Dois dias. O tempo contado de um final de semana ou seu precedente. Quarenta e oito horas. Dois mil oitocentos e oitenta minutos. Cento e setenta e dois mil e oitocentos segundos.

Jinyoung se sentia parado no tempo, andando de um lado pro outro com a sensação de que furaria o chão em alguns segundos, parando apenas para pegar em mãos a agenda que havia conseguido um dia antes, pensando no que deveria fazer.

Passou praticamente o final de semana inteiro debatendo com sua consciência sobre o que fazer em relação ao objeto. Tentava até se distrair, revisar matérias, atualizar conteúdos, notas... Mas sua cabeça sempre voltava ao mesmo ponto, frustrando-o ainda mais. Quanto mais ignorava, mais pensava.

Pensava ser injusto o fato de que ele estava com um objeto que poderia ser um diário e o garoto que o havia perdido estivesse à procura deste de forma desesperada. Afinal, não era isso que iria querer se achassem um de seus objetos pessoais.

Porém, ainda havia algo que Jinyoung sentia que deveria saber. Queria descobrir, queria entender. Explicações que sabia que não viriam da boca do menino. E o fato de ele querer pedir para que o garoto lhe dissesse, em sua cabeça, não parecia terminar bem, visto que nunca tiveram uma conversa saudável nem quando ele mesmo deu a brecha.

Foi exatamente por isso que ele não se aguentou e finalmente abriu a agenda, mas não sem antes tomar todo o fôlego possível e se sentar no sofá de sua sala, talvez tendo aquele como o único tempo disponível para que mudasse de ideia.

Seus dedos tocaram de forma delicada as primeiras folhas, notando a caligrafia e as letras que pouco entendia, identificando que aquilo era claramente tailandês. Sentiu-se desapontado, mas no fundo, estava se sentindo melhor. Assim não tinha como se preocupar com o peso de sua alma.

Entretanto, em algumas folhas para frente, notou que o garoto começava a escrever em coreano, algumas vezes deixando palavras soltas em seu idioma nativo.

Não gastou muito de seu tempo pensando, apenas se pondo a ler.

Ali, o garoto se referia a alguém pelo qual tinha muito carinho, contando tudo o que havia passado e suas travessuras. Narrava como tudo poderia ser lindo ao lado do outro rapaz e que as aulas de coreano ficavam cada vez melhores. Junior não sabia porquê, mas podia enxergar o menino escrevendo cada uma das linhas com um sorriso no rosto, por mais que nunca houvesse presenciado tal ação vinda do tailandês. Aquilo lhe arrancou um riso breve.

E foi assim que começou a engolir todas as memórias do ruivo, notando a evolução do idioma. Lia o nome “Kim Yugyeom” várias vezes, este que parecia ser seu amigo. Talvez parte do motivo de ter aprendido o coreano tão fluentemente.

Ele sempre estava por perto, me segurando e sendo quem eu mais queria ver feliz. Aquele era o tipo de melhor amigo que eu sempre pedi aos céus e que ganhei, finalmente. Mesmo que houvessem barreiras, mas que fomos bons o suficiente quebrando-as. Ele certamente era um anjo, do qual apresentou o meu melhor herói... A pessoa da qual eu sinto que nunca vou me esquecer.”

Jinyoung sentiu no fundo o quanto o garoto parecia gostar de quem falava, sabendo que havia mais uma pessoa intrometida no meio de seus pensamentos. O único problema, porém, era a falta de seu nome.

Se não era o tal Yugyeom, quem poderia ser?

Eu tinha os mais doces sonhos com ele. Eu tinha certeza. Eu gostava dele e talvez ele tivesse os mesmos sentimentos por mim. Mas eu tenho medo de talvez não ser o mesmo que eu sinto. Tenho medo de ser apenas alguém pequeno. Especial, mas pequeno... Talvez eu deva contar a Yugyeom. Talvez ele possa me ajudar...

Então o garoto...

