Made of Stone

EXTRA - Para sempre, inseparáveis - Pt. II


— Isso é tão raro!

Amizades como estas são raras, escassas e preciosas.

Em momentos em que estavam todos reunidos, como este em questão, não passava desapercebido o valor do abstrato sentimento que decorria e pairava entre e em cada uma das pessoas naquele local. O valor abstrato que jamais poderia ser comparado com elementos materiais.

Tampouco passava desapercebida a casualidade e aleatoriedade pela qual se fez possível a união daquele grupo específico de amigos e a expansão do mesmo. Alguns diriam que não havia nada de aleatório ou casual nisto, que estiveram destinados a se encontrarem.

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Dois anos antes, Alex sequer formava parte da panelinha. Sequer estariam todos no mesmo cômodo em que a garotada do fundamental - aquela que a maioria conhecera da vida toda sem trocar uma palavra -, curtindo confortavelmente em meio a conversas e gargalhadas.

— O quê? — questionou Annelise, os olhos presos em Faye.

— Todos nós reunidos — explicou ela, apontando para os que já haviam chegado, embora se referisse também aos que estavam à caminho da casa do Alex. — Sempre falta um ou outro, desde que o Ben e o Matt se formaram!

Daquela vez, no entanto, todos confirmaram presença.

O ano letivo estava prestes a começar, literalmente, na próxima semana. Os pestinhas já não mais seriam a garotada do fundamental, porque começariam o ensino médio e os demais seguiriam rumo da sua vida longe do colégio, seja trabalhando ou estudando. Exceto, é claro, por Alex.

Alex havia retornado das cinzas, após a reprovação e após ficar um tempo em sua cidade natal, aproveitando ao máximo as férias. Estava sozinho em casa, até os pais retornarem, por quase um mês. Toda semana havia uma festa diferente, com pessoas diferentes, e esta era a primeira reservada apenas para os amigos, a primeira em que todos puderam aparecer e a última antes dos pais retornarem, o ano letivo iniciar e a diversão acabar.

Na área da piscina, onde sempre ficavam, estavam os que já haviam chegado. Faye, Mia e Annelise estavam juntas, sentadas uma ao lado da outra, repassando a cerveja. Bruno estava atirado ao lado delas, em uma cadeira de praia, com o corpo inteiro espichado. Quase todos os mais novos estavam ali: Ian e Grace sentados na beirada da piscina, com os pés dentro d’água, e Caleb e Mason o mais longe desta, sentados no degrau que separava a sala de estar da área da piscina.

— Verdade — concordou Bruno, se espreguiçando, com um meio sorriso —, mas eu ‘tava aqui na maioria das festas do Alex, não é? — Desta vez, dirigiu a palavra ao anfitrião, piscando um dos olhos com cumplicidade.

Alex, que andava de um lado ao outro, levando as bebidas da cozinha para o isopor e juntando os cacos de vidro de um copo que ele próprio quebrara ao esbarrar em uma mesinha, soltou um riso pelo nariz. Olheiras eram bem visíveis abaixo dos olhos escuros e a julgar pelas linhas do rosto, aparentava estar mais magro. Ainda assim, não agia visivelmente diferente, não o suficiente para causar preocupação nos demais. Parou o que fazia a tempo de ver um risinho do Bruno e colocou as mãos na cintura, sorrindo de volta.

— Isso é porque eu te chantageei, mexicano — argumenta ele, irônico, ao arquear uma das sobrancelhas. — Senão ‘cê teria ficado aos beijos com seu namorado e esquecido de mim.

As garotas vaiaram, tirando sarro dele pela primeira de infinitas vezes naquela noite, já que o tópico era novo. Ian cutucou Grace, perguntando do que eles estavam falando, mas sem qualquer paciência, ela apenas deu de ombros. Ian era lento para muita coisa, mas fora apenas na semana anterior que os pombinhos haviam revelado estarem juntos para os que não tinham ideia do que rolava. Desde então, todos falavam nisto o tempo todo, já que o tópico era novo.

Bruno riu, dando de ombros, parecendo orgulhoso do namoro ao invés de incomodado pela chacota.

— Teria mesmo — concluiu ele, causando risos nos demais.

— E cadê ele, que não veio com você? — questionou Anne, chamando sua atenção.

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— É, já enjoou da sua cara? — provocou Faye, rindo, ao levar um tapa da namorada.

Bruno revirou os olhos, mas riu, como de costume.

— Não, mas fiquei com medo que enjoasse, então achei que ele devia passar um tempo com o Ben esse fim de semana — brincou, causando mais risos. — Eles vão vir juntos.

— É mesmo? — questionou Alex, impressionado. Sabia do ciúmes que Bruno sentia dos siameses. Bruno deu de ombros, orgulhoso de si próprio também.

Alex percebeu, enquanto os mais velhos entravam em uma conversa descontraída, quando Ian exclamou o nome de Jake, levando um beliscão de Grace em seguida. Ian levou os olhos para o Bruno e dele, para o Alex, que assentiu com um sorriso debochado para confirmar. Era acalentador saber que ele não precisava puxar a orelha do primo o tempo todo, porque Grace fazia isto de graça, sem pedir nada em troca. Parecia apreciar o sofrimento de Ian.

Quando a campainha tocou, Alex deu as costas para o pessoal, dando uma relanceada em Caleb e Mason quando passou por eles. Estavam isolados dos demais, presos em uma conversa paralela.

Alex aproveitou que passou pela mesa de bebidas para puxar seu copo intocado e virá-lo todo de uma vez quando se dirigia à porta. Esfregou os olhos rapidamente após isto, percebendo recém estar no brilho do álcool, o que, pela quantidade dele que andava ingerindo nos últimos tempos, devia significar que seu corpo acostumara com a droga e estava demorando a reagir a ela.

Deparou-se com Ben, Jake e Lucy, cada um com uma bebida diferente nas mãos, como para ajudá-lo nas despesas de dar uma festa. Sorriu para isto, algo lhe dizendo que só podia ter sido ideia da Lucy, porque os siameses não costumam ser muito sociais para pensar em ajudá-los com bebidas por conta própria.

— Bem-vindos à “Residência do Alex Sem Parentes para Foder com Nossa Alegria” — cumprimentou ele, abrindo os braços.

Os três riram e Lucy fora a primeira a abraçá-lo, afirmando ser o amigo de Ben preferido depois do Jake.

— Gosto do seu senso de humor — afirma, entregando a garrafa de vodka em suas mãos.

— Ora, obrigado — diz ele, brincalhão, ao fazer uma reverência um tanto torta devido à bebida.

— Parece que alguém começou a festa cedo — observou Ben, arqueando uma das sobrancelhas, antes de cumprimentá-lo. Alex deu de ombros, forçando um riso, antes de fechar a porta atrás de Jake.

Ben e Lucy foram na frente, enquanto Alex cumprimentava Jake, com um sorriso diferente.

— Três horas aqui e ouvi seu nome pela boca do Bruno umas dez vezes — comentou, seguindo lado a lado com ele em direção aos demais. Jake soltou um riso envergonhado. — Não sabe o quanto tô aliviado de você chegar!

Jake riu, mas Alex não brincara. Bruno fora o primeiro a chegar e especialmente quando estavam sozinhos, arrumava desculpas para conversar sobre o Jake uma e outra vez seguidas. Alex sentia-se já grudento de tanta doçura vomitada por Bruno a respeito do seu namoro.

Assim que a figura de Jake apareceu para os demais, Bruno levantou em um pulo e correu, passando por Ben e Lucy sem sequer dar um oi, para abraçá-lo e fungar seu pescoço. Alex se escorou, com os braços cruzados e um sorriso no rosto, na abertura entre a sala e a área de fora, para observá-los. Do lado contrário onde se apoiara, Mason e Caleb faziam o mesmo.

— Tá, tá, já entendemos — gritou Annelise, falsamente incomodada. — Vocês se amam! Tá, chega!

— Deixa eles, sua mal amada! — reclamou Faye, se espichando por cima da Mia para dar um tapa na melhor amiga.

Annelise retribuiu com um beliscão e Mia teve que intervir, erguendo os braços para bloqueá-las.

— Meninas — repreendeu, como uma mãe, fazendo a namorada rir.

— Me deixa ser mal amada em paz, eu tô solteira! — gritou, ouvindo a gargalhada de Faye em seguida. — Aliás, eu sou a única solteira aqui!

Faye arregalou os olhos e deu outro tapa em Annelise, que resmungou.

— Cala a boca! — sussurrou, dando uma olhada nos demais.

Bruno puxara Jake para sentar no seu colo quando ele estava distraído, mas envergonhado pelo ato, deslizou-se para o lado dele ao invés. Ben e Lucy sentaram juntos na outra cadeira de praia ao lado do mais novo casal, de frente para eles.

Annelise arqueou as sobrancelhas perfeitamente esculpidas, dando-se por conta do que dissera. — Ah, é mesmo — concordou, fazendo uma careta engraçada. — Opa! — Riu-se.

— Do que estão falando? — quesitonou Mia, perdida na conversa.

Elas se referiam a Emily e Matt, que há pouco tempo também deixaram de ser solteiros, um com o outro. Por ser recente, não queriam contar a ninguém ainda, apesar das garotas obviamente saberem, já que Em não podia esconder nada delas. Os dois queriam aproveitar um ao outro antes de compartilhar com os demais, assim como Bruno e Jake o fizeram.

— Nada — responderam, em uníssono, antes de se olharem e começarem a rir.

Alex relanceou Caleb rapidamente quando ouviu o que Annelise dissera, na ponta contrária da porta onde estava apoiado, junto do Mason. Percebeu que Caleb o relanceara também, fisgado pela curiosidade e a dúvida de que Annelise houvera sido certeira no que dissera, os olhos verdes alargados.

Alex voltou os olhos para Annelise, no meio dos cochichos e risos das duas, ao acrescentar, com uma careta:

— A única, não — falou, alto para que ouvissem. — Eu também — fala, erguendo o copo, nunca vazio por muito tempo, em um brinde no ar.

Annelise riu, dando-se por conta. — Ui, será que devemos ficar juntos?

Isso pareceu chamar a atenção de Caleb, que desviou os olhos de Annelise, em quem prestava atenção, para o Alex, que notou a ação pelo canto do olho.

Deu de ombros, em seguida, abrindo um sorriso malicioso para a amiga. — Ué, não dói tentar — provoca, e os outros riem.

