Tentei dormir nas próximas horas, desesperadamente. No entanto, eu já havia dormido durante toda a tarde e meu corpo se recusava a relaxar e entregar-se a mais um período de descanso. Pelo contrário, minha mente agitava-se e eu me revirava na cama, buscando alguma posição que me trouxesse conforto e tranqüilidade.

Na minha cabeça, eu pensava em Loki e em tudo o que ele me dissera nessa noite. Tudo não passara de um jogo de interesse. Interesses reais e interesses ocultos. Loki, ávido de poder como era, gostaria de descobrir mais sobre minha magia. Em troca, ele também me ensinaria alguns truques. E além de tudo isso, com nós dois nos beneficiando, havia a parte intrínseca. Eu tentando tirar informações de Loki. E ele tentando descobrir minha utilidade para os planos dele. Simples assim.

Nas poucas vezes que dormi, eu tinha flashes de memória em que parecia ter invadido novamente a mente do deus da trapaça... Loki pensava em que caminhos tomaria para descobrir minha importância nos planos dele... Ele também pensava em como descobrir meus segredos mais perversos e obscuros. Ele achava que havia algo em mim que clamava pela descoberta. Em outros momentos, senti que minha mente também estava vulnerável... Só desejei que Loki não descobrisse tudo. De alguma forma, eu sentia que ele só teria acesso ao que eu queria que ele tivesse.

E as dúvidas tornaram a me assombrar. Desde aquele acontecimento na caverna, minha mente e a de Loki pareciam estranhamente instáveis. Eu conseguia acessar a dele, às vezes. E ele poderia fazer o mesmo. Cansada de verdade, murmurei, antes de cair no sono:

Mas por quê?

E uma nova manhã se seguiu.

O dia passara lentamente. Eu ainda estava ligeiramente confusa e perdida com meus horários, já que passara algum tempo viajando, longe do Palácio. Tomei café da manhã ao lado dos Vingadores e treinei a tarde toda com Lucca. Ele parecia relutante, mas acabou me pedindo conselhos amorosos para conquistar Sif. Ora, eu não era a melhor pessoa do mundo para dar conselhos desse tipo. Lucca sabia bem disso.

– Você está brincando, não é? – Eu ri, olhando para Lucca. Treinávamos na tenda do acampamento. Steve estava conosco.

– Não... Vocês, mulheres, são difíceis demais de compreender. Acho que enfrentar a Yakuza novamente seria mais fácil. – Ele ponderou, sorrindo.

– Eu não sei! Já pensou em parar de assobiar no ouvido dela toda vez que ela passa? – Eu sugeri, dando de ombros enquanto pegava minha lança.

– É quase... Impossível. – Lucca riu. – Mas vamos... Você tem que me ajudar! Se você conseguiu conquistar até o vovô ali, deve ter alguma dica!

Um silêncio pairou no ar. Eu engasguei, perguntando:

O que?

Steve parara de polir o escudo e corava violentamente. Lucca olhava para mim de maneira travessa. Em seguida, olhou para Steve:

– Ah, vamos! Rogers pergunta de você o tempo todo! Ou vai dizer que não notou? Se bem que você é babá do Homem Rena. Caramba, Stella! Você costumava ter um gosto diferente na Itália... – Comentou Lucca, um sorriso se abrindo à medida que ele nos expunha daquela forma ridícula.

Steve abaixara a cabeça e sua expressão ficou um pouco mais fria quando Loki fora citado na conversa...

– Cale a boca, Lucca. Sif não agüentaria você nem por um minuto! – Eu argumentei, empurrando-o com o braço. – Suas piadas são péssimas. Até Stark faz melhor.

Treinamos mais, e eu logo me retirei. Quando fiz isso, Steve ainda estava cabisbaixo e Lucca ainda ria loucamente.

Fui embora. Caminhei até meu quarto. Troquei de roupa e observei o corredor principal do Palácio. Não havia ninguém à vista. Os Vingadores deveriam estar reunidos no Salão Principal, discutindo algumas coisas com Thor. Afinal, em breve o acampamento seria remontado completamente e os soldados voltariam a permanecer nele.

Tomei o cuidado de sair do Palácio silenciosamente, por outro caminho menos freqüentado, e em questão de minutos já caminhava pelo jardim. Fazia uma noite fresca, agradavelmente mais quente. Eu estava usando somente meu corselet, calças e botas. Meu pai costumava dizer que quando eu me vestia assim, lembrava nossos antepassados da Idade Média. Acho que era o mais próximo de “Você está bonita” que ele já me tinha dito alguma vez na sua vida.

Dessa vez, entrei na tenda sem muitas expectativas. Loki olhava para a parede oposta, ficando de costas para mim, segurando um cetro que parecia muito poderoso.

– Está um minuto atrasada. – Ele disse sombriamente, sem se virar para encarar-me.

– Até onde me lembro, não tínhamos definido um horário correto. – Argumentei, dando de ombros.

Loki se virou, e um sorriso discreto nascia em seus lábios. O deus olhava-me com certo receio e curiosidade.

– Sempre uma resposta para tudo, não é mesmo? – O deus riu. – Mas ainda vou encontrar um jeito de calar você...

Eu sorri, um pouco intrigada com a ousadia do deus. Arqueei as sobrancelhas, aproximando-me dele:

– Então... “Não desistir” é uma coisa que consta na sua lista de qualidades? – Perguntei.

– Sim... Assim como “Ter respostas pra tudo” consta na sua lista. – Loki respondeu, os olhos verdes fixos em meus passos.

– E o que planeja para hoje, deus da trapaça? Sejamos diretos. Paciência não consta nessa minha lista. – Eu comentei, desviando da figura do deus e caminhando até a prateleira, onde minha lança estava.

– Estragar meus planos com sua pressa não entra na minha lista, Senhorita Alessa. – Loki disse, e seu centro brilhava perigosamente em meio a pouca luz da tenda. – Quando vai aprender isso?

E, com esse comentário sugestivo, eu retirei minha lança da prateleira bem a tempo de interromper um ataque do deus da trapaça. Nossas aulas práticas tinham começado.

Loki tentara atacar-me de frente, empunhando seu cetro na minha direção. Por sorte e por habilidade, consegui desviar meu caminho um pouco para a direita e impedir o ataque, usando minha lança. Faíscas douradas voaram quando ocorreu o choque entre as duas armas.

Loki tinha uma destreza invejável em batalha. A desenvoltura do deus era perfeita, fina. Eu tentava atacar Loki pelas laterais, mas ele tinha uma aptidão incrível para prever os meus ataques segundos antes de eles acontecerem.

Óbvio. Eu estava lutando com um deus. Mesmo assim, minha honra estava em jogo naquela batalha. Eu precisava vencer. Transformei-me em sombra. Graças à minha magia, mesmo enquanto espectro eu ainda podia segurar minha arma. Então, rapidamente caminhei até atrás de Loki, tentando prendê-lo contra minha lança.

Ao se dar conta do que estava acontecendo, Loki rapidamente virou-se e chocou seu cetro contra mim, e eu voei para trás, esbarrando na parede. A luta estava equilibrada. Loki destilava sua magia por meio do próprio cetro, usando-o como meio para transmitir fortes ataques, impossíveis para uma arma comum deter.

E eu tentava lidar com isso como podia. Loki lançou uma espécie de raio contra mim repetidas vezes. Na primeira vez, ele conseguiu me acertar, fazendo minha lança cair ruidosamente no chão.

Mas eu rapidamente peguei minha arma novamente, e fiz uma magia que funcionava como escudo. Consegui me livrar dos raios e chegar até ele. Tentei acertá-lo pelo flanco direito, mas Loki estava atento. Rapidamente, usando todos os truques que eu conhecia, fui lançando golpe atrás de golpe, na tentativa de vencer o deus pela insistência.