Tentou não esboçar uma reação precipitada, tentando colocar em sua cabeça que havia lido errado.

Rapidamente virou para a próxima página, esperando encontrar mais, deparando-se com algumas folhas arrancadas com raiva, franzindo o cenho de imediato. O que podia ter ali? Rejeição?

Parecia que aquilo havia se estendido por um mês, julgando pela data da folha que havia sido poupada. Era correspondente ao fatídico dia em que ele acompanhou até a diretoria achando que não era um aluno seu.

Eu liguei pra você. Eu precisava dizer que sentia saudades e que havia ido embora. Talvez você estivesse me procurando... Ou talvez não. Afinal, já faz alguns meses desde que vim parar aqui. Eu não consigo odiá-lo, por alguma razão. Por alguma droga de razão. E isso dói... Mas talvez não doesse tanto quanto o fato de você dizer mais e mais vezes que tudo foi um erro... Por quê? O que eu fiz de tão errado?
Eu me sinto estranho e péssimo. Eu queria voltar correndo, eu queria só não estar aqui, onde estou. Eu não queria existir.
Eu não queria ter você nos meus pensamentos agora, hyung. Mas por algum motivo, você não sai. Você simplesmente continua dentro da minha cabeça, brincando, sorrindo. Você continua sendo a primeira coisa que eu penso todas as manhãs e continua sendo a pessoa que tira o meu sono quando tento dormir.
Está sendo difícil... Mas eu prometi que não iria vacilar e que, quando eu fosse embora, eu iria viver uma vida completamente diferente. Eu iria viver um eu do qual você jamais conheceu, porque eu não quero esse mesmo sentimento por outra pessoa que não seja você.
Porque eu não sei se aguentaria lembrar que as pessoas poderiam me fazer o que você fez e faz comigo...

Junior suspirou sentindo a dor do menino. Por que tanta compaixão de repente? Não que houvesse passado por aquele tipo de situação um dia. Talvez sim, mas não daquela forma.

Sentiu-se mal por ter feito o dia do garoto ser pior por algo que ele não havia feito de errado.

Seus olhos pausaram por sobre outras páginas tentando achar seu nome em meio a elas, mas não havia um sinal dele - talvez frustrando-o no fundo -, a não ser as várias vezes em que ele repetia que cada dia era difícil, sentindo que certa parte, era por sua culpa.

A última folha então veio.

Você fez com que eu engolisse meu orgulho mais uma vez. Eu sinto muito por ainda lembrar seu número, sem querer guardei ele na memória. Você sempre disse que eu tinha uma boa memorização e que talvez isso fosse me ajudar no futuro. Eu não vejo que isso tem me ajudado agora.
Yugyeom me disse que você logo trocaria de número e que era melhor que eu desistisse de ir atrás de você. Mas eu não estava certo de que ele dizia isso pelo meu bem. Parece que todos dos quais eu sempre chego perto, se afastavam. Eu sou assim tão ruim?
Eu disse que sentia falta de nossas risadas e de nossa amizade, mas ele só me disse que não queria entrar naquele tópico, porque certas coisas nós só devemos jogar pro passado.
Sabe, doeu bastante...
Meu único amigo simplesmente não age mais como meu amigo. Meu melhor amigo.
Então por que você assume que eu deveria viver e esquecer de você, que fez tanta presença na minha vida além de me fazer bem quando algo não estava bom? Você, que sem querer, me fez enxergar que finalmente eu tinha potencial? Alguém do qual eu podia correr quando as coisas não estavam dando certo?
Mas que agora virou um nada. Mesmo que eu tenha tudo o que um dia você disse que eu teria... Então por que eu não tenho você? Por que você é a única coisa que eu não posso ter?
Sei que parte da culpa não é sua e que meus pais tiveram certo dedo nisso. Mas eu te disse que poderíamos convencê-los. Eu disse, mas você não quis ouvir. Você assumiu seu lado.
E agora, eu estou aqui olhando para o nada depois de mais uma discussão com você pelo telefone, jogando palavras na única coisa que eu guardei de você e que é simplesmente a única coisa que eu queria destruir, mas não consigo.
A única coisa que eu me dediquei e que um dia eu esperava que você visse... Mas que eu talvez não tenha tanto sucesso...
Você sempre dizia que devemos ter esperança e que nunca é tarde. Mas, infelizmente, eu acho que você mentiu, porque eu realmente não vejo nada para o futuro...
Porque a gente sempre acredita nos mentirosos, hyung.
Ou talvez eu escolhi assim, acreditar neles...”

