidão de sua carícia na minha pele teria me deixado com sono.

— Então — murmurou, quebrando o silêncio —, você vai dormir aqui hoje?

— Dormir?

Pisquei, logo sentindo meus próprios olhos arregalarem-se tanto quanto poderiam, inclinando o rosto para encará-lo melhor. Os olhos escuros desceram até mim também, mas não pude decifrar expressão alguma em seu rosto, ao passo que ele assentia.

— Uhum — concordou, piscando lentamente.

Alex não parecia estar pensando em nenhuma bobagem, embora isso não tenha sido o suficiente para que eu me sentisse aliviado por completo. Mas sua expressão estava séria, logo percebi, e quase temerosa, como se tivesse medo que eu fosse embora.

— Pra ficar comigo — acrescenta, com olhinhos de cachorro abandonado.

Fiz uma careta, em resposta, meu cérebro dando uma leve travada.

Apesar de não querer ir embora nunca mais, e de sentir que tampouco conseguiria dormir pelos próximos três dias devido à ansiedade e adrenalina do que havia acontecido, a ideia de dormir na sua casa havia se tornado um pouquinho amedrontadora. Eu havia dormido ali milhares de vezes, e embora eu sentisse aquele frio na barriga toda vez que deitava ao lado de sua cama, não era nada comparado a agora.

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Estreitei os olhos.

— Você tá estranho — optei por comentar, ignorando a pergunta, ao observar o óbvio.

Não é possível que o comportamento todo dele fosse explicado pelo simples fato de estar comigo. Ele deve estar doente, cheguei à conclusão. Será que tem febre?

Antes de pensar uma segunda vez, levei uma mão para a sua testa ao apoiar meu peso no outro braço, para checar a temperatura. Não parecia quente ou frio, então levei a mesma mão para a minha testa como medição, mas tampouco senti muita diferença.

Vi seus lábios curvarem em um sorriso e, com lentidão mas precisão, prendeu os braços em meu entorno de tal forma que só percebi quando já era tarde. Torci o nariz para o ato, vendo que ele pareceu apreciar que eu estivesse congelado naquela posição.

— Eu tô me sentindo estranho — confirmou, com um sorriso preguiçoso, ao inclinar o rosto. — É por causa de você.

Pisquei, tentando raciocinar com seu sorriso lindo tão próximo de mim, fascinado toda vez que podia vê-lo tão de perto. — Isto é ruim?

Alex sorriu ainda mais, a ponto de um riso bobo sair de seus lábios, e os olhos escuros ficarem tão pequenos que mal os pude vislumbrar. Devo ter sorrido em resposta, porque não havia como ver aquilo sem sorrir.

— Não deve ter nada melhor no mundo.

Sentindo o coração ir à loucura outra vez, desviei o olhar feito um instinto de sobrevivência, todo o sangue do meu corpo subindo para o rosto, se é que já não circulavam vagamente nas minhas bochechas sem a minha permissão.

— Não seja ridículo! — reclamei, na ausência de qualquer outra resposta, ouvindo outro gracejo de sua parte.

Como não havia muita escapatória - e eu também não fazia questão de que houvesse -, afundei o rosto no seu topo do seu peito, tentando escondê-lo, para que ele parasse de testemunhar meu constrangimento tão de perto.

Alex aproveitou a oportunidade e enfiou o nariz nos meus cabelos, inspirando fundo e deixando beijinhos preguiçosos ali. Ajeitou-se na cama, levando o corpo um tanto mais para baixo para encaixarmos melhor, e acomodou-se abraçado em mim mais uma vez.

Deixei que o fizesse, não sou bobo nem nada.

Alex soltou um risinho, acariciando meus cabelos, antes que o som do meu celular soasse. Como se recém houvesse se conectado com a internet da casa do Alex, começou a vibrar uma vez atrás da outra, sem parar.

Como reflexo, quis levar minha mão até o bolso da minha calça, mas Alex não soltou o aperto, e ainda resmungou.

— Deixa — lamuriou, apertando-me mais contra ele. — Deixa tocar, deve ser mensagens dos terroristinhas.

Arqueei as sobrancelhas, engolindo um riso. — E o que tem?

— O que tem que eles não são importantes agora. — Deu de ombros, como se aquilo não fosse nada. — Depois você responde.

Não é que eu não concordasse, que eu tivesse qualquer interesse em sair da minha bolha com o Alex para conversar com qualquer pessoa que não fosse ele no momento, mas eu tinha que pelo menos checar se não era minha família.

Aliás, aquilo era um tanto ofensivo. A primeira coisa que ele pensou foi no nosso grupo de amigos, como se eu fosse esse perdedor que só conversa com eles na vida, além da minha família.

Bom, tecnicamente é verdade, mas...

— E se for minha mãe? — perguntei, mas ele se importou o suficiente para ignorar que ouviu minha voz. — Sabe, ela tem me vigiado mais que o normal ultimamente, desde que soube que eu gosto de garotos também — acrescentei, relembrando do ocorrido com o Mason. — Seria bom evitar problemas com ela...

Alex, como se estivesse no mundo da lua, pareceu demorar o dobro de tempo para ouvir o que eu havia acabado de falar.

