Steve Rogers. Um simples nome. Um cara qualquer. Provavelmente, mais um idiota que resolveu trabalhar na SHIELD para obter prestígio. Era isso o que eu costumava pensar do Capitão América, até conhecê-lo de fato na prisão. Steve parecia confiar em mim, após eu ter evitado uma explosão no local. Contudo, ele não deveria. Achei-o estúpido por isso. Mas... Steve me ajudara. Uma força inexplicável fez com que se estabelecesse uma mútua amizade e confiança entre nós.

Certa vez, em uma de suas visitas, Steve me disse que Fury estava tentando arranjar provas de crimes que não tinha certeza se eu tinha cometido. Em outras palavras, Nick estava procurando por mais motivos para me manter presa, sob sua tutela. Minha pena poderia ser prolongada por isso. Aquilo era injusto, até para uma pessoa declaradamente culpada, como eu. Eu fora julgada e presa apenas por contrabandear itens com a Yakuza. Nada além disso. E, naquele dia, Steve me contara que se opôs à atitude de Fury. O Capitão não o deixou ir adiante com a busca. Novamente, Steve estava me ajudando, com seu bom senso de justiça e honra.

E era esse mesmo homem que agora corria perigo por causa dos planos dos Jotuns. Eu estivera me recordando desses nossos antigos encontros enquanto estava largada ao chão gelado, atrás dos jardins e do Palácio. Após o momento em que o Jotun jogara-me ao chão, eu desmaiara e ali ficara. Caída, e tomando uma bela chuva.

Quando acordei, levantei-me aos poucos, temendo outro desmaio. O tempo em Asgard raramente era inconstante, e aquela chuva me pegara de surpresa. Eu me levantei, nervosa. Não podia deixar que nada acontecesse a Steve. E também não podia contar isso a ele. Steve costumava ter o péssimo – ou excelente – hábito de se sacrificar pelos outros.

Com certeza, ele iria direto para a armadilha dos Jotuns. Ele se entregaria para salvar-nos. E, dessa vez, comecei a pensar diferente. Talvez fosse a hora de eu me sacrificar por alguém. E Steve era, possivelmente, a única pessoa pela qual eu faria isso.

E, naquele momento, eu decidi. Ninguém saberia daquele plano. E eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para salvar Steve daquela armadilha. A sorte precisava estar do meu lado. Porque aquele não era o dia da minha derrota. Nem da derrota de Steve Rogers.

•••

Consegui recuperar alguma estabilidade. Tentei andar relativamente rápido para ir até o meu quarto. Meus cabelos molhados grudavam no meu rosto e me atrapalhavam a enxergar. A água gelada da chuva me lembrava gelo sólido, entrando em meus olhos e desfocando minha visão. Lembravam-me dos Jotuns. Lembravam-me de que eu precisava de um plano para manter Steve sob a minha vista, para mantê-lo longe dos Jotuns quando fosse a hora certa.

Eu subi até meu quarto e fiquei andando em círculos. Eu não tinha nenhuma informação. Pelas palavras do Jotun, além das palavras de Heimdall, eu podia deduzir que haveria um ataque mais cedo ou mais tarde. Mas eu não tinha um local específico, nem um horário. Eu não tinha como prever nada. Só sabia que aconteceria, e que Steve estaria correndo perigo quando ocorresse. Levei as mãos à minha testa. Eu deveria estar com febre. Meu casaco estava molhado, e por isso precisei retirá-lo. Eu usava apenas meu corselet e minhas mãos tremiam incontrolavelmente.

Eu não conseguia pensar com clareza, e não havia nenhum plano concreto e efetivo que eu pudesse fazer. Enfim, só consegui pensar em uma coisa. Hesitante, saí do meu quarto, andei em meio ao corredor escuro e bati na porta de Steve Rogers.

Alguns minutos se passaram. Steve abriu a porta. Tinha a expressão ligeiramente sonolenta e preocupada. Vestia somente uma calça cinza, e tinha o peito exposto. Eu vacilei, um pouco envergonhada.

Steve pigarreou e quase tropeçou na porta, ao perceber minha presença.

– Ah... S-Stella. Eu... Eu achei que fosse o Fury. Eu... – Steve se atrapalhou, revirando os olhos com certo nervosismo.

Eu abaixei os olhos, tentando não corar por causa daquela reação dele. Embora meus olhos quisessem muito admirar o corpo musculoso do Capitão, eu me contive.

– Desculpa, Steve... É que... Eu não estou muito bem. Eu tive alguns pesadelos. – Eu contei, mordendo o lábio.

De certa forma, tudo aquilo era verdade. Eu podia sentir uma vertigem cada vez mais intensa tomar conta de mim. E, além disso, a ideia de alguém ferir Steve numa armadilha estava me corroendo por dentro, como um pesadelo insistente.

Eu suspirei, enquanto Steve olhava fixamente para mim. Ele assumiu um ar grave e mais preocupado. Ele, que antes remexia nervosamente na porta, agora estava totalmente concentrado em olhar para mim.

– Ah... Pesadelos? O que houve? Você tomou chuva? Ah, meu Deus, Stella...

Os olhos de Steve perpassaram todo o meu corpo. Ele pareceu levemente acanhado, mas correu até sua cômoda e pegou de lá de cima um casaco seu. Era azul e tinha uma estrela prata na parte de trás. Devia ter sido seu uniforme algum dia.

– Ah... – Ele hesitou, procurando apoio em meus olhos. – Devia usar isso. É meio velho... Mas é quente o bastante.

Steve se postou em minha frente. O calor que emanava de seu corpo já era muito reconfortante, e eu respirei ligeiramente aliviada. Steve colocou seu casaco ao meu redor, de modo a me cobrