Lua e Sol

A vida vai seguir


Os próximos meses seriam de total repouso, Sr. Lucio estava grato pela segunda chance que recebera, mais grato ainda por tudo o que havia planejado ter dado certo; Lua ajeitou a sala para que seu pai não se esforçasse subindo as escadas, precisava ir a escola ainda, então por um tempo seu pai precisaria ser forte sozinho pelo menos durante o dia; os vizinhos ajudaram bastante, todos sempre preocupados se ele estava bem, se tinha almoçado, se queria andar um pouco, devagar Sr. Lucio percebeu que era uma pessoa querida e sentiu como se todos os seus maus feitos tivessem sido esquecidos.

Augusta por outro lado, começou uma fase muito agitada, tornando - se sócia de Sr. Lucio, o quiosque era seu "bebê" e ela passou a dedicar - se apaixonadamente pelo negócio tão sonhado de sua nora e seu amigo. Por conta da correria, muitos assuntos ficaram de lado, Marcos e sua família, foram embora no mesmo dia do acontecido, não souberam o que fazer e preferiram não atrapalhar, como Sol e Augusta estavam ocupadas demais para serem boas anfitriãs, a rotina teve que ser retomada, porém Marcos, insistente, disse a Sol que voltaria nas férias, seu desejo não diminuíra por conta das dificuldades e ele não desistiria enquanto não convencesse sua amada que era ele quem a faria feliz; Sol não estava preocupada com isso, a semana toda passara pensando em Lua e em como tudo se resolveria com a chegada do fim do ano; menos de um mês para o fim das aulas e ela tinha certeza que sua vida mudaria.

Sexta feira, quatro horas da tarde, Lua estava arrumando seu quarto, quando encontrou uma sacola grande, dentro estava o quadro que esquecera de pendurar, seu pai estava lá embaixo então resolveu mostrar a ele antes de levar para Augusta.

– Pai... O senhor lembra quando te mostrei as coisas que comprei pra decoração? -Perguntou enquanto descia as escadas.
– Lembro sim, você ficou de me mostrar as outras coisas e eu passei mal...
–Isso... Olha!! - Disse Lua segurando o quadro em direção ao sofá.
–Onde você encontrou isso?? - perguntou Lucio de olhos arregalados.
–No shopping, naquela loja linda de artesanato... Achei lindo...-Antes de continuar, percebeu que seu pai estava chorando, sem entender nada ela se aproximou e o abraçou. -Pai está tudo bem???

Um vento forte abriu a porta fazendo com que eles se assustassem, Lua levantou e correu para tirar a roupa do varal, pois iria chover, mas quando voltou seu pai estava olhando para o quadro, um olhar diferente, apaixonado, saudoso, algo que ela nunca havia visto vindo dele... A paisagem pintada era realmente linda, com detalhes de um bar isolado e muito azul, era possível observar o cuidado que o pintor teve em retratar o pôr do sol e o nascer da lua, em um mesmo instante, um dos desenhos mais bonitos que Lua havia visto, mas não era motivo para que seu pai ficasse daquele jeito, ela pensou.

–Tudo bem pai, o que houve??
– Sua mãe...
–Como? -Perguntou Lua enquanto dobrava as roupas.
– Sua mãe pintou esse quadro...

Lua se arrepiou por inteiro, não havia nada que ela pudesse deduzir que seria sua mãe a autora do quadro, não pensou nem por um minuto que sua mãe poderia ter feito algo tão encantador assim, muito menos que o compraria por acaso.

