Pov’s Ally

—A ruiva que Gavin tinha um caso era sua noiva?-Falei o mais alto que pude por mais que minha voz não fosse além de um sussurro.

—Claro Ally. Acha mesmo que nos encontrarmos no navio seria puro destino?Eu sabia que você iria embarcar nele e simplesmente fui junto.

Era impressionante a naturalidade como Austin falava sobre o assunto, parecia estar explicando sobre o clima lá fora.

—Porque veio atrás de mim?-Sem que ele percebesse pus minhas mãos em minhas costas e trouxe o pedaço quebrado do braço da cadeira que eu havia arrancado.

Tenho que estar preparada para o que quer que ele diga. Nem ao menos posso confiar nele.

—Você quer a verdade ou o que deseja ouvir?

Com graciosidade pôs sua mão direita em minhas costas o que me assustou de princípio, no entanto foi algo tão inesperado que me faltou tempo suficiente para analisar a situação e quando dei por mim ele já estava como braço da cadeira em suas mãos.

—Eu pretendia transar com você, fazer com que confessasse as merdas do Gavin e no final acertar os assuntos pendentes que tenho com ele se a resposta para a minha pergunta fosse à verdade. –Deu um sorriso frio para mim e jogou a única arma que eu tinha para me defender do outro lado do corredor.

— Porque chegou a pensar que eu iria transar com você?-Parecia bobo, mas foi essa a parte que me chamou mais a atenção. Sobre o Gavin foi apenas uma conseqüência.

Estamos há uma semana aqui e nunca passamos de beijos então porque faríamos sexo em uma cabine no navio quando nem sabíamos nossos nomes direitos?

—Sabe aquela garrafa de champanha que você estava segurando quando nos encontramos no navio?Tinha boa noite cinderela ali. -Disse mais para si mesmo, porém eu estava perto o suficiente para entender.

E então tudo se encaixou. Eu não tinha motivos parar ter ficado tonta naquele dia, foi o champanhe o tempo todo, mas ele não podia me culpar por não ter pensado nisso antes. Não é tão fácil assim acompanhar os pensamentos de alguém que até uma hora atrás não era um assassino.

—Aquilo poderia ter me matado seu doente. -Bati com força em seu peito. Meu rosto já estava quente o bastante para me deixar parecida a um tomate.

Eu poderia ter tido uma parada cardíaca por culpa do Austin e ainda assim estou sentada no colo dele que quase fez meu coração parar de bater.

Apoiei-me nas poltronas ao meu redor e levantei do chão sentindo minhas pernas tremer.

—O que pretendia fazer comigo?-Perguntei tentando manter o máximo de distância possível entre nós dois.

—Gavin foi o motivo de eu terminar com minha esposa. –Se levantou também, mas não deu um passo sequer. —Pensei que se talvez machucasse alguém que ele amava conseguiria fazer com que ele pagasse por tudo o que me fez. -Sua voz estava tremula e seus olhos não conseguiam parar em um único lugar.

Ele não respondeu a minha pergunta.

Passei as mãos por meus cabelos sentindo meus dedos se emaranharem aos fios.

—Estamos presos nessa ilha por sua culpa. -Cuspi as palavras em seu rosto e ele fechou os olhos.

—Eu não sabia como te contar. -Abaixou a cabeça parecendo estar envergonhado.

—Como me contar o que?Que pretendia me estuprar ou que já conhecia o meu ex?-Gritei a plenos pulmões.

—Eu nunca seria baixo ao ponto de fazer isso com você Ally. -Segurou o meu braço e me aproximou ainda mais dele.

—Como eu posso saber?Tudo o que fez nessa última semana foi mentir pra mim. -Soltei meu braço de sua mão e ele se afastou um pouco.

—Não sei o que posso fazer pra que me perdoe, mas pra falar a verdade nem espero que faça isso. –Deu de ombros. —No entanto não sabemos se estamos sozinhos aqui e você nem ao menos saber atirar Ally por isso eu só peço que me deixe ensiná-la como usar uma e então te deixo em paz. Não quero deixar você quase morrer por uma terceira vez.

Olhei em seus olhos novamente, a raiva momentânea estava desaparecendo dando lugar a uma culpa fria e vazia que apenas ele conseguia demonstrar ao olhar para mim.