— Mentiroso — provoca ela, estreitando os olhos delineados. — Eu sei que você não joga pro meu time!

Em meio a brincadeiras, a voz de Ian se fez ouvir acima das demais, por um acaso: — Caralho, todo mundo é gay agora!

Um silêncio se fez presente antes que todos caíssem na gargalhada mais uma vez, fazendo com que Ian se encolhesse de vergonha, virando chacota pelo resto da noite.

— Seu primo é um meme ambulante — comenta Bruno, gargalhando.

— Menino, você recém se deu conta disso? — brincou Anne, fazendo-o avermelhar por inteiro.

— Só falta você, primo — brincou Alex, piscando um dos olhos para ele.

— Eu não duvido — acrescentou Grace, rindo às custas dele.

Ian virou-se para ela e iniciaram mais uma discussão paralela, o que fazia Alex questionar se eles não gostavam mesmo de brigar, porque parecia que ficavam perto um do outro justamente para isto.

O pensamento sequer se completou antes que ouvisse a campainha tocar. Chegavam os três últimos integrantes do grupo, juntos, com mais um extra. Cristina chegara ao mesmo tempo que Matt e Em, que, por sua vez, trouxeram um quarto convidado.

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Na porta, Emily sorriu de canto, como se desculpasse, ao apontar para Ahanu: — Eu trouxe meu irmão ao invés de uma bebida, tem problema?

Alex riu, olhando-o de cima abaixo, visto que já ouvira falar no rapaz, mas jamais o conhecera. Era muito parecido com a Emily, pouca coisa mais alto que ela, cabelos igualmente lisos e castanhos só que curtos, pele igualmente escura, embora os olhos, ao contrário dos dela, fossem levemente puxados.

— Tem — fala, deixando-os tensos, antes de rir. — Claro que não, Em! Entrem, venham! Espera, cadê... — Quando olhou, só viu a cabeleira ruiva de Cristina ao longe, já com os demais, sinal de que nem se dera ao trabalho de cumprimentá-lo. — Esses pestinhas tão mal acostumados, isso sim!

Matt ri, abrançando-o seguido de Emily, antes que Ahanu apenas apertasse sua mão, apresentando-se.

— Nome legal — comenta o anfitrião, fechando a porta atrás dele. — Meus pais não tiveram bom gosto assim — reclama, pensando no primeiro nome.

Ahanu solta um riso pelo nariz, dando de ombros. — Os meus também não.

Alex fica perdido por um instante, mas então compreende, antes de rir com ele. — Humor sinistro — fala, aprovando com um sorriso. — Gostei.

— Claro que gostou — comenta Matt, olhando para trás por um segundo, ao fazer Alex rir.

— Você me conhece.

Quando se unem aos demais, Annelise e Faye levantam para saudar sua terceira alma gêmea com um abraço duplo de ursas.

— Nossa índia! — falam, em uníssono, de maneira cômica, o que trouxe um riso a todos que estavam ao redor.

— Amei seu corte de cabelo — comenta Annelise, mexendo nos fios lisos e curtos dela.

— Eita, faz quanto tempo que não se vêem? — questiona Faye, gargalhando em seguida.

— A gente nunca conseguia ajustar os horários uma da outra — explica Emily, rindo, antes de ser tomada para mais um abraço de Annelise, que quase a sufocou.

— Amei o seu também — comenta ela, com dificuldade para respirar, se referindo às box braids coloridas nos cabelos longos.

Annelise se afastou, sorrindo. — Gostou do azul?

— Perfeito em você!

— Eu também acho — comenta o garoto que assistia a tudo com um sorriso.

Annelise vira para ele, se deparando com as covinhas nas bochechas, completando o sorriso adorável. Arqueia as sobrancelhas, surpresa, antes de olhar para a Em.

— Você trouxe seu irmão? — pergunta, embora não restassem dúvidas.

— Não, eu sou uma miragem — brinca ele, fazendo-a revirar os olhos, antes de rir e puxá-la para um abraço apertado. — Sentiu minha falta?

Annelise riu, afastando-se para olhá-lo melhor. — Claro! Faz séculos que não te vejo!

— Tô mais bonito? — pergunta, sorrindo feito uma criança.

Annelise demora um tempo absorvendo a pergunta, antes de soltar um riso gracioso, virando-se para relancear Emily, que revirava os olhos.

— Han, não dê em cima das minhas amigas! — repreendeu, embora achasse graça.

— Não vou — fala, feito um soldado, mas o riso sapeca a fez questionar se ele não cruzara os dedos pelas costas, como fazia quando eram crianças. Inclinou-se um tanto em direção de Anne, que observava tudo com bom humor. — A não ser que você queira.

Como se todos estivessem prestando atenção na conversa, começaram a fazer barulho em torno dos dois, fazendo Ahanu sorrir mais ainda e Annelise demonstrar um indício de constrangimento, embora risse junto deles.

— Ui, que galanteador — comenta Bruno, assobiando em seguida.

Matt gargalha, sentando ao lado de Ben e Lucy.

— Tem certeza que é seu irmão, Em? — questiona Faye, batendo o ombro no dela, ao provocar.

Ahanu e Emily se entreolham e ela revira os olhos ao passo que ele ri. Ouviam isto o tempo todo, porque apesar da aparência semelhante, eram duas personalidades distintas e, por vezes, opostas.

— Quantos anos você tem, garoto? — questiona Alex, por suas costas.

Ahanu dá de ombros, olhando por cima deste. — Dezesseis.

Quase dezesseis — corrige Emily, se referindo aos dois meses que faltavam.

— Dá no mesmo — reclama ele, sendo o que revira os olhos desta vez.

Annelise ri. — Me pergunte quando tiver quase dezoito então — conclui, piscando um dos olhos.

Ahanu volta a sorrir, antes de pegar uma das mãos de Annelise e inclinar-se para beijar o topo dela, feito um nobre do século dezenove. Alguns assobiaram ao redor, enquanto outros riam.

— Pode contar com isso, princesa.

— Ui, princesa — brinca Faye, antes de relancear Mia. — Eu prefiro “sereia” — fala, sorrindo malicioso para a namorada.

Mia ri, mordendo os lábios ao assentir, sem desviar os olhos dos dela.

Alex aproveitou o momento de conversa dos demais para chutar, delicadamente, os pés de Cristina. Ela ergueu os olhos verdes para ele, se deparando com uma sobrancelha arqueada.

— Você entra, nem me dá oi e já tá em um mundo paralelo com o loiro? — fala, balançando a cabeça como um pai em desaprovação, estalando a língua em seguida. — Que decepção, mocinha.

Cristina piscou, dando de ombros em seguida, de modo que os ruivos em chanel balançassem. — Não devia ter me convidado, então.

Caleb se afogou com o refrigerante, rindo, ao passo que Mason apenas piscava os olhos azuis por detrás dos óculos. Alex estreitou os olhos, segurando-se para não rir, influenciado pelo riso gracioso do Caleb.

— Vocês se merecem — fala, emburrado, pela maneira que se davam tão bem enquanto eram um desastre robótico na interação com os demais. — Levantem daí, vão sentar em uma cadeira. Vem, Caleb — pede, estendendo a mão, que ele prontamente aceita.

Após se levantar e passar a mão livre pela bermuda jeans, Caleb se dirige para a cadeira ao lado das de Ian e Grace, que haviam se afastado da piscina depois de ameaçarem jogar um ao outro dentro dela. Estavam emburrados, um em cada cadeira, antes que os dois chegassem.

Alex os analisa por um instante antes de estender seu copo.

— Vodka com limão? — sugere, esperando quebrar o clima tenso.

— Obrigada! — agradece Grace, exageradamente, ao puxar o copo e beber, como se precisasse disto há eras.

Ian revira os olhos, ao passo que Caleb ri.

— Você não? — questiona Alex, os olhos no garoto dos olhos verdes.

Caleb pisca, balançando o copo de refrigerante pela metade, com um meio sorriso como resposta. — Hoje não.

— Você tá é traumatizado! — comenta Ian, rindo, e Alex sorri para isto.

— Eu vomitei daquela vez — defende-se ele, com uma careta.

Alex o observa com um meio sorriso. — Porque bebeu de estômago vazio sem estar acostumado. — Pega o copo estendido por Grace novamente e toma o restante do líquido, ainda com os olhos nele. — Quer comer alguma coisa então?

Caleb nega, ao mesmo tempo que Ian assente: — Quero!

Alex ri, fazendo uma careta em seguida.

— Você não!

Argh! — reclama ele, fazendo Grace rir. — Tudo é o Caleb!

Caleb e Alex se entreolham ao mesmo tempo, ao passo que o mais novo se encolhe pelo comentário e Alex engole em seco. Obriga-se a forçar um sorriso, sem deixar nada transparecer, antes de largar o copo vazio nas mãos de Grace e puxar o Ian da cadeira sem nenhuma delicadeza.

— Ok, vamos, seu resmungão!

*

Lucy estava empenhada em uma conversa com Matt e Ahanu sobre colégios, ensinos e educação. Enquanto Matt gostava do assunto por haver estudado muito sobre a irmã e sobre autismo, Ahanu havia tido contato com escolas a vida toda devido ao pai que era professor na aldeia, e Lucy tinha o sonho de ser professora quando se formasse em Sociologia.

— Um dos tópicos que faltou muito nas escolas que eu estudava era sobre drogas — comentou ela, vendo-os assentir em concordância. — E eu quero muito fazer esse papel, ainda mais por haver sido pessoalmente afetada por isso.

Ahanu assente. — Tem muita coisa que devia ser abordada pela educação escolar que não é abordada. Meu pai tenta muito introduzir vários assuntos, especialmente sobre sexualidade e identidade de gênero — conta —, só que tem muitos pais que vêm reclamar sobre isso. Com relação a drogas, é a mesma coisa!

— E quanto ao autismo e educação especial? — acrescenta Matt, indignado. — Nunca na vida eu tive qualquer aula dedicada a isto e não foi por falta de alunos assim! Eu tive colegas que precisavam de uma assistência extra no colégio, mas os professores não estavam nem aí, que eles aprendessem e se adaptassem por conta própria, sabe? — Os outros dois concordaram. — É por isso que esse negócio de “igualdade” é tão desatualizado. Cara, as pessoas não são todas iguais!

— Exatamente! — concordou Lucy, assentindo. — Se trata de equidade. Você não pode fazer uma pessoa cadeirante subir degraus, ela precisa de uma rampa!

— Isso! — empolgou-se Ahanu, gesticulando. — É por isso que algumas pessoas precisam de cota! Cara, eu só tive maior acesso e recursos para estudar porque meu pai é professor na aldeia — explica —, porque como indígena, eu tive uma vivência completamente diferente dos que não são! Você não pode esperar que, em países que a maioria pobre são pessoas não brancas, essa mesma maioria tenha a mesma acessibilidade a universidades e empregos que os demais.

— Cara, eu mal posso esperar pra ensinar meus alunos o que eles devem aprender de fato! — exclamou Lucy, animada com a ideia de formar futuros diferentes dos quais conviveu.

Ahanu e Matt riram quase ao mesmo tempo.

— Você será uma ótima professora — declarou Matt, com carinho.

— Pelo vislumbre dessa conversa, com certeza! — afirmou Ahanu, também admirado.

— Lucy! Venha! — chamou Mia, acenando.

Lucy focou os olhos nelas, arqueando as sobrancelhas pela gritaria das suas companheiras. Faye, Mia, Emily e Annelise chamavam-na assim como gritavam por Grace e Cristina para que tirassem fotos apenas das figuras femininas da festa.

Ao longe, podia-se ver Grace praticamente arrancar Cristina das mãos do Mason e desgrudar sua bunda da cadeira antes de arrastá-la para perto das garotas. No meio do caminho, ela cedeu e foi por conta própria, arrumando os cabelos curtos.

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— Bom, garotos, deixo a palavra com vocês — instruiu Lucy, piscando um dos olhos azuis, antes de levantar e correr para a foto quando a apressaram.

— Você também, Jake — chamou Matt, desviando-o da conversa com Ben e Bruno.

Ele piscou, perdido. Ahanu também pareceu igualmente perdido com o que pareceu a mudança de assunto.

— O quê?

— A gente tá conversando sobre educação e ensino nos colégios e todas as coisas que deviam mudar a respeito — explicou, e Jake compreendeu no mesmo instante, assentindo com um sorriso. Matt virou-se para Ahanu para explicar: — Jake começará Serviço Social na semana que vem.

Ahanu arqueou as sobrancelhas em surpresa, e em seguida sorriu com empolgação: — É mesmo?

Bruno puxou o namorado para um abraço de lado, orgulhoso, antes de afagar seus cabelos fios curtos.

— Quem imaginaria? — brincou, e Jake revirou os olhos.

— Tá me chamando de previsível? — questionou, olhando-o de canto.

Bruno gargalhou. — Jamais!

— Você, dentre todas as pessoas, querer ser assistente social? — brincou Ben também, obtendo os pares de olhos em si, e então descartou a ideia como se fosse boba. — Nada previsível.

— Por quê? — questionou Ahanu, sem entender.

Jake deu de ombros.

— Eu estive no sistema adotivo — contou, observando-o assentir. — Tive experiências boas e ruins, assim como assistentes bons e ruins. Ambos fizeram toda a diferença para mim, e eu gostaria que a balança pesasse mais para o lado bom para os demais.

Ben sorriu com carinho, assim como Bruno.

— E assim será — garantiu Ben, conhecendo-o tão bem, sem qualquer sombra de dúvida.

Jake sorriu de volta, alegre com o pensamento.

— Não é como o Bruno, que de todos os cursos, escolheu veterinária. — Cutucou o namorado, fazendo-o rir.

— Qual o problema com Medicina Veterinária? — questionou, fazendo um beiço.

— Eu imaginei algo como Cênicas — comentou Ben, arqueando uma das sobrancelhas.

Jake riu e os outros dois gargalharam.

— Eu também! — concordaram Jake e Matt, ao mesmo tempo.

— Gente — chamou Bruno, com uma expressão de lisonjeio —, eu sei que minhas habilidades teatrais são um talento só, mas o coração quer o que quer — performa ele, colocando a mão no peito, como o perfeito palhaço que é. — E eu hei de honrá-lo!

Jake o beliscou e os outros três se entreolharam, Matt gargalhando.

— Entendi — comentou Ahanu, assentindo em compreensão sobre haverem unido Bruno a Artes Cênicas a vida toda, o que os fez rir mais ainda. — E você, faz o que mesmo? — questiona Ahanu, ao cutucar Ben.

Antes que Ben respondesse, Matt interrompeu ao passar um dos braços em torno dos ombros eretos de Ben: — Adivinha.

— É — riu-se Bruno, observando Matt chacoalhar o corpo endurecido do amigo e colega. — Dá uma olhada na postura, nas roupas, na expressão séria dele — dita, achando graça.

Jake o belisca mais uma vez, fazendo-o arfar. — Não mexa com ele — defende, como sua própria natureza.

Ben sorri para isto e, quando Ahanu não responde, ele o faz: — Direito. — Ahanu gargalha no mesmo instante, o que estimula os demais a fazerem o mesmo, porque era tão óbvio. — Alguém tinha que seguir os passos dos meus pais postiços, não é mesmo?

Direcionada a Jake, a pergunta o fez sorrir alegremente. — Eles estão muito orgulhosos de você! — conta, a respeito dos seus pais.

Matt se perdeu no meio da conversa quando focou os olhos esverdeados em Emily, que gargalhava de algo que Annelise dizia. Como se o sentisse observá-la, os olhos prenderam-se nos dela, o sorriso diminuindo a um leve levantar de lábios tímido. Matt abriu um sorriso completo quando a viu morder os lábios, envergonhada, esforçando-se para prestar atenção na conversa das garotas quando tinha os olhos grudados em si.

Matt teve a atenção completamente desviada para Ahanu, que pigarreou ao seu lado, fingindo que via as horas no celular.

— Então, você finalmente desacovardou? — questionou ele, focando os olhos castanhos nos de Matt, com uma sobrancelha arqueada em ironia.

Matt soltou um riso nervoso pelo nariz.

— Ela te contou? — questionou, baixinho, para que os demais não ouvissem.

Ahanu deu de ombros, sorrindo minimamente. — Minha irmã e eu não temos segredos um do outro — conta ele, mas suspira ao inclinar o corpo para trás —, mas esse ela decidiu manter para ela. Não que importe — acrescenta, com um sorriso debochado —, porque eu a conheço.

Matt assentiu. — Imaginei — fala, sorrindo também.

— Seria bom que sua bravura não acabasse aí, sabe — comentou ele, sério, fazendo Matt assentir também, entendendo o senso de proteção dele. — Você demorou o suficiente, não quero que ela perca mais nenhum segundo esperando por você pra coisa alguma.

Matt engoliu em seco, concordando em seguida.

— Tem razão — murmurou, relanceando Emily. — Não é minha intenção fazer isso. Ela é minha melhor amiga — sussurra, com um sorriso carinhoso —, ela é minha alma gêmea, ela é amor da minha vida. Eu só demorei um pouco pra perceber.

Ahanu assentiu, relanceando-a também.

— Ela é minha melhor amiga também, então sugiro que não a machuque jamais — enfatizou, sério, sem tirar os olhos da irmã. — Na Tribo, temos um ritual específico para casos assim que você não vai gostar.

Matt piscou, encarando-o com olhos arregalados, ao esperar por uma explicação, mas Ahanu apenas deu de ombros.

— Entendido — confirmou Matt, enfim, fazendo-o sorrir com satisfação.

No fundo, Ahanu ria com gosto, já que obviamente inventara aquilo para pôr medo nele, como um verdadeiro irmão faria. Mal podia esperar para contar para Emily sobre a expressão assustada de Matt quando o enganara.

Durante boa parte da conversa, os olhos de Bruno sempre se voltavam para o Alex e, quando Jake entrou em uma conversa mais aprofundada com o melhor amigo, ele aproveitou a deixa para fazer o mesmo com o seu. Não antes, é claro, de deixar um selinho rápido e inesperado nos lábios do namorado, interrompendo previamente o que ele falava e deixando-o devidamente envergonhado.

Ben e Jake o observaram se afastar antes de voltarem os olhares um ao outro, ambos desconfortáveis com o que se passara. Sequer lembraram de onde paravam a conversa sobre os planos de alugar seu próprio apartamento pelo Ben. Matt e Ahanu adentraram em uma conversa sussurrada ao lado, então Jake não pôde intrometer-se nela para evitar uma conversa constrangedora.

Ou o que seria mais uma conversa constrangedora.

Jake batera em sua porta duas semanas antes para que ele fosse o primeiro para o qual contaria sobre sua relação com Bruno e fora devidamente embaraçosa como imaginara. Não é como se Ben já não soubesse, indiretamente, mas mesmo assim achou importante contá-lo com todas as letras.

Apesar do embaraço, de ambas as partes, Ben pareceu satisfeito de que ele houvera tomado iniciativa de conversar com ele a respeito de Bruno e alegre por sua felicidade. Também sentira ciúmes e medo de perdê-lo aos poucos para o namorado, mas tentou ao máximo não transparecer. Foi a primeira vez em muito tempo que conversaram como nos velhos tempos. Jake deitara em seu tapete, como sempre o fizera, e Ben sentou no mesmo, as costas apoiadas na cama, como também sempre fizera, e conversaram sobre tudo o que estava por pôr em dia há tanto tempo.

Podia ser que pensavam que todo o embaraço havia chegado a um fim, mas vê-lo com Bruno, assim como estar com Bruno sob os olhos de Ben, ainda requeria um tanto de tempo para deixar de ser estranho.

Isso não significava que não pudessem discutir o assunto.

— Como vão as coisas? — Ben optou por quebrar o silêncio, com um sorriso gentil.

Jake balançou a cabeça positivamente, sentindo as orelhas esquentarem. — Bem, melhor do que pensava — confessou, rapidamente.

— Seus pais já sabem? — perguntou, mais uma vez, como da última.

Jake fez uma careta. — Eles sempre sabem — optou por dizer, certo de que era verdade. Via a maneira como olhavam e tratavam o Bruno depois que as desconfiâncias começaram. Já o tratavam como um genro. — Mas ainda não contamos.

Ben assentiu, perdendo o sorriso quando declarou, sério: — É bom que ele não te esconda.

Jake alargou os olhos azuis, relanceando seu mexicano, antes de voltar os olhos para um preocupado Ben.

— Ele não o fará — garantiu, também pleno a respeito. Então, sorriu quando um pensamento cruzou em sua mente. — Já conheceu seu sogro, por falar nisso?

Ben piscou, remexendo-se no lugar.

— Já — contou, e Jake soube que devia sido uma das experiências mais assustadoras que ele passara na vida adulta. Quis rir, mas se restringiu. — Mas o irmão dela é meio protetor em relação a ela e ainda não quis me conhecer — revelou, como se o pensamento o assombrasse.

Jake arqueou as sobrancelhas.

— Ele é assustador? — questionou, baixinho, como se sequer fosse possível que Lucy o ouvisse de longe.

Ben relaxou o rosto. — Não — falou, lembrando-se da figura magricela e relaxada que vira ao longe. — Mas é sua pessoa favorita no mundo.

Jake assentiu, compreendendo.

— Não se preocupe — garantiu Jake, com um sorriso —, ele só vai querer saber que a respeita e a ama. Quando confirmar isto, ele saberá que você a protege e irá gostar de você.

Ben sorriu de volta, assentindo, ao contemplar a companhia de seu melhor amigo com o peito quentinho. Amava poder conversar com ele novamente e saber que estava cada vez mais próximo de si quanto mais o tempo passava.

Jake sentia o mesmo, e foi com esse sentimento que puxara assunto uma vez mais, alegre de contá-lo sobre seus planos para a faculdade.

Ao longe, Bruno parava Alex para uma conversa. Havia percebido que, apesar dele participar das conversas vez ou outra, interagir com todos à sua maneira, distribuir as bebidas, trocas as músicas, não havia parado para sentar e conversar propriamente em momento algum. Estava sempre em movimento, sempre fazendo alguma coisa ao passo que virava um copo de bebida, sempre se aproximava por cinco minutos para se afastar por dez.

Foi a respeito disto que Bruno puxou conversa, fazendo-o parar de perambular por um instante. Jogou o braço por cima de seus ombros, fez seu trabalho ao arrancar-lhe um riso e questionou-lhe sobre seu bem estar. Alex, obviamente, desviou o assunto com um dar de ombros ao garantir que estava bem.

— E você? — pergunta, como forma de desviar o assunto para o mexicano. Sorriu de canto. — Como vai a fase de amor?

Bruno sorriu instantaneamente, apaixonado, ao dar de ombros, o que acabou arrancando um riso do melhor amigo.

— Tá perfeito — confessa, orgulhoso, antes de ficar sério mais uma vez. — Só tem um problema.

Alex franze o cenho, focando os olhos escuros nele. — Qual?

Bruno firma o olhar castanho por sobre o dele, sem perder a seriedade.

— Tô preocupado com o meu príncipe das trevas — fala, fazendo Alex arquear as sobrancelhas. — Ele anda mais trevoso do que nunca.

Alex revirou os olhos, soltando um riso rápido pelo nariz, e tentou se desvencilhar do amigo, mas Bruno firmou a mão em seu ombro, usando o braço ao seu entorno para colá-lo contra si. Alex suspirou pela insistência, percebendo que não teria escolha a não ser responder, e voltou os olhos para ele. Nas orbes castanhas estava estampada exatamente o que Bruno descrevera: preocupação.

— Eu tô bem — responde, mais seco desta vez, mais impaciente. Queria cortar a conversa bem onde ela começou.

Bruno chacoalha seu corpo levemente, como se para tirar a expressão irritada dali, mas tudo o que Alex faz é forçar um sorriso.

— Cara, ‘cê é minha alma gêmea, sabe? — fala, tornando a voz mais mansa, desta vez. — Eu te conheço. — Alex pisca e os olhos avermelhados, seja pela bebida, seja pelo estado emocional, apressaram-se para encarar ao longe. — O que foi, não confia mais em mim?

Alex engole em seco, mas se desvencilha dele, dando alguns passos para trás, consequentemente para dentro da casa. Como se Bruno entendesse a deixa, dá a mesma quantidade de passos em frente, desta vez, ficando entre o Alex e o pátio atrás, onde estavam todos os demais.

Não era como se tivesse mudado muita coisa, ainda podiam ouvir a música, o burburinho das conversas, e ainda estavam à vista dos demais, mas aquilo fechou uma sensação de privacidade para a conversa deles.

— Você é meu irmão, Bruno, é claro que eu confio — retruca, sério, ao dar as costas e largar o copo vazio junto dos demais na mesinha. — Mas eu não tenho nada pra falar — confessa, dando de ombros. — Eu reprovei, eu fiquei pra trás — fala, como se não tivesse mais importância. — É um saco, eu tô puto, mas aconteceu e agora vou ter que lidar com isso. Fim.

Bruno franze o cenho.

— E você tá? — questionar, as sobrancelhas unidas. — “Lidando” com isso?

Alex suspira mais uma vez, pesadamente. — Tô fazendo o melhor que posso — responde, irritado.

— Mas não precisa fazer isso sozinho — retrucou, preocupado — e nem se fechar desse jeito. Esse não é você.

Alex vira para ele no mesmo instante, impaciente.

— Tá errado — retruca, sem pensar, a voz gélida. — Esse é exatamente quem eu sou — enfatiza, fazendo-o piscar em surpresa. — Sem filtro, sem máscara, sem inúteis planos e expectativas — numera, de maneira tão dura que Bruno afastou o corpo minimamente, sem nem perceber.

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Assim que Alex fechou a boca e deparou-se com a expressão estatelada e perdida de Bruno, percebeu o que dissera e que havia sido honesto e rude demais. Engole em seco, suavizando a expressão para corrigir o que falara, visto que deixara Bruno sem palavras, ao forçar um sorriso e balançar a cabeça.

— Eu tô bem, Bruninho.

O rosto de Bruno, ainda contrariado, torna-se compassivo. — Alex...

— Não precisa se preocupar, ok? — interrompe, aproximando-se para dar uns tapinhas em suas costas. — Logo isso tudo passa e eu volto a ser seu grude, pode ser?

Bruno revira os olhos, soltando um riso pelo nariz, embora a ruga preocupada não houvesse deixado sua testa. Entendeu que o assunto havia acabado ali, como bem reforçado por Alex, e que não traria nenhum conforto ao amigo estendê-lo.

— Você sempre será meu grude — se obriga a dizer, para acabar com o clima ruim.

Alex força um riso, servindo-se mais uma bebida. — Sei — fala, desacreditado, antes de apontar para o Jake, que ainda conversava com Ben. — Você já arranjou outro.

Bruno ri, sorrindo feito um bobo ao relancear Jake também, antes de dar de ombros e brincar: — O Jake? — fala, fazendo um movimento de descarte com a mão. — Nah, aquilo lá é lance de uma noite. Nós — fala, apontando dele para o Alex — somos para sempre.

Alex dá um peteleco em sua cabeça.

— Quero ver dizer isso na frente dele, ô “lance de uma noite” — provoca, mas Bruno arregala os olhos.

— Não sou louco — retruca, fazendo-o rir.

Bruno o observa girar o copo de plástico na mão fina, percebendo que podia confirmar que ele emagrecera só de olhar para ela.

— E você? — questiona, antes de que Alex voltasse a perambular pela casa.

Alex arqueia as sobrancelhas, erguendo os olhos para ele. — Eu o quê?

Bruno sorri. — Pretende ficar sozinho o tempo todo? — Alex uniu as sobrancelhas escuras em confusão. — Faz o quê, um ano que ‘cê saiu do armário? — questionou, fazendo-o compreender. — Mas não vi você sair com ninguém já faz um tempão.

Alex ri, dando de ombros, ao olhar para o copo intocado novamente.

— Sou um lobo solitário — brinca, apoiando as costas na parede.

— É? — pergunta, analítico, ao relancear Caleb ao longe, perdido em uma conversa entusiasmada com Grace. — E quanto ao seu menino?

Alex solta um riso, nem um pouco surpreso com a pergunta. Nem precisou olhar para o mexicano para saber de quem exatamente ele estava falando.

— Não tenho menino algum — retruca, simplesmente, antes de levar a bebida à boca.

— O que houve? Problemas no paraíso? — brincou Bruno, estreitando os olhos com curiosidade.

Alex ri, sem muita vontade. — Nunca teve paraíso algum, Bruno, deixa de graça.

— Me pareceu que teve, quando você me encheu os ouvidos naquele dia sobre seu menino haver beijado alguém sob minha supervisão — acusou, recordando-se de Alex haver, ao menos três vezes, o beliscado e puxado seu cabelo quando Bruno finalmente desceu para a festa.

Alex ficou sério no mesmo instante, recordando-se do fato, e balançou a cabeça.

— Aquilo foi... — começou, preparado para mentir, mas o olhar estreitado de Bruno o calou instantaneamente.

— Vai mesmo mentir na minha cara? — questionou, um tom de chateação em sua voz, ao perceber que realmente o faria. — Achei que isso já havia passado desde a MJ.

Alex abriu e fechou a boca algumas vezes, mas se calou.

Havia mesmo reclamado com Bruno, assim que ele deu o ar da graça, horas depois do beijo, porque havia ficado enfiado em um quarto com o Jake o tempo todo. Só que Alex teve poucas horas para se revirar dentro de si próprio, com ciúmes do Caleb, antes que ele próprio tivesse os lábios unidos aos dele. E Bruno, obviamente, não sabia disto. Ninguém sabia. Ninguém além dele próprio e do Caleb.

— Caleb... — começa, empenhado em falar algo que fizesse sentido, mas falhando. Bruno arqueia as sobrancelhas, em antecipação. — Caleb... — Suspira, enfim, ao falhar pela segunda vez. — Ele é só um menino, Bruno.

Bruno franze o cenho, aproximando-se para analisar Alex como se fosse um terapeuta. — E você não tá apaixonado por esse menino, Alex?

Alex revira os olhos, nervoso, ao deixar um peteleco no amigo.

— Cala a boca, Bruno — reclama, franzindo o cenho, e Bruno solta um riso pela reação. — Não é porque você tá todo apaixonadinho que todo mundo tá também!

Bruno o ignora deliberadamente. — Isso não é uma resposta — fala, mas Alex já lhe dava as costas para fugir mais uma vez, em direção à área da piscina. Pensando que Caleb poderia ser a explicação do porquê de Alex não haver mais se aventurado com ninguém, questionou: — Você não tá esperando por ele, não é?

