Made of Stone

XXX. De todas as tréguas do mundo - Pt. I


"Cansada do perigo das respostas

sempre decoradas com palavras repetidas,

da trégua inútil, da régua que risca torta

cada linha que venho traçando

do meu poema"

(Erotildes Vittoria)

*

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— Toma! Toma! Toma!

Suspirei com a voz do Mason, parando de me mover por um instante.

Era pleno domingo à tarde, um calor que não amenizava nem dentro nem fora de casa, bastante movimento nas ruas - mesmo no nosso bairro. E ainda assim, por mais absurdo que parecesse, eu havia me disponibilizado - de propósito! - para suar sem precedentes ao aceitar a proposta do meu melhor amigo.

Às vezes, era de se ponderar sobre a quantidade de vento na minha cabeça.

E era exatamente isto o que eu fazia no momento, ao passo que vislumbrava meu reflexo no espelho do quarto, desejando não ter um espelho de forma alguma. Suado da cabeça aos pés, os fios de cabelo grudando no meu pescoço - o que começou a coçar depois de um tempo - e meu rosto em uma vermelhidão não tão incomum de quando costumava jogar futebol ou era forçado a participar da educação física.

O ventilador meia boca do meu quarto não servia para nada.

E tudo o que eu conseguia pensar era: por que eu me meti nessa?

— Argh, Mason! — reclamei, olhando-o com irritação, enquanto arfava. — Você... Você sabe que eu tô enferrujado pra isto e não tem nem um pouco de misericórdia pra pegar leve comigo? Que tipo de amigo você é?

Mason sequer me dirigiu o olhar, ajeitando os óculos no rosto.

— Eu não vou pegar leve com você só porque não anda se mexendo ultimamente! — declarou, arfando ao mover-se mais pesadamente. — Sinceramente, Caleb, você anda meio sedentário.

Arquejei com o desaforo.

Ser chamado de sedentário pelo Mason, dentre todas as pessoas, era uma ofensa horrível!

— Se você não faz nada, é porque não quer — continuou ele, depois de fazer uma pausa para recuperar o fôlego. — E... E se me chamou aqui e me fez trazer tudo isto, é porque devia saber que a gente ia fazer isto o dia todo.

Arregalei os olhos, usando o antebraço para limpar o suor da minha testa.

— O dia todo?!

— Claro! Você achou que...

— Ah, não, Maze! — grunhi, largando de mão, antes de me afastar e jogar-me na cama. — Pause! E-eu preciso de uma pausa, já chega! — Arfei. — Um intervalo! Espera... Não! Solta, Mason! Me larga! Não vou continuar!

No entanto, ele já tinha me arrastado pelos braços de volta para onde eu estava, o que me fez sentir ainda mais ofendido, porque era do magricela do Mason que estou falando e ele tem mais força do que eu.

É porque estou exausto, reforcei, mentalmente.

Inspirei e expirei algumas vezes para recuperar o fôlego, apoiando-me nos joelhos desnudos. — Tá bom! — resmunguei, antes de me aproximar dele, posicionar-me e tornar a mover-me descompassadamente. — Mas só mais esta vez e chega.

Mason deliberadamente me ignorou e tornou a focar-se no que fazia, movendo-se com uma graciosidade a qual eu não conseguia seguir. Quase morrendo com meus movimentos lentos, perdendo desgraçadamente, Mason não pôde evitar soltar um resmungo frustrado.

Argh, assim não tem graça, Caleb! Você nem tá tentando! — acusou, perdendo a paciência, antes de resmungar sob o fôlego: — Preferia fazer isto com o Ian, então, mesmo que eu sempre perca para ele. É mais divertido que ele me canse rápido do que eu cansar rápido com você.

Arquejei mais uma vez, levando uma mão ao peito, ofendidíssimo, mas não tinha nem força para olhá-lo outra vez.

— Nossa, Maze...

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— Sabe, se ele tivesse aqui...

— Cala a boca! — interrompi, cansado só de ouvi-lo tagarelar. — Só... Cala a boca. Como você... — Inspirei fundo outra vez. — Como consegue falar tanto nesse ritmo? Eu tô quase morrendo!

Mason não respondeu por quase um minuto, porque a intensidade da brincadeira havia subido lá em cima e, passado estes instantes, ele parou de se mover. Ergueu os braços, soltando um suspiro cansado, antes de me olhar.

— Ganhei! — afirmou, e pareceu confuso quando não me viu ali, descendo os olhos azuis para o chão, onde eu havia desabado. — De novo.

— Até que enfim!

Eu sei que eu não passava mais tanto tempo com o Mason desde a chegada do Alex, a extensão do nosso grupo de amigos e a aparição de Cristina. Inclusive, desde que os dois começaram a namorar, já não era apenas eu a estar afastado. No entanto, eu não imaginei que quando eu o convidasse para vir aqui em casa para passar o fim de semana e trouxesse toda a parafernalha que quisesse de jogos, ele realmente o faria com tanto entusiasmo.

Eu odiava este videogame desde que ele comprou, sabe-se lá com que dinheiro da rede on-line dele. O jogo era o Kinect Disneyland e eu, pessoalmente, com muito carinho, gostaria de poder tacar fogo nele e todos os jogos semelhantes.

A graça de jogar videogame é fazê-lo sentadinho em algum lugar sem mover nada além das mãos, mas então tiveram a brilhante ideia de criarem algo para que movimentemos todo o corpo junto. E o pior: pessoas como o Mason tiveram a brilhante ideia de comprá-lo!

Arfando, grudado no chão, demorei um tempo sem conseguir me mover novamente.

Talvez ele tenha razão, pensei, vendo a maneira como ele parecia intacto, salvo algumas gotas de suor nas suas têmporas. Eu realmente era um sedentário, e as partidas de futebol foram ficando cada vez mais escassas ao longo do tempo, o que quer dizer que eu não exercitava nada do meu corpo há eras. Uma pessoa normal não cansaria tão rápido com um jogo como aquele.

Suspirei, grunhindo ao me levantar e caminhar em direção ao banheiro, ignorando as reclamações do Mason de que ainda jogaríamos mais e não era hora para banho ainda.