Minha vontade era de dar um tapa em sua cara e sair do avião para ir para bem longe dele, mas eu não podia.Por mais que fosse difícil admitir Austin era menos perigoso do que as pessoas lá fora que nem ao menos sei o nome.

***

Passaram-se dias desde que havíamos encontrado o avião, pra se mais exata uma semana e assim essa será nossa segunda semana na ilha. Nós dois decidimos voltar para a cabana onde era mais seguro do que o avião, porém nos preocupamos o bastante para trazermos os mantimentos do avião conosco. Enfim tínhamos comida descente e água potável.

—Você precisa se concentrar mais Ally. –O loiro se sentou em uma rocha perto de mim e apoiou a cabeça em um coqueiro logo atrás de si.

Não consigo entender porque ele coloca tanta fé assim em mim. Eu sou um desastre em apenas me manter viva nessa ilha, o que ele deve pensar sobre eu ter que me defender aqui?

—O que eu preciso mesmo é sair desse lugar.

Fechei meus olhos e respirei fundo. Escorreguei meu dedo indicador sobre o gatilho mais uma vez. Depois de tantas tentativas eu já estava começando apegar o jeito da coisa e isso apenas incluía me manter em pé ao atirar.

Abri meu olho direito para ver o local que a bala havia acertado e bufei ao ver que o tiro havia passado longe do coco.

—Isso não é pra mim. -Reclamei deixando que todo o ar que eu havia acumulado em meu peito se esvaziasse aos poucos. Nem percebi quando comecei a prendê-lo.

—Não existem rótulos quando o assunto é sobrevivência Ally. Qualquer um pode fazer isso. -Pelo seu tom de voz eu podia deduzir que ele estava se divertindo com aquilo mais do que eu. Parece até que pra ele agora somos melhores amigos quando na verdade ele esta apenas me fazendo um favor.

—Não sou esse tipo de mulher. -Admiti. —Não posso simplesmente matar alguém como algumas conseguem. Eu não sou assim. –Deixei a arma escorrer por entre meus dedos, mas a mão de Austin agarrou meu novo brinquedinho antes que as águas do lago o levassem.

—Não é assim como?Corajosa?-Eu podia sentir sua respiração em minha nuca. Ele estava mais próximo do que o necessário o que me fez morder o lábio me sentindo um pouco desconfortável com aquilo.

—Não consigo simplesmente matar alguém, trair alguém ou deixar alguém Austin então não, eu não sou corajosa.

Ele escorregou sua mão por toda a extensão do meu braço até parar pondo a arma entre meus dedos. Sua outra mão pousou em meu quadril me mantendo parada ali mesmo.

Tremi um pouco ao seu ultimo toque e ele percebeu isso, mas apenas deu um jeito de fazer ainda mais pressão na região da minha cintura.

—E nem deveria caso essa fosse à definição de coragem. Não são motivos para se orgulhar. -Ao levantar um pouco seu braço fui obrigada a fazer o mesmo.

—Mas isso as torna fortes, sensuais e determinadas. Eu queria ser assim. -Admiti sem perceber a gravidade das minhas palavras naquele instante.

—Matar não te faz ser mais forte. -Aproximou ainda mais a sua boca da minha nuca o que me fez engolir em seco. —Trair não é sensual, é falta de caráter. -Seu dedo indicador pressionou o meu o que fez com que a arma fosse engatilhada novamente. —E deixar alguém sem dar explicações é mais ridículo do que pensa ser.

—Você nunca precisou matar para ser corajosa. -Fechei meus olhos mais uma vez tendo como referencia do que fazer apenas a sua voz.

—Acha que não é sensual?Você consegue ser sexy apenas ao tomar banho em uma cachoeira. -Aos poucos senti sua mão se afastar da minha e um frio percorreu o meu estomago.

—Pensa que não é forte o bastante?Você é. -Sua presença aos poucos foi chegando ao fim me deixando sozinha em minha própria mente.

—Esta com medo?Não fique!Você tem as arma de que precisa agora lute.

Sem pensar tomei impulso e atirei. Minhas pernas não fraquejaram e minhas mãos não estavam tremendo o que me fez abrir os olhos ainda sem acreditar no pequeno progresso, mas o que me arrancou um sorriso mesmo foi o que eu acabar de fazer. Pareceria mentira se eu contasse para alguém que a bala havia partido um coco ao meio.

Virei de costas para encontrar um Austin sorridente e orgulhoso.

—Eu consegui. -Falei ainda boquiaberta.