Alex para no batente da porta de vidro, os olhos instantaneamente focando em Caleb, que ria junto de Grace sobre algo que Mason tagarelava. Os cabelos escuros estavam um tanto lambidos para um lado, de forma que a franja não lhe tapasse os olhos verdes, como ocorria vez ou outra.

Virou para trás rapidamente para ficar de frente para o Bruno.

— Bruno, pela milésima vez — fala, enfatizado —, Caleb é só um garoto. Para de imaginar coisas que não existem! — reclamou, honestamente impaciente.

Bruno estala a língua, balançando a cabeça como se desacreditasse a baboseira que ouvia.

— Não entendo por que você não admite — pondera, de fato, intrigado. — Primeiro, que é comigo que ‘cê tá falando, não tem por que tá com vergonha de nada — numera, erguendo um dedo e logo após, o segundo. — Segundo, não é como se fosse um crime gostar dele só porque ele é um pouco mais novo. Terceiro, se você...

— Bruno — interrompe ele, rapidamente, sério.

Alex abriu e fechou a boca algumas vezes, sob os olhos curiosos de Bruno, quando ele se calou por completo. Suspirou, enfim, ao relancear por cima do ombro para ver se ninguém tinha se aproximado e tornou a focar os olhos ao melhor amigo quando confirmou que não.

— Eu tenho agido como um filho da puta com esse menino desde que o conheci — confessou, chateado. — Eu me aproveitei das dúvidas e da confusão dele desde o dia primeiro. Eu distorci toda a nossa amizade desde o princípio e eu me arrependo, sabe? — despeja de uma vez só, exasperado. — Eu me arrependo de verdade.

Conforme o tempo passava, isso ficava mais e mais claro para ele.

Sentia que isso provavelmente se devia ao fato de já não ser o mesmo garoto de quinze anos que chegou contrariado na cidade, arrastado pelos pais, para longe da única pessoa com a qual sentia que podia ser ele mesmo e que estava tudo bem ser quem é.

Dois anos atrás, ainda pensava em Dean como alguém alto em um pedestal, uma imagem intocada pelos meros humanos. Quando conheceu Caleb e aquela estranha relação entre os dois se iniciou, quis ser as partes boas do Dean para ele. Quis ajudá-lo a se compreender, a entender que estava tudo bem ser quem é, quis ser aquilo que tanto significou para ele que Dean tenha sido.

Apenas depois de desempenhar esse papel, de fato, percebeu que era falho em tantos quesitos que sequer os poderia pôr em palavras. O beijo que trocara com Caleb acabou acordando-o do transe dessa relação diferente que mantinha com ele, aquela na qual se recusara a pôr muito tempo pensando sobre, percebendo o quanto havia estragado tudo. Inclusive após rever Dean na sua viagem à Mallow Coast semanas atrás e entender que não havia nada mais ali, mais havia ficado claro a extensão do estrago que causara na amizade entre eles.

Talvez isso de ajudá-lo e apoiá-lo tenha até sido uma desculpa para se aproximar de Caleb, porque sabia e sentia desde o princípio essa atração entre os dois. Sabia que era recíproca, mas agora também sabia que Caleb era novo demais quando Alex começara a manipular sua própria imagem - mesmo que não intencionalmente - para com ele. Praticamente o seduzira desde que ele tinha apenas doze anos, vivia trocando palavras de duplo sentido, nunca o permitira vê-lo como apenas um amigo, e quase passara do limite diversas vezes.

Como poderia esperar que Caleb o visse como um amigo, assim como os demais?

E Caleb era precioso demais. Sua interação com ele começara tão distorcida, especialmente porque nem esperava se apegar a ninguém ali, que no fim, quem mais ajudava o outro era o Caleb ao Alex. Caleb sempre o escutava, o aconselhava, o acompanhava, o cuidava. Nunca pensou que seria tão amparado por alguém quanto o fora por Caleb, quem queria amparar.

Desta vez, era Alex quem estava em um pedestal tal qual não merecia, assim como ele próprio havia posto o Dean. Só que Dean nunca fora seu amigo e agora que não havia mais nada ali, não resistia qualquer tipo de relação entre os dois.

Não queria isto com Caleb. Queria tê-lo na sua vida para sempre, assim como teria os demais. Queria desfazer o dano que causara desde o princípio, queria reformar sua amizade, queria fazê-lo olhar para si como olhava para seus outros amigos.

Mas não sabia como.

— Eu não sei como consertar, mas eu tô tentando — continuou, frisando o fato, apesar de saber estar falhando também. Ainda na semana passada, houvera o provocado mais uma vez, até que percebesse tarde demais que repetira o mesmo padrão de sempre e impedir-se. Falhava o tempo todo, mas seguia tentando. — Tô tentando ser um amigo pra ele, um que eu nunca fui. Tô tentando, sei lá — fala, gesticulando —, manter o que havia de bom entre nós e descartar o que havia de distorcido. — Engoliu em seco. — Então, por favor, para de implicar que tem algo a mais rolando aqui, porque não tem. — Bruno abriu a boca para replicar, mas Alex finalizou: — Não mais.

Não importava que houvesse repassado o beijo milhares de vezes na cabeça como um dos momentos mais perfeitos da sua vida. Não importava que sentisse que Caleb era o que havia de mais correto na sua vida. No fim, não deixava de ponderar se as coisas haveriam seguido o mesmo curso se ele não houvesse as manipulado desde o início para que se desenrolassem assim.

A ideia revirava seu estômago de uma maneira horripilante, mas não podia descartá-la. Chegara na cidade sem intenção alguma de ficar ou criar laços, e agora os laços já estavam feitos e não queria perder ninguém. Especialmente Caleb. Sabia que a relação entre eles não sobreviveria quando se formasse e fosse embora, mas a amizade sim, e seria essa mesma amizade que estaria a regar agora.

Bruno ficou em silêncio por um instante, antes de pegá-lo de surpresa ao puxar o corpo, já débil pela quantidade de álcool, para um abraço. Alex arfou pela surpresa calorosa, prendeu a respiração e encarou o teto ao piscar seguidamente para impedir que as lágrimas caíssem.

— Entendi, cara — concordou Bruno, apertando-o ainda mais. — Não vai se repetir, não se preocupe. Tá bom?

Alex assentiu, com sucesso mantendo os olhos marejados assim, ao retribuir o abraço de urso que recebera.

— Ei, Alex! — chamou Annelise, de junto das garotas. — Deixa de romance e traz umas cevas, sim?

Alex desvencilhou-se de Bruno a tempo de fungar rapidamente e piscar muitas vezes, afastando as lágrimas, ainda de costas para seu grupo de amigos. Bruno, para dá-lo aqueles segundos de recomposição, gargalhou e apontou para o seu namorado.

— Não fale assim na frente do Jake, Anne! — reclama, com uma careta forçada. Jake pisca quando ouve seu nome, focando os olhos azuis em Bruno. — Ele vai pensar que tô traindo!

Os mesmos olhos azuis reviraram-se nas órbitas, quase ao mesmo tempo que os olhos castanhos de Annelise faziam o mesmo. E os de Alex, já recomposto, focaram em Anne com as sobrancelhas arqueadas ao passo que apontava para a mesa destinada às bebidas:

— Estão bem aqui, é só buscar — provocou, soltando um riso cansado ao observar um beiço teimoso nos lábios dela.

— Você é mesmo o príncipe das trevas, não é? — reclama, fazendo Bruno sorrir, orgulhoso que o apelido houvesse criado raízes.

Alex riu, dando de ombros.

— Garotos pedem até sua alma quando querem mas quando você pede uma ceva, eles tão muito ocupados — brincou Annelise, ao perceber que os olhos de Grace pousavam em si.

Grace sorriu, assentindo. — Quem precisa deles?

— É, quem precisa? — concordou, dando um tapinha orgulhoso nela.

Annelise demorou-se ao observá-la sorrir de forma tímida, por haver percebido que ela houvera feito o mesmo durante toda a festa. Especialmente, quando se tratava de seu cabelo.

— Não gostou? — perguntou, depois de um minuto pensativa, ao se referir aos cabelos mudados do típico solto em ondas crespas que usava.

Grace demorou a perceber ao que ela se referia e arregalou os olhos em resposta, negando enfaticamente. — Não, eu amei! Ficou muito bonito em você! — afirma, sorrindo em nervoso por haver sido pega encarando as tranças.

Annelise sorriu, analítica. — Não pensa fazer também?

Grace soltou um riso envergonhado, negando em seguida. Levou a própria mão ao cabelo que aprendera a odiar a vida toda, puxando os fios ressecados que insistira em alisar todos os dias com uma chapinha meia boca.

— Não, eu... — Franze os lábios, recordando-se. — Eu costumava fazer tranças nagô, sabe? — Annelise assentiu. — Quando eu era criança, meu pai as fazia pra mim. Só que não tinham muitas crianças negras nos colégios que estudei e eles mexiam muito comigo por causa delas — contou, com uma careta. — Passei a odiar. Só que de novo, meu cabelo natural e solto também causava comentários, então foi meio que um beco sem saída.

Annelise assentiu, entendendo mais do que poderia pôr em palavras. Levou a mão para o cabelo alisado em casa de Grace com a permissão dela, percebendo que mesmo no toque podia perceber o quanto estava frágil e quebradiço.

— E quando alisou pararam de mexer com você? — perguntou, arqueando uma das sobrancelhas.

Grace abriu e fechou a boca algumas vezes, antes de desistir, os ombros caindo em desânimo ao perceber como a pergunta fora certeira.

— Bom ponto — elogiou, sorrindo com tristeza.

Obviamente que, não importando qual o tipo de cabelo e penteado que usasse, o racismo sempre prevalecera na boca e na ação dos demais. Se não de uma forma, então de outra. Se os deixava soltos ou trançados, seu cabelo “ruim” era muito "chamativo e exótico" para os brancos e isso os incomodava muito, e se os alisava, ela estava tentando “ser branca" e isso os incomodava muito também. Alisá-los, no entanto, fazia Grace sentir como se tivesse feito tudo o que podia para evitar incomodá-los, ao invés de agravar esse incômodo doentio que sentiam acerca dela.

No fundo, sabia que estava errada e a primeira pessoa que insistiu em corrigi-la com tanto amor fora seu pai. Só que Grace, como a perfeita imperfeita adolescente que era, insistia que o pai não a entendia por inúmeras razões, usando o fato de ser mais velho e ser homem como algumas delas, e que apenas ela estava certa sobre o que seria o melhor para si própria.