Consegui passar uma rasteira em Loki, o qual vacilou um pouco. O deus pareceu ter perdido levemente o foco da batalha, o que me deu certa vantagem. Golpeei-o com a lateral da minha lança, obviamente para não feri-lo gravemente. Mesmo assim, a ideia de poder acertá-lo – caso eu quisesse tê-lo feito – me agradou intimamente. Isso mostrava que eu era uma guerreira realmente poderosa.

No entanto, não havia mais sorriso displicente no semblante do deus. Havia um brilho letal em seus olhos verdes e uma expressão de pura seriedade e gravidade. Loki ajeitou suas mãos firmes no cetro, e olhou diretamente para mim. Inconscientemente, um sorriso provocativo surgiu em meus lábios.

E a luta recomeçara. Loki praticamente só usava magia. Eu tentava desviar-me usando todo o tipo de encantamento, mas estava começando a esgotar-me. Loki sorria triunfante. Nossos feitiços se chocavam no ar e fagulhas coloridas explodiam ao nosso redor.

Num determinado momento, eu avancei para ele, transformando-me em sombra e vagando rapidamente pelos cantos, tentando surpreendê-lo. Loki tentou concentrar-se em acompanhar meus passos, mas eu fora rápida demais para ele. Com isso, tentei derrubar o cetro da mão dele, num golpe impetuoso e certeiro.

Loki sorriu novamente para mim, exibindo aquele ar letal e audaz. Em seguida, disse:

– Não é muita pretensão da sua parte? Achar que pode derrotar a mim?

Eu cambaleava. Minha lança novamente caíra ao chão, ainda lançando faíscas de um tom de rubro. Com um sobressalto, eu percebera que Loki fizera uma magia para prender minhas mãos.

Elas estavam na frente do meu corpo, unidas em uma espécie de algema feita de pura energia. Eu não conseguia movê-las.

Então, subitamente, Loki apoiou seu corpo contra o meu, de modo a me encostar na parede. Eu tinha, agora, o deus muito próximo de mim e estava com as mãos presas. Ótimo.

– Sim... É muita pretensão. Ou você é muito corajosa, ou muito tola... – Loki riu, murmurando perto de mim.

Então, fiz a única coisa para a qual eu ainda tinha forças. De repente, transformei-me em espectro, voando pela sala, pegando a minha lança do chão e usando-a para prender o pescoço de Loki. Tudo acontecera de maneira muito rápida. A vantagem de surpreendê-lo com esse golpe me daria a vitória. Desse modo, agora era Loki quem estava contra a parede. Eu estava na frente dele, com minha lança colocada cuidadosa e firmemente em seu pescoço. O deus sorria de maneira provocativa, como se quisesse me ver de fato enforcando-o. Era uma provocação sinistra.

– As sombras são intangíveis, Loki... Você nunca pode prendê-las. – Eu sussurrei, bem perto do ouvido do deus, de maneira ameaçadora. – Espero que não se esqueça disso.

Meu rosto estava a centímetros do rosto do deus. Ele riu levemente durante algum tempo, fitando-me com aquele ar de ambição que ele sempre tinha. Além disso, seus olhos exalavam aquela sua superioridade costumeira, e ele me fitava de maneira sombria:

– O segredo não é prender as sombras, Stella. O segredo é atraí-las... Fazer com que elas venham até mim, por livre e espontânea vontade.

Então, a figura de Loki, diante de mim, desaparecera. Na minha frente, só havia o vazio que outrora fora ocupado pelo deus e minha lança, prendendo o nada.

Em seguida, um arrepio percorreu minha espinha, e eu senti uma leve brisa gélida perpassar por meus cabelos. Um hálito fresco ressoava contra o lóbulo de minha orelha, enquanto Loki aparecia atrás de mim e murmurava:

– Espero que você não se esqueça disso. Porque eu não vou esquecer.