Agora fazia sentido em sua cabeça o último diálogo que havia tido com o rapaz. Na verdade, entendia perfeitamente o comportamento do garoto, ainda levando um tempo para digerir cada palavra e o desapontamento de não ter encontrado seu nome ali. Ambos os sentimentos no momento lhe pareciam ruins demais.

Mas ainda lhe restava a dúvida: O que realmente havia acontecido?

Sabia até o momento que o garoto havia se apaixonado por alguém... Mas quem? Por que ele havia ido embora tão repentinamente? Sentia certa falta das folhas arrancadas, frustrado por não entender, mesmo tendo lido boa parte das memórias do rapaz.

Fora justamente isso que o levou a ter a pior noite de sono, pouco tirando o menino e suas palavras da cabeça.

Teria sérios problemas dali para frente...

xxx

Pouco sabia Jinyoung que o final de semana do garoto mais novo se assemelhava perfeitamente ao seu, podendo variar somente na inquietação de pensamentos.

Sabia muito bem quem estava em posse de sua agenda, desejando fortemente que estivesse errado, mesmo que aquilo não lhe trouxesse tranquilidade alguma. Não sabia se odiava a última pessoa da qual havia conversado ou se odiava de fato de ter sido tão cabeça de vento e deixar a única coisa da qual não podia esquecer, jogada para quem quisesse.

Ainda que tentasse admirar o teto do quarto que ainda lhe era totalmente estranho, não conseguia desviar seus pensamentos. Hora pensava no rosto do moreno, hora pensava na agenda.

Aquilo lhe abriu um espaço para que debatesse sobre aquele tipo de situação em sua vida, perguntando-se como é que aquela revira volta foi acontecer. Muitas vezes ouviu dizer que tudo acontecia por uma causa e, na maioria das vezes, essa causa era boa.

Mas não conseguia achar o lado bom de tudo em nenhuma das situações que ocorreram. Não conseguia achar o lado bom de estar longe de suas coisas, sua casa, seus irmãos, seus amigos e seu melhor amigo.

Realmente sentia falta de Yugyeom e deveria admitir que boa parte do seu deslocamento vinha pela falta do rapaz.

Fechou os olhos, tentando inibir qualquer tipo de pensamento, sentindo-se em ponto de erupção, o que significava que de seus olhos logo brotariam lágrimas. Não queria e não deveria. E por fim, não queria ficar virando na cama, forçando-se mais uma vez a dormir.

Não queria aquele tipo de situação, porque aquela certamente era uma brecha para que alguém entrasse no seu mundo, seus medos, seus diálogos internos, com mais facilidade do que um dia pensou que pudessem ter.

E repetia que aquele era obviamente o tipo de situação que estava fugindo nos últimos dias, desde que pisou os pés no colégio, posando como alguém quieto e se manteria assim até o fim.

Não fosse pelo ocorrido, é claro. E talvez estivesse determinado a mudar as coisas.

Fora dessa forma que pisou no colégio em seu primeiro horário, certificando-se de ser um dos primeiros alunos, apenas ansiando pela chegada da pessoa que mais havia tido diálogos fortes nos últimos dias, desejando que, ao fundo, tudo não houvesse passado de um mal entendido do seu cérebro e que as coisas estariam bem, ao final.