A adrenalina já tomava conta de todo o meu corpo e eu sentia minhas mãos formigarem em busca de um novo motivo para apertar o gatilho.

—Sim você conseguiu. -Bateu palmas ainda rindo da minha expressão. —Parabéns.

—Agora eu posso me defender sozinha. -Pensei alto.

Era uma idéia estúpida sendo que eu havia acertado a mira uma única vez, mas não deixei que os pensamentos negativos atingissem a minha mente.

—Eu bem que queria que você pudesse. -Disse deixando o sorriso escapar do seu rosto e voltou para a rocha em que estava sentado.

—Do que adianta você saber defender a si mesma quando na primeira oportunidade de se livrar desse mundo vai deixar alguém tirar sua vida sem ao menos tentar?-Me olhou com seriedade. —Esse não seria o primeiro pensamento de uma pessoa que pode se defender. -Negou com a cabeça.

Ele jogou uma pedrinha no lago e pude ver o nosso reflexo através dele.

—E então eu olho pra você. –Olhou para mim através da água. —Não quero te ofender nem nada, mas se quiser morrer não irei te impedir. Você não tem motivos para viver mesmo. -Deixou seus ombros caírem ao movimento do vento bagunçando seus cabelos.

Seus olhos não demonstravam raiva, tristeza, alegria ou sarcasmo. Não demonstravam nada e foi por isso que me sentei na rocha ao seu lado ainda um pouco receosa.

—É isso o que pensa de mim?-Procurei ao máximo em controlar a minha voz. Eu não queria que ela parecesse embargada demais ou ríspida demais. Acho que terminei tornando ela as duas coisas.

—É o que você pensa de si mesma. -Deu um sorriso triste para mim. —Você não tem planos Ally. Sua vida é baseada em um namoro que não deu certo. -Tocou meu braço da forma mais carinhosa possível desde que nos conhecemos o que me surpreendeu um pouco.

—Sua maior vontade no momento é sair daqui. -Apontou com o queixo para o lugar ao nosso redor.

Os coqueiros balançando com a brisa do verão que acabara de chegar, as ferozes ondas do mar e infinitas outras belezas que nunca tive o real prazer de admirar a fundo.

—Mas e depois?Vai simplesmente voltar a se trancar no quarto e chorar pelo Gavin?Onde o seu trabalho se encaixa nisso tudo?Sua família?Amigos?-Ele acariciou meu rosto com a ponta dos dedos e enxugou uma lágrima solitária que ali servia de acessório para a minha tristeza.

Já perdi as contas de quantas vezes chorei na frente dele desde que chegamos aqui e não posso dizer que me orgulho disso, mas não consigo mudar.

—Eu sempre achei que só precisava de um tempo para me adaptar a nova vida. O cruzeiro iria servir para isso, mas não da muito certo quando não se tem pelo que lutar. -Ri sem humor.

Por mais que eu estivesse sofrendo ainda assim eu não queria continuar sofrendo. Fui eu que quis fazer o cruzeiro, não Cassidy.

Austin não disse mais nada. Apenas continuou ali parado, encarando meu rosto de maneira suave e eu retribui o gesto.

Mas quando foi ousado o suficiente para se aproximar de mim senti meu coração parar em minha garganta, porém não o impedi.

Deixei que seus lábios roçassem nos meus o que fez cócegas, no entanto apenas serviu para que eu aproximasse nossos corpos ainda mais.

—Se você não lutar por alguma coisa, será vencida por qualquer coisa. -Sussurrou contra meus lábios.

Eu passei tempo demais pensando em Gavin, pensando em como eu me iludi ao achar que ele realmente me amava, que um dia casaríamos e eu poderia em fim ter alguém para fingir amar.

Isso antes parecia ser muito melhor do que morrer sem ter ninguém para jogar uma única rosa sobre o meu túmulo, mas agora nada disso importa. Tenho que aceitar o fato de que terminamos e seguir em frente. Finalmente começar a pensar em mim mesma e no que e quero para minha vida de hoje em diante.

Não importa se Austin fará parte dela depois que sairmos daqui ou se iremos fingir que nada disso aconteceu, mas apenas me contento em viver o agora.Estando nos braços dele onde posso ter um pouco de paz e esquecer o quão vazia é a minha vida no momento.

Talvez até fosse um erro, mas não hesitei quando seus lábios finalmente tocaram os meus.