Pela primeira vez, o aperto em mim frouxou quando ele virou na minha direção, as sobrancelhas tão arqueadas que dobrinhas se fizeram visíveis na sua testa. Finalmente, pareceu haver despertado de seu transe desde que deitamos em sua cama.

— Desde que o quê?! — questionou, o tom de voz mais alto, abismado. Apoiou o peso no cotovelo, o corpo virado para mim, e eu fiz o mesmo sem sua direção, mas dei de ombros. — Caleb, você... — Mordi os lábios para não rir, porque eu pareci quebrar o Alex. — Você contou pra ela? Quando? Por que eu não sabia disso?

Mas o porquê para a sua pergunta fez meu próprio sorriso sumir aos poucos.

— Bom, a gente... — tentei, mas as palavras morreram. Tentei, miseravelmente, outra vez: — Quero dizer, nós...

Eu não precisei terminar, ele assentiu, a expressão um tanto melancólica, como um reflexo da minha. Nós dois sabíamos que as coisas se tornaram tão estranhas nos últimos tempos que nem nos contávamos mais o que era importante.

— Eu não contei exatamente — apressei-me em falar, para afastar a áurea negativa, com uma careta. — Eu só... — Alex arqueou as sobrancelhas, e eu torci o nariz, tentando encontrar as palavras. — Eu só disse que... Eu dei a entender que...

Sua expressão suavizou no mesmo instante, um sorriso espertalhão se abrindo no seu rosto quando aproximou-o tanto do meu que nossos narizes quase se tocaram.

— Que andou me beijando às escondidas na calada da noite?

Céus, não fala as coisas dessa forma!

Me encolhi levemente pelo arrepio que subiu pela minha coluna, internamente me perguntando como lidaria com as audácias que escapam pela boca dele como se não fossem nada. Eu mal podia lidar com elas antes, e agora muito menos!

Soltei um riso nervoso, não conseguindo sustentar seu olhar por muito tempo, e tentei empurrá-lo um tanto para trás mas não funcionou. Ele segurou a mão que eu a espalmei em seu peito e, sem tirar os olhos dos meus, levou a mesma mão à sua boca e pousou os lábios nas dobras dos meus dedos.

O sorriso traquineiro só aumentou, me deixando ainda mais desconfortável, e embora tudo o que eu quisesse era dar um peteleco nele para que parasse de brincar, tudo que consegui fazer foi entrar em pane.

— Hum — murmurei, nervoso. — Não...

Alex soltou um riso, mas minha mente só o registrou segundos depois, meus olhos presos na sua boca e os beijos falsamente inocentes que deixava na minha mão.

— Não? — havia questionado, talvez meio minuto atrás.

Quando percebi que estava, mais uma vez, enfeitiçado por ele, franzi o cenho e tentei puxar minha mão, mas ele não deixou.

— Para com isso — pedi, quando encontrei a voz, apesar de não haver soado tanto com uma repreensão quanto eu gostaria.

Alex tomou piedade de mim e assentiu, com um riso, aproximando-se o suficiente para estalar um beijo rápido no meu rosto. Não devolveu minha mão, enlaçando a sua nela e, em seguida, trouxe a junção das duas para a sua boca, onde estalou um beijo.

Reprimi um sorriso e olhei para longe, para não cair nas suas graças novamente.

Alex deixou o corpo cair para trás, deitando-se mais uma vez, com o outro braço dobrado atrás da cabeça para apoiá-la. Segurou nossas mãos enlaçadas próximas do seu coração, e retornou ao assunto que eu já havia esquecido por completo.

— Deixa eu adivinhar — murmurou ele, como se achasse graça, embora soasse carinhoso. — Ela te aceita do jeitinho que você é?

Demorei até que me desse por conta do que ele falava.

Acabei sorrindo quando entendi, porque não era mentira. Minha mãe podia estar um pouco sobrecarregada ainda, com a informação vaga e sugestiva que entreguei a ela, mas não havia nenhum resquício de que não me aceitasse como sou. E, depois da experiência do meu irmão com ela, isso não era exatamente imprevisível.

Alex assentiu, sorrindo fraco.

— Deve ser bom — murmurou, os dedos tamborilando nas costas da minha mão, com um sorriso triste. Assim que eu percebi, ele soltou um riso, para mascarar como se sentia, mas já era tarde. — E o seu padrasto? — emendou, rapidamente. Demorei um segundo mas sorri fraco, também, ao assentir, sem conseguir dizer uma palavra. — É, ele parece ser um cara legal. — Então, apertou minha mão para que eu focasse em seu rosto novamente. — Sortudo.

Sorri, incapaz de negar.

Por dentro, eu entendia que o assunto talvez trouxesse amarguez ao peito do Alex, tendo em vista que ele não podia esperar o mesmo da sua família. Eu tinha minhas dúvidas sobre sua mãe, mas eram dúvidas o suficiente para que eu não soubesse dizer de certeza se ela seria acolhedora ou não.

Gostaria de poder dizer que sim, afinal, ela não parece ser ruim, mas eu não vivo em uma bolha.

Querendo tirar sua mente do assunto, continuei: — É, mas a minha mãe anda desconfiada — contei, chamando sua atenção, ao lembrar das proezas dos últimos meses. Torci o nariz. — Ela disfarça, mas fica cuidando toda vez que eu fico sozinho com algum de vocês.

