Made of Stone

XXXII. De todas as apostas do mundo


Quando eu penso na época do colégio, eu sinto que toda ela é resumida ao Alex, mesmo quando ele não mais estava.

É impossível visualizar minha versão de quinze anos, daqui da frente, sem lembrar que toda a minha existência caótica de adolescente girava em torno da periogosa figura do Alex. E talvez justamente por eu vê-lo desta forma, como alguém perigoso para mim, é que eu fiz tanta escolha que me afastava dele quando o que eu mais queria era me aproximar.

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Ah, Caleb!, eu me recordo, ingênuo e tolo Caleb!

Eu fazia todas as escolhas erradas com o objetivo de me proteger, eu escolhia fugir ao invés de enfrentar, mentir ao invés de ser sincero, pensar duas vezes ao invés de simplesmente agir. Tudo isto para que eu tivesse alguma vantagem, alguma proteção, alguma segurança.

O mais tragicômico de tudo isto é que era justamente este cuidado todo que acabava me deixando desprotegido e, consequentemente, me machucando.

De que adianta resguardar e proteger as muralhas de um castelo se o inimigo está lá dentro?

*

"Eu não pensei que eu fosse gostar mesmo de você", Alex havia dito, na minha cara, e eu tentava realmente me recordar das anteriores palavras, mas o eco repetitivo na minha mente não mudava.

Quando desci para o térreo da sua casa, literalmente me segurando onde podia, eu não enxerguei nem ouvi nenhuma das pessoas nas quais esbarrei. Olhei para trás algumas vezes para checar que ele não me seguiria, e tentava me esconder entre a multidão antes de achar meu caminho para o banheiro do lado de fora e me trancar lá.

Só então pude respirar, acalmar o coração e raciocinar um pouco.

Eu fui tão óbvio: eu fugi!

Agora eu não sabia o que fazer, como olhar na cara dele, como falar com ele, ou sequer como explicar meus motivos de lhe dar as costas em uma conversa tão crítica.

O que ele estaria pensando agora?

Talvez ele adivinhasse meus reais motivos - pânico! - de haver fugido dele, talvez pensasse que eu só não queria lidar com a situação, talvez imaginasse que eu continuava zangado ou pior ainda, talvez cogitasse se eu não estaria enojado que ele se sentisse daquela forma por mim.

Sem falar que aquilo não era certo.

Como pode que o Alex sinta o mesmo que eu, por mim?

Não importa, porque não era disso que ele falava. Ele não me falou tudo aquilo para fazer uma declaração de amor, ele havia pedido por algo. Ele havia...

Declaração de amor?

Levei as duas mãos ao rosto, sentindo-o queimar só com os meus pensamentos, tentando acalmar o coração que voltava a bater feito um louco. As palavras tornando a repetir-se na minha cabeça, em junção às expressões do Alex, e de sua voz.

Deixei as duas mãos caírem, inspirando e expirando algumas vezes, antes de bater a parte de trás da minha cabeça na parede em que eu estava apoiado por equilíbrio.

Eu sequer conseguia fazer minha cabeça funcionar feito uma parte normal do meu corpo, então só podia chegar a conclusão de que fugir havia mesmo sido a escolha certa a se fazer. Só que eu não podia simplesmente ir embora, ou fingir que esta conversa não havia acontecido, ou qualquer outra coisa além de enfrentá-lo outra vez.

Sem falar que é aniversário dele.

Apoiei as mãos nos joelhos, que tremiam mais do que uma corda bamba, e ponderei como eu sequer olharia em seus olhos outra vez.

Eu não pensei que eu fosse gostar mesmo de você.

Eu quis tanto te beijar.

Eu pensei que pudesse ignorar o que sentia.

Eu o fiz porque tava magoado, Caleb.

Isto torna muito difícil a tarefa de agir apenas como seu amigo.

Eu pensei que eu pudesse entregar tudo de mim só pra poder ter um pouco de você.

Não significa para você o mesmo que significa pra mim.

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Eu não pensei que eu fosse gostar mesmo de você.

Não era esta a parte relevante do que ele havia dito, apesar de que meu coração dissesse o contrário, não era este o objetivo da conversa dele.

Se eu havia entendido corretamente, Alex havia pedido que eu parasse de agir feito o idiota apaixonado que eu sou, porque pensa que eu não gosto dele e quando ajo como se gostasse, eu o confundo. E, quando ele fica confuso, coisas como o que aconteceu no meu aniversário acontecem. E ele não quer que isto aconteça porque ele quer que as coisas voltem ao normal, que fique tudo bem e que a gente volte a ser como antes.

Era este o objetivo da conversa de trégua, não era?

Então não importa que ele tenha dito tantas coisas bonitas.

Não importa, Caleb!

Saí do banheiro, deparando-me com algumas caras zangadas pelo tempo excessivo que fiquei ali. Um rapaz passou por mim correndo, reclamando sobre a bexiga estar explodindo e a culpa ser minha, e entrou no local de onde eu havia saído.

Caminhei em torno da piscina, esbarrando em algumas pessoas, tentando encontrar o Alex.

— Caleb?

Girei o rosto, deparando-me com parte do meu grupo de amigos. Grace avançou na minha direção, os olhos atentos nos meus, antes de estreitá-los.

— O que foi, discutiram de novo? — acusou, ao invés de perguntar, com certa irritação.

Engoli em seco, sentindo algo dentro de mim encolher mais uma vez.

— Ou fizeram as pazes? — questionou Bex, havia estando lado a lado com Korn, sentados no local onde eu havia estado quando cheguei. Ao contrário de Grace, parecia ter alguma fé em mim de que eu conseguiria a proeza a qual chama de "pazes".

Mordi os lábios, assentindo.

Grace, no entanto, não pareceu satisfeita. Deu um peteleco nos meus cabelos, e eu pisquei, focando os olhos nela.

— Fala alguma coisa! — pediu, estranhando meu comportamento, como se não levasse fé que fosse verdade. — O que foi, gato comeu sua língua?

Esfreguei minha cabeça, sentindo a testa vincar, e a vi devolver a careta. — Sim — murmurei, incômodo, antes de corrigir: — Não! — Pude ouvir de longe a gargalhada dos demais, especialmente a histérica do Ian, e evitei revirar os olhos. — Quero dizer, onde ele tá? — Grace arqueou as sobrancelhas, parecendo confusa. — O Alex. Cadê ele?

Eles se entreolharam, e Korn respondeu por ela: — Ué — murmurou, achando graça. — Não era você que tava com ele agora?

— Sim, mas...

— O Alex tá aqui.

Senti um arrepio subir pelas minhas costas ao perceber que a voz dele veio dali, como se o timbre bonito da sua voz literalmente houvesse passeado por elas até alcançar minha nuca.

Girei nos calcanhares, deparando-me com ele.

Os olhos escuros pareciam hesitantes, apesar da sua postura aparentar do contrário, o que me fez supor que era forçada. Ele piscou algumas vezes, demorando os olhos nos meus, como se tentasse ler o que havia aqui, e mais do que isto, como se estivesse surpreso que eu sequer estivesse aqui.

Bom, de fato, eu havia corrido como se não fosse mais voltar.

Porém, tecnicamente, eu só precisei esfriar a cabeça por alguns minutos, como você deixa um computador superaquecido esfriar depois que ele deu pane.

— Alex...

Bom, o que eu devia dizer agora?