Inquieto, estava em frente a sala dos professores, não sabendo exatamente o que deveria esperar e pela primeira vez, em dias, sentiu um medo que não tivera chance alguma de poder conter. Porque era assim que estavam sendo as coisas ao longo de seus dias... Sentir e não conseguir controlar, por mais firme que fosse.

E o medo aumentou-se quando topou justamente com quem procurava e desprocurava ao mesmo tempo, sem saber como começar, ainda assistindo ao olhar que o professor lhe jogou.

— Alguma duvida na lição? – Era simplista, mas sabia exatamente o que o aluno queria ali, naquele horário.

— Minha agenda. – Pediu firmemente. Tinha medo de vacilar.

— Como sabe que está comigo? – Junior perguntou, fingindo desinteresse. No fundo, não queria demonstrar o que pensava, pouco sabendo que seus olhos lhe impediam de mentir. Era fato que todos sabiam que o rapaz não sabia mentir, no fim.

— Você foi o último que esteve debatendo comigo e por sua culpa saí e a deixei jogada para qualquer um. Você não é cego e acredito que seus óculos sirvam pra algo, além de te deixar com a expressão de intelectual que todo professor gosta de passar para seus alunos puxarem o saco. – O garoto respirou fundo. Não tinha paciência e seu professor continuasse, ele explodiria de uma vez, sabe-se lá Deus fazendo o quê.

Por outro lado, Junior apenas respirou fundo, contendo-se para não dar abertura para mais uma discussão, mesmo que as palavras do menino houvessem lhe irritado de maneira quase colossal. Foi por isso que preferiu virar as costas para o garoto, murmurando pra que este esperasse.

O que claramente fez o mais jovem aliviar-se ao tempo em que estranhou toda aquela calmaria. Mal teve tempo de respirar quando viu sua agenda nas mãos do professor.

— A sua sorte foi que meus óculos serviram para alguma coisa e eu a achei. – Comentou meio incerto sobre o que ia falar. – Mas eu só lhe devolvo se você me explicar algo. Digo... – Pigarreou levemente. – Me dizer o significado ou seja lá o que for.

Kunpimook arqueou a sobrancelha, curioso com o que seria a próxima coisa que o moreno lhe diria.

— Dependendo da pergunta, sim. – O medo surreal de antes voltou a se instalar em seu corpo novamente. Mais um diálogo interno surgia em sua cabeça, pensando se deveria ou não começar a correr dali o quanto antes.

— Bambam é algum tipo de apelido seu ou...?

O menino aliviou-se quase que imediatamente.

— Qual a curiosidade sobre meu apelido? E sim, é um apelido que me deram faz um tempo... – Junior podia ver a amargura através dos olhos do menino, sentindo-se culpado por ter tocado no assunto.

— Eu só preciso de um nome mais fácil pra te chamar, você sabe... – O mais velho sabia o quanto a situação estava estranha e parecia cada vez mais se agravar, mas no fundo queria saber mais do menino e coisas do tipo.

— Oh... Entendo... – O menino sorriu e naquele momento Junior pareceu ter tido uma vitória. – Talvez você queira uma aula de pronunciação do meu nome verdadeiro? Posso te ajudar com isso. – Ou não.

— Qual seria o problema em te chamar assim?

— Todos. – E aquilo foi o suficiente para recuar, observando o menino estender a mão para que devolvesse a agenda, aproveitando para balançar os dedos como se estivesse chamando-o. Mas não sem antes observar o garoto vacilar algumas vezes. – Você... Leu?

Entendia perfeitamente o porquê, naquele momento. Foi então que seu conflito interno começou, sem saber se deveria contar a verdade ou tentar mentir alguma vez. Não que ligasse para o que o tailandês pensaria ou coisa do tipo, mas sentia-se mal porque aquilo era algo pessoal e não seria dessa forma que iria conseguir ajudar o garoto.

E realmente queria ajudá-lo de alguma forma.