Alex soltou um riso fraco que logo se transformou em uma risada ao passo que algo se passava pela sua cabeça. Me puxou por meio das nossas mãos entrelaçadas até que aproximasse meu corpo do seu outra vez e, devido ao cansaço do braço que me sustentava, sequer cogitei recusar.

Ele circulou minha cintura com o outro braço, me olhando de baixo. — Será que ela não tem razão?

Abri a boca, para retrucar, mas não pude.

Revirei os olhos, desaprovando seu humor, embora sentisse o meu rosto queimar pela verdade dita. Afinal, ali estava eu, no que pareciam ser horas nos braços do Alex de uma maneira nada amigável. Desviei o olhar para longe, sentindo minhas orelhas arderem, mas ele pareceu achar mais graça ainda.

— Vem cá.

Como se isso fosse divertidíssimo, me puxou para cima de tal forma que eu realmente estivesse com o tronco por cima dele, o peito grudado no seu, e meu rosto escondeu-se na curva confortável do seu pescoço. Soltou mais um riso e deixou beijinhos na área descoberta do meu pescoço. Eu tive que segurar para não me contorcer pelo arrepio, antes de ouvir seu riso próximo dali.

Belisquei seu braço, em protesto, mas ele apenas resmungou alegremente. Girei meu rosto para espiá-lo, mas estava tão bem encaixado ali que não pude vê-lo, então voltei a me aconchegar, fungando seu cheiro o máximo que pude quase por instinto.

Alex começou a fazer carinho nos meus cabelos emaranhados e também fungar meu pescoço da mesma maneira, antes de deixar mais beijinhos por ali. As duas mãos encaixaram-se no meu rosto em um pedido silencioso e eu o ergui como resposta, para que ele trouxesse os lábios aos meus, sentindo meu rosto esquentar instantaneamente.

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Beijou-me, desta vez, com mais gana. Antes que eu percebesse, sua língua já havia se unido à minha, e eu novamente sentia como se estivesse flutuando em um espaço diferente. Uma das mãos desviou do meu rosto para o meu pescoço e, em seguida, para a minha nuca.

Encolhi meus ombros por instinto, devido ao arrepio, e Alex parou com a mão bem ali, as pontas dos dedos envoltas no meu cabelo. Afastou nossos lábios por um momento, sem tirar os olhos da minha boca e, como se analisasse minha reação, deslizou a língua em um movimento súbito por entre meus lábios entreabertos. Como se eu houvesse tragado cubos de gelo, meu abdômen inteiro esfriou e eu tive que reprimir retrair o corpo mais uma vez.

Eu pisquei com lentidão, sentindo-me praticamente sedado, e Alex já tinha os lábios no meu pescoço outra vez. Inspirou perto do meu ouvido, e senti o restante dos pelos da minha nuca eriçarem em resposta, e deixou um beijo casto ali. A mão, congelada na minha nuca, pôs-se a mover-se novamente, desta vez com uma lentidão memorável e evidentemente proposital.

Seus dedos roçaram por toda a minha nuca, descendo pelo topo da minha coluna para dentro da minha camiseta. Aquilo começou a me fazer sentir estranho demais, o que me despertou da névoa apaixonada que eu estava, e eu cravei as mãos em ambos os seus braços para impedir que ele continuasse.

Se eu pensasse a respeito, tudo o que havia feito desde que ele começou a me beijar foi perder pouco a pouco qualquer resquício de auto proteção ou dignidade. Beijo a beijo, perdi todo e qualquer raciocínio lógico ao ponto de virar uma gelatina nos seus braços, permitindo que fizesse o que quisesse comigo, sem sequer ter cabeça para digerir tudo o que se passava.

Que vergonha a minha, mas que desaforo o dele!

Acatando meu pedido silencioso, Alex parou com seu experimento ridículo em mim. Soltou um riso, ainda no meu sensível ouvido, o que me trouxe outro arrepio e eu o odiei por isto. Impulsionei meu corpo para trás, para tentar sair das suas mãos traiçoeiras, mas ele me prendeu em um abraço novamente. Encaixou o queixo no meu ombro, puxando minha camisa pela gola para trás, como se quisesse visualizar minhas costas dali.

— Desculpa — pediu, estalando um beijo onde seu queixo estava previamente apoiado, e não soou nada sincero. — Mas é que você tá todo arrepiado — explicou, me fazendo entender o porquê dele haver puxado minha camisa. — Que reação interessante!

Empurrei-o, finalmente conseguindo ficar cara a cara com seu rosto risonho, sentindo-me mais exposto do que nos sonhos em que eu aparecia no colégio desprovido de roupas.

Ridículo!

— Peraí — pediu, quando consegui dobrar os joelhos e me sentar na cama, com Alex ainda agarrado em mim —, vem cá, vamos testar isso aí!

— Não — resmunguei, sentindo meu rosto prestes a explodir de tão quente. — Sai! — repreendi, quando ele me puxou pela camisa novamente. — Alex!