Quando planejei ir atrás dele mais uma vez, para não deixar as coisas abandonadas como havia deixado em seu quarto, não imaginei que teríamos uma plateia composta por praticamente todos os nossos amigos. Desviei o olhar para Mary Jane, que apareceu magicamente junto do Alex às minhas costas.

Eu havia os comparado uma vez, como se ela fosse a versão feminina e coreana do Alex, e agora eu podia ver o mesmo de novo. Eles eram perfeitos, sozinhos ou juntos.

— Vocês se acertaram? — perguntou ela, com os olhos puxados em mim, mas logo os desviou para o Alex, como se questionasse aos dois.

Pisquei, também desviando os olhos para o Alex, e mordi os lábios com força para manter qualquer palavra ali. Ele também focou a atenção em mim, e parecia que me fazia a mesma pergunta que eu fazia a ele, como se nenhum de nós tivesse certeza do que havia acontecido.

Uma trégua, as pazes, um acerto de contas. Todas as expresões pareciam completamente erradas quando eu me recordava da conversa em seu quarto.

Olhei para os demais, que estavam do meu lado direito, sequer um deles tentando disfarçar a expectativa por uma resposta. Nos entreolhamos uma última vez, e eu desviei o olhar quando assenti, acenando positivamente.

Ouvi a comemoração que se seguiu, e Alex me encarar como se ainda estivesse em dúvida, forçando um sorriso para os demais mas me olhando como se quisesse ter certeza. Forcei um sorriso para garantir que sim, e ele forçou outro de volta, a áurea sinistra vibrando ao meu redor.

O clima ainda estava pesado e estranho, embora os demais tivessem feito um trabalho tremendo em aliviar a situação com as piadas, as comemorações e as reprimendas direcionadas a nós dois pelo sufoco no qual os deixamos, agora sem papas algumas nas línguas.

Mas ainda faltava algo, e eu soube que ele também sentia o mesmo.

Apesar da postura confiante, em contraste à expressão hesitante, eu pouco podia ler do seu rosto, como se uma máscara inexpressiva houvesse o escondido de mim. Poucos instantes depois, Alex deixou-se ser arrastado para longe por Mary Jane que, por algum motivo, parecia querer tirá-lo da situação desconfortável ao meu lado. Ponderei se ele havia contado algo a ela, ou se ela era simplesmente perceptiva pelos olhares que me dirigiu, mas tudo que pude ver foi seu sorriso para animá-lo e fazê-lo rir, longe de mim.

Os dois fizeram caminho entre a multidão, inventando uma desculpa para os demais que sequer ouvi, e esgueiraram-se entre as pessoas.

Minhas pernas movimentaram-se antes que eu as ordenasse, e eu larguei Ian na metade de algo que me dizia, correndo para alcançá-los dentro da casa antes que sumissem de vista.

— Espera! — gritei, antes que eu pudesse me impedir e vi quando Alex olhou por cima do ombro, seguindo minha voz. — Alex!

Peguei sua mão na minha, fazendo-o literalmente parar de caminhar, quando focou os olhos em mim. Não pude evitar desviar o olhar para sua outra mão, segurada por Mary Jane, que arqueava as sobrancelhas com surpresa ao me enxergar também.

Parado no meio da sua sala de estar, entre nós dois, cercado de pessoas, tudo o que o Alex fez foi piscar em confusão. — Caleb?

Sentindo o coração pesar, apertei ainda mais a sua mão na minha, antes de pegá-la com as duas mãos como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. Ergui os olhos para o seu rosto, vendo que ele havia se virado totalmente na minha direção, sua outra mão livre.

— Me desculpa, Alex — pedi, sentindo os olhos marejarem sem minha permissão, mas não desviei dos seus. — Desculpa.

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Vi quando o franzir de sua testa relaxou, assim como tudo em sua postura tensa desde que havíamos estado em seu quarto, e ele piscou repetidamente como se processasse a informação. Balançou a cabeça de um lado para o outro, soltando um riso fraco, negando. Os olhos escuros estavam ainda mais avermelhados do que antes, embora agora marejados também, como os meus.

— Você não precisa pedir desculpas, Caleb — murmurou ele, com tanto carinho que eu me senti sufocar. Ele levou uma mão para o meu rosto e limpou a lágrima que eu sequer vi cair, antes de sorrir de forma triste para mim. — Por nada. Você não fez nada de errado.

Então por que eu sinto que eu fiz?

Desviei os olhos para a mão que eu segurava, a mesma que fazia música com tanta paixão, que me puxava para debaixo dos seus braços, que gesticulava com tanto desespero quando havia tanto para expressar.

Alex é tão precioso e sequer enxerga isto, e eu havia apenas contribuído para que duvidasse do seu valor.

Agora mesmo eu queria abrir a boca e dizer todas as coisas que ele gostaria de ouvir, ou que precisasse ouvir, mas eu não podia. Tudo o que conseguia era murmurar desculpas vagas e desimportantes enquanto me sentia murchar por dentro, incapaz de ser valente ou pertinaz. Eu queria fazer mais ou ser mais, mas tudo o que eu conseguia era ser comido pela frustração de não poder desempenhar nada que eu desejasse de verdade.

Senti meus olhos embaçarem ainda mais, tanto acumulado que simplesmente transbordou, não importando o momento inapropriado, a batida que ressoava pela casa, nem a quantidade de pessoas e conversas ao nosso redor.

— Caleb? — murmurou Alex, mais uma vez, tentando fazer com que eu erguesse o rosto, soando preocupado.

Larguei uma das mãos para limpar o rosto molhado com rapidez, mas voltei a juntá-la a outra, com medo que ele escapasse por entre meus dedos. Só então ergui os olhos marejados para ele, vendo a ruga de preocupação e tristeza afundar-se entre suas sobrancelhas escuras.

— Você também não — consegui falar, enfim, ao vê-lo piscar com confusão. Eu não conseguia dizer nada referente a mim que fizesse alguma diferença, mas eu podia dizer algo referente a ele. Mordi os lábios, negando com a cabeça, ao elucidar: — Você também não fez nada de errado.

Alex pareceu pensar do contrário das minhas palavras, mas no instante seguinte, sua expressão relaxou mais uma vez e o sorriso mais genuíno que havia me direcionado em semanas espalhou-se pelo seu rosto. Era mínimo, mas se atingia os seus olhos pretos, então era gigante o suficiente para mim.

Minha vontade de chorar aumentou mas eu a engoli, vendo-o assentir positivamente como se aceitasse minhas palavras, mesmo que não concordasse com elas. Eu havia feito o mesmo, afinal, porque a sensação de haver errado tremendamente ainda formigava em cada pedaço do meu corpo.

— Tudo bem — disse ele, por fim, antes de me puxar para um abraço.

Segurei a respiração no mesmo instante, sendo amparado pelos braços costumeiros que haviam demorado tanto em me amparar. Não havia sido como sempre, porque ele ainda parecia tenso, tanto quanto eu. Ele não havia colocado tanta força no abraço, e pareceu hesitar tão logo quanto o fez, como se não soubesse se estava tudo bem em me abraçar.

Mas eu enfiei o nariz em seu pescoço, satisfeito em sentir seu cheiro tão de perto, e o amparei de volta.

— Tudo bem — murmurei de volta, assentindo. Tá tudo bem agora, quis acrescentar, embora a crescente sensação de que não estivesse ainda persistisse no meu peito.