Não é que eu o estivesse usando, sabe?

Mason realmente é o meu melhor amigo e eu realmente senti falta de passar um tempo com ele. E também não é como se ele nunca mais tivesse vindo aqui, junto dos demais, ou que nunca viesse sozinho, porque ainda aparecera algumas vezes sem ninguém. Mas dormir aqui em casa, sem ser em grupo, por um fim de semana inteiro, era algo que não acontecia há anos.

Para ser sincero, eu só me dei conta disto depois que ele já estava aqui e eu arrumava o colchão para ele na primeira noite.

Só que também é verdade que, depois de tudo o que aconteceu, eu tenha me sentido um tanto perdido e sozinho, na ânsia por me reconectar com alguém novamente.

Haviam coisas que influenciaram nessa solidão e nesse senso de deslocamento. Eu havia revelado um pouco de mim para minha família, o que pode parecer pouca coisa, mas eu como eu nunca revelo nada, é algo grandioso para mim. Eu estava andado basicamente com casais o tempo todo com o trio de Grace, Ian e Dan; além da nova dupla inseparável da Mary Jane com o Alex. E o Alex...

Alex e eu tínhamos brigado duas vezes em menos de meio ano.

Alex devia ser a minha dupla.

Como é que eu acabei sozinho?

Eu tenho alguns motivos para estar envolto por solidão e deslocamento, no final das contas.

Então talvez eu realmente seja um péssimo amigo, porque precisei estar no ápice dramático da solidão para colocar as coisas em dia com o meu melhor amigo. Talvez eu devesse admitir isto para ele, para que tenha uma visão completa da pessoa horrível que eu sou. Mas eu duvido que isto seja necessário. O Mason parece conhecer muito mais sobre mim do que eu imagino, sem que eu precise dizer uma palavra, e ele nunca parece se importar.

Talvez por isto seja o meu melhor amigo.

Quando retornei ao quarto, com uma toalha na cintura, tive um vislumbre da minha mãe na cozinha e ela, o meu. Piscou quando me viu, como se saísse de um devaneio profundo, e forçou um sorriso para mim, embora parecesse agitada e nervosa.

Estranhei, mas sorri de volta, antes de voltar para o meu quarto.

Mason tinha os olhos grudados no celular, digitando empolgadamente, em algo que imaginei ser uma conversa com a Cris. Com isto em mente, me vesti rapidamente do outro lado do quarto e, em seguida, me atirei na cama outra vez.

Não quis checar meu celular, como Mason o fazia, porque não queria ver nada do que estaria ali.

E eu não estou exagerando, ok?

Eu sei que duas semanas se passaram, mas não é um exagero. Se eu não quero ver a cara dele ou ouvir sua voz ou estar perto de sua presença, eu tenho todo o direito do mundo. E duas semanas não são nada, porque eu estive uma catástrofe ambulante durante este mesmo tempo e não corri atrás dele para que ele consertasse, então ele também não devia correr atrás de mim para eu consertar sua culpa pelo que fez.

E daí que ele sabe fazer a mesma expressão de cachorrinho abandonado do Ian?

Ele não precisaria fazer expressão alguma, nem pedir desculpas, nem me olhar como se o mundo desabasse, se ele não houvesse sido um completo otário.

Era tão difícil assim não me beijar, não oferecer seu corpo feito um prostituto e não esmagar cada pedaço do meu coração com suas mãos?

Estremeci só de relembrar, empurrando imediatamente a memória para o mais profundo da minha mente, com todas as piores delas, como sempre fazia.

Mason perguntou o que houve, mas eu dei de ombros, novamente me perdendo em pensamentos vazios enquanto encarava a janela do meu quarto.

A voz do meu irmão atingiu meus ouvidos, bem como o chiado que o portão fazia, assim como a voz da minha mãe. Ele havia passado a noite fora porque saiu para beber com os amigos e ficou na casa de um deles, a voz parecia grogue pela ressaca.

No entanto, logo ela sumiu.

Pisquei, franzindo o cenho, ao perceber que minha mãe cochichava alguma coisa com ele, fazendo-o sussurrar também. Sentei-me na cama, estranhando, quando senti os olhos do Mason em mim, questionadores. Levei um dedo aos lábios para pedir por silêncio antes de me dirigir à porta, tendo ouvido seus passos para dentro de casa, para ver do que se tratava.

— O que vai fazer?

Shh!

Abri a porta devagar, evitando qualquer barulho e me agachei para olhar pelo vão dela, no caso de que estivessem na sala e pudessem enxergar a minha porta. Não era o caso, porque deviam estar na cozinha. Embora já não houvesse uma parede, mas um balcão, separando os dois cômodos, eu só podia enxergar parte das costas do meu irmão, sentado à mesa.

Esforcei minha audição de velho de oitenta anos até que os sussurros e murmúrios tornaram-se claros.

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— Como assim? — perguntava Will, soando confuso. — Quem tá ali com ele, o Alex?

Franzi o cenho, ouvindo o suspiro da minha mãe.

— Não, o Mason — respondeu ela, parecendo agitada.

Will estalou a língua. — Ah — resmungou, perdendo qualquer tensão na voz. — Então por que tá preocupada? — Pareceu dar de ombros. — É só o Mason.

Pisquei, empurrando o ouvido ainda mais entre a fresta, tentando ouvir melhor, mas percebi que minha mãe realmente havia feito uma pausa em silêncio.

Quando sua voz retornou, continha vários tons de desconfiança e tensão. — O que quer dizer com isto? — sussurrou ela, a voz parecendo incrédula. — Se fosse o Alex, eu devia me preocupar?!

Arregalei os olhos, mas o susto impediu que qualquer som surpreso saísse da minha boca.

— Não! — exclamou ele, e ouvi um chiado que devia ser ela reforçando que baixasse o volume da voz. — N-não — repetiu em um murmúrio, mas a voz tremeu, e eu fechei os olhos. Droga, Will! Eu quase podia ver minha mãe estreitar os olhos esverdeados. — É só que, se você tá se preocupando com coisas assim, devia se preocupar com pessoas mais velhas né — emendou ele, e eu franzi o cenho novamente. — Alex tem o quê, dezoito?