A gente ficou os próximos cinco minutos em uma briguinha boba, revirando suas cobertas, e quase caindo da cama algumas vezes. Eu teria cedido facilmente, e deixado que ele fizesse o que quisesse comigo uma vez mais, mas teve algo que impediu.

Sua gargalhada.

Fazia muito tempo que eu não a ouvia, assim, de forma tão espontânea e descontraída. Para que continuasse ouvindo, eu fiz papel de bobo fingindo não querer estar em seus braços sendo que nós dois sabíamos que isso fazia de mim um palhaço. Ele beslicou minha cintura, amarrotou minha camiseta inteirinha, e quase me despiu dela algumas vezes, enquanto eu sentia que até meu dorso deveria estar avermelhado pela vergonha.

Mas valeu a pena.

Ele parou de mover-se, sentado de joelhos na cama, do mesmo jeito que eu estava, embora alguns centímetros afastados. Ainda me encarando com as bochechas avermelhadas pelo riso e o esforço na brincadeira, ele me sorriu adoravelmente. Sorri de volta, pego desprevenido, mas pareceu ser exatamente o que ele queria, porque deu o bote na mesma hora.

Havia avançado em mim da mesma forma que aqueles jogadores de futebol americano se jogam nos adversários, na defesa, e eu logo me encontrei pressionado contra sua cama, coberto pelo seu corpo. Aquilo me fez rir também, a despeito da posição constrangedora em que estávamos: Alex por cima de mim, com o corpo inteiro pressionado contra o meu, e o rosto pairando acima de mim feito um predador analisando sua presa.

Apesar de tudo, o sorriso que sustentou seu rosto foi meigo. Acariciou meus cabelos, os olhos percorrendo meu rosto com certa admiração, antes de murmurar: — Faz muito tempo que não te vejo rir assim — comentou, exatamente o que eu havia pensado segundos antes. — Senti falta disso.

Pisquei, apenas quando meu sorriso diminuía que percebi que meus lábios estavam esticados em um largo sorriso, os dentes à mostra.

Seria porque, na brincadeira que trouxe a gargalhada do Alex aos meus ouvidos, eu havia gargalhado junto?

— Eu também — sussurrei, vendo-o sorrir até os olhos ficarem pequenos uma vez mais.

Alex fez uma careta graciosa, os olhos ainda pequenos, até que os tivesse fechado, e encaixou o rosto na dobra do meu pescoço. Roçou o próprio ali, da forma como já vi felinos fazerem, e aconhegou-se mais contra mim. Fiz o mesmo, levando meus dedos para acariciarem seus fios pretos, enroscando-me nele da mesma forma.

Não importava que ele tivesse em cima de mim e que essa fosse a maior invasão de espaço pessoal que já tive na vida, que nossas pernas estivessem entrelaçadas, que eu sentisse sua respiração no meu ouvido e seu coração batendo contra o meu. Sequer importava que eu houvesse cedido a toda carícia e ainda as retribuído com gosto.

Estar com Alex poderia ser o mais confortável que já estive na vida.

Ele afastou-se para me olhar, apoiando-se nos próprios braços, e esfregou o nariz no meu. Meus braços estavam em seu entorno e não me senti nem um pouco compelido a movê-los, retribuindo seu olhar. Senti seus dedos acariciarem meu rosto e, instintivamente, senti meus próprios dedos moverem-se contra a base de sua coluna, repetindo os movimentos.

Alex sorriu, deixando um beijo casto nos meus lábios. Seus olhos percorreram meu rosto ao mesmo tempo que seus dedos o faziam, traçando minhas linhas, como se ele próprio estivesse me desenhando. Talvez o mesmo tenha ocorrido em sua mente, porque abriu um sorriso travesso.

— Então você tem um caderno de desenhos inteirinho dedicado a mim? — comentou ao quebrar o silêncio, para o meu desespero.

Meus olhos, entreabertos com todas as carícias, se alargaram ao passo que sentia todo o sangue do corpo subir para o meu rosto. Parei os movimentos, vendo que ele soltava um risinho calmo, mas quis fugir do constrangimento.

Não havia muito espaço para que eu me mexesse, então só tentei afastá-lo de mim ao jogá-lo para o lado, mas não funcionou.

— Não tenta fugir, vem aqui — riu-se, forçando-me a encará-lo, quando tentei arrastar-me para longe.

Isto é embaraçoso demais.

Quando joguei o caderno para ele, aliás, sequer quando tive a brilhante ideia de carregá-lo até aqui, é seguro afirmar que eu não estava pensando muito bem. Não havia planejado nada, nem minha própria exposição, que dirá o que viria depois dela.

Às vezes, quando você guarda algo no peito por tanto tempo, chega um ponto que quer tanto arrancar aquilo para fora que as consequências parecem insignificantes.

Espera, isso quer dizer que eu perdi minha própria aposta?

Um som musical reverberou pelo quarto ao passo que eu sentia a cama vibrar, e identifiquei imediatamente o som de chamada. Desta vez, o celular não estava mais no meu bolso, mas atirado aos pés da cama, e desta vez não eram apenas mensagens.

Agradeci pelo escape daquela conversa constragedora, sentindo minhas orelhas aliviarem na queimação antes mesmo de escapar.

Alex sorriu, maquiavélico, e se prendeu no meu corpo para evitar que eu chegasse no celular, feito um bichinho daqueles de infância que prendem nas coisas.