–Pai isso é sério?
–Sente - se aqui filha deixa eu te contar...- Lua se sentou carinhosamente com os olhos vidrados e cheios de lágrimas, então ele continuou- Antes de você nascer, eu e sua mãe íamos muito há diversas praias, talvez tenha sido a única época de minha vida que eu realmente aproveitei... Em um desses passeios, conhecemos uma praia deserta em Caragua, que pertencia a uma família muito humilde, eles deixaram que nós ficássemos com eles a noite, pois sua mãe estava grávida e não estava bem para andar; a dona da casa, que infelizmente não lembro o nome, perguntou após o cadê da tarde, se sua mãe sabia pintar, ela como adorava desenhar, respondeu que sim e acompanhou a senhora até o seu pequeno ateliê do lado da casa deles, elas pegaram telas e tintas e sentaram de frente para o mar, estava quase escurecendo, mas mesmo assim elas resolveram pintar. - Lucio pegou o quadro e mostrando para Lua os detalhes, ela pôde visualizar nitidamente o que ele descrevia - Eu perguntei a ela o que iria pintar, ela disse que iria misturar alguns momentos favoritos de sua vida: o pôr do Sol, o nascer da Lua, o dia que me conheceu no barzinho que ela cantava e aquele momento, pois a junção de todos esses, seria o resumo de sua felicidade. -Lua começou a chorar também, pois sabia que seu nome havia sido dado em homenagem a tão amada lua e que agora o destino havia lhe juntado a Sol e tudo parecia ter saido de um sonho de sua mãe.- Filha... Eu errei muito, mas ela me amou por tudo o que eu era e poderia ser ... Esse quadro foi um presente para a senhora da casa... Não sei como foi parar na loja ou quanto tempo está lá... Mas se tem uma coisa que eu passei a acreditar depois que sua mãe se foi, é que o destino realmente domina nossas vidas... Você comprando ele só mostra o quanto ainda estamos ligados pelo amor dela e eu nunca mais quero perder um segundo da minha vida reclamando por não ter aproveitado.

Quando ele terminou de contar a história, um temporal enorme começou a encharcar a cidade, acabou que o plano de sair de casa ficou pra outro dia e Lua resolveu ficar ali com seu pai até que ele dormisse. Talvez a morte para algumas pessoas, seja o fim da vida, mas para Lua foi o que lhe trouxe de volta a esperança, porque acompanhada da morte de sua mãe estava o renascimento e isso era o que havia acontecido com eles.

Solange, estava indo para o quiosque quando a chuva começou, tentou não se molhar, mas não teve jeito, chegou ensopada ao serviço de sua mãe; todos seus amigos da escola estavam esperando ela para uma partida de baralho ao fim do dia, porém com a chuva eles tiveram que ir embora.

–Mãe cadê o Tavi, a Bea e o pessoal? -Perguntou Sol ao chegar.
–Meus deuses Sol porque não ficou em casa? Com essa chuva vai pegar um resfriado, veio de bicicleta ainda, poderia ter caído!!!!
–Mãe "tô" bem.... Cadê a galera?
–Foram embora, mas pediram desculpas!
–Poxa... Estava empolgada...
– E eu sei que sim, mas que tal agora você me ajudar pegando minhas coisas lá no fundo pra gente ir pra casa? Viníciuss já ia me levar mesmo.
– Mas e a bike?
–Deixa aqui amanhã você vem e pega. Minha bolsa está no armário lá no fundo.
Resmungando, Sol foi buscar a bolsa, encontrou no caminho o "barman", Vinícius, um rapaz alto, forte e cabeludo, Sol não se interessava muito por rapazes, mas Vinícius era do tipo que lhe chamava atenção.

–Eai gatinha, "cê" vai com a gente?
–Vou... Só vim pegar a bolsa da mãe.
–Ela é sua mãe??? -Disse Vinícius surpreso.
–Até parece que não sabia... -Sol virou os olhos com expressão de desinteresse, porém gostava do jeito bobo dele.
–Cara, eu juro,não sabia!! Mas me conta... Quantos anos ela tem? Não perguntei pra ela, por medo dela se irritar, "cê" conhece as mulheres...
–34 e sim eu conheço...- Interrompeu Sol - Mas "peraê", você está interessado na minha mãe??? -Perguntou Sol virando - se de frente com ele indignada.
–Claro, ela é linda!!!
–O quê??? - Sol virou as costas e foi andando na frente.
–Ouh calma ai gata, "cê" também é linda...Mas...
–Mas nada !! Tira os olhos da minha mãe...
– O que está acontecendo aqui? -Interrompeu Augusta.
–Nada... Podemos ir embora?-Respondeu Sol.
–Filha, o que houve??
–Pergunta pro seu amiguinho !!

