Eu fiz a coisa mais estúpida que alguém poderia ter feito. Para onde tinham ido meu raciocínio e minha inteligência? Para onde tinha ido minha habilidade de contornar as situações mais inesperadas e reagir adequadamente? Bom, definitivamente para longe de mim, com certeza. Eu olhei para Loki ligeiramente incrédula com a sua ousadia. Afinal, ninguém ali estava de fato se divertindo. Muito menos eu. E, como sempre, irritada como eu estava, saí andando a passos rápidos para longe de Loki, resoluta em seguir meu caminho até o Palácio, longe da aura sombria do deus.

Loki me irritava porque agia exatamente da mesma forma que eu. A grande verdade era que vivíamos um impasse. Eu tentava descobri-lo e decifrá-lo, sem deixar que ele tentasse as mesmas coisas comigo. Eu fechava-me numa máscara de ironia, agressividade e mistério para que o deus não fosse capaz de me interpretar ou prever. No entanto, ele fazia exatamente o mesmo. Loki tentava me entender, mas me impedia de entendê-lo. Ele fechava-se naquela máscara de egoísmo, imponência e superioridade. Dessa maneira, nunca chegaríamos a lugar nenhum. E, mesmo com toda essa certeza, eu tinha a impressão de que continuaria tentando descobri-lo. No final de tudo, talvez Loki tivesse um mínimo de razão.

Realmente, o processo da descoberta era mais importante do que as respostas em si. Afinal, eu sabia que Loki jamais me entregaria as respostas que eu queria. E, mesmo com essa certeza, eu insistia. O processo de tentar decifrá-lo me enlouquecia e fascinava, fazia com que o deus incendiasse minha mente e a fizesse funcionar a mil, sempre com o semblante dele pairando em meus sonhos mais profundos e indomáveis. Finalmente, eu começara a encontrar - por mim mesma - algum vestígio de respostas.

O processo de tentar interpretar Loki e jamais conseguir era o que me prendia a ele. Era esse desafio sem fim, essa aventura que não me levaria a lugar algum. Era isso que fazia eu me sentir tão atraída pelo deus: Ter a certeza de que jamais o conheceria por inteiro, e tentar insistentemente descobrir cada segredo dele. Cada dia ele tinha expressões, olhares e respostas diferentes. Mas todas com um ponto em comum: Inebriar-me. Os olhos verdes pareciam sempre me vencer.

Eu ia pensando nisso, enquanto caminhava naquela indefinição que era o céu e a estrada, ainda tarde demais para ser noite, e cedo demais para ser dia. Tais constatações ficavam voando na minha mente, de modo que preferi me isolar de tudo e de todos até chegarmos finalmente ao palácio de Asgard. Chegamos lá quando o sol das dez da manhã queimava incandescente no céu alaranjado. O Palácio cintilava suas nuances de marfim e dourado. Por ordem de Thor, nós ajudamos a desmontar e arrumar partes do acampamento. Ficou estabelecido que apenas metade dele permaneceria montada, em funcionamento para emergências. Contudo, os soldados precisavam de descanso decente e iriam para suas casas ou ficariam hospedados no Palácio.

Desse modo, metade do acampamento ficaria montada nos jardins do Palácio, como ele estivera outrora, só que reduzido. Ficaria assim por três dias, porque depois Thor precisaria de homens de confiança patrulhando o perímetro, até ele ordenar os próximos passos.

Assim, me contentei em arrumar minha parte com a ajuda de Lucca. Meu irmão estava silencioso e quieto demais. Isso deveria ter me preocupado, mas eu estava tão perdida em meus próprios pensamentos que agradeci mentalmente o fato de não precisar forçar e manter uma conversa.

Em seguida, todos nós almoçamos no salão principal. Nick Fury nos vangloriou em público e exaltou o fabuloso trabalho em equipe realizado pelos vingadores. Tony mandava beijinhos como forma de saudação. Banner e Steve abaixavam timidamente os olhos. Natasha e Clint mantinham sua habitual inexpressão. Thor sorria para Nick. Lucca olhava para todos com ares de orgulho e superioridade. E eu murmurei para mim mesma algo como: “Sei, trabalho em equipe...” e revirei os olhos. Afinal, minha equipe fantástica era eu e o Loki, soterrados numa caverna. Realmente incrível. Logo depois disso, tomei um banho demorado e me joguei em minha cama. Teria um dia de folga, apenas. Dormi por horas seguidas, até sentir que meu corpo reclamava de tanta dormência nos músculos.

Fora uma tarde de sono tranquilo. Era bom estar de volta em Asgard. De alguma forma, eu já considerava aquele quarto quase totalmente meu. Depois de me espreguiçar lentamente, olhei no meu relógio e vi que eram sete horas da noite. Eu não tinha absolutamente nada para fazer. Era quase estranho ter um tempo livre, naquelas condições, depois de vivenciar batalhas por alguns dias seguidos. Por fim, levantei-me e troquei de roupa. Coloquei meu habitual corselet e o casaco por cima, embora não estivesse mais tanto frio.