— É o meu celular! — defendi, segurando o riso quando ele riu, prendendo meus braços. — Alex, tá chamando!

— Isso é punição por não me aceitar como modelo quando você já me desenhava em segredo — riu-se ele, convencido, perto do meu ouvido. Em seguida, algo molhado encontrou meu ouvido e demorei meio segundo a mais para identificar como a língua dele.

Argh! — gritei, e quase fiquei surdo com a gargalhada dele em seguida. — Que nojo!

Obviamente, eu também me engasgava no próprio riso, inclinando a cabeça em direção ao ombro para limpar a lambida nojenta dele, apenas para sentir outra no meu rosto. Na base do desespero, soltei um dos braços e usei a mão para empurrar seu rosto para longe mas ele enfiou a língua nos meus dedos também.

— Alex!

Incrédulo, limpei a mão na roupa e consegui me afastar, caindo da cama junto com metade do lençol no chão também. Só consegui me livrar dele porque, como estava rindo, já não teve tanta força para me segurar. Mostrou-me a língua quando me apressei e peguei o celular da cama, ainda sentado no chão, que já havia parado de chamar.

Apoiado com as costas na cama, peguei o celular, vendo que a chamada era do meu irmão, e só passei os olhos pelas mensagens recebidas antes de retornar a ele.

Com o celular no ouvido, olhei por cima do ombro apenas para ver que Alex estava deitado de lado na cama feito o modelo que havia se acusado de ser.

Seu rosto estava apoiado na mão esquerda e ele me olhava, as bochechas ainda avermelhadas, com um sorriso satisfeito no rosto. A pele morena sequer parecia tão pálida agora, deste ângulo, e mesmo que os fios estivessem bagunçados, pareciam estar no lugar certo. Sua camiseta estava amarrotada e repuxada para o lado e eu podia ver parte de sua clavícula dali, por consequência. A luz atrás dele, que vinha da varanda, emoldurava a cena, mais parecendo que o rapaz dos sorrisos traquineiro fosse um anjo ao invés de um diabinho.

Engoli em seco.

Dizer que isto merecia um lugar em meu caderno de desenhos parecia pouco, mas uma galeria de arte soava mais apropriado.

Sequer ouvi quando a ligação foi atendida, até que a voz do meu irmão me fizesse sair do transe dando um pulo no lugar.

Onde é que você tá?! — perguntou, a voz três vezes mais elevada do que eu esperava, e eu me sobressaltei. Confuso, não soube se identificava preocupação ou irritação em sua voz, a possibilidade da segunda alternativa me acalmou um pouco. — Caleb!

Pisquei, finalmente reagindo.

— Eu saí.

Não me diga — debochou ele, quase imediatamente, e desta vez percebi que qualquer preocupação que pensei ter ouvido em sua voz havia sumido e deixado todo o espaço para a irritação.

Vi, pela visão periférica, que o Alex se aproximou mais de mim, talvez por curiosidade.

— Aconteceu alguma coisa? — questionei, estranhando toda a ligação.

Will praticamente arquejou em incredulidade do outro lado da linha e vi alguma coisa bater ou cair no fundo. — Sim, meu irmão sumiu e não avisou ninguém, foi isso o que aconteceu!

Franzi o cenho, tentando entender.

— Mas eu sempre saio com os meus amigos.

— Seus amigos? — sussurrou Alex, gracioso, perto do meu ouvido.

Desviei os olhos para ele, deparando-me com a expressão divertida, antes que ele se aproximasse mais e deixasse um beijo falsamente casto no meu ombro. Pisquei, envergonhado, ao olhar para longe.

Certo, isto era diferente de estar com meus amigos.

E também sempre responde minhas mensagens! — continuou Will, soando estressado, antes de soltar um suspiro. O tom de voz saiu algumas notas mais baixo, desta vez, embora ainda soasse desagradado: — Posso saber o que cê tá fazendo que não respondeu?!

— Por que tá tão preocupado? — reclamei, por fim, na defensiva.

Will suspirou, e ouvi o som da televisão ao fundo, como se ele acabasse de ligá-la.

Você sempre vai pra casa deles depois da escola e manda mensagem dizendo onde — defendeu ele, e quando abri a boca pra falar, Will continuou: — E quando esquece, ao menos me responde pelo celular. Hoje, eu vi você chegar em casa e depois sair correndo, não me avisou onde ia e ainda por cima não respondeu as drogas das minhas mensagens!

Aquilo fez mais sentido.

Eu realmente sempre aviso para que lado vou e com quem vou e, se estou sozinho em casa, eu sempre aviso a tia Kira. Ser o caçula da família e ter todos querendo cuidar de mim o tempo todo me ensinou a jamais cometer um deslize desses, a não ser que quisesse infartar meu irmão.

Sim, o Will tem mais chances de infartar com algo assim do que a minha mãe.

— Ah — murmurei, relanceando Alex, que me encarava com as sobrancelhas arqueadas. Devia estar ouvindo os gritos do Will. — Eu não vi que você tava em casa, Will. Desculpa — pedi, sincero.