Coisas assim? Coisas assim, o quê?

Minha mãe suspirou, parecendo aliviada.

— Tá, mas o Alex não é...

No entanto, ela não pareceu finalizar, e Will interrompeu-a: — Não é o quê? — questionou, a voz parecendo controlada. — Mãe, o que a senhora tá pensando, pelo amor de todos os deuses?!

— Eu não sei! — exclamou ela, de forma sussurrada, antes de suspirar pesadamente. — É só que eu tava regando as plantas ali fora e eu ouvi... Bom, eu pensei ter ouvido...

— O quê?

Franzi o cenho, tentando entender do que ela estava falando. Mais um suspiro veio de sua parte, antes de desviar da pergunta: — Eu só quero que você vá lá e dê uma olhada neles, só isto — pediu, a voz trêmula.

Will permaneceu em silêncio por um tempo e, em seguida, sua voz soou zombeteira: — Você quer dizer que quer que eu vá espiá-los. — E não foi uma pergunta.

— Bom, sim! — exclamou, e pelo som, percebi que havia levantado da cadeira. — Seu irmão já tem quinze anos! E você, mais do que ninguém, devia saber como adolescentes são — discursou, e eu suspirei, quieto. — Eles são hormonais e cheios de vontade de experimentar coisas novas! E antes que você aponte sobre falta de confiança ou qualquer coisa do tipo, saiba que eu nunca imaginei que seu irmão aprontaria alguma coisa na vida dele. Mas ele aprontou — retrucou, a voz ainda soando indignada pelos meus feitos dos últimos tempos. — Uma vez, e outra, e outra. Bem mais do que você quando tinha a idade dele, e olha que você é quem tinha cara de encrenca!

Will soltou um arquejo ofendido. — Eu?! — Em seguida, estalou a língua.

— Will, leve a sério, por favor — repreendeu ela, e eu posso jurar que deve estar com as mãos na cintura.

Desta vez, foi ele quem suspirou.

— Então me responde isto — murmurou ele, soando calmo. — Se eu for até lá espiá-los, o que você acha que eu vou encontrar? — questionou, a pergunta soando retórica. — Acha mesmo que eu vou encontrar o Caleb e o Mason em uma situação comprometedora? A senhora acha mesmo isto? Que, enquanto estamos aqui, em casa, o Caleb trouxe o melhor amigo dele pra cá para experimentar coisas novas?

O quê?

Um silêncio seguiu sua fala, enquanto eu sentia todo o sangue do meu corpo subir para o meu rosto ao passo que me dava conta sobre o que exatamente eles estavam conversando. Minha mente deu um clique e, de súbito, toda a conversa deles fez um sentido muito absurdo e muito vergonhoso.

Virei para relancear Mason como por impulso, mas assim que o fiz, esbarrei minha boca na testa dele. Engoli o grunhido, unindo as sobrancelhas, antes de encontrar os olhos azuis por detrás das lentes de grau.

Mason estava agachado ao meu lado e eu sequer havia percebido.

Há quanto tempo ele estava ali?

— O que tá fazendo? — sussurrei, massageando minha própria boca, sentindo-a latejar.

— O mesmo que você — respondeu ele, também sussurrado, ao dar de ombros. Esfregou sua testa também, com uma careta.

Não pude falar mais nada antes de ouvir a voz dela outra vez.

— Tem razão — respondeu, enfim, minha mãe, em um tom desistente. Retornei os olhos para o vão da porta, ignorando a presença do Mason ao meu lado. — Tem razão, Will, eu perdi a cabeça por um momento.

Você acha?, perguntei, ultrajado pelas ideias da minha mãe. E, sinceramente, um tanto ofendido. Estava claro que aquilo tinha a ver com a minha sexualidade, porque ela jamais estaria paranoica deste jeito se eu jamais houvesse aberto a boca naquele jantar.

Uma pontada de arrependimento bateu no meu peito, ao passo que o pensamento, de que talvez eu realmente devesse continuar sendo a pessoa quieta que sempre fui ao invés de fazer revelações pessoais para a família, me cruzava à cabeça.

— Tá tudo bem, mãe — confortou ele, em um tom carinhoso. — Mas eu acho que a senhora precisa entender o quão problemática é toda essa paranoia e preocupação desnecessárias, ainda mais pro Caleb.

Ouvi quando ela estalou a língua. — Desnecessárias, Will? — retrucou. — Seu irmão é um adolescente, é um caso muito diferente do seu. Quando fiquei sabendo sobre você, você já era um adulto e já tava em uma relação estável e madura com o mesmo namorado de hoje.

— E eu entendo isso — interrompeu ele, rapidamente. — Entendo que ele é mais novo, mas isso não é ruim. Por que seria ruim?

Ela soltou um suspiro pesado, antes de choramingar: — Eu não sei!

Espiei pela fresta e vi que Will inclinou-se para frente, provavelmente para pegar a mão dela. — Mãe, eu vou ser sincero. Se isto tem a ver com sexo — mencionou, e eu senti as orelhas queimarem instantaneamente — e você tem medo que ele vá "experimentar" isto lá fora, é só ter a mesma conversa que você teve comigo quando eu tinha a idade dele. — Céus, não! Não, não, não! — É a mesma coisa, não importa a sexualidade. Funcionou comigo, vai funcionar com ele. Só que — acrescentou, rapidamente, quando ela começou a murmurar algo que não ouvi — eu duvido muito que este seja o problema. Sabe por quê?

— Por quê? — perguntou ela, tão baixo que tive que me esforçar pra ouvir.

— Porque se fosse isto, antes dele contar que pode não ser hétero, você também estaria agindo da mesma forma nas vezes em que ele ficou sozinho no quarto com a amiguinha dele. Tô errado? — perguntou, ao referir-se à Grace, mas eu soube que ele não estava errado e esperava que ela soubesse também. — Mas você nunca se preocupou com isto e eu acho que é porque sabe — enfatizou, firme — que o Caleb nunca deu motivo algum para que se preocupasse com isto. Sim, ele deu umas de rebelde por aí, mas a senhora deve saber que isto não tem nada a ver com o que tá acontecendo aqui agora. — Will suspirou, amansando a voz: — Mãe, não é justo que você o trate diferente sendo que ele é a mesma pessoa de sempre.