No caminho para casa, Sol não abriu a boca para nada, estava claro seu ciúmes, mas ela estava muito cansada de todas as preocupações e tentou esquecer um pouco, porém foi pega de surpresa com essa situação, sua mãe não se relacionava com alguém há muito tempo, não lembrava de como era sentir que perderia sua mãe para um cara idiota, muito bonito, mas idiota.

Desceu do carro irritada e nem agradeceu pela carona, Augusta envergonhada tentou explicar. Mas quando menos percebeu, lá estava o rapaz com os lábios nos seus.

–Não Vinícius, eu sou sua chefe!! Não disse que poderia fazer isso!!!! -Disse Augusta abrindo a porta do carro.
–Mas... Eu pensei que estava rolando algo... Me desculpe... Não tive a intenção de te magoar, eu te respeito...
–Então da próxima vez, me pergunte se eu quero te beijar, antes de sair me beijando!! Já passei cada coisa por causa de homem... Você é só um garoto!!
–Tenho quase 30 anos Augusta!
–Piorou... Um marmanjo se comportando feito guri!! Muito obrigada pela carona, mas de agora em diante, me trate apenas como sua chefe. Estamos entendidos?
–Sim... Obrigado pela sua companhia!! -Gritou Vinícius enquanto olhava Augusta correr em direção de casa, ele estava completamente afim dela.

Mãe e filha se encararam, Sol vira o beijo e estava chocada, Augusta não sabia o que falar, elas então não comentaram sobre aquela cena e foram comer para dormir.

O telefone tocou, Lua já estava deitada e por preguiça não levantou, Sr. Lucio atendeu.

–Oi Sr. Lucio, Lua já dormiu? !
Perguntou Sol.
–Sim, minha querida. Ela está cansadinha hoje trabalhou bastante.
–Ah... -Disse Sol desanimada. -É que eu tive um dia péssimo, queria falar com ela...
–Vem tomar café com a gente amanhã, se sua mãe quiser vir também...
–Ai Sr. Lucio posso ir sozinha? Minha mãe e eu estavamos brigadas...
–Mas porque Sol?
– É complicado...
–Olha... Eu não entendo muito dessas coisas de mulheres, mas vocês se entendem, logo menos estão rindo a toa e nadando na praia juntas!!
–Eu espero... É que tudo está mudando sabe...
– Isso é saudade... Vai lá e deita do lado dela, vocês precisam uma da outra. Eu aviso pra Lua que você ligou, mas vem sim tomar café com a gente !! Lua vai colher amoras frescas da nossa árvore!!
–Com certeza eu irei!!Obrigada por tudo Sr. Lucio. Espero que se recupere logo para eu te ensinar a surfar.
–Pode deixar baixinha, pode deixar!!

O que Sr. Lucio disse fez sentido para Sol, ela estava com saudades da mãe, ciúmes era apenas um dos sintomas, mais que tudo ela queria que a mãe fosse feliz e não podia impedir que ela vivesse, não seria justo já que desde criança sua mãe deixou que ela fosse o que queria ser.

Apagou as luzes da sala e foi para o quarto da mãe, que já estava dormindo, deitou - se ao seu lado e a abraçou. Sentiu sua mãe apertar a mão dela como se dissesse : "Obrigada por estar comigo", e todo aquele amor acalmou o coração de Sol. Finalmente todos estavam prontos para mais uma aventura!