Lucie

Você Não Vai Se Livrar de Mim Tão Facilmente!


Acordei com Bruno remexendo nos armários e pegando nossas malas.

Arregalei os olhos para a cena e então dei um pulo.

– Que é? – perguntou Bruno assustado.

– Não mexa nas minhas coisas! Tire a mão daí já! – eu disse numa voz autoritária, e ele levantou a mão rapidamente em resposta, como que se rendendo.

Por que...? – incitou ele semicerrando os olhos.

– Porque se você amassar uma única folha dos meus livros eu te mato!

Ele soltou uma risada gutural, colocando a mão na barriga.

– Só por isso? Pensei que estivesse escondendo coisas de mim, tipo cartas de amor de um amante. – ele sorriu pensativo, mas seus olhos não sorriram.

Revirei os olhos e bufei.

– Ai, como você é idiota. Eu te trair? Umpf! – bufei de novo. – Muito bobo mesmo.

Ele sorriu desta vez com vontade, de verdade.

– Ótimo que pense assim, vampirinha. – ele disse sorrindo.

– Hm, vampirinha é?

– Você é tão bela e culta quanto uma, é perfeita... E você parece que gosta de rock.

– Eu amo todo tipo de música, assim como você. E é, eu amo rock. – eu disse sorrindo.

Ele enlaçou minha cintura e me rodopiou.

– Ai! – eu disse rindo.

Ele me colocou no chão.

– Te machuquei? Ah, você é tão... frágil. – ele disse suspirando.

Revirei os olhos de novo.

– Me trata como uma criança! – reclamei.

Ele sorriu.

– Minha bebê.

Soquei seu ombro de leve e fui para o banheiro.

– Amor, é que nós vamos continuar a turnê, sabe? – ele disse e ouvi seu riso. – Então pensei que a parte em que eu podia mexer não havia problema.

– Ok, pode arrumar. Mas vou querer ajudar, não pode querer fazer tudo sozinho, isso me aborrece. – eu fiz uma careta.

Ele deu outra risada gutural.

– Você é estranha.

– É, não é o primeiro a me dizer isso.

– Que bom que você saiba.

– Como se você fosse muito normal. – revirei os olhos.

– Nenhum Hooligan é normal. – ele disse.

– Vai ver é por isso que estou assim tão afetada... – eu disse pensativa.

– Acho que piorou quando me conheceu.

– Provavelmente. – concordei rapidamente.

Saí do banho e Bruno me olhava sorrindo.

– Eu tava vendo umas coisas suas. Você já quebrou o pulso quatro vezes. – ele disse.

– É. – concordei naturalmente, dando de ombros.

– Isso não é normal.

– Já tive umas cem experiências de quase-morte. Pra mim isso é normal, sim.

– Nunca vi ninguém que se machucasse tão fácil! – ele disse parecendo meio maravilhado e meio apavorado. – Você consegue encontrar qualquer lugar para tropeçar.

– E quando não encontro, tropeço nos meus próprios pés, obviamente.

– Claro, claro. – ele disse rindo.

Pisquei para ele.

[...]

Estávamos no carro.

Bruno olhava para o nada, de vez em quando ele me olhava e beijava o topo de minha cabeça.

– No que tanto pensa? – eu murmurei.

– Eu... – ele protelou.

– Tem algo para me contar? – eu disse começando a sentir meus músculos ficarem tensos. Eu tinha pegado uma gripe daquelas e meus olhos estavam lacrimejando, mas senti que a ardência em meus olhos não era simples fruto do vírus.

– Sim. – ele admitiu suspirando como se tivesse tirado um peso das suas costas. – Mas, por favor, por favor, prometa que não vai ficar com raiva.

Fiquei mais tensa ainda, mirando seus olhos amendoados cor de mel, esperando uma resposta que meu corpo já estava preparado para receber, mas meu coração não.

– Lo? – ele perguntou, seus músculos também retesados.

– Sim. – eu disse baixinho para que minha voz não falhasse.

– Promete?

– Sim. – menti em um sussurro.

Ele sabia que eu estava mentindo.

– É puramente golpe de marketing, me desculpe... – ele disse num suspiro triste. – Querem me fazer namorar uma garota para promovê-la na mídia, entende?

Desviei o olhar dele e fitei o chão, sentindo as lágrimas rolarem pelo meu rosto e suplicando que, pelo menos, ele estivesse olhando para o outro lado, pela janela, olhando para o nada novamente.

– Prossiga. – eu disse em voz baixa.

– Então, supostamente, terei de terminar com você e dizer para toda a mídia que a amo... – a voz dele minguou. – Lo, por favor, Lo?

– Eu... estou bem. – menti novamente, mas parecia quase convincente.

– Por favor, entenda! Eu estou tentando fazer isso de uma forma diferente, mas não dá... – ele disse quase gritando de pavor. – Por favor.

As lágrimas continuavam a rolar por minha face e não consegui me concentrar no que ele dizia. Estava tudo muito confuso e meu corpo quase me obrigava a me afastar dele no carro, para o lugar mais longe possível, me encolher e criar uma própria bolha de sofrimento para mim. Minha bolha de luto.