Apoiei a cabeça no batente, suspirando baixinho, ao sentir meu coração acalmar-se um pouco com as palavras dele.

Eu não saberia me defender tão bem assim.

— Mas se você tá tão preocupada com o Caleb, então talvez devesse simplesmente conversar com ele sobre isto. Talvez ele precise conversar com a senhora também — acrescentou, quando o silêncio dela se estendeu, com a voz mansa. — Não acha?

Remexi-me no lugar, sentindo-me enojado só de pensar na possibilidade disto acontecer em algum momento próximo. Mas então, ela respondeu.

— Não — murmurou, baixinho, para minha surpresa —, não acho.

Pisquei, tentando enxergá-la para poder decifrar sua expressão, além do seu tom de voz, mesmo sabendo que não poderia.

Ela soltou um riso baixo, quase incrédulo, quando ele perguntou o porquê. — Você acabou de me fazer perceber que, se eu conversar com o Caleb agora, eu não vou estar fazendo isto por ele, mas por mim — revelou, baixinho. — E ele não tá precisando conversar comigo, Will, não agora. Eu sei que ele tá passando por um período intenso, eu sei que é intenso, foi assim com você também nesta idade — murmurou, suspirando em seguida. — Ele merece este tempo pra ele, para que não tenha que se esforçar pra me dar respostas que ele nem possui ainda. Você tem razão, meu bem — murmurou ela, a voz soando triste —, eu não estaria sendo justa com ele. Caleb merece que esta conversa aconteça mais tarde e que quando acontecer, eu esteja fazendo isto por ele.

Engoli em seco, sentindo um nódulo na garganta.

Meu coração, que pareceu tão frio durante tanto tempo nas últimas semanas, aqueceu tanto que doeu com as palavras dela.

Poderia não parecer nada para alguém de fora, porque ela estava simplesmente fazendo seu papel da mãe maravilhosa que sempre foi, mas para mim, isto significou bem mais. Talvez porque eu sei que, se eu fosse como o Will, este não teria sido o curso de ação dela. Mas eu não sou como ele. Minha mãe escolheu não forçar esta conversa agora porque ela sabe que eu não quero isto, que eu não tenho as mesmas necessidades que o Will tem.

No fim das contas, por mais que eu sinta que ninguém me entende e nem saiba quem eu sou de verdade, a minha mãe me conhece. Ao menos, conhece parte de mim.

E, sinceramente, foi uma surpresa saber disto.

— Vem cá, mãe — ouvi-o murmurar, seguido do som de cadeira. — A senhora anda muito sensível, hein? Puta que pa...

Um estalo de tapa seguiu-se e a gargalhada do Will quase me sobressaltou, pelo súbito fim dos sussurros, e eu fechei a porta com cuidado.

Quando me virei, me sobressaltei ao ver que Mason ainda estava sentado por sobre as pernas, as sobrancelhas arqueadas e os óculos caídos na ponta do nariz. Esqueci dele por um momento, e ele ficou tão calado feito o detetive que ele é que tornou fácil a ação de passar desapercebido.

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Percebi que, mesmo não sabendo o que se passava aqui em casa nos últimos tempos e não sabendo sobre mim, aquela conversa foi o suficiente para que ele entendesse o que estava acontecendo. Estava ali, estampado na cor azul daquelas orbes tão analíticas, detalhistas e investigativas. Mais do que isto, nos olhos que também conheciam parte de mim.

Mordi os lábios, sabendo o que ele diria antes que dissesse:

— Então, o dia de me contar chegou?

*

Não existe muita coisa em comum entre o Alex e o Will, mas eu tinha que admitir que os dois faziam com que falar sobre mim mesmo parecesse fácil. Eles sempre tiveram tato comigo, e um extra de carinho, para ouvir toda e cada palavra que saísse da minha boca com a maior cautela do mundo, fazendo as perguntas certas e sabendo quando ficar quieto e quando começar a falar.

Talvez fosse algo em comum com todas as pessoas que possuem "Alexander" como segundo nome.

Seja como for, Mason não é assim.

Talvez fosse por este motivo que eu tenha ficado surpreso que aquilo não tenha saído tão horrivelmente quanto eu pensara. Mas é de se apontar que Mason e eu nunca conversávamos sobre coisas tão profundas, sobre nós mesmos ou sobre os pesos das nossas vidas, então eu não podia saber realmente como ele agiria quando isto acontecesse.

Para alguém tagarela e socialmente desajeitado, ele se saiu muito bem, mas também não perdeu sua essência. É por isto que, depois de um par de horas desde que conversamos, eu pude ouvir sua voz questionar, tão sutil quanto um tanque de guerra, algo que eu não queria responder.

— Você gosta do Alex?

Desviei o olhar no mesmo instante, encarando a janela ao meu lado direito.

No fundo, me questionei há quanto tempo ele queria perguntar aquilo, imaginando que eu devia ter agradecido que houvesse mantido para si mesmo até que eu desse luz verde para a conversa. Para alguém como o Mason, aquilo devia ser tortura.

Sentindo-me estranhamente pressionado, optei por sair pela tangente.

— O que foi? — reclamei, remexendo-me no lugar. — Só porque agora sabe sobre isto, eu subitamente gosto do Alex?

Mason suspirou, fazendo uma careta, e eu o imitei.

— Não se faz — resmungou, sem paciência. — Eu tenho motivos pra pensar isto — apontou, para então repetir algo que trouxe uma sensação de nostalgia de quando havia dito pela primeira vez: — Vocês são muito estranhos.

Revirei os olhos, incômodo.

— Se este é o seu argumento, precisa melhorar.

Mason revira as orbes azuis antes de focá-las em mim com certa mágoa. — E eu preciso argumentar com o meu melhor amigo? — perguntou, chateado.

— Não — respondi, me sentindo culpado. — Mas ele é meu amigo, assim como é seu.