Quanto mais tempo se passava, no entanto, mais e mais vozes do movimento negro chegavam até Grace. Na televisão, nos jornais, nas notícias, nas ruas. Grace gostava de como, apesar de ainda não poderem mudar muita coisa no que diz ao racismo que mata os seus todos os dias, conseguiam mudar o fato de que já não eram silenciosos a respeito. As notícias pesadamente trágicas ainda continuavam a passar na televisão, mas ao mesmo tempo, notícias de pessoas e vozes negras começaram a tomar uma existência lindamente gritante em toda parte. Na política, na ciência, no meio artístico, investigativo, jornalístico, e em toda parte.

Aquela onda de resistência chegava até ela, tocava-a bem no peito, fazia seu corpo vibrar, deixava-a orgulhosa, enchia-a de esperança e de pura alegria. Chamava-a para sair de sua concha de silêncio e opressão e sair mundo afora, vestida de nada mais nada menos do que ela própria.

Era por isso que tanto observava Annelise e seu cabelo formoso. Aquele cabelo e o fato dela jamais escondê-lo era uma força de revolução, uma que Grace invejava e admirava com a mesma intensidade.

Queria ser como ela, mas não sabia por onde começar.

Você é linda — elogiou Annelise, quando viu que ela ficou perdida em pensamentos ruins. — Seu cabelo é lindo — afirmou, fazendo-a olhar nos olhos. — Sabe o que cai bem de verdade em um cabelo afro? Mais do que produtos e penteados, mais do que cuidados físicos? — Grace negou, alargando um pouco os olhos em curiosidade a respeito do que podia ser a solução dos seus problemas. Annelise sorriu largo ao alisar os cabelos de Grace nos seus dedos finos. — Amor — fala, com carinho. Grace piscou, sorrindo em seguida, ao assentir. Devia ter esperado algo assim. — Com amor, você pode até alisá-los que ficarão foda — enfatiza, rindo —, exatamente como você é.

Grace arqueou uma das sobrancelhas, duvidosa.

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— Sem cuidados? — provocou, fazendo-a revirar os olhos.

— Claro que você tem que cuidar né — falou, dando um tapinha em seu braço ao fazê-la rir. — Mas de nada adianta comprar um monte de produto, ir em cabeleireiros, se no fim você ainda não está preparada para aceitar o poder que seu cabelo, por si só, tem.

Grace sorriu, assentindo.

— O que acha das box braids? — perguntou Annelise, com carinho, ao balançar a cabeça e fazer as próprias tranças movimentarem-se formosamente. — Ficariam lindas em você.

Grace franziu o cenho, pensativa.

— Hum, eu não sei — fala, incerta. — Sinceramente, eu não gosto de alisar, mas... — Suspira. — É complicado.

— Eu sei, meu bem — concordou Anne, piedosa.

Apesar de querer mudar as coisas para si própria e admirar tanto pessoas como a Annelise, ainda assim pensava que as coisas seriam diferentes com ela. As pessoas famosas e influentes, e até mesmo a Annelise que via na sua frente, eram lindas demais. Parecia fácil encaixar qualquer cabelo com aqueles rostos perfeitos. Grace, no entanto, não se sentia confiante o suficiente de que ficaria bonita com algo além do que ela já estava acostumada.

Sentiu algo mudar em seu peito quando pensou a respeito e um clique ouviu-se em sua mente, quando estalou a língua, balançando a cabeça. Seu pai estava certo. Annelise estava certa. Tudo começava com o amor. E talvez uma dose de coragem, acrescentou para si própria.

— Eu também não queria... — interrompeu-se, notando que Annelise ainda esperava algo dela. — Bom, não sei, talvez seja loucura — admitiu, dando um riso nervoso. — Mas eu queria, sabe, tirar a coisa toda! — falou, gesticulando em direção ao cabelo.

O sentimento de raspar o cabelo todo vinha desde a infância, mas ele foi modificado ao longo do tempo. Primeiro, pensara em fazer isso de ódio para não ter que aturar mais seus fios crespos. Depois que passara tanto trabalho por horas, todo dia, para alisá-lo, pensava que seria um alívio não ter que lidar mais com isso. E agora, depois de tanto pesquisar sobre como salvar seus fios e fazê-los aparentarem como deveriam, uma das opções era raspá-lo e cuidá-lo conforme crescia.

Mais do que isso, queria saber a sensação de ter o cabelo curto, como o do seu pai. Sempre o invejara por isso, mas jamais tivera coragem de conversar a respeito.

— Raspar? — questionou Annelise, confusa.

— Uhum — afirmou, sorrindo de orelha a orelha. — Acho lindo!

Annelise sorriu de volta, percebendo ser o primeiro sorriso verdadeiro que a garota esboçou durante a conversa inteira.

Você é linda — adicionou, fazendo-a sorrir ainda mais. Fez um gesto amplo com as mãos. — Bom, vá em frente!

Grace fez uma careta. — Não sei se tenho coragem — admitiu, mordendo os lábios. — É muito bonito nos outros, mas sei lá, em mim...

— ... também vai ser — completou Anne, puxando-a para um abraço de lado. — Vamos, garota, um pouco de confiança em si mesma! Você é uma rainha! Você é dona da porra toda! — acrescentou, fazendo-a rir, e então se aproximou um pouco mais para os demais não ouvirem: — Eu vejo como você põe toda panelinha de vocês em ordem, viu? Ainda mais o Cunningham bebê! — enfatiza, fazendo-a gargalhar pelo apelido dos mais velhos destinado ao Ian. — Eu vejo tudo, viu? E dá um orgulho bem grande!

Grace assente, sorrindo com admiração. — Obrigada.

— Com licença.

Annelise ergue os olhos e se depara com Ahanu em uma pose muito engraçada do século passado ao fazer uma reverência respeitosa. Com um meio sorriso, lhe oferecia um copo com cerveja.

— Alguém pediu por uma ceva? — questionou ele, retoricamente, galante.

Annelise arqueia as sobrancelhas em surpresa, antes de ouvir Grace soltar um risinho ao seu lado, e se permitiu sorrir largo também. Balançou a cabeça, como se não soubesse o que fazer com o garoto, antes de aceitar o copo com um sorriso.

— Ora ora, que garçom atencioso — brincou, sorrindo, ao vê-lo fazer uma segunda reverência com um sorriso de orelha a orelha.

— Este garçom atencioso está à sua disposição — garantiu, em seguida, deixando a lata aberta de cerveja na mesinha próxima a ela.

— Ahanu! — repreendeu Emily, ao perceber, alargando os olhos.

— O quê? — questionou ele, risonho, antes de apontar para a Annelise à sua frente. — É a Anne! — explicou, como se isso bastasse.

— Eu não fiz nada! — exclamou Annelise, erguendo as duas mãos, uma com o copo, sem esconder o riso. — Mas que seu irmão é uma gracinha, ele é! — acrescentou, fazendo Emily não se aguentar na postura de irmã mais velha e deixar escapar um riso.

Han sorriu, alegre. — Viu só? Eu sou uma gracinha — contou a irmã antes de relancear Annelise, que lhe piscou um dos olhos delineados em harmonia.

— Piranha! — exclama Faye, esticando-se ao máximo para dar um tapa em Annelise. — Vai se aquietar!

Annelise devolve o tapa na mesma intensidade. — Ah, que bonito! — debochou, estalando a língua. — Agora que tá namorando é mais fácil chamar as outras de piranha, agora você é outra criatura do mar, a própria Ariel! Não é, vadia?

Faye gargalhou, sem conseguir manter a pose, mas levantou-se para ameaçar estapeá-la outra vez ao passo que Annelise erguia os braços para a defesa, rindo também.

— Mia é a Ariel, tá bom? — esclareceu, como se importasse muito, tentando alcançar os cabelos, bem defendidos por Anne, para dar-lhe um peteleco. — E não fale assim de mim na frente da minha sereia, sua vaca encalhada!

— Vem então, piranha atrevida! — provocou Annelise, antes que as duas se embolassem com tapas não sucedidos, sem forças para revidar por causa das barrigas que doíam devido às gargalhadas.

— Ah — cantarolou Bruno, ao longe, causando risos —, nada como uma amizade bem construída na base do afeto e carinho!

Cinco minutos depois, as duas estavam aninhadas em um abraço bastante confortável, conversando com os demais, matando a saudade de quando ficavam assim o intervalo das aulas inteiro. Ora se cutucando e xingando, ora se abraçando e se amando.

Mia, Emilly e Lucy, já que o grupo parecia necessitar de almas femininas quietas e controladas por uma questão de balanço da natureza, ficaram conversando entre si em pura calmaria. Apesar de mais agitada, Lucy gostava de conversar e trocar ideias.

Grace finalmente parecia ter fisgado a atenção de Cristina quando puxou um assunto sobre jogos e ignoraram os rapazes quando mudaram-se para perto do grupo. Bebiam refrigerante e conversaram entretidamente como se o assunto fosse muito importante e requerisse muita seriedade.

Mason, Ian e Caleb, de alguma forma, acabaram sendo arrastados para perto dos demais rapazes, já que estiveram quase o tempo todo separados no lado contrário da piscina. Quando Ian levantou-se para buscar bebida e foi pego aos petelecos pelo primo mais velho e pelo mexicano do lado de dentro da casa, Mason e Caleb ficaram sozinhos em meio aos demais.

Não bastou meio minuto à sós com Mason, antes que ele começasse a falar o que queria.

— Você não acha preocupante a maneira como o Alex anda usando e abusando de substâncias tóxicas? — questionou, e Caleb fechou os olhos e inspirou fundo, pedindo paciência ao universo pelo assunto recorrente das férias. — Você o conhece melhor que ninguém e tá mais do que na cara que isso não é normal. Você viu como ele emagreceu nessas férias? — questionou, retoricamente, mais uma vez. — E sabe-se lá o que ele andou fazendo em Mallow Coast, porque voltou ainda mais perturbado, sem falar que aquela cidade é o paraíso das drogas, sabe? Você sabe o que eu descobri sobre o namorado do seu irmão, não é? Aquilo é só a ponta do iceberg, pelo que descobri, vai muito mais à fundo. Nem mesmo meus informantes puderam me explicar direito, é tudo muito complicado, envolve política, a polícia, e governantes, sabe, Caleb? O que a gente sabe não é nada perto do que realmente acontece naquela praia. Eu bem que tentei descobrir mais, mas você sabe que eu não entendo e não suporto política, me deixa muito confu...