— Não. – Foi o único reflexo que obteve, fitando o garoto mordiscar o inferior. – Eu imaginei que isso fosse invasão de privacidade e não quis fazer com que-

Sua voz fora fortemente cortada pelo toque alto do celular do menino, que enfiou as mãos no bolso da jaqueta, retirando-o de cenho franzido. A feição escura tomou conta, fazendo Junior recuar mais ainda, principalmente quando este virou as costas antes de um “Hyung?” e lhe deixar ali, com a agenda estendida e praticamente falando sozinho.

Preocupação, incerteza e culpa. Foi tudo o que conseguiu sentir, enquanto cultuava a silhueta do garoto desaparecer pelo fim do corredor, conferindo se seus pés não iriam se descolar do chão para ir atrás do menino.

Mais uma vez, seus olhos caíram sobre o “Bambam” colado na agenda, suspirando.

Talvez teria de ficar mais um tempo com o objeto, debatendo com a sua consciência.

Xxx

Como esperado, Junior não fora agraciado com a presença do ruivo em sua aula, suspirando. Os alunos jogavam olhares curiosos pro professor e para eles mesmos, tentando entender o que poderia ter acontecido depois da briga daquele dia.

Mark fitava Youngjae que freneticamente escrevia em uma pedaço de papel, pronto para repassar para o amigo. Não era menos esperado, desde que eles passaram quase metade do final de semana argumentando sobre o desenrolar de toda história.

“Você acha que ele expulsou o aluno novo? Ele nem parece se importar com a ausência dele! Eu me lembro quando a Yeri faltou por um dia e ele quase nos torrou a paciência sobre o fato dela ter faltado e sobre não sabermos o porque dela ter faltado”.

O papel alcançou a mão do rapaz mais velho, conseguindo ouvir claramente a outra voz enquanto lia. E realmente, lembrava-se do quanto o professor não havia sossegado enquanto não viu a garota inteira no dia seguinte dentro de sua sala de aula.

Eu não sei, ele não parece nem um pouco interessado sobre Kunpimook não ter aparecido na aula. Talvez o diretor tenha mudado ele de sala”.

Rapidamente repassou de volta o papel para o menino, ansioso por uma resposta.

— Youngjae e Mark, se eu ver mais uma vez vocês passando papéis durante a minha matéria, faço vocês perderem o intervalo resolvendo aritmética. – Mark franziu o cenho, cortando o pescoço para o amigo, ainda estranhando. Seu professor não era de avisos e já não sabia que bicho o havia mordido.

Junior voltou sua atenção para a lousa, antes de suspirar e voltar a atenção para os rostos que agora o fitavam.

— Vocês viram o Kunpimook hoje? – Mark jogou um olhar para Youngjae que traduzia quase toda a conversa que haviam tipo em alguns minutos atrás pelos papéis.

— Estou aqui. – A voz saiu da porta, talvez sem graça por todos os olhares terem sidos dirigidos para a sua pessoa, enquanto entrava um tanto desajeitado com um papel em mãos, logo estendendo ao professor que agora o observava. – Eu precisei de uns minutos fora e aqui está um papel de justificativa.

Foi a última coisa que disse antes de tomar caminho em direção a carteira de costume e se sentar, jogando um último olhar que o professor claramente sabia o que significava.

— Estamos repassando o conteúdo da aula passado porque alguns não entenderem, página duzentos e sessenta e três. – Admirou o comportamento do menino que logo assentiu, indo atrás do caderno e do livro. Não sabia se aquela era apenas uma máscara ou se o garoto estava defendendo-se de algo que o havia chateado e não queria transparecer.

O que sabia era que aquele tipo de comportamento não colava.

Talvez eles houvessem achado algo que certamente tinham em comum; Não sabiam mentir um para o outro.

E aquilo lhe gerou um certo desconforto enquanto tentava se focar nos números que precisava ensinar, tendo sempre um olhar no Tailandês de cabeça baixa que parecia implorar pelo horário do intervalo e fugir de sua aula para algum lugar isolado.