— Não é a mesma coisa — retrucou, dizendo o óbvio. Como se percebesse isto, acrescentou, com certa ênfase no tom desconfiado: — Você tem que saber que não é a mesma coisa.

Desviei o olhar, desanimado, ao encarar os pés.

Eu sei que eu gosto do Alex, mas acho que haver contado ao Mason sobre beijos, garotos e atração devia ser o suficiente por ora. Já era muito, em se tratando do Mason, eu também não queria ouvi-lo tagarelar sobre o Alex para mim.

— E vocês se beijaram — acrescentou, novamente, quando fiquei em silêncio por tempo demasiado.

Shh! — reclamei, desconfortável. Nestas horas, eu sentia falta das conversas desconfortáveis com o próprio Alex ou o meu irmão, porque eles já teriam parado as perguntas à esta altura, por respeito a mim. — Eu sei, eu tava lá.

Mason aproximou-se, quase que imperceptivelmente.

— Foi por isto que vocês brigaram?

Suspirei. — Mais ou menos.

— Nas duas vezes? — insistiu, intrigado.

Só que eu não ia comentar que a gente havia se beijado de novo e que foi isto que resultou nossa última "briga", se é que dá para chamar disto. Aquilo era humilhante demais para dizer em voz alta, ainda mais nas circunstâncias em que ocorreu.

Quando respondi apenas com o encolher dos ombros, Mason suspirou.

— Tudo bem — desistiu ele, com um suspiro, ao perceber que minha resposta havia sido apenas silêncio. — Não importa.

Foquei os olhos nele, vendo que havia se levantado e se deitava no colchão extra do meu quarto, ajeitando-se nele ao puxar o lençol até o peito. Tirou os óculos e os colocou deliberadamente dentro da caixinha ao lado do travesseiro, e tornou a acomodar-se no travesseiro.

Já era noite e eu havia implorado por um descanso dos jogos, exausto de haver me mexido o dia todo, além dos músculos doloridos. Depois da conversa que escutamos entre minha mãe e o Will, a conversa com o Mason foi inevitável.

Eu contei sobre o jantar com a minha família, o comentário que minha mãe fez e o que me levou a interrompê-lo daquela forma, motivo pelo qual os dois sussurravam aquela conversa constrangedora na cozinha há pouco. Mason não pareceu surpreso em momento algum, para ser sincero, apenas curioso sobre os maiores detalhes de toda a situação. Foi assim que me obriguei a contar que eu e o Alex havíamos nos beijado no ano passado.

Como o Mason havia ficado bem intrigado e perdido em pensamentos sobre aquilo, aproveitei a deixa para quebrar a conversa para jantar. E como todos os jantares do mundo, desde a última vez, não era de se esperar que este fosse menos desconfortável. Minha mãe, meu padrasto, meu irmão, meu melhor amigo e eu, em conversas mirabolantes que de forma alguma aliviavam o clima estranho.

Depois do jantar, arrumamos as camas no meu quarto e Mason sentou-se no meu colchão, jogando-me aquela pergunta que certamente estava rondando a cabeça dele desde mais cedo. Embora eu não houvesse respondido, senti que a resposta ainda havia estado estampada na minha cara, mas de um jeito orgulhoso eu preferi assim.

E, ainda assim, Mason não pareceu nem um pouco afetado.

De toda forma, havia uma pergunta que rondava a minha cabeça desde mais cedo.

Mordi os lábios, repetindo seus movimentos ao me deitar e me tapar também assim que havia apagado a luz, antes de tornar a encará-lo.

Hum, Maze? — chamei, um tanto receoso.

Ele virou o rosto na minha direção e piscou, arqueando as sobrancelhas. Apesar da luz apagada, ainda vinha claridade pelo vão abaixo da minha porta e pela janela, a partir dos postes de luz do lado de fora.

— Você... — comecei, sem saber bem como perguntar aquilo. — Você não tá surpreso?

Ele franziu as sobrancelhas loiras. — Com o quê?

Dei de ombros, sem saber muito bem como explicar ou se eu sequer gostaria de explicar. No entanto, ele respondeu assim mesmo, antes que eu elaborasse.

— Sobre você gostar de caras também, não é como se fosse óbvio, mas também não é como se eu não esperasse isto de você — fala, pensativo a respeito, como se fosse mesmo uma análise importante. — Quero dizer, depois do seu irmão, eu acho que já tava meio preparado para qualquer coisa, sabe? E não é como se a sua sexualidade fosse relevante pra mim, porque você é só meu amigo — continuou, como se escrevesse um trabalho do colégio. Sorri para isto, porque havia quebrado qualquer indício de tensão no meu corpo. — Aliás, a sexualidade de ninguém é relevante, a não ser que eu tivesse interessado na pessoa. Se a Cris não gostasse de caras, aí sim eu teria motivos pra me importar, porque não teria chance nenhuma dela gostar de mim. Graças a Odin que ela é bissexual!

Não consegui impedir o riso, e ajeitei a cabeça no travesseiro, virando-me para olhá-lo melhor dali de cima. Mason percebeu e revirou os olhos em resposta.

— Você entendeu — defendeu-se ele, rapidamente, quando eu assenti. No entanto, ele demorou-se com os olhos no teto antes de voltá-los a mim, como se algo cruzasse sua mente. — E sobre você e o Alex, eu também não fiquei surpreso. — Pisquei algumas vezes, a tensão retornando ao meu corpo. — Não achei que vocês tinham se beijado nem nada assim, mas sei lá, eu acho que sempre soube que vocês tinham... — Hesitou, me olhando de relance. — Sei lá, algo diferente. — Engoli em seco e vi que ele fez uma careta, como se não tivesse gostado da palavra que escolheu. — O Alex sempre te tratou diferente de todos nós, você sabe disto.

Aquilo não foi uma pergunta.

Remexi-me no lugar, internamente me culpando por haver puxado o assunto, sabendo que Mason não sabe quando parar de falar, mas ao mesmo tempo eu também gostaria de ouvir o que ele tinha a dizer.

— Você também sempre...

Hesitou e eu apertei a coberta em resposta, esperando por uma continuação que eu não quis esperar chegar. — Sempre o quê? — pressionei, estranhando o tom ansioso da minha própria voz.