— Mason — grunhe Caleb, dando um tapa em sua cabeleira loira. Mason reclama, esfregando a testa, onde os dedos finos de Caleb bateram sem querer. — Que merda isso tem a ver com o Alex?

Mason ajeita os óculos acima do nariz, observando Caleb dos pés à cabeça com lento julgamento antes de concluir: — Você anda desbocado feito o Alex e o Ian, sabia? — Caleb revira os olhos, deixando a cabeça cair pra trás. — Tem a ver que Alex vivia lá e tinha uns amigos bem malucos pelo que eu saiba, e talvez ele tenha se metido com alguma coisa!

Caleb suspira.

— Maze — começa, puxando o máximo de paciência que podia —, reprovar no colégio, não ser protegido pelos pais, sentir que não tem liberdade, beber e fumar todo dia... — Lista, pesaroso. — Essas coisas não são o suficiente pra explicar o porquê do Alex estar tão estranho pra você?

Caleb já esperava que Mason retrucasse e tagarelasse mais um pouco, tentando inutilmente seguir sua própria linha de raciocínio, rápida demais para que até mesmo o loiro acompanhasse, mas não foi o que ocorreu. Ele ficou em silêncio, os ombros caíram em desistência, surpreendendo-o.

Caleb piscou, esperando que a onda verborrágica viesse, mas o que veio a seguir o pegou de completa surpresa.

— O que houve entre vocês?

Caleb sentiu até a última gota de sangue de seu corpo gelar pela pergunta certeira, os olhos graúdos devido ao grau do óculos focados no que parecia ser sua alma. Engoliu em seco, tentando não gaguejar quando o respondera com outra pergunta:

— O que quer dizer?

Mason suspira, ajeitando os óculos já ajeitados mais uma vez, ao baixar os olhos para os próprios pés.

— Eu sei que você não me conta tudo — fala, desanimado, como se isto de fato o chateasse profundamente. — Sei que de nós todos, você é o que é mais próximo dele, mais até que o Ian.

Caleb engole em seco, desviando o olhar da figura cheateada de seu melhor amigo.

— Também sei que esse tipo de informação eu não poderia conseguir na internet — continua, e Caleb volta os olhos para ele, o coração batendo rápido como se pego fazendo arte pela mãe. — E nem quero. Queria que você me contasse. — Então, os olhos azuis focaram mais uma vez nos verdes, que forçou-se a segurar o olhar, mesmo que quisesse mais do que nada fugir dele. — Algum dia vai me contar?

Caleb engole em seco, mordendo os lábios. Não poderia mentir para ele, quando Mason sabia que ele estaria mentindo. Forçou um sorriso sem graça, dando de ombros.

— É claro — respondeu, enfim, os olhos nos dele. Sorriu de canto. — Fizemos um pacto, lembra?

Mason sorriu de volta, assentindo, como se essa fosse mesmo a resposta certa. Assim, Caleb pode tornar a respirar com plenitude. Como se quisesse checar o motivo de sua conversa tão séria, procurou o ponto de origem dela com os olhos, mas não o encontrou.

Já estavam há horas reunidos, e só então Alex apareceu com o violão do Ben, o qual ficara em sua casa durante as férias inteiras, já que podia aproveitá-lo longe dos pais. Foi nesse momento que um meio círculo formou-se em torno da piscina, para ouvi-lo tocar o que contou que houvera treinado durante todo o tempo livre que tivera e presentear a todos com sua voz melodiosa.

Alex sentou-se em um banquinho próximo à piscina, na ponta direita do meio círculo que todos improvisaram a fazer.

A princípio, tocou apenas para acompanhar as músicas agitadas que ainda tocavam nas aparelhagens de som. Todos animaram-se e se juntaram para cantar junto dele, além de mexer nos sons e escolherem as músicas que desejavam, vaiando um risonho Alex quando ele não as conhecia ou ainda não as havia aprendido a tocar.

O mundo está do meu lado
Eu não tenho motivos para correr
Então, alguém virá e me carregará para casa esta noite?
Os anjos nunca chegaram
Mas eu posso ouvir o coro
Então, alguém virá e me carregará para casa esta noite?

Esta noite nós somos jovens
Então vamos colocar fogo no mundo
Nós podemos queimar mais claro do que o sol

Esta noite nós somos jovens
Então vamos colocar fogo no mundo
Nós podemos queimar mais claro do que o sol

Me carregue para casa esta noite
Só me carregue para casa esta noite
Me carregue para casa esta noite
Só me carregue para casa esta noite

O auge da madrugada foi quando Alex tocou Hey Brother, do famoso Avicii, e todos cantaram juntos, alto o suficiente para incomodar os vizinhos. Talvez por isso que a mesma música repetiu-se mais de três vezes, igualmente berradas por todos, para que a alegria da noite incomodasse ainda mais.

Hey irmão, existe uma estrada infinita para ser redescoberta
Hey irmã, saiba que existem muitos laços mas o nosso é o mais forte
Oh, se o céu vier a desabar
Por você, não há nada nesse mundo que eu não faria

Hey irmão, vocês ainda acreditam uns nos outros?
Hey irmã, “você ainda acredita no amor?”, eu me pergunto
Oh, se o céu vier a desabar
Por você, não há nada nesse mundo que eu não faria

”E se eu estiver longe de casa?”
Oh, irmão, eu te ouvirei chamar
”E se eu perder tudo?”
Oh, irmã, eu irei te ajudar
Oh, se o céu vier a desabar
Por você, não há nada nesse mundo que eu não faria

Aos poucos, as mesmas vozes começaram a acompanhar a de Alex, com igual intensidade, ao longo das músicas tocadas. Faye, Grace e Ahanu tinham vozes igualmente bonitas, e o acompanharam nas músicas mais vocais, trazendo um sorriso para o seu rosto.

Os minutos voaram, apreciados por todos, e os registros daquele dia ainda seriam guardados e repassados com muito carinho por muito tempo. Os dias em que, após o colégio, todos poderiam comparecer durante a junção de amigos ainda seriam raros anos após a reunião musical durante aquela madrugada.

Depois de muita música berrada pelo grupo de amigos; de muitos abraços, beijos e mãos dadas; de muitos puxões de orelha, tapas e beliscões; de muita conversa, dança e gargalhadas; um silêncio incomum pairou sobre eles. O aparelho de som deu pane e Alex aproveitou a deixa para descansar os dedos maltrados nas cordas do violão, enquanto os mais velhos repassavam um baseado entre eles.

— Garotada, fechem os olhos — instruiu Alex, como um pai, ao fazer os demais rirem e rir junto.

Todos os mais novos reviraram os olhos ao mesmo tempo, em uma quase perfeita sincronia. Grace cutucou Caleb para sussurrar que Alex só podia ter amnésia de quando fumou maconha com eles no colégio e quase levou suspensão. Caleb riu, assentindo, antes de voltar os olhos para o Alex a tempo de vê-lo dar uma tragada no baseado do amigo. No entanto, já o devolvia, correndo para buscar seu cigarro e seu isqueiro.

— Você não tem jeito, garoto! — repreendeu Matt, estalando a língua. — A gente aqui dividindo uma ervinha natural e medicinal, plantada em casa, e você com essa porcaria!

— Cada um com sua droga — defende-se Alex, ao erguer os braços em defesa própria, antes de enfiar-se entre as folhagens do jardim para fumar.

Os demais riem, mas Lucy o provoca. — É, você certamente tá fumando maconha por questões de saúde — debocha, fazendo-o rir.

— Você não fuma, não pode opinar — defende-se ele, sendo vaiado em seguida.

— Por isso mesmo que eu devia opinar — interrompeu ela, orgulhosa. — Eu não uso nenhuma dessas porcarias.

— Ah, é? — provoca Ben, arqueando uma das sobrancelhas para a namorada. — E o seu fígado, amor, como tá hoje?

Ben prontamente leva um tapa no braço, o que causa mais gargalhadas nos demais, mas ele apenas sorri para o fato.

— Sem falar que não é só ervinha que tem nisso aqui não — comenta Faye, depois de dar uma tragada com uma careta e passá-la para a namorada.

Mia faz uma expressão analítica quando repete o movimento da namorada, mas dá de ombros como resposta. — Tá pura o suficiente para mim — fala, fazendo Faye rir.

— Você é a pessoa menos crítica do mundo, sereia, não pode trabalhar com controle de qualidade, viu? — brinca, beijando o pescoço dela em seguida, com carinho.

— É mesmo? — pergunta, olhando para a namorada com carinho. — Vou começar a dar nota em tudo agora.

A expressão de Faye automaticamente se torna maliciosa, quando se aproxima e murmura no ouvido de Mia: — Em tudo?

Mia sorri largamente, cedendo quando ela contornou seu corpo delgado com os braços, grudando-a no seu. Mia desceu os olhos para a boca de sua gótica, próxima da sua, e selou-os sem pensar duas vezes.

Annelise jogou um copo plástico vazio na melhor amiga, enquanto os outros gritaram com a cena desenrolada em frente a todos. — Arrumem um quarto, suas fogosas!

— Deixem elas, seu bando de invejosos! — defendeu Bruno, que foi vaiado em seguida.

— Sai daí que todos sabemos o porquê de você estar defendendo o casalzinho, tá? — Annelise retrucou, debochada.

Mais uma vez, o assunto retornou ao novo casal de ouro da panelinha. Jake revirou os olhos e escondeu o rosto nas mãos, envergonhado por ser o centro das conversas outra vez, enquanto Bruno, todo orgulhoso, só o puxou para o seu peito e ajudou-o na arte de escondê-lo da vergonha. Ao menos tempo, ironicamente, ria e ajudava os demais a falarem de si próprio e do namorado.

Alex se demora, escondido entre as folhagens do jardim, enquanto todos já se esparramavam nos móveis que formavam o semi círculo pronto em torno da piscina. Quando retorna, alguns cigarros depois, percebe o estado acabado dos amigos pela primeira vez. Entre bêbados, chapados e com sono, ainda se mantinham firmes nas conversas aleatórias e brincadeiras bobas.

Cada um se encontrava atirado de um jeito específico.