Foi então que notei algo estranho, perto da porta do meu quarto.

Um quadrado branco estava delicadamente posto no chão. Franzi a testa, confusa. Seria um bilhete? Abaixei, tomei o papel alvo nas mãos e o observei em todas as suas faces, procurando algum indício, realmente confusa.

Sim, era um bilhete. A caligrafia era fina e elegante. Minha boca gradualmente se abria numa expressão de absoluta descrença. Um fino sorriso tomou conta dela, em seguida. Eu lia: “Encontre-me no acampamento às oito horas. É sua única oportunidade de obter o que quer. Estou disposto a renegociar nossas... dívidas.”

•••

Enquanto eu descia as escadas, senti que arfava. O bilhete não estava assinado, mas para mim estava mais do que claro quem o escrevera. Talvez fosse a chance que eu realmente esperava para obter respostas dele. Loki.

Desse modo, eu terminara de me arrumar apressadamente, guardara o bilhete bem rente ao bolso do meu casaco e corria para o destino combinado. Eu estava disposta a fazer tudo o que estivesse em meu alcance para manipular Loki e fazê-lo me dizer o que eu queria ouvir. Não seria fácil, mas eu estava determinada. Aproveitaria essa conversa para novamente tentar induzir o deus a me contar seus planos. A ideia de aumentar alguns zeros na quantia que eu receberia em dinheiro, caso conseguisse descobrir as idéias do deus, ainda me fascinava.

O acampamento estava vazio, como eu previra. Forcei-me a parar de respirar furtivamente. Não queria que Loki pensasse que eu estava ansiosa demais para vê-lo. E eu não estava. Era tudo uma questão de planos e de negócios. Eu tinha um palpite de onde o deus estaria. Provavelmente, na ala de treinamentos, onde as armas se encontravam. Um lugar bastante favorável para uma discussão.

Driblei as barracas remanescentes e adentrei na sala. Meus olhos ávidos procuravam por qualquer vestígio do deus. Contudo, eu devia ter me acostumado a isso. Não importava quão preparada eu julgasse estar. Loki sabia surgir das sombras quase como se tivesse meus poderes.

Loki posicionou-se de frente para mim. Ele tinha os braços cruzados firmemente na frente do corpo esguio. Trajava sua roupa de batalha verde e dourada. Os olhos verdes cintilavam com um brilho de vitória e ligeira ambição. A expressão, em conjunto, era de pura satisfação, e diria até que vagamente surpresa.

Eu arqueei as sobrancelhas, sorrindo misteriosamente para ele enquanto falava:

- Um bilhete? Francamente, deus da trapaça... Eu esperava mais de você. Quem sabe algo mais interessante. – Eu falei, fingindo decepção.

Loki riu sonoramente, replicando:

- Como o que? Letreiros dourados na sua janela? Obrigado, eu dispenso. – Ele fez uma pausa, como se refletisse. - Agora... Diga-me. Por que acha que eu te chamei aqui, Stella?

Eu parei para pensar. Novamente, Loki me surpreendia quando eu parecia estar totalmente despreparada. Fiquei tão obcecada em colocar meus planos em prática, que nem pensei no real fato de Loki ter me chamado daquela maneira.

Eu mordi o lábio, tentando articular uma resposta decente:

- Bom... Andei pensando no que você me disse. Sobre o processo da descoberta ser mais importante... Então, acho que não me chamou aqui para me dar as respostas que tanto quero. – Suspirei, resignada.

- Vejo que você está aprendendo... – Comentou Loki, entre um riso. Ele se aproximava gradualmente, e eu percebi com furor que não queria me afastar. Queria deixá-lo chegar mais perto, naqueles passos sublimes e discretos de predador.

- Então, para que foi? – Insisti. Loki andava ao meu redor, como se me sondasse.

- Para treinarmos juntos e aprendermos cada um, a magia do outro. Eu proponho, Stella, que você me ensine alguns de seus truques e eu lhe ensine alguns dos meus. Eu não sou tolo. Vi seu desempenho nas batalhas...

Foi, então, minha vez de rir da situação. Loki queria que compartilhássemos treinamento e conhecimento? Aquilo parecia meio infundado, sem sentido. Fiquei momentaneamente confusa.

Tomei liberdade de me aproximar dele. Meus olhos negros percorreram seu corpo e se detiveram em seu semblante. O deus tinha a expressão casualmente divertida, o mesmo traço de ambição ainda refletido nos olhos.

- Não tem nenhuma trapaça nisso tudo? Impossível. Tudo que você faz é porque, de alguma forma, trará benefício para você. – Argumentei, com um tom de vitória.