Pude vislumbrar uma esquecida Mary Jane às suas costas, mas embora me analisasse com atenção, parecendo na defensiva pelo Alex, não parecia surpresa ou decepcionada de nos ver daquela forma.

Como nós nos encaramos depois da cena constrangedora e dramática no meio da sua festa, certos de que ao menos alguns pares de olhos haviam sido perceptivos o suficiente para estranhar a situação, eu não saberia explicar.

O constrangimento de haver chorado feito uma criança desamparada bateu depois que o sentimento amargo da minha boca havia sumido, e eu evitei seu olhar antes de voltar ao nosso grupo de amigos e deixá-lo com a menina coreana. Ainda assim, pude perceber que ele pareceu tão constrangido quanto eu porque também não fez esforço algum em continuar aquela conversa.

Pelo resto de sua festa, eu não ousei me dirigir a ele uma sequer vez antes da despedida, e ele também não.

Minha cabeça estava tão cheia que eu só consegui dormir depois que o dia havia amanhecido, por estar exausto e por haver bebido depois de tanto tempo que havia passado sem colocar álcool na boca outra vez. Me revirei na cama, andei em círculos pelo quarto, desenhei, escutei música, invadi a cozinha de madrugada para cozinhar comida o suficiente que durasse uma semana, retornei ao quarto e me revirei na cama mais uma centena de vezes antes de dormir.

E quando eu dormi, eu sonhei com ele.

E em todas as noites que se seguiram.

*

As semanas seguintes passaram voando e eu sequer percebi, feito um perfeito zumbi, como aqueles que meu irmão insiste em assistir vagar sem rumo pelo mundo na televisão.

Mais noites mal dormidas, mais pensamentos me dando dor de cabeça, mais arrependimentos e mais questionamentos que me assolavam sem qualquer descanso.

Eu tinha essa constante sensação de dejà-vu, e talvez fosse por causa da primavera se aproximando e a ventania que tomava conta da nossa pequena cidade. Vento forte sempre me trouxe essa sensação estranha. Mas, no fundo, eu sentia como se estivesse esperando por algo que eu tinha certeza que viria. Eu não estava simplesmente vendo os dias passarem por mim, como se não fosse nada, por puro desprezo. Eu estava esperando por algo que eu sequer compreendia.

Essa sensação só começou a amenizar no dia da aposta, praticamente um mês depois do aniversário do Alex.

As coisas entre nós certamente não haviam voltado ao normal, mas elas haviam melhorado significantemente. Aos poucos, ele já não parecia mais desconfortável ao me abraçar como abraçava antes, nem ao puxar assunto comigo, nem ao pedir por mais desenhos. Eu quis me esforçar também, então comecei a oferecê-los por conta própria, a sugerir que o acompanhasse ao ponto de fumo antes que ele pedisse ou a convidá-lo para ir lá em casa.

Nenhuma palavra havia sido proclamada sobre o que havia sido dito no seu quarto ou sobre nosso abraço choroso no meio de sua sala de estar.

Nossa panelinha do ensino médio mesclou-se outra vez, e talvez pelo receio de que nos deixassem desconfortáveis ou voltássemos a brigar, as brincadeiras sobre nossos desentendimentos cessaram de vez. Ninguém ousava lembrar-se disto outra vez, embora eu sentisse como se houvesse um gigante elefante azul no cômodo vez ou outra que nossos amigos nos encaravam com análise.

Pisquei, tentando prestar atenção na conversa.

Falhei miseravelmente, porque meus olhos estavam focados em Alex, como sempre. Ele bocejava, de um jeito que achei fofo, antes de fazer uma careta e esfregar o rosto como se para manter-se acordado. Apesar do bocejo, desde que havia sentado no chafariz, balançava a perna sem parar em ansiedade.

Eu sabia que ele levantaria para fumar logo, então não me surpreendi quando ele o fez.

— Preciso fumar — declarou, como sempre faz, antes de girar nos calcanhares para dar as costas.

O casal que estava ao seu lado o impediu.

— Isso é vício, cara, e dos feios! — defendeu Korn, balançando a cabeça em desaprovação, como a de um pai.

Alex demorou-se um tempo para encará-lo com cara de peixe morto, antes de franzir o cenho em uma careta, abrindo os braços. — É óbvio que é! — concordou, sem dar importância, antes de puxar o braço que Bex segurava. — Mas me deixem ser um viciado em paz! — dramatizou, antes de soltar um riso, dando as costas.

Bex soltou um risinho, girando algo em suas mãos habilidosas.

— Boa sorte fumando sem cigarro — desejou, com deboche, ao dar de ombros.

Alex virou para trás mais uma vez, checando os bolsos da calça com rapidez antes de focar seus olhos em Bex. Incrédulo, marchou até aquela pessoinha que amava fazer truques de mágica e fazer de todos nós tolos.

— Como você fez isto? — reclamou, torcendo o nariz, antes de parar em frente de Bex e estender a mão, sem esperar por uma resposta. — Devolve.

— Devolver o quê? — retrucou, com diversão, quando fez outro movimento e a cartela de cigarros desapareceu de sua mão.

Os demais gargalharam, enquanto Alex inspirava fundo para manter a paciência, parecendo rir de nervoso para não esganar Bex com as próprias mãos.

Grace, ao meu lado, praticamente pulou de emoção, batendo palmas. Seu cabelo crespo já havia crescido o suficiente desde o início do ano, embora estivesse ralo, deixando-a mais charmosa a cada dia. As bochechas grandes coraram em animação quando ela mesma gargalhou.

— Meu deus, eu sempre quis fazer isto!

Bex focou os olhos escuros nos dela. — O quê, truques de mágica?

— Não! — respondeu, dirigindo um olhar debochado ao Alex, que estreitou os olhos negros para ela. — Tirar essa porcaria das mãos do Alex!

Desta vez, fui obrigado a rir junto, não sabendo o que era mais engraçado: o truque de Bex, a animação de Grace, os demais vaiando o Alex ou o próprio Alex, com o rosto corado de ódio enquanto ria também, porque não sabia que outra reação ter.

Alex limitou-se a focar em Bex uma vez mais.

— Devolve, Bex.

Bex mordeu os lábios, olhando para a gente: — E aí, devolvo ou não?

— Não!

— Sim! — retrucou Alex, nos encarando com incredulidade.

Cristina desencostou a cabeça do ombro do Mason para concordar com Alex: — Devolve — instruiu, assentindo. — A vida e o corpo são dele. A escolha de fumar ou não é dele também — defendeu, dando de ombros. — Sem falar que isto não vai fazê-lo parar.

— Obrigado, Cris! — agradeceu ele, enquanto os outros torciam o nariz.

Bex ponderou, enquanto outros retrucaram, falando sobre o mal que o cigarro faz e problemas de saúde. Riu-se, por fim, antes de assentir.

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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Tem razão — concordou, fazendo a cartela aparecer em suas mãos de novo e girando-as nos dedos até fazê-la sumir outra vez —, mas a gente ainda assim pode torturá-lo um pouquinho.

Alex colocou as mãos na cintura, em uma pose cômica.

— Não acho justo — retrucou ele, com um beiço. — Ao invés de torturar a minha pessoa, deviam me encher de amor e me deixar ser feliz do jeito que eu quero! — discursou, fazendo um gesto teatral como a mão como se recém declamasse Shakespeare.