— Você também sempre olhou pra ele de forma diferente — finalizou, parecendo subitamente desconfortável com a conversa.

— Não olhei, não — retruquei, feito uma criança, mesmo sabendo que não havia sentido em fazê-lo.

— Olhou, sim — insistiu Mason, feito outra criança, como se para me relembrar de que era com ele que eu conversava mesmo, e não com qualquer outra pessoa. Desviei o olhar para o teto. — Vocês são estranhos — repetiu, o que já havia me dito algumas vezes ao longo dos anos. — Então eu sempre achei que vocês, sei lá, se gostassem.

Todo o sangue do meu corpo subiu para o meu rosto ao passo que um arrepio peculiar também subia pelas minhas costas.

Então eu sempre achei que vocês, sei lá, se gostassem.

Sempre. Achei. Que. Vocês. Se. Gostassem.

Agradeci aos céus por estarmos no escuro, porque meu rosto e minhas orelhas queimavam com violência e eu tinha certeza que minha expressão era pavorosa de se ver. Apertei ainda mais a coberta contra o peito, como se isto impedisse que o som do meu coração retumbante chegasse aos ouvidos do Mason.

Desta vez, quando minha boca não reproduziu palavra alguma, não foi devido a minha comum opção de querer ficar em silêncio. Foi porque eu não conseguia produzir pensamento algum que gerasse qualquer resposta.

Era ridículo que uma frase tão boba - e, sinceramente, não tão surpreendente assim - houvesse me deixado tão nervoso. Não é possível que a simples ideia - errônea, diga-se de passagem - de que eu e o Alex nos gostássemos seja capaz de produzir tamanha reação vergonhosa em mim.

Me senti como se houvesse voltado para a primeira série do fundamental ao passo que a frase boba repetia-se na minha cabeça vergonhosamente de maneiras diferentes. A ideia de que Alex e eu nos gostamos, que ele gosta de mim tanto quanto gosto dele, que o que sinto é recíproco, que o que eu sinto reflete o que ele sente, que naquele momento ele sentia o mesmo que eu, que nós dois gostamos um do outro, era ridícula. Não importa a maneira como eu coloco a frase, ela soa infantil em todas elas, e em todas elas faz meu coração retumbar ridiculamente no peito.

Que ridículo!

E, quando meu corpo tinha as reações mais vergonhosas para uma frase tão boba e tão infantil e eu me torturava em pensamento ao entender que eu é que sou um ridículo no fim das contas, Mason pronunciou-se novamente.

— Talvez eu esteja certo.

Se possível, senti meu rosto esquentar ainda mais, desta vez, com um tanto de indignação e humilhação pessoal, na qual eu próprio me coloquei. Ainda que Mason não pudesse me ver direito no escuro do quarto, meu silêncio e a forma como fiquei agarrado na coberta feito um idiota deviam ser esclarecedoras o suficiente.

— Não — teimei, em um fiapo de voz, ao frouxar as mãos na coberta na tentativa inútil de recobrar uma postura digna.

Mason suspirou, como quem desiste e imaginei que houvesse mesmo.

— Que seja.

Apenas quando o silêncio dele perdurou e a respiração pesou quando o sono batera, eu me deixei relaxar e ficar tranquilo com o fim da conversa. Mas não pude dormir, a frase retumbando nos meus pensamentos vez e outra, me fazendo sentir cada vez mais envergonhado e irritado.

Quero dizer, isto é revoltante.

Como meu corpo ousa reagir assim ao Alex mesmo depois de tudo o que aconteceu? Não deveria ser fiel a mim, aos meus sentimentos e aos meus comandos? Como pode que meu corpo ainda se submeta a este tipo de coisa, depois de tanta humilhação?

Revirei-me na cama de um lado e outro.

O que Alex fez foi incompreensível.

Depois de todo o escândalo que ele havia feito por causa do beijo do ano passado, porque havia estragado e interferido na nossa amizade, quando a gente finalmente se resolve depois de uma discussão que ainda me machuca ao relembrar, ele resolve me beijar outra vez.

Quem é que não dá valor para a amizade agora?

Alex é um otário, um ogro, um ridículo e um hipócrita.

Havia feito todo um desabafo sobre como eu não me importava com ele, não dava valor à nossa amizade, não confiava nele, sobre como ele tentava me deixar confortável perto dele de novo. Hipócrita do caralho. Não só se ofereceu como um objeto de experiências para mim, traindo toda a ideia de que devíamos valorizar nossa amizade, mas também parece sequer valorizar a mim.

E por quê? Para quê?

Eu havia escutado parte das coisas que ele me dissera, mas nenhuma explicava a falha de lógica nas atitudes dele.

Por que me repreender por algo e depois fazer ainda pior?

Nosso primeiro beijo havia sido um impulso, talvez mais da minha parte do que da parte dele, e tudo o que veio depois disto acabou sendo inevitável. Eu errei ao fingir que nada aconteceu e ele errou em tomar isto como desculpa para despejar tanto rancor em mim. Então, depois de muito andar em círculos, a gente resolveu isto.

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Ao menos, eu achei que houvesse sido resolvido.

Desta vez, quem me beijou foi ele e, apesar de eu haver retribuído, foi ele quem sugeriu que eu o usasse feito um objeto de experiência pessoal como eu quisesse.

Por que ele faria isto?

Eu só conseguia pensar que ele ficou tão ofendido quando eu confirmei que apenas o tinha usado que quis que eu sentisse o mesmo. Quis realmente me colocar naquela situação de propósito, para que eu sentisse na pele o que ele sentiu quando foi usado por um amigo.

Eu o machuquei e ele me machucou de volta.

Só que eu não tinha feito de propósito e ele, sim. E isto não fazia sentido, porque o Alex que eu conheço jamais teria feito algo assim de propósito para me machucar.

Faria?

*

Não importa quantas vezes eu repassasse aquilo na cabeça e quantas explicações eu dava para as atitudes do Alex, ainda assim, nenhuma justificava e nenhuma amenizava a mágoa no meu peito.