Mia estava deitada no colo de Faye, que mexia em seus fios de cabelo com carinho. Bruno estava sentado na cadeira de praia ao lado, com as costas apoiadas na base dela e, entre suas pernas abertas, estava Jake, com a cabeça repousada no peito do mexicano. Anne se contorcia para tirar uma foto que enquadrasse os dois casais antes de mostrar a Ahanu, que lhe perguntava com bom humor sobre o que ela estava fazendo. Annelise, Ahanu, Emily e Matt estavam lado a lado em cadeiras separadas. O casal anônimo tinha as mãos entrelaçadas, escondidas entre suas cadeiras, enquanto cochichavam e se encaravam com tanta paixão.

Ben e Lucy, em banquinhos separados, sequer tinham ânimo de conversarem mais, ele apenas masseagava os pés que ela erguera para apoiar nos joelhos do namorado. Ao lado da loira, estavam Cristina e Mason, com quem Lucy conversara um tempo sobre jogos, também dividindo outra cadeira de praia. Mason adormecera no abraço de Cris, apoiado em seu ombro, enquanto a ruiva lutava para manter os olhos abertos. Grace e Caleb estavam ao lado do casal, sentados em banquinhos próximos, enquanto Grace deitava sobre o ombro de Caleb, esperando por mais música. Ian ficava na ponta contrária do semi círculo, à esquerda, atirado na quarta e última cadeira de praia, podre de bêbado.

Assim que Alex retornou, juntou o violão mais uma vez e ajeitou-se no banquinho baixo no qual anteriormente sentara, ao lado de Mia e Faye, começando a dedilhar com a cabeça longe. Assim finalizava, ironicamente, tendo dois Cunningham nas duas pontas do semi círculo.

Uma série de músicas pedidas começaram a ser tocadas com lentidão, e ele prontamente as atendia quando podia. No entanto, o cansaço começava a vencê-los, as conversas começavam a desvancecer-se aos poucos e os pedidos de música animados, consequentemente, também. Antes que percebessem, ele próprio começara a escolher as músicas e elas se tornaram melancolicamente tristes.

Há uma tempestade se formando
E eu estou preso no meio de tudo
E isso toma o controle
Da pessoa que eu pensei que eu fosse,
Do garoto que eu costumava conhecer
Mas há uma luz na escuridão
E eu sinto o seu calor
Nas minhas mãos, no meu coração
Por que eu não consigo me segurar a isto?
Vem e vai em ondas
É sempre assim, é sempre assim

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Reconhecendo a música famosa, alguns se uniram a ele para cantá-la. Caleb inclinou a cabeça, curioso pela forma como a letra parecia ser cantada na bela voz de Alex com tanta agonia.

Eu assisti minha juventude rebelde
Desaparecer diante dos meus olhos
Momentos de magia e maravilha
Parecem tão difíceis de encontrar
Algum dia isto vai voltar?
Algum dia isto vai voltar?
Me leva de volta à sensação de quando
Tudo ainda estava por ser encontrado
Vem e vai em ondas
É sempre assim, é sempre assim

Nós assistimos aos nossos jovens corações

Desvanecendo dentro da inundação, da inundação
A liberdade da queda,
Um sentimento que pensei ser definitivo
Escorrega pelos meus dedos
Estou tentando muito deixar que se vá
Vem e vai em ondas
Vem e vai em ondas
Nos arrasta para longe

Era fato que as escolhas musicais de Alex não ajudaram muito na questão de animar os amigos para que estendessem ainda mais a junção, embora parecesse ter acordado todos com as letras pesadas. Seguido disso, a versão de Alex de “Lost Boy” foi o suficiente para que os pedidos de músicas recomeçassem a fim de arrancar o amigo da áurea negativa que parecia pairar em seu entorno.

No entanto, não demorou para os primeiros começassem a se movimentar para ir embora.

Abraçaram-se, beijaram-se e já combinavam de se encontrar outra vez, o quanto antes. Já era de se imaginar que a próxima reunião do grupo de amigos não seria tão completa quanto aquela, embora eles ainda não soubessem disto, mas isso não os impediu de planejar que fosse.

Não eram todos que podiam dizer que mantiveram contato com sua panelinha de ensino médio pelo resto da vida, mas certamente aquele grupo entraria nessa exceção.

Talvez ainda fosse muito cedo para pedir-lhes que se dessem por conta da importância deste fato e da grandiosidade de algo tão natural e clichê quanto o ato de formar amizades quando jovens. Sequer se davam por conta que aquele período, aquelas companhias e aqueles momentos moldavam o que seria o resto de suas vidas e suas vivências. E que a sensação vibrante que pulsava em seus peitos, aquela que parecia tão corriqueira e ordinária, podia tornar-se mais escassa do que imaginavam ao decorrer de suas vidas adultas, desprovidas da magia singular da juventude, e que buscariam revivê-la todos os dias, sem sequer perceber.

Com sorte, o conhecimento viria de que os sentimentos mais preciosos não são passageiros, como se faz acreditar. A sensação de senti-los pela primeira vez é que se dá de forma passageira, porque não se pode assistir sua série favorita e esquecê-la para vivenciá-la uma segunda vez. Primeiras vezes não podem ser revividas. Quiçá por isto exista esse estigma de que a infância e a adolescência sejam as melhores fases de nossas vidas, porque foram nelas que sentimos tudo pela primeira vez. Quiçá seja essa a sensação que almejamos o resto das nossas vidas, sem dar-nos por conta de que não é a sensação que importa, mas o sentimento. Estes são eternos, infiltrados em nosssos corações, enroscados em nossa alma, intocados pelo tempo.

E aquele sentimento, moldando sua amizade, já existia dentro deles.

Laços invisíveis os ligavam uns aos outros e, não importasse quando e onde, seguiriam intactos para sempre.

*

Talvez fosse como aquela reunião terminara que houvesse feito Alex perder o sono desta vez, mesmo que o álcool e a nicotina ainda agissem em seu corpo. Não conseguia deixar de pensar que o fim acabara de determinar o começo, que houvera dado uma prévia específica dos próximos capítulos das vidas de todos e cada um deles.

Embora todos houvessem estado reunidos, apreciando a companhia uns dos outros durante o que se estendeu por horas, voltaram a unir-se às pessoas mais próximas na hora de ir embora ou permanecer ali. Ben e Lucy foram embora juntos, encarregados de levar Faye e Mia, também juntas, para sua casa. Matt deu carona para Emily, Ahanu e Annelise, e Alex não deixou de achar curioso ver os quatro dentro do carro. Todos separados em grupinhos ou casais próximos, como devia ser, e como continuaria sendo durante algum ou muito tempo de suas vidas.

Já na casa, haviam aqueles que ficaram, os mais próximos de Alex.

Bruno era seu melhor amigo, era parte de sua vida, e tinha certeza que mesmo em sua vida universitária estaria próximo dele. Ainda assim, não tão próximo assim, porque ele tinha uma vida separada de Alex, uma vida que envolvia Jake, aquele que jamais estaria dormindo em sua casa sem os demais amigos - por não seram tão próximos - se não fosse por Bruno.

Alex começara os preparativos da festa junto do mexicano e agora ele se encontrava abraçado em Jake no quarto de hóspedes. Próximos, mas não como antes e não como os demais. Alex, naquele embaralho de pensamentos que corriam pela sua cabeça feito uma maratona, estava em seu quarto com um grupo de pré-adolescentes com os quais conviveria todos os dias até o final daquele ano.

Era exatamente isso que se passava pela sua cabeça e era o mesmo que o impedia de dormir. Ele os amava com todo o coração, mas não era esse o futuro que queria. E quanto mais tentava aceitar que era esse o seu destino por ora, mais difícil de desempenhar se tornava essa tarefa.

O problema não era o colégio, a idade de seus companheiros ou a vida adulta dos amigos de sua idade. Era o ano. Chegara nas provas finais sentindo-se sufocado porque os dias estavam contados para se ver longe dali, apenas para descobrir que o que lhe faltavam não eram mais dias e sim um ano.

Gostaria que as férias, as drogas lícitas e ilícitas, o tempo longe, a visita a Mallow Coast e a mudanças de planos o fizessem aceitar seu destino de uma vez. Gostaria de não se tornar um disco arranhado sobre haver reprovado um ano, apenas um ano, no colégio. Gostaria de virar página logo, mas não conseguia.

Sentia como se os dias estivessem contados para que sufocasse no final do ano passado e que sairia livre pelo mundo, respirando o ar puro, justo no dia marcado para morrer. E agora, cada dia depois daquilo eram dias passados como um morto vivo. Cada dia que se passava preso naquela cidade, naquela família, naquela casa e naquela vida era um dia que passava desprovido de ar.

Como poderia sequer dormir pensando que na próxima semana seu inferno pessoal começaria?

Não lhe restava nada a fazer a não ser se remoer por dentro, quando o dia estava prestes a amanhecer, e sentir pena de si mesmo. Não lhe restava nada a não ser encarar o teto e pensar na reunião épica de seus amigos inseparáveis e no tanto de significados que poderia tirar de um único dia.

E o maior deles era a forma como aquele dia pareceu um término de uma etapa para que outra começasse. Outra determinada justamente pela primeira.

Afinal, sabia bem quem estava em seu quarto, os mais próximos de si, e que continuariam em seu quarto por mais uma etapa.

Espalhados em colchões, estava a garotada adormecida, embora também dividida. Grace e Ian, por mais que tanto se odiassem, dormiam de frente um para o outro, as mãos praticamente encostadas. Mason e Cristina uniram os colchões e dormiam abraçados. E o Caleb, sendo o Caleb, no colchão ao lado do loiro, era o mais próximo de sua cama.

O mais próximo de Alex.

Girou o rosto a fim de que os olhos pretos pousassem no garoto ao seu lado. Sorriu de canto ao perceber que os olhos verdes estavam fechados, o corpo relaxado e a respiração compassada.

Caleb estava exatamente como Alex imaginou que estivesse: virado com o corpo inteiro em sua direção. Houvera sentido os olhos verdes queimarem sua pele durante o que se pareceram horas, observando-o, checando-o, cuidando-o de longe, antes que finalmente ouvisse a respiração do garoto pesar.

De todos os pestinhas que em seu quarto se agruparam, Caleb fora o último a dormir.

Alex ponderou se isto também não significava algo.

Foi a última coisa que cruzou em sua mente, acalentando-a, antes de finalmente adormecer também.