Não que houvesse resolvido entender o garoto de repente, mas ele conseguia ver o que o garoto o deixava ver. Conseguia enxergar aquilo que o menino deixava fora da barreira que ele fortemente havia construído em volta de si, esperando que ninguém conseguisse penetrar. E não sabia dizer se era melhor não se envolver ou tentar ter um relacionamento mais amigável com seu aluno.

O que o intrigava ainda mais, porque se parasse para avaliar todos os comportamentos que havia tendo, não se conhecia, além, é claro, do seu reflexo puro no espelho. Mas por dentro, admirando seus olhos, não se conhecia. E aquilo era puro e completamente novo, diferente... Aquilo o animava como nunca havia tido a chance em anos e talvez, repetisse isso muitas e muitas vezes.

E daquela forma, pôde notar o quanto suas aulas fluíam melhores, seus alunos pareciam até absorver mais do que se dispunha a ensinar. Até o horário corria de forma rápida, sabendo que o intervalo havia chego quando ouvia o mesmo tocando e seus alunos levantando para tomarem seus lanches.

Aquilo era realmente algo que nem se tentasse negar, conseguiria.

Observou o ruivo caminhando em sua direção, movimentando-se para pegar a agenda do menino em sua bolsa e logo estendê-la.

— Eu não li, antes que pergunte. Você foi antes que eu pudesse te entregá-la e terminar de explicar.

— Eu tive um problema ao telefone. – Não se estendeu, nem recuou. – De qualquer forma, obrigado por me devolver e não ter lido. – O garoto realmente achava que não havia lido ou estava fingindo? Não saberia.

Aos poucos o menino recuou, sentando-se em sua carteira, deixando a confusão plantada no rosto do moreno. Ele não saíria? Ficaria ali?

— Não vai aproveitar o intervalo? – Junior perguntara com cuidado. – O tempo melhorou e não está tão frio. Estão servindo lanches também. – Fitou o pátio lotado de alunos com suas bandejas, escolhendo um lugar confortável.

— Eu não quero, posso apenas ficar aqui quieto? — O tailandês sabia o que seu professor estava tentando fazer e realmente não queria aquilo. De todas as formas, não queria mesmo.

— Você pode, mas é bom que se alimente. Você pode perder um conteúdo se precisar ir até a enfermaria por conta de má alimentação. — O menino levantou os olhos agora observando os do professor que prendeu sua respiração.

Aqueles olhos...

Não sabia o que era a onda que se estendeu, tentando fortemente ler o que era o que se passava. Enquanto, do outro lado, o alheio tentava retomar sua posição, sem conseguir desviar sua atenção. Passaram minutos assim, apenas aproveitando o quanto cada um tentava fortemente se ler, terminando com o mais novo sem graça, juntando as mãos para apoiar seu queixo por sobre a carteira.

Entretanto, Jinyoung ainda observava a cena, focando vez ou outra em suas mãos e nos dedos um pouco cheios de anéis.

O garoto realmente tinha algum tipo de obsessão com acessórios e claramente, com sua aparência, que desde então era impecável e não havia ninguém que não teria deixado de notar o mesmo.

— Eu posso comer a qualquer hora, moro perto. – Junior apenas assentiu, agora parando para pensar que não sabia onde exatamente e em que região o outro morava, pensando se seria invasão demais se perguntasse.

— Quer dar uma volta? – O ruivo levantou o olhar, fitando o maior de forma curiosa. – Digo... Ficar em sala não ajuda muito. Sei que disse que quer ficar sozinho, mas não é bom. E eu estou cansado de todos acharem que vou te expulsar em cada briga.

Kunpimook prensou os lábios, pensando, certamente. Levantou-se e assim Junior o fez, entendendo o recado.

Caminharam até o gramado das arquibancadas, onde alguns alunos jogavam algum tipo de jogo que nunca havia parado para entender, ainda em silêncio, um esperando que o outro tomasse a iniciativa de puxar conversa.