Realmente, havia chegado em casa em uma nuvem agonizante, alheio ao redor, e sequer cogitei checar se havia alguém em casa. Deve ter sido bem confuso para ele minha saída súbita, ainda mais do que para mim mesmo, que sequer a planejei.

Will suspirou mais uma vez, soltando um resmungo. — Onde é que você tá? — questionou, mais calmo. — Por que saiu daquela forma?

Quando tornei a olhar para o Alex, um sorriso sapeca estava em seu rosto, sabendo exatamente meus motivos de sair correndo de casa e vir até ele.

— Hã... — murmurei, tropeçando nas palavras. — Não foi nada. Eu tô na casa do Alex.

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Ouvi o risinho do dito cujo no meu ouvido, arrepiando os pelos da minha nuca, antes de sentir os lábios pousarem na lateral do meu pescoço mais uma vez. Desta vez, não se preocupou em fingir boas intenções, os lábios se demorando ali.

No Alex? — perguntou, um instante depois, e eu quase podia vê-lo torcer o nariz para a informação recebida.

— Sim.

Alex roçou os dedos na minha nuca, inclinando meu pescoço propositalmente para o lado, sua respiração fazendo meus cabelos moverem-se atrás da minha cabeça.

— Todos vocês?

Hesitei, pensando se eu levantaria alguma suspeita dizendo que estava sozinho com ele, depois da maneira como havia corrido de casa. E eu não conseguia raciocinar com os lábios do Alex, agora, molhados ao beijar minha pele.

— Hã... S-sim — menti, tentando afastar-me mas seus braços fecharam-se em meus ombros, mantendo-me ali.

Will não pareceu ter percebido a mentira, no entanto, já que repetiu o mesmo que sempre perguntava em tom entediado e automático: — Ok. Que horas você volta?

Sem fôlego, senti a língua do Alex deslizar pela pele do meu pescoço antes que ele selasse os lábios no mesmo lugar. Desta vez, desejei poder sentir nojo, mas este não era o caso.

— E-eu ainda não sei, Will — balbuciei, sentindo-me derreter um pouquinho. — Te ligo mais tarde?

Dei um tapa forte nas mãos que, unidas, firmavam o aperto dele em meu peito, mas não fez diferença alguma.

Tá bom, mas pelo amor de deus, Caleb — pediu, e eu quase podia vê-lo na minha frente com a postura de mãe —, não faz isso de novo! Avisa e responde as minhas mensagens!

— T-tá bom — concordei, sentindo-o roçar o nariz pela extensão do meu pescoço até chegar no lóbulo da minha orelha, e a respiração dele aí me fez encolher pelo arrepio. — Desculpa.

Desliguei a ligação imediatamente, chocado, e ainda chequei uma segunda vez para ver se havia feito corretamente antes de girar o rosto e repreendê-lo com o olhar.

— Tá maluco?

Alex esfregou o nariz na minha bochecha, apesar de eu tentar afastar o rosto para o lado contrário, e em seguida deixou outro beijo ali. Esperei por um resposta, o coração ainda batendo acelerado no peito pela prévia artimanha que ele havia feito no meio da conversa com meu irmão.

Pousou os olhos pretos nos meus e deu de ombros.

— Achei que isso já era de conhecimento público — resmungou em resposta, com um risinho de abestado.

Me permiti sorrir desta vez, concordando, e ele estreitou os olhos.

Alex me libertou de seu abraço apenas minimamente e eu girei um pouco o corpo para encará-lo melhor. Ele apertou meu nariz com leveza, rapidamente, antes de perguntar: — E então?

Pisquei, perdido.

— E então, o quê?

Por dentro, eu me perguntava se eu realmente havia me tornado um abestalhado depois de estar nos braços do Alex, a ponto de sequer conseguir prestar atenção em algo ou manter minha cabeça funcionando por muito tempo.

— A gente tava no meio de uma conversa quando teu irmão atrapalhou — resmungou ele, embora permanecesse entretido. — Se soubesse melhor, diria que ele fez de propósito — ponderou, jocoso, mas eu sequer consegui sorrir.

Você quer dizer a conversa embaraçosa sobre meu caderno de desenhos dedicado a você?!

Desviei o olhar, nervoso, tentando cortar aquilo pela raiz. — Não precisamos falar sobre isso — estabeleci, já humilhado em antecipação.

Alex riu-se, alegremente, antes de apertar minha bochecha.

— Agora que eu paro pra pensar — continuou, ignorando minha súplica e minha cara feia após minha bochecha ter sido esmagada —, não é tão ruim que eu fique com aquele desenho. — Imaginei que se referia ao seu presente de aniversário, que havia trazido um olhar triste aos seus olhos quando entreguei. — Nem devia ter ficado chateado que me devolvesse, resulta que você tem uns cinquenta diferentes!

A humilhação me permitiu desprender-me dos seus braços a tempo de esbaforir um tapa em sua cabeleira. Ao mesmo tempo, sentia todo o sangue do meu corpo subir para o meu rosto, tamanho o vexame.

Eu o encarei, longe de seus braços, limitando-me a reprovar sua atitude com o olhar.

— Que neném! — foi sua bela constatação, e eu levantei do lugar, sentindo as orelhas arderem. — Tá bom, desculpa — pediu ele, segurando minha mão com a sua, mas não parecia se sentir culpado coisa nenhuma.