Entretanto, não importa o quanto eu o ignore, nem todo o vácuo do mundo poderia apagar o que havia acontecido entre nós. Ignorá-lo era só uma maneira estúpida de tentar ignorar o que aconteceu, como se isto fosse capaz de corrigir qualquer coisa ou como se isto pudesse desfazê-las.

Sem falar que eu não podia ignorá-lo para sempre.

Na próxima semana, com isto em mente, eu já havia chegado ao colégio feito um derrotado.

Alex obviamente não se precipitou, como nos três primeiros dias, me rodeando o tempo inteiro e tentando conversar toda vez que me via. Duas semanas foram o suficiente para que ele entendesse que isto só piorava as coisas, então desistiu de me abordar diretamente, optando por mensagens e tentativas rasas de aproximação. Então, quando eu me juntei a eles logo na entrada, ele até se restringiu de me olhar ou chegar perto de mim para que eu não desse as costas a ele e a todos os demais.

Podia-se dizer que nossa briga houvesse deixado todos desconfortáveis, para dizer o mínimo, mas já haviam se acostumado.

Quando eu não relutei em olhá-lo ou ficar perto dele, talvez ele tenha entendido que meu momento inicial de fúria havia passado. Mesmo assim, ele não tentou me abordar na entrada do colégio e só fez a tentativa mais tarde.

Quando eu me dirigia para a sala de aula após o intervalo ter chego ao fim, com o alarme que soava feito um grito desesperançoso pelo pátio da instituição, senti uma mão fechar-se em torno do meu pulso e parei de andar.

— Caleb?

Inspirei fundo para juntar qualquer resquício de paciência, reforçando mentalmente que eu não podia adiar isto para sempre. Virei-me para ele, mas não demorei meus olhos em seu rosto abatido, descendo-os para a mão que envolvia meu pulso sem força alguma.

Ao perceber, ele me soltou no mesmo instante.

— Caleb, me escuta? — pede ele, fazendo-me ter um flashback de quando isto aconteceu na semana passada, quase no mesmo local.

Eu havia sido levemente agressivo, puxado meu braço com força, dito que não queria vê-lo nem pintado de ouro e muito menos escutar qualquer merda que tivesse a dizer, e ainda tive que me impedir de empurrá-lo para longe.

Suspirei, ficando um pouco irritado de novo.

Ele esperou o final do intervalo para tentar pedir desculpas outra vez?

— Eu tenho aula agora — falei, desgostoso, depois de relutar.

— Não vai demorar — insistiu, e eu me recusei a ver que expressão seu rosto esboçava porque não quis encará-lo.

"Caleb, me desculpa. Eu fui um otário, um idiota, um filho da puta. Eu nem sei se mereço as tuas desculpas. Eu te tratei de maneira horrível e eu não sei se eu mesmo me perdoaria. Mas eu não tive a intenção, eu juro que não. Eu não sei o que eu estava pensando, mas eu não percebi que havia passado de todos os limites antes de passar. Caleb, você significa muito para mim, por favor, entenda que eu jamais seria cruel com você de propósito. Me desculpa."

Esperei pelas palavras.

Quero dizer, eu já havia ouvido e lido todas elas diversas vezes nos últimos dias, apesar de havê-las cortado pessoalmente e deletado antes de ler virtualmente no início. Ainda assim, Alex deu um jeito que chegassem a mim na base de repetição.

Eu já havia entendido que ele havia se arrependido, e eu não tenho o coração de pedra.

No fundo, me sentia mal de vê-lo tão abatido nos últimos tempos - desde antes do que aconteceu, para ser sincero - e me sentia culpado de não aceitar as desculpas prontamente. Mas toda vez que eu pensava em perdoá-lo apenas para vê-lo feliz outra vez, ou para as coisas voltarem ao normal outra vez, ou para que eu pudesse desfrutar da companhia dele outra vez, eu me dava conta de que era injusto ou simplesmente impossível.

Era injusto perdoá-lo para vê-lo bem quando meu coração doía porque ele havia o machucado. E era impossível que tudo ficasse bem novamente, ou que eu sequer pudesse desfrutar da companhia dele sem me sentir mal.

Então o que eu podia fazer?

Devia dizer que nossa amizade acabou? Dizer que eu entendia o lado dele, mas que mesmo assim não conseguia ficar perto dele agora? Pedir por mais um tempo para que pudesse perdoá-lo? Questionar o porquê dele haver feito aquilo, contrariando tudo o que ele havia pregado anteriormente?

Eu não queria fazer nada disto, eu só queria que tudo ficasse bem.

E se eu começasse a dialogar com ele, talvez mais do que o porquê dele haver se oferecido para mim, surgisse a pergunta do porquê isto me magoou tanto a ponto de eu chorar na frente dele.

Eu nunca quis que ele soubesse do que eu sinto, agora muito menos, mas a diferença é que agora parecia estar tão mais claro que um passo em falso o faria perceber.

Se é que ele já não havia percebido.

Foi pensando nisto que percebi que, apesar de eu esperar as palavras repetidas que já conhecia, elas nunca chegaram aos meus ouvidos. Meus olhos estavam presos na camiseta de banda que ele usava, havendo descartado o uniforme sem dar importância às normas do colégio, e eu os ergui para o seu rosto, vendo que ele parecia debater internamente sobre algo, os olhos pesarosos sobre mim.

Engoli em seco, desviando o olhar outra vez, ao cogitar dar as costas sem nada dizer ou reclamar que ele havia pedido para que eu o escutasse mas não havia dito uma palavra em mais de um minuto. No entanto, vi quando ele retirou algo do bolso, de forma quieta, e as pessoas à nossa volta aos poucos foram sumindo, adentrando nas respectivas salas de aula.

Franzi o cenho, vendo que ele deixava o papel amassado em suas mãos na minha, depois de havê-la puxado em frente ao meu corpo.

— Eu sei que eu já esgotei minhas desculpas — pronunciou ele, a voz murmurada em pesar, enquanto eu abria o papel deixado nas minhas mãos. — Então só preciso que saiba que eu tô arrependido de verdade, que se eu pudesse voltar atrás, eu jamais colocaria meus desejos egoístas acima dos teus sentimentos. Eu jamais te faria chorar de propósito, Caleb.