Dan estalou a língua, torcendo o nariz.

— Acho que você precisa rever seus conceitos de felicidade, parceiro — comentou ele, e Grace concordou, assentindo.

Alex suspirou, com carinha de quem aprontou antes de resmungar, perdendo a pose da razão: — É que me acalma quando eu tô nervoso.

— Você tá sempre nervoso — apontou Mary Jane, parecendo achá-lo uma graça, com um sorriso, mas ele lhe mostrou a língua.

— É por causa da nicotina — explicou Mason, apoiando-se nos joelhos para observá-lo melhor, como se fosse óbvio. — Mas é por isto é que considerado um vício. Esse nervosismo que você sente é aumentado pela nicotina e faz você depender dela para aliviar, cada vez mais.

Antes que Alex se defendesse, Cris acrescentou, com o tom ponderativo: — É, você não fumava tanto quando eu te conheci!

— E quando foi isso? — questionou Dan, curioso.

— Uns três anos atrás — chutou, dando de ombros.

— Credo, Alex, desde quando você fuma? — exclamou Bex, parando de girar a cartela nos dedos, parecendo estar realmente em choque com a informação.

Ele revira os olhos. — Eu nem fumo tanto assim, vocês é que são exagerados!

Ian gargalhou. — Você não consegue ficar nem uma hora sem fumar.

— Não é bem assim — defendeu-se ele, ofendido, de maneira que me deu dó.

— Ele ficou três dias inteiros sem fumar nas férias — defendi, rapidamente, e ele dirigiu um sorriso lindo para mim.

— Obrigado, Caleb! — agradeceu, com carinho.

Acenei positivamente, mordendo os lábios para que não sorrisse tanto de volta, vendo-o voltar a atenção para o próximo que o desafiou:

— Duvido que fique mais do que vinte e quatro horas sem fumar — apostou Dan, gargalhando da careta que Alex fez em resposta.

— Duvido que fique uma semana — jogou Korn, fazendo um cumprimento engraçado com Dan ao seu lado, que adorou a ideia. A mesma fez Alex quase chorar só de pensar a respeito.

Eu vi que ele abriu a boca para retrucar, mas Dan lançou uma aposta ao desafio do Korn: — Aposto cinquenta conto.

Alex estreitou os olhos, hesitando no que estava prestes a dizer, e fiquei surpreso ao ver que ele realmente parecia considerar a hipótese. Com uma competitividade no olhar que eu nunca vi, ele estendeu a mão para Dan, que a aceitou imediatamente com diversão.

— Feito — concordou, apertando sua mão antes de apertar a de Korn, que estava junto na aposta.

Alex dirigiu-se a Bex logo em seguida, que lhe estendia a cartela, aparentando muita satisfação com a aposta do namorado e de Dan. Ele lhe mostrou a língua quando agarrou o objeto das mãos de Bex como se tivesse medo que evaporasse feito mágica de seus dedos outra vez.

— A partir de agora — incluiu Korn, com sugestão nos olhos castanhos, sobre a aposta, mas uma careta se aprofundou no rosto do Alex.

— Não fumo desde às cinco — reclamou, e tudo o que eu podia pensar era o que ele fazia acordado às cinco horas da manhã.

— Bom, então estas cinco horas — murmurou Korn, checando seu relógio de pulso, porque já eram dez da manhã — vão contar junto.

Alex pensou um pouco, com um beiço, antes de negar veementemente e dar as costas. — Não! — decidiu, fugindo em direção do ginásio, para o ponto de fumo.

— Fracote! — berrou Bex, fazendo-o apenas dar um risinho e erguer o dedo do meio, sem virar para trás. De longe, pude ouvir o "sou!" dele, o que causou gargalhadas em todos.

Assim que ele estava longe, começaram as apostas entre os demais sobre quanto tempo ele duraria antes de desistir. Alguns pensaram que duraria só um dia, outros que chegaria até a metade da semana e outros, mais além, que ele não resistiria no penúltimo ou último dia.

Eu garanti que ele conseguiria ficar, sim, uma semana inteira sem fumar e Grace concordou comigo, dizendo até que ele poderia parar de vez se quisesse. Nenhum de nós apostou dinheiro, foi apenas uma discussão boba para tirar sarro dele, mas no fundo, eu não sabia se eu estava certo. Menos ainda sabia se eu podia concordar com a opinião de Grace sobre isto. Quero dizer, desde que conhecemos o Alex, ele já fumava muito, e isto aumentou significantementecom o passar dos anos. Para mim, ele já era dependente daquilo à nível extremo e para realmente parar de fumar, ele teria que desejar muito, como se literalmente sua vida dependesse disto.

Mas não era por não ter certeza se ele conseguiria parar, ou se ao menos conseguiria ficar uma semana longe da nicotina, que eu iria deixar de apoiá-lo nisto.

Quando retornou, estávamos conversando sobre locais em que poderíamos fazer alguma festa, já que era muito incômodo toda vez que ocorriam na casa de alguém, com horário, cuidados e limpeza. O intervalo de hoje era duplicado porque era dia do estudante, como se para compensar que não fosse feriado nacional. E, como perfeitos estudantes, aproveitamos nosso tempo extra de intervalo para discutir sobre onde faríamos festas ao invés de estudar.

Alex deixou os cigarros que lhe restaram nas mãos de Bex para que devolvesse na próxima quinta-feira e pediu para que Dan e Korn o cronometrassem a partir do momento que retornou.

A conversa começou a tomar um tom traquineiro ao passo que era decidido que se faria uma festa em algum local diferente. A ideia perversa impulsionada por Grace passeou por entre sugestões de terraços, locais abadonandos ou em construções, ou locais simplesmente fechados à noite.

— Tem uma casa abandonada perto da minha — sugeriu Cris, tão traquineira quanto Grace, para ela. — Mas sei lá, ela é velha e a gente teria que dar uma geral antes de qualquer coisa.

Grace fez uma careta, mas pensou por mais um tempo. — E quanto ao ar livre? — sugeriu, ponderativa. — Tem muitos terrenos aqui na cidade meio isolados.

— Vocês querem organizar uma rave? — questionou Mary Jane, parecendo achar graça. — Contem comigo!

— Meninas, isso dá muito trabalho — intrometeu-se Alex, com um riso. — A não ser que queiram que aconteça só no próximo mês.

— Verdade — concordou Grace, a contragosto, torcendo o nariz. — Eu queria fazer algo agora, nem que fosse pra beber um pouco e dançar.

— E que tal aqui?

Todos olhamos para o Alex, que continha um sorriso maldoso no rosto, como se a ideia acrescentasse certa porcentagem de habilidades malandras para seu personagem, como em um jogo, alimentando-o.

— Aqui? — questiona Grace, entreolhando-se com Cris, como se ponderasse se era bom o suficiente para elas.

Alex assente. — Sim, o colégio.

O silêncio ponderativo que se seguiu respondeu o suficiente, ao passo que eu olhava ao redor, também me questionando se seria possível.

— Não tem ninguém cuidando à noite — apontou Alex, como se para defender o argumento de uma discussão. — Tem um pátio amplo, algumas salas maiores que podemos dar um jeito de entrar — sugeriu, depois da primeira ideia trambiqueira, as outras parecendo vir com naturalidade à sua cabecinha travessa. — Pode ser só nós — ponderou, apontando entre nós dez. — Talvez a gente possa convidar mais gente, mas poucos, trazemos música e luzes, bebemos, fuma... — Interrompeu-se, com uma careta, ao recordar-se da aposta. — Droga!