Não afastei minha mão, pelo contrário, deixei que ele entrelaçasse nossos dedos outra vez, apesar da posição desconfortável em que ele estava, todo atirado na cama. Tentei afastar a vergonha por um instante, desviando o olhar para nosso enlace.

— Você já viu o que tinha que ver — murmurei, baixinho. — Não preciso explicar os desenhos. — Arrisquei olhar para ele, vendo que Alex apressou-se em esconder os lábios para não sorrir. — Preciso?

Alex balançou a cabeça de um lado para o outro e, apesar da tentativa frustrada de controlar sua boca, seus olhos sorriam. Em seguida, algo passou-se por eles e Alex movimentou-se com rapidez na cama, dobrando os joelhos para sentar sobre as pernas, sem soltar minha mão.

— Espera um pouco — pediu, enfim, puxando minha mão para que eu fosse em direção à cama ao que ele se movimentava para levantar. Deu algumas batidinhas no colchão. — Senta aqui.

Franzi o cenho, desconfiado, mas fiz o que ele me pediu.

Ele levantou-se, virando para trás com os olhos estreitados para ver se eu continuei na cama como instruído e assentindo com aprovação quando percebeu que sim. Soltei um riso abafado, ajeitando-me melhor no meio dela, enquanto o observava juntar seu violão do canto do quarto.

Nem processei qual era seu objetivo, focado demais em admirá-lo fazer o que quer que seja.

Alex me olhou com um risinho ao caminhar de volta para a cama, mas parou ao invés de sentar nela, apoiando o pé descalço em um pequeno banquinho baixo que ali estava. Como se meu cérebro recém voltasse a funcionar, desviei a atenção da graciosidade do Alex para o que ele fazia.

— O que tá fazendo?

— O que parece? — brincou ele, apoiando o violão na coxa ao ajeitá-lo ali. — Vou tocar uma música pra você.

Aquilo trouxe um sorriso involuntário ao meu rosto.

Quero dizer, não haviam desvantagens de ver e ouvir o Alex tocando violão. Ele já era maravilhoso por natureza, mas ao fazer música, conseguia ser ainda mais. Sem falar que eu adorava ouvi-lo tocar e cantar, e meio que sentia falta disso, porque eu não mais presenciava tanto quanto antes.

Ele devolveu o sorriso largo, que acabou se tornando em um riso ao passo que nos encarávamos, e eu acabei rindo de volta sem entender. Foi a coisa mais boba do mundo, e eu tive consciência de que parecíamos dois idiotas, mas não me importei.

— Para de me olhar assim, Caleb, tá me deixando nervoso — murmurou, soltando mais um riso nervoso, ao desviar o olhar para o próprio violão.

Ri mais uma vez, tendo a certeza de que nenhum de nós dois sabia o motivo do riso. — Nervoso por quê?

Ele me relanceou rapidamente, arqueando as sobrancelhas, antes de começar a tocar as cordas aleatoriamente para ajustá-las. Não me respondeu, mas eu percebi que a área das bochechas avermelharam um tanto.

— Você ficou com vergonha por causa dos desenhos — mencionou ele, então, e eu quis morrer no lugar do assunto que ele não permitiu que falecesse. Mas ele continuou: — Então vou me expor um pouquinho também. Direitos iguais, não é?

Franzi o cenho, confuso, e pisquei sem entender.

— Como assim?

— Eu também desenhei você — afirmou, e eu não sabia se ria ou não, mas apesar do sorriso em seu rosto, os olhos estavam sérios. Deu umas batidinhas no violão para enfatizar do que falava. — Aqui.

Baixei os olhos para o instrumento musical que representava tanto para ele, e senti meu próprio sorriso sumir aos poucos ao passo que meus olhos abriam-se um tanto mais.

Você...?

Fiquei sem reação e meu coração acelerou em resposta, aquecendo toda a região do meu peito, ao passo que eu tentava raciocinar. Senti cócegas na barriga mais uma vez e congelei no lugar, antes de erguer os olhos para ele novamente.

A imagem do Alex ali em pé, mais uma vez, de costas para a luz já alaranjada da varanda e com um violão nas mãos, parecia tirar sarro da ausência de um grafite e papel nos meus dedos. Talvez fosse apenas meu eu apaixonado enxergando tudo mais belo e colocando o Alex em cima da minha escala de perfeição, mas de alguma forma ali estava ele, merecendo este lugar.

Apesar de haver perdido muito peso neste ano infeliz e um tanto da cor bronzeada e viva da sua pele, ele continuava maravilhoso. Os cabelos estavam enroscados no pescoço, um tanto bagunçados, inclusive por mim - o que me deixava estranhamente orgulhoso -, as sobrancelhas levemente arqueadas e os olhos escuros me contemplavam em recíproco. O sorriso torto fazia coisas comigo, que faziam minha barriga esfriar como em uma montanha russa.

As palavras que me deixaram de boca aberta, no entanto, aqueciam tudo em mim, especialmente meu coração.

— Você está todinho desenhado aqui — finalizou, com sorriso adorável.

Engoli em seco, tentando me fazer funcionar.