— Eu espero que hoje você esteja menos irritado para conversar. – O menor deu de ombros, direcionando seu olhar ao céu, antes de se sentar. Jinyoung fez o mesmo.

— A gente não pode apenas fingir que se entende enquanto estamos calados? Eu não quero passar por isso, é constrangedor e não faz meu tipo. – O menino coçou o pescoço e Jinyoung jogou um olhar.

Mentiroso...”

Tão mentiroso quanto ele.

— Você sabe, eu não quero ser chato ou-

— Você já está sendo.

— Tudo bem, mesmo que eu esteja, mas eu quero realmente ter algum tipo de conversa com você, você é meu aluno. Eu sequer sei o conteúdo que desenvolveu onde estudava. – Respirou fundo.

— Eu sei muito mais do que você pensa que eu sei, aprendi muito mais do que você pensa que aprendi. Nós não precisamos desse tipo de conversa porque você é meu professor e eu sou seu aluno. Vocês têm sempre esse tipo de pensamento? – Realmente não entendeu a pergunta do garoto, encolhendo os ombros. – Esquece.

— Não é justamente por isso, mas você resolveu se isolar e isso faz mal. Vai por mim, você precisa aproveitar o tempo que ainda tem.

— Eu não quero.

— Mas eu não quero que você deixe de aproveitar. – Um bufo alheio foi suficientemente audível. – Olha... Eu realmente não tive a melhor adolescência e infância da minha vida, porque sempre estive coberto de estudos e em busca de dar orgulho aos meus pais. Não foi difícil, mas agora eu vejo que perdi muito do que poderia ter aproveitado. E é isso que eu tento recuperar de todos os meus alunos, não é justamente porque é você. Eu faria isso por qualquer um.

O tailandês abaixou a cabeça, entretendo-se com um pedaço de grama ao seu lado. O que de fato deixava o professor mais inquieto do que estava nos últimos minutos.

— Eu aprecio o que esteja fazendo, professor. – Comentou, baixo. – Mas eu realmente não quero isso, talvez seja difícil para que você entenda, mas para mim é fácil que seja dessa forma.

— Não vejo uma maneira disso ser mais fácil. São opções. O que você vai fazer quando, lá na frente, digerir tudo isso? – Previa uma discussão à caminho, já respirando o quanto achava necessário, engolindo o silêncio que sua companhia lhe oferecia a cada resposta.

Fechou os olhos, jogando sua cabeça para trás para fitar o céu. Não queria continuar tendo aquela mesma visão do rapaz ao seu lado brincando com um mato deslocado, próximo aos seus pés.

O tempo estava inquieto. Nuvens cinzas por sobre um céu azul que tentava fortemente se aparecer. Era assim que enxergava o menino, no fim das contas.

Alguém que tinha muito para mostrar, coisas boas para oferecer, palavras doces para dedicar. Alguém que escolheu esconder tudo por uma nuvem cinza de apatia e grosserias.

Junior nunca havia pensado que aquilo poderia ser possível e não acreditava que o menino era tão irremediável ao ponto de não querer ouvir uma de suas palavras, preferindo ignorar tudo ao se dar por vencido.

Era como os poemas que nunca havia aprendido a decifrar no colégio, mas que seus amigos todos sabiam. Aquele garoto era um poema vivo que havia entrado em sua vida de forma repentina, mas sem palavras para oferecer e sabia que lhe irritava, porque não saberia decifrá-lo, como um dia aconteceu na escola.

Novamente abaixou a cabeça, fechando os olhos antes de tomar fôlego, pronto para chamar o garoto em um tom levemente alto e irritado por estar sendo ignorado por tanto tempo.

— Yah, Kupimok!

— Bambam.

Junior demorou alguns segundos para digerir a sentença, antes de baixar a cabeça sorrindo, sem saber que o menino fazia o mesmo naquele instante.

Aquela era sua primeira grande vitória, sabia disso.