– Por favor, por favor... Lo, Lo, Lo... – ele repetia as palavras, não necessariamente nessa ordem e eu olhei para ele... Ele estava chorando também, parte por me ver sofrer e parte porque aquilo também o fazia sofrer.

– Desculpe. – eu disse.

– Pelo o que está se desculpando, vamp? – ele perguntou arqueando uma sobrancelha perfeita.

– Não... sei. – algo acontecia na minha mente e era difícil enxergar as coisas com clareza. – Não é só isso, é?

– Vai ter que ser... o mais convincente possível. – ele suspirou.

Chorei com mais intensidade. Não gosto de pensar sobre isso.

– Não chore... Eu... Eu sou o pior namorado do mundo.

Eu queria contestá-lo e lembrá-lo das coisas maravilhosas que já tivemos juntos, mas não conseguia dizer nada. Minha garganta estava apertada demais. Ele estava sendo frio demais.

– Você... está levando isso numa boa?

– Claro que não! – ele quase gritou. – Me desculpe.

A ferida em meu coração me impedia de dizer qualquer outra coisa.

Ele elevou meu queixo gentilmente.

– Desculpa?

– Tá. – foi só o que quis dizer, e saiu quase num soluço sussurrado. Era o tom que eu deveria usar para minha voz não falhar.

Mas ele não acreditou em mim.

– Lo, por favor, me desculpe, tá legal? Eu sou um idiota, desculpe.

– Esquece... Tudo bem. – eu dei um sorriso amarelo. – Acho que estar magoada já é... um costume. – me lembrei com uma pontada no estômago de quando ele me deixou, quando descobri o que ele tinha tido com Anne, quando o vi com a ruiva bonita e a reportagem no jornal dele com uma garota desconhecida.

Ele me fitou, os olhos cheios de culpa, dor e mágoa.

– Eu não sou bom o bastante para você. – ele disse numa voz morta, monótona.

– É sim. Eu é que sou ruim demais para você. – as palavras fluíam lentamente.

E, no mesmo ritmo lento, eu as apreendia e sabia que elas soavam verdadeiras porque eram verdadeiras.

– Pare de se martirizar. – ele disse na mesma voz sem vida, num tom rígido. Seu corpo estava tenso.

– Desculpe... Não é mártir, é verdade, Bruno. E, hã, me desculpe, é que meu cérebro fica um pouco lento com... rupturas. – eu sorria, mas aquele sorriso fazia tudo, de um modo estranho, parecer mais dolorido. Aquilo era difícil. – Mas você está terminando comigo?

Ele riu sem humor algum.

– Não poderia, nem se quisesse, terminar com você. Estou tentando fazer com que você diga as palavras.

– Não poderia. – eu sussurrei, e já sentia em meu peito aquela dor, a garganta se fechando, e nos meus olhos, as lágrimas transbordando.

Ele me abraçou mais forte.

– Me desculpe por ser tão fraco. Eu nem tenho mais como contestar... Ela já sabe de tudo e foi contratada.

– Quem é ela? – eu perguntei puxando ainda mais sua blusa para enxugar minhas lágrimas e sentir seu cheiro.

– Você pode conhecer... Ou não, acho que não. Enfim, ela é uma...

– Não, não, não! Não quero mais saber. – eu grunhi. – Você tem medo de enfrentá-los? – era uma pergunta, mas soou mais como uma acusação.

– Não é medo. – ele disse num tom de zombaria. – Eu não posso confrontar aquilo que já está feito. A imprensa toda já deve saber.

Coloquei a mão no peito dele e me afastei.

– Lo? Não, por favor, Lo, me diz que... – sua voz minguou. – Você desistiu... Você desistiu de nós? – ele afirmava aquilo, mas pareceu uma pergunta.

– Não. A palavra “desistir” não está no meu dicionário. Você desistiu de nós quando... quando... – eu suspirava, tentando encontrar as palavras. – foi... incapaz de enfrentá-los.

– Covarde? – ele deu um riso. – Eu estou lutando por nós!

– Abaixando a cabeça para o que eles dizem? Você está lutando por nós?

Ele engoliu em seco.

– Então é isso? Um fim?

Eu suspirei.

Você está assinalando isso.

– Então, como ficamos? – ele apertava firmemente o couro preto do banco do carro com as duas mãos, obviamente nervoso.

– Acalme-se. – eu disse num tom tranquilizador. Ele suspirou e apertou com mais força o couro do banco e depois o soltou, relaxando pouco a pouco. Quando vi que a tensão também sumira de suas feições, perguntei: - Está melhor?

– Sim. – ele disse num sussurro.

– Como vamos resolver isso? – perguntei agora, já mais assustada com a ideia.

– Eu... Eu não vou te deixar. – ele disse me puxando para perto. Inalei seu perfume doce e me aconcheguei em seu abraço.

– Eu te amo.

– Eu também, minha princesa, eu também. – e beijou o topo da minha cabeça.

– Promete que vai dar um jeito?

– Só se você prometer não desistir.

Então, em uníssono, depois de um suspiro, nós dois dissemos “Eu prometo”.

Agarrei-me mais em sua blusa... Deixá-lo não era uma opção.

Não é, nunca foi e nunca será.