— Você fez uma música pra mim? — consegui formular, ainda embasbacado.

Alex inclinou o rosto para o lado, soltando um riso faceiro, e eu quase morri com o quão adorável o simples gesto foi.

— Uhum — concordou ele, como se não fosse nada, ainda ajustando as notas. — Na verdade, algumas. Acontece que — tentou, parecendo receoso quando alarguei ainda mais os olhos — todas estão incompletas, e às vezes, elas se misturam... Bom, comigo — falou, fazendo uma careta ao tropeçar nas palavras. — Eu toco o violão para extravasar um pouco do que eu sinto. Quero dizer, você sabe disso — emendou, e não foi uma pergunta. — E eu faço isso muitas vezes, então elas não chegam a tomar uma forma completa. — Outra careta. — É complicado de explicar.

Não sei em que momento comecei a sorrir, mas precisei esconder os lábios para que não o deixasse desconfortável, sentindo minhas bochechas doerem e meu peito gritar.

— Eu entendo.

Quero dizer, havia uma página inteira só para os seus olhos, é claro que eu entendia. Às vezes, páginas só para as suas mãos. Às vezes, inclusive, para suas sombras, seus pertences como o próprio violão, e seus perfis. Não eram completos, eram pedacinhos dele, e pedacinhos de momentos em que eu o passava admirando.

Havia muito que eu percebi que não se pode construir obra alguma sem colocar um pouquinho de si próprio. Quero dizer, a leveza dos traços dizia muito sobre como eu estava me sentindo quando o desenhava, assim como riqueza de detalhes ou a ausência destes.

Tudo sempre se mistura nos desenhos, e a maioria fica incompleta.

— Mas essa — murmurou ele, ao chamar minha atenção, começando uma melodia singela — eu completei. Não só extravasei o que sentia, mas eu realmente trabalhei nela por muito tempo — confessou, baixinho, antes de acrescentar: — Só que ainda não tem uma letra. Tudo bem?

Tudo bem?, repeti, feito um eco.

Assenti, mecanicamente, sem palavras.

Ele fez uma música inteira para mim e quer saber se está tudo bem que não tenha uma letra?!

Senti um nódulo começar a formar-se na minha garganta antes mesmo da melodia se ajustar e dar início à canção. Sentei com as pernas cruzadas diante de mim, as mãos remexendo-se em nervosismo uma na outra.

Eu não acredito que isto está acontecendo, minha mente chegava a repetir, lembrando onde estávamos - Alex e eu - horas atrás. Era difícil de acreditar que apenas uma decisão, uma única decisão, tinha essa capacidade de mudar todo o percurso das coisas.

Mas isso não estaria acontecendo com uma só decisão se não houvesse uma história por trás, memórias e sentimentos já estabelecidos. Sendo assim, é mesmo possível que meu silêncio fosse a única coisa que nos mantivesse distantes à esta altura do nosso percurso juntos?

Não sei se a confirmação disto seria acalentadora ou aterradora.

Alex tinha os olhos no violão no começo da melodia, mas a terminou com eles em mim. As mãos ágeis puxando as cordas e produzindo sons como se não fizesse esforço algum jamais cansaria de me deixar atônito. Como se concordasse comigo sobre já termos tudo estabelecido antes do meu silêncio se quebrar entre nós, as notas musicais repassavam este "tudo" de forma cativa.

A música começava e terminava com a mesma melodia terna e, depois do que eu supus ser o refrão repassar três vezes, percebi que ela se repetia dentro dele também, apesar de facilmente ofuscada por outras notas. Depois da melodia terna inicial, algumas notas tímidas começavam a contar uma história que logo era interrompida pelo refrão, mais forte, acelerado e grave, antes da história ser retomada novamente com uma paciência impressionante.

As notas do refrão subiam mais alto e desciam mais baixo em uma bagunça sentimental, um caos poético, e eu senti meus olhos marejarem quando ele se repetiu pela segunda vez. Eram os nossos tropeços, eu soube mesmo sem perguntar, durante a trajetória lado a lado. As brigas, as lágrimas, as palavras bagunçadas que feriam, os corações partidos. Tudo isto interrompia durante três vezes o clamar da história contada em quatro partes, mas ela seguia sendo contada pacientemente.

Na terceira e última vez que o refrão repetiu-se, minha garganta fechou e não consegui impedir as lágrimas. Foi bem ali que percebi que a melodia terna que iniciou a canção não havia deixado de soar em momento algum do começo ao fim dela. Mesmo no refrão bagunçado, mesclada a notas caóticas, ela ainda ressoava incansavelmente.

Eu soube o que aquela melodia representava tanto quanto ele.

Limpei o rosto com rapidez, sob as orbes escuras e afetuosas, quando a última parte contada chegava a um fim, restando apenas a mesma melodia ternamente harmoniosa que deu início a tudo. Aquela que iniciava a canção, que não havia sido deixada de ressoar em segundo algum, mesmo quando era só um sussurro em meio a todo o caos em uma mistura poética. Essa mesma melodia era isolada novamente no final, porque tudo se resumia a ela.

A melodia que compunha toda a nossa história era o que sentíamos um pelo outro, e ele ainda a repetiu e repetiu e repetiu no fim, para reforçá-la.