Quando li o que dizia no papel, senti meu coração afundar no peito.

“hoje eu beijei ele de novo"

Um misto de sentimentos fez meu peito esfriar e minhas mãos tremerem em uma raiva inigualável, ao passo que eu trincava a mandíbula com firmeza.

— É a primeira vez que eu tiro um argumento importante da caixinha — explicou ele, apontando o papel em minhas mãos. — Eu iria queimá-lo, mas eu trouxe pra você como prova de que eu realmente me arrependo. Caleb — chamou, o tom manso, e eu ergui os olhos nebulosos para ele —, eu sempre vou me arrepender de te machucar.

Por um instante eu quis chorar, a fala repercutindo na minha cabeça de novo e de novo, junto das palavras rabiscadas que eu acabara de ler. Mas qual era o sentimento trazia a vontade de chorar até não poder mais, eu não sabia dizer.

Não sei que expressão estampava meu rosto, mas meus lábios estavam pressionados tão firmes que nenhuma palavra escapou dali.

Aquilo era uma boa ideia, pensei, voltando a encarar o papel disforme nos meus dedos. Aquilo realmente provava que se arrependia.

Soltei um som pelo nariz, com certa incredulidade e chateação.

Na verdade, aquilo era perfeito.

Quis chorar, mas não podia me humilhar uma vez mais, tentando controlar com todo o resquício de força do meu corpo para que os olhos não lacrimejassem. Todo o meu corpo havia gelado, como se tivesse no meio da neve, e meu corpo tremia embora minha pele não sentisse frio. E meu peito pulsava de dor.

Eu podia culpá-lo de tudo, mas não disto, e talvez por este motivo que houvesse doído ainda mais.

Alex não havia feito por mal, pelo contrário, ele havia me entregado em mãos o melhor pedido de desculpas que poderia haver no mundo. Ele não sabia que aquilo me magoaria, me frustraria, me chatearia até a alma. Ele não poderia saber o quanto doía que ele se arrependesse tanto de me beijar. Afinal, não era lógico que isto doesse no meu peito, eu estava há dias desejando que aquele dia não houvesse acontecido.

Eu havia chorado porque ele me beijara, não havia?

Meu peito havia doído porque ele me beijara, não havia?

Ele havia precisado me pedir desculpas por duas semanas inteiras porque ele me beijara, não havia?

Era ilógico que aquele pedacinho de papel ridículo, sobre ele haver me beijado pela segunda vez, prestes a ser queimado pelo arrependimento, causasse tanto incômodo no meu peito. Eu tanto o acusara de ser hipócrita, e aqui estava eu, tendo os divergentes sentimentos mais hipócritas do mundo.

Mas eu ainda não sabia que não há lógica no amor.

Amassei o papel em mãos, não suportando mais ler a letra dele naquelas palavras bobas, fechando o punho com tanta força que já não o podia ver entre meus dedos.

Minha respiração estava pesada, doída, e um diabinho interior ria com escárnio da minha situação atual, como se dissesse: Não é irônico que o pedido perfeito de desculpas a um amigo, depois de você tanto esperá-lo, fizesse você querer rejeitá-lo de propósito desta vez?

Eu colhi o que eu plantei.

— Se eu te desculpar — pronunciei, devagar, em um tom que devia ser manso mas tornou-se rude —, você vai parar de me encher o saco?

Assim que questionei, ergui os olhos para ele.

Alex piscou algumas vezes, parecendo uma alma miserável, antes de que eu visse o pomo de adão subir e descer quando engoliu em seco. Os olhos pretos como carvão pareciam foscos, a pele de um tom escuro estava pálida e os cabelos desgrenhados estavam escondidos debaixo de um boné.

Os ombros dele caíram na mesma derrota que eu sentia no meu corpo.

— Claro — murmurou, desanimado.

Assenti, quase de maneira mecânica, algumas vezes.

Isto devia bastar, por ora.

— Então tá desculpado — declarei, como em um tribunal, vendo que a expressão desolada ainda não havia deixado seu rosto. Não conseguindo suportar encará-lo por mais nenhum minuto, finalizei: — Agora, eu tenho que voltar pra aula antes que não deixem.

Dito isto, dei as costas, sem olhar uma única vez para trás.

— Mas, Caleb...

Ouvindo a voz pronunciar-se, relutante e chateada, fechei os punhos com ainda mais força. — Já disse que tá desculpado — repeti, em um tom duro, girando o rosto apenas para que ouvisse mas sem olhá-lo.

Antes que eu pudesse pôr os pés para dentro da sala de aula, já obtendo um olhar de desaprovação da professora, ouvi o suspiro pesado que ele soltou no corredor.

Entrei, fechando-a e pedindo desculpas com rapidez pela demora em entrar, apesar dos demais alunos ainda estarem se ajeitando nos lugares. Sentei na cadeira, sentindo-me aéreo, e fiquei parado na mesma posição por mais tempo do que planejei.

Apenas depois que a sala caiu em silêncio, com todos lendo a passagem do livro que a professora instruíra, que eu saí da minha tela azul. Desviei o olhar para a minha mão, ainda em punho, acima da classe, e abri para vislumbrar um papel muito amassado nela. Peguei-o com mais calma, desta vez, e abri com cuidado para não rasgar.

Senti os olhos marejarem enquanto encarava aquele argumento tão significativo em um papel tão frágil, amassado e disforme. Li e reli aquelas palavras em sua caligrafia desajeitada e apressada, desejando que o contexto fosse outro e que elas permanecessem naquela caixinha de CDs abaixo da sua cama para sempre.

Limpei o rosto quando a lágrima ameaçou de cair, para que não manchasse o papel já frágil ao encontrar a tinta da caneta, e desejei amassá-lo outra vez para que mais tarde eu pudesse jogá-lo no lixo ou realmente queimá-lo quando chegasse em casa.

Mas quem eu quero enganar?

No fundo, eu sabia que eu iria contrariar qualquer lógica uma vez mais, mantendo aquele pedaço amassado de papel comigo com a esperança irracional de que eu pudesse desamassar o sentimento que ele carregava.