- Um bom trapaceiro não segue esses padrões. Mas por que não aceita e tenta descobrir quais são minhas reais intenções? – Loki indagou, fazendo um gesto displicente com as mãos.

- É um convite? – Perguntei, uma ameaça discreta em minha voz.

- Eu diria desafio. – Replicou o deus da trapaça prontamente, fixando seus olhos em mim. Praticamente estávamos cara a cara naquele momento.

- E se for uma armadilha? – Retorqui, insistente. Loki revirou os olhos brevemente, e fiquei feliz por irritá-lo, ainda que minimamente.

- Se fosse uma armadilha, eu jamais diria a você. Mas... Você consegue encontrar algum motivo suficientemente forte para eu matar você? – Loki indagou, franzindo o cenho.

Novamente, senti meu sorriso triunfante vacilar. Realmente, eu não via motivos para Loki desejar me matar. Ficara bem claro o interesse dele em meus poderes e em tentar decifrar-me. Eu sabia, por meio daquelas ilusões, que o deus sabia que eu era importante, mas de alguma forma que ele ainda desconhecia. Enfim, depois de um tempo desviando os olhos e evitando encontrar os do deus, eu falei:

- Essa sua mania de responder perguntas com outras novas perguntas me irrita absurdamente!

Loki lançou seu sorriso enviesado, dizendo de uma maneira superior:

- Ora, você tem muitas manias que me irritam, Senhorita Alessa, mas eu não fico anunciando-as por toda a Árvore da Vida...

Eu abaixei a cabeça e coloquei minha mão em minha testa, num gesto de preocupação. Onde eu estava me metendo? Mesmo quando Loki me proporcionava meios para decifrá-lo, conseguia me confundir. A indefinição dele me consumia a cada segundo.

- Bom... Estamos aqui para treinar, não é mesmo? Suponho que os treinos serão mantidos em segredo e ocorrerão todas as noites, certo? – Eu previ, dando de ombros. – Bem sugestivo da sua parte.

- Sim. E já que tocou no assunto, ser excessivamente apressada é uma das suas manias irritantes. – Loki disse, olhando incisivamente para mim.

Dessa maneira, com esse comentário sutil, ficamos conversando por duas horas. Loki não parecia aquela pessoa detestável e temível que todos costumavam dizer. Alguns traços particulares do deus se sobressaíam, como seu orgulho inabalável, sua superioridade e seu irritante egocentrismo. Mas eu estava aprendendo a lidar com isso e tentava ignorar. Loki comentou sua sobre magia, sobre como aproveitava seus poderes Jotuns e como articulava tudo isso a seu favor. Claro. Ele só me contava o que queria que eu soubesse. Eu tinha certeza de que havia muito mais segredos por trás do que ele me contava, mas eu sentia que ele estava sendo sincero comigo. Ou pelo menos, sendo tão sincero quanto um deus da trapaça pode sê-lo.

E eu lhe expliquei sobre meus poderes. A antiga família Alessa que detinha poderes mágicos de séculos, sempre passando o legado para as próximas gerações. Meus poderes e os poderes de Loki não tinham a mesma raiz, mas eu poderia tentar usar algum encantamento que ele conhecia e vice-versa. Pareceu-me algo útil. Porém, eu ainda estava ligeiramente desconfiada.

Loki devia ter outro propósito. Um propósito oculto por trás de todo seu discurso de treinamento coletivo. Restava-me descobrir qual era. Ora, ele realmente se importava com poder e dominação, e eu não tinha dúvidas de que ele realmente queria aprender novas coisas para tornar-se mais forte. No entanto, eu sentia que não era apenas isso. Devia ter algo a mais. Entretanto, eu não poderia culpá-lo. Afinal, eu também tinha propósitos ocultos de tentar buscar minhas respostas e informações sobre o deus da trapaça. Ele devia estar tentando fazer o mesmo. Além disso, de alguma maneira inexplicável, Loki me fazia crer que não me faria mal. Por mais que fosse estúpido da minha parte crer cegamente no deus, ele tinha esse poder de influência e persuasão invejáveis.

Enfim, após nossa conversa, eu apenas desejei que nenhum Vingador tentasse me procurar. E eu teria de começar a pensar em desculpas frequentemente, para que ninguém desconfiasse de meus sumiços noturnos. Loki me arrancou de meus devaneios e conversamos um pouco mais. Contudo, já estava ficando tarde. Tivemos que nos despedir. Acenei para o deus, ligeiramente hesitante. Realmente, fora uma noite inesperada. Enquanto eu caminhava de volta até o Palácio, metade do meu cérebro se concentrava em camuflar-me para que eu não fosse descoberta. A outra metade fixava-se em Loki e em que surpresas ocorreriam na noite seguinte. Ora, aquela noite resumia-se na nova chance que eu teria para tentar definir um propósito no que dizia respeito a Loki. Era como se o deus da trapaça tivesse me feito um convite para descobrir seus domínios mais incompreensíveis e sombrios.