Os demais riram e ele, que estava energeticamente em pé desde que retornou, sentou-se com desânimo logo após.

— Acho que pode dar certo — concordou Bex, assentindo, ao olhar para as meninas.

— Sim, a gente pode pular o portão ou o muro — explicou Grace, alargando os olhos com animação — e vamos ter todo esse espaço pra dançar, beber, conversar.

— Claro — concordou Alex, com um sorriso preguiçoso, antes de nos dirigir um olhar endiabrado: — Que lugar proibido é melhor que um colégio para perversão?

Soltei um riso, percebendo que todos já haviam sido convencidos da sua ideia travessa, como já era de costume. No fundo, eu havia sentido um tanto de falta delas, porque haviam estado escassas desde que o segundo ano dele como formando do ensino médio havia começado.

Sim, Alex é o rei das más ideias!

Mas isto é porque suas ideias são sempre as melhores.

— Espera, maconha pode? — perguntou, por fim, como não houvesse deixado de pensar nisto desde que a aposta foi lançada, mas ouviu um sonoro “não” como resposta.

*

Naquele sábado, invadimos o colégio pela madrugada.

Fomos os primeiros a chegar, mas a ideia de uma festa proibida dentro dos muros do colégio se espalhou em grupos de turmas para que mais gente comparecesse.

Improvisamos uma escada de pedras do lado de fora do muro, na fachada do local, para que os demais também usassem. Pulamos o muro, com lanternas, com mochilas cheias de bebidas, de aparelhos de luz e caixas de som. Entramos, com muito cuidado, e fizemos uma revista pelo colégio para nos certificarmos de que não havia ninguém.

Ao contrário de colégios de ricos, o nosso não possuía câmera alguma ou sequer um sistema eletrônico de proteção. Os muros eram altos e isto devia bastar, embora a pichação do lado da rua não pudesse ser evitada por malandros durante as noites.

O som foi ligado dentro de uma das salas de aula, no mais fundo do colégio, para que não repercutisse tanto do lado de fora.

Como foi possível entrar em uma sala de aula?, é de se questionar. Mas a resposta, como sempre quando se trata de malandragens, se resumia na figura traquineira do Alex. Ele havia se esgueirado para dentro da sala dos professores, feito um delinquente, para "pegar emprestado" um molho de chaves. No semana do estudante, é claro, para dar o exemplo.

Aos poucos, mais pessoas chegaram, sempre pulando o muro onde havíamos deixado a escadinha de pedras. No total, não passou de umas cinquenta pessoas além de nós, algumas na sala pequena de multimídia, onde havia o espaço vazio para que dançassem junto da música e das luzes piscando e as demais espalhadas pelo pátio, bebendo e conversando.

Estar naquele espaço durante a noite era muito estranho.

Quero dizer, já estive aqui durante a noite em alguns poucos eventos que aconteceram promovidos pela escola, geralmente com os pais. Eram raros, mas aconteciam. Só que estar ali na total escuridão que envolvia apenas lanternas, com um bando de adolescente bebendo, fumando, se beijando e conversando, sob música eletrônica, em todo aquele espaço vazio, era outra história.

— Nervoso? — perguntou Dan, ao meu lado, ao ver que eu encarava a sala de onde vinha a música em volume mais alto do que o instruído.

— Eles podiam abaixar um pouco o volume da música, né? — retruquei, voltando os olhos para ele, ao aceitar a garrafa de bebida que ele me oferecia.

Dan riu-se, mexendo nas próprias tranças com bom humor, antes de dar de ombros. — Relaxa — pediu, girando o celular na outra mão —, não vai dar nada.

Estávamos todos no pátio também, e eu estava sentado no chafariz, com Ian e Dan de um lado e Mason e Cris do outro. Os demais estavam espalhados por ali. Todos estavam repassando cerveja, e eu já havia bebido um pouco dos demais, mas ainda não tinha pego uma garrafa só para mim.

Dan parecia haver dado um tempo do celular e escolheu não gravar nenhuma live no dia de hoje para não arriscar sermos pegos. Entediado, pareceu grudar sua atenção no menino ao seu lado. Só vi quando ele passou um dos braços em torno de Ian, que fez uma careta para o ato.

— Você não parece estar se divertindo — comentou ele, para a cara de bunda que Ian fazia. — Me diz, o que te aflige?

— Sai fora! — reclamou ele, saindo debaixo de seu braço, mas Dan riu-se, parecendo se divertir muito com a situação.

Ele arqueou as sobrancelhas, olhando o Cunningham mais jovem dos pés à cabeça, antes de um sorriso preguiçoso e debochado espalhar pelo seu rosto.

— Pra que tanta agressividade? — perguntou, ao passo que Ian o encarava com ódio reprimido. — Que masculinidade frágil é esta, cara?

Ian suspirou, parecendo incomodado até a medula.

— Não tenho isso — resmungou, sem muito argumento, porque Ian nunca sabia explicar suas birras. — Mas se eu quisesse abraçar um cara, certamente não seria você.

No lugar do Daniel, eu ficaria ofendido, mas a comum picuinha que Ian tinha com ele pareceu ser exatamente o que ele queria ouvir. Gargalhou, aproximando-se um tanto mais de novo, antes de repetir a mesma ação de passar um braço pelos seus ombros.

Ian, desta vez, não relutou, mas empenhou-se no olhar assassino em sua direção.

— Eu me pergunto o porquê disto — ponderou Dan, gracioso, ao coçar a sobrancelhas como se, de fato, estivesse pensando a respeito. Então, sua expressão mudou, quando focou os olhos em algo em frente. — Ou o "por quem" — brincou com as palavras.

Segui seu olhar, mas não precisaria, porque soube que iria encontrar Grace. Ela estava rindo, junto de Korn, de algo que Bex dizia, um tanto longe de nós, próximos à mesa improvisada com bebidas que foi arrastada para fora de outra sala para o pátio.

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Ian pareceu desconfortável pela primeira vez na conversa, limitando-se a fazer uma careta. — Não sei do que você tá falando — negou, emburrado.

Subitamente, as minhas próprias palavras vieram à minha mente, em uma repetição dolorosa que eu gostaria de poder esquecer. "Não gosto de você", eu havia dito, de forma semelhante ao Ian. Um tanto desprovido de emoções, devido ao pane sistemático do meu corpo, se comparado à voz cheia de emoção de Ian.

Ian sempre é e sempre foi assim, tão cheio de emoção o tempo todo. Sempre com muita raiva, muito tédio, muita chateação, muito ânimo, muito alguma coisa.

Por um momento, agradeci por não estar em sua pele.

— Hum — resmungou Dan, perdendo um tanto da diversão e a concentrando nas comissuras de sua boca que insistiam em erguer-se. — Sabe, eu gosto de você, Ian — admite, embora o tom fosse sério. — Não me importo que você seja um imbecil comigo na maior parte do tempo.

Arregalei os olhos, me sentindo desconfortável no lugar do Ian, porque além do Dan ter razão, ele ainda não tinha vergonha de apontar o erro. Ian teve a decência de soar constrangido, ao menos, quando tentou negar.

— E-eu não sou...

— Não? — questionou, soltando um riso debochado. — No início eu só quis ignorar a estupidez, e evitar ficar no meio de vocês para evitar problemas. Você não é tão ruim, afinal — ponderou ele, olhando para longe. — Só que eu cansei disto. Eu posso até gostar de você, Ian, mas eu gosto mais da Grace. Então, você que lute.

— Que merda você quer dizer com isto? — grunhiu ele, os olhos castanhos emanando tanta raiva que senti daqui.

Dan deu de ombros, finalmente soltando Ian, que resmungou em resposta. Levantou e piscou um dos olhos de mel para o Ian. — Aí eu vou deixar à sua interpretação — concluiu ele, antes de dar as costas e caminhar em direção da Grace, deixando óbvia a tal da livre interpretação.

Arregalei os olhos, focando em Mason e Cristina, que também presenciaram o mesmo que eu. Nos entreolhamos rapidamente, antes de voltar a atenção para eles.

Dan já havia alcançado os três e havia abraçado a pequenina Grace de supetão, o que a fez rir e abraçá-lo de volta, à vontade. Em seguida se afastaram, ela voltou a conversar com os outros dois e Dan foi incluído na conversa. Em poucos instantes, os quatro estavam rindo abertamente, como dois casais divertidos.

Sentindo o estado de espírito do Ian que pesou todo o ar à minha volta, levei a garrafa de cerveja até que estivesse no seu campo de visão, fazendo-o tirar a atenção assassina deles para a bebida. Aceitou de prontidão, virando-a com agilidade, não restando uma só gota de álcool na garrafinha que estava pela metade.

— O que foi, primo?

Alex subitamente apareceu na nossa frente, saindo de seja qual for o canto escuro onde estava, com os dedos na boca. Sentou entre Ian e eu, no local onde Dan havia estado anteriormente, e observou o primo.

— Nada.

Balancei a cabeça quando olhou para mim, indicando que ele não queria entrar nesse território emotivo do Ian, porque sobraria para todos nós.

Alex acatou prontamente, ficando em silêncio por um tempo ao mexer no celular, resmungando sozinho sobre Mary Jane não haver aparecido na nossa invasão ao colégio. Torci o nariz, vendo um vislumbre rápido da conversa aberta entre eles, por mensagens, que envolvia memes engraçados, risadas e xingamentos falhos da parte do Alex.

Não durou muito tempo conversando com ela, porque logo desligou o celular e começou a balançar as pernas com gana mais uma vez. Eu o observei enquanto girava mais uma garrafa, entregada por Mason, nas minhas mãos.

Alex voltou a levar os dedos à boca, roendo o que restava das suas unhas e puxando a pele acima dos dedos até que sangrassem. Ele havia feito isto o dia inteiro.

— Para com isto — pedi, porque foi mais forte que eu, ao puxar sua mão de sua boca.

Larguei a garrafa ao meu lado de qualquer jeito, e analisei sua mão com atenção, passando os olhos por cada dedo machucado, vendo que mesmo longe de sua boca, eles ainda se contorciam em nervosismo.

— Não dá — resmungou ele, tomando sua mão de volta para unir a outra e contorcê-las acima dos joelhos que balançavam incessantemente. — É a nicotina. Eu preciso fumar.

Torci o nariz.

— Se quer mesmo parar de fumar, não precisa fazer assim tão abruptamente — sugeri, com uma careta. — Para aos poucos.

Alex fez uma careta também, antes de me olhar. — Não quero parar — declarou, como se fosse óbvio, e eu revirei os olhos. — É só por causa da aposta. E uma aposta é uma aposta — afirmou ele, como se fizesse sentido. — Eu nunca perdi uma na vida e não vai ser agora que vou perder.

Suspirei, pensando que ia largar de mão, mas logo o vi levar os dedos à boca mais uma vez. Puxei sua mão de novo, no automático, e soltei um riso.

— Para — pedi, rindo quando percebi que era mesmo automático da parte dele também.

Alex riu, mas deixou que eu segurasse sua mão nas minhas outra vez, enquanto eu mexia nela como se fosse a coisa mais interessante do mundo. Virei-a nas minhas mãos, observando os detalhes dela, me perguntando o quanto aquilo dizia dele.

As partes internas dos dedos indicador e médio pareciam ter uma cor adoecida, diferente do restante de sua mão, e eu soube que era por causa do cigarro. Haviam algumas cicatrizes minúsculas na sua pele, assim como haviam nas minhas, e me perguntei se ele também sequer sabia como haviam parado ali. Em um ímpeto preocupado, deslizei os olhos para o seu pulso, me perguntando se algum dia ele havia se machucado ali, mas nada encontrei.

Suspirei, um tanto aliviado, antes de perceber que eu havia ficado demasiado tempo focado nisto. Ergui os olhos, sentindo um calafrio passear pelo meu corpo quando encontrei os olhos dele também. Não pude decifrar a expressão neutra em seu rosto, embora as orbes escuras parecessem atentas, como se ele simplesmente só estivesse me observando do mesmo jeito que observei suas mãos.

"Nada de me olhar desta forma", ele havia pedido, com tanta súplica.

Desviei o olhar imediatamente, soltando sua mão com um riso nervoso, antes de ajeitar minha postura. Alex também pareceu ajeitar-se, embora eu não tenha me atrevido a olhar para sua cara até que ele se pronunciasse de novo.

— Desculpa — murmurou ele, e eu ergui o olhar, confuso.

— Pelo quê? — perguntei, nervoso, mas isto pareceu deixá-lo desconfortável, então apenas abanou como se não fosse nada.

— Alex!

Um rapaz de outro ano, com quem eu jurava que Alex já havia andado pelo colégio, chamou-o ao longe, junto de um grupo de amigos. Alex piscou, voltando os olhos para ele, e acenou em resposta.

O rapaz, que eu julgava ser da mesma turma que o Alex, aparentava ter a idade dele. Ele fez um sinal indicando sua cartela de cigarro e outro para indicar a área mais afastada do colégio às suas costas, para que Alex entendesse, como se fosse idiota. Até eu havia entendido, afinal, não era preciso nenhum gênio.

Alex me relanceou, mas eu olhei para longe, achando muito interessante as árvores que balançavam com o vento da madrugada no escuro. Em seguida, ele levantou, gritando que já estaria lá e se voltou para nós para dizer que já voltava.

Só então percebi que nosso grupo aumentara, porque Grace, Korn e Bex já haviam retornado e estavam do nosso lado. Fiquei tão perdido em um único momento de conversa com o Alex que eu sequer enxerguei ninguém ao redor.

— Espera. — Alex parou, pensativo, ao se virar na nossa direção. Estreitou os olhos, julgando, antes de questionar: — Sério que não pode nem uma marijuanazinha?

— Não! — negaram, rindo da sua cara de desgosto.

Alez grunhiu, entortando o rosto em uma careta, antes de dar as costas e correr para o tal de amigo. Observei-o se afastar, próximo demais do garoto moreno que ria ao seu lado, até que sumissem na escuridão ao adentrar na zona sem qualquer lanterna.

Se ele não iria fumar, para que havia ido?

Bom, não precisava de um gênio para isto tampouco.

Desta vez, fui eu que comecei a ficar nervoso, balançando a perna até que Grace espalmasse sua mão nela e apertasse meu joelho entre seus dedos, pedindo para que eu parasse porque estava dando nos seus nervos. Acatei até que ela parasse de prestar atenção, focada na conversa com os demais, e logo voltei a balançar a perna em nervosismo outra vez.

— Qual é o seu problema? — perguntou Ian, estreitando os olhos de forma parecida com a do Mason, e eu imaginei que fosse o tempo que passavam juntos.

Fiz uma careta.

— Qual é o seu problema? — retruquei, referindo-me ao beiço que ele ainda portava.

Ian estalou a língua e não falou mais nada, já que nenhum de nós estava disposto a compartilhar.

— Meninos, parem de frescura! — pedia Bex, para os dois que começaram a se cutucar em uma brincadeira que me lembrou muito do Bruno com o Alex quando estavam sempre juntos.

Korn tirou os óculos de grau, visto que seu grau não era tão alto, e deixou-o nas mãos de Bex para protegê-lo quando Dan quase acertou sua cara nas brincadeiras idiotas. Sequer consegui rir, meus olhos varrendo o espaço do pátio colegial e sempre retornando para onde Alex havia se sumido com o rapaz que o atraíra para lá.

Suspirei, virando a garrafa mais uma vez, o comichão desagradável na minha barriga começando a me dar nos nervos também.

— O que foi, Ian? — questionou Grace, em algum momento, parecendo preocupada com a carinha de cachorro abandonado dele.

Girei a garrafa para mais um gole, observando-os pelo canto dos olhos. Ian, que tinha o olhar parado em algum ponto abstrato, finalmente pareceu criar um pouco de vida, pego desprevenido com a súbita conversa.

— Hã, nada — respondeu, pigarreando. Grace estreitou os olhos, não acreditando. — Eu só queria... Um pouco mais de cerveja — concluiu, puxando a garrafa das minhas mãos.

Resmunguei, puxando-a de volta e recebendo um olhar assassino de sua parte. Grace revirou os olhos, levantando-se do lugar para entregar a garrafa que ela própria segurava nas mãos de Ian e aproveitou para dar um peteleco em sua cabeça.

— Toma, cabeçudo.

Desviei o olhar de seu sorriso bobo para o ponto no qual Alex havia desvanecido novamente, e fiz uma careta, até ouvir meu nome ser chamado ao meu lado. Franzi o cenho para a expressão sinistra no rosto do meu melhor amigo, vendo que ele pigarreou para baixar o tom de sua voz ao inclinar na minha direção:

— Sabe, Caleb, eu não sou expert nisto, ao contrário dos jogos e da rede informativa que lidero... — começou ele, e eu arqueei as sobrancelhas, esperando pela verborragia aleatória. — Aliás, muitas vezes quando tô com a Cris eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo, ao contrário de quando eu tô jogando ou trabalhando.

Às vezes, eu não sabia se tinha medo do Mason ou se o admirava.

Soltei um riso imediato pelo nariz, o que me fez perceber que eu estava levemente alterado. Afinal, eu não costumo ter reações sinceras imediatas quando estou no meu estado normal.

Quantas cervejas eu bebi?

— Mas já que ela ainda tá comigo, então quer dizer que eu tô fazendo alguma coisa certa. Mesmo que na semana passada ela tenha tido um surto de raiva quando eu...

— Mason? — interrompi, mais tarde que o planejado, soltando outro riso. — Vai ao ponto, tá?

Mason suspirou, fazendo uma careta, antes de empurrar os óculos em uma mania costumeira, visto que eles já estavam em seu devido lugar.

— Eu não nenhum expert — repetiu, enquanto eu virava a garrafa mais uma vez —, mas acho que não é preciso ser pra saber que, se você gosta dele, devia contar de uma vez.

Me engasguei no mesmo instante, tossindo em seguida. — O quê?

Mason revirou os olhos nas órbitas, antes de resmungar: — Eu também não ia querer ver a Cris se enfiando no escuro com outro cara. — Arregalei os olhos, dando uma olhada ao redor, mas ninguém estava nem aí para a nossa conversa. — Mas ela bem que poderia estar fazendo isto se eu nunca tivesse dito que gosto dela. Não acha?

Uni as sobrancelhas.

— Mas a Cristina gosta de você.

"Eu não pensei que eu fosse gostar mesmo de você", ele havia dito, mas e daí?

Não quer dizer que seja verdade.

Mason suspirou, ao meu lado, antes de me cutucar para que eu olhasse para ele mais uma vez. O azulado, escurecido pela ausência de luz eficiente, prendeu minha atenção da maneira que ele pareceu querer.

— Sim — respondeu, firme —, ela gosta.

Pisquei, pronto para reclamar que ele não precisava esfregar na cara, quando percebi que não era isto que ele queria dizer.

— O que você...?

No entanto, antes que eu finalizasse a pergunta ou sequer meu raciocínio, o contorno de uma figura apressada apareceu da escuridão do colégio, os passos da corrida chamando nossa atenção. Não haviam se passado sequer cinco músicas depois de haver sumido, antes que Alex aparecesse correndo, ao lado do garoto com quem sumira, causando estranhamento em todos.

Ele esperou estar perto o suficiente para informar o que se passava.

— Polícia! — berrou, e todos piscamos, tentando entender se era brincadeira ou não, mas o desespero misturado com euforia de sua voz confirmou ser verdade. — Polícia! Polícia!

Alarguei os olhos, levantando ao mesmo tempo em que Mason o fazia, ao meu lado, assim que o burburinho começou. Os gritos fizeram cessar a música rapidamente, a tempo de ouvirmos os passos apressados dos dois caras uniformizados aos quais Alex se referia, antes que eles se materializassem logo em frente.

Dei um pulo, correndo na direção contrária assim que pude me mexer, mas me deparei com um terceiro.

Puta merda!

Alguém devia ter denunciado o volume excessivamente alto da música nos arredores do colégio - e Dan ouviria quando saíssemos desta situação! Ah, se ouviria!

"Relaxa"? "Não vai dar nada"?

Até parece!

E depois ainda me perguntam por que eu não confio nas pessoas.

Todos começaram a correr ao mesmo tempo, para direções diferentes, o que fez os policiais se dividirem na busca pelos adolescentes inescrupulosos que éramos. Eu fiquei tão perdido sobre para que lado correr, também checando para onde haviam ido meus amigos, que acabei parado feito um paspalho, olhando para os lados de forma tão agressiva que me tonteou.

Não vi, só senti quando a mão de Alex enlaçou com força na minha e me puxou em outra direção, de maneira tão brusca que quase senti meu braço deslocar.

Aquilo trazia uma estranha nostalgia na boca do estômago.

E não é que já estivemos em uma situação parecida antes?

Corri, corri, corri um tanto mais.

Alex me puxou pelos corredores do colégio, guiando-me para onde quer que estivesse indo, e eu me deixei levar, como sempre quando se tratava dele. Apenas quando vi nossa turminha na nossa frente, quase no alcance do portão, é que consegui me soltar do Alex para conseguir correr melhor, junto deles.

Só então percebi que Alex gargalhava da situação, como se fosse a coisa mais divertida que acontecia na sua vida em muito tempo. Eu também teria rido junto, se não sentisse o lanche da noite e o álcool chacoalhando no meu estômago de maneira tão incômoda.

Correr bêbado foi a coisa mais estúpida que fiz em muito tempo!

— Não, aí não! — gritou Alex, o riso sumindo, quando eu quase alcançava os outros, parando de correr abruptamente.

Diminuí os passos, olhando para trás ao vê-lo repetir que não devíamos ir por ali ao passo que girava seu rosto perfeito de um lado para outro ao checar o melhor caminho com rapidez. Ignoramos seu aviso, mas Alex deu de ombros, ignorando nossa ignorância.

— Bom, foda-se — concluiu, ao literalmente nos largar de mão, correndo na direção contrária.

Parei no mesmo instante, arregalando os olhos. — Alex! — chamei, chocado, tentando entender.

Só quando foquei os olhos no portão de onde entramos é que enxerguei as luzes da sirene, já que havia uma viatura acabava de estacionar bem ali, à nossa espera. O portão estava fechado, porque eles haviam entrado pelos fundos do colégio, para nos pegar de surpresa, o que nos fez pensar que não haveria ninguém na frente.

Ledo engano.

Berrei para os demais, movendo meus pés na mesma direção a qual Alex corria, xingando-o também por não se dar ao trabalho de explicar e nos deixar para os lobos. Tentei fechar a distância entre Alex e eu, que fazia o contorno do colégio, alinhado ao muro que o cercava, tão distante da gente pelo tempo de vantagem entre nós. Fiquei aliviado, no entanto, de ver que os demais também nos seguiam por ali.

Vi quando ele tomou impulso e subiu no muro lateral do colégio, tossindo demasiadamente antes de pular para o outro lado e sumir de vista. Imitei-o, levando mais tempo devido ao meu corpo sedentário, sentindo a adrenalina e o álcool fazer latejar minha cabeça e nublar meus pensamentos.

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Desta vez, não havia escadinha alguma de pedras para amenizar o pulo, mas ali estava Alex, esperando por mim. Senti o estômago embrulhar ao pensar que - não deve ser minha imaginação! - esse muro é ainda mais alto que aquele que cercava o portão frontal do colégio.

Olhei para baixo, temendo a queda, mas Alex estendeu os braços e, na magia do meu corpo bêbado, sequer pensei antes de me jogar.

Alex me segurou de qualquer jeito, com o seu corpo amortecendo minha queda, e nada doeu. Em seguida, com um sorriso eufórico pela traquinagem, enlaçou a mão na minha e me puxou novamente, de maneira apressada semelhante à anterior.

Desta vez, eu não me soltei, e corri lado a lado com ele pelas ruas ao atravessá-las, para longe da viatura policial. Dobramos uma esquina, e outra, e outra, em zigue-zague, olhando para trás para nos certificar de que os outros nos seguiam para o mesmo lado.

A respiração dele estava péssima e parecia que ia morrer a qualquer momento, e foi no minuto em que eu pensava que devíamos parar para que ele respirasse direito que Alex me puxou bruscamente para detrás de um contêinerde lixo.

Soltei um resmungo pelo susto e pelo baque do meu corpo no chão, mas nada se comparava às tosses roucas dele. Agachados no chão, com as costas no muro, tentamos respirar novamente.

Eu sentia a garganta arder e as pernas formigarem e arderem pelo esforço súbito de uma vida desprovida de exercícios físicos. Minha cabeça latejava devido ao álcool, ao qual estava desacostumado, e agora ponderava se não devia ter bebido mais ao longo das festas para fortalecer minha mente fraca, seguindo a sugestão do Alex.

— Você tá bem? — perguntei, preocupado, quando as tosses não pararam e nem o esforço demasiado para respirar.

Alex começou a rir, acabando por tossir mais ainda, antes de colocar uma mão no próprio peito para ver se acalmava.

— Sim — respondeu, agitado, portando uma careta. — Eu não corro assim desde o mercado — contou, rindo mais uma vez e tossindo ainda mais.

Dei alguns tapinhas em suas costas, não podendo evitar rir também, a agitação da adrenalina ainda deixando meu corpo inquieto e trêmulo. — Eu também — revelei, vendo-o sorrir ainda mais.

Quando os outros nos alcançaram, passando por nós sem nos ver, gritei ao ver que Alex estava ocupado demais com seus pulmões falhos para chamá-los, e logo nos tornamos um amontoado de seis atrás de um contêiner de lixo. Dan, Korn, Mason e Cristina estavam com a gente em uma fileira agachada na sombra do contêiner e unidos ao muro.

O restante estava sumido, provavelmente seguido outro caminho para se esconder.

Seria trágico se não fosse cômico!

— Meu deus! — resmungou Alex, colocando a mão na garganta com uma careta, e eu percebi que estava mesmo rouca feito aquelas tias fumantes de sessenta anos que todo mundo parece ter. — Vou ficar com dor de garganta por um mês!

Ao passo que as batidas do meu coração acalmavam-se aos poucos, consegui fazer a cabeça funcionar o suficiente para me preocupar. Franzi o cenho, estalando a língua.

— Talvez isto te motive a parar de fumar de vez — reclamei, seriamente preocupado desta vez.

Alex apoiou a cabeça no muro, soltando um riso, antes de dar de ombros. — Não se preocupa, nenê — murmurou, fazendo-me estreitar os olhos para o retorno deste apelido ridículo, não sabendo se agradecia aos céus ou se os amaldiçoava —, eu não morro tão fácil. Acredite, eu sei!

Soltou um riso fraco com sua última frase, como se fosse uma piada interna de mal gosto. Franzi o cenho mais uma vez, sentindo um estranho calafrio subir minha coluna, nada bem-vindo.

— Bom, pare de arriscar — enfatizei, impulsionado pelo momento.

Com a cabeça apoiada no muro e o peito ainda subindo e descendo com dificuldade, embora a tosse houvesse passado e os terríveis sons da respiração falha amenizado tanto que eu sequer os ouvia, ele girou o rosto na minha direção.

Talvez pelo álcool, pela adrenalina, pelo sufoco de estar escondido com meu grupo de amigos feito fugitivos, eu não senti a menor necessidade de quebrar o olhar. Quis que ele soubesse que aquilo era sério e que devia mesmo começar a se cuidar um pouco melhor.

Um sorriso preguiçoso espalhou-se pelo seu rosto antes que ele o aproximasse do meu.

— Tudo o que você quiser — garantiu, fazendo um carinho rápido em meu rosto, antes de desviar os olhos para a viatura que passava por ali sem nos avistar.

Eu soube, no entanto, que o motivo pelo qual eu havia prendido a respiração, sentido o coração voltar a bater em disparada feito louco e não ousado mover um músculo do corpo não era devido a possibilidade de sermos pegos.

Era a certeza de que eu havia sido pego, evidente pelo enlaçar da sua mão na minha, ocorrido com tanta naturalidade, como se quisesse garantir que suas últimas palavras não mentiam.

*

Naquele dia, Alex havia apostado que ficaria uma semana sem cigarros.

Eu, no entanto, lembro de haver feito uma aposta diferente comigo mesmo, movido pelo medo de uma recaída. Eu a sentia cada vez mais próxima, cercando cada milésimo de brandura sentimental do meu corpo, do meu coração, da minha alma.

Eu apostei meu silêncio.

Eu queria mesmo saber se aguentaria mais uma semana engolindo tudo o que sentia, e alguma coisa me dizia que não havia força suficiente no meu corpo para isto, e que eu perderia a aposta para ele mais cedo ou mais tarde.

Quando se trata dele, eu sempre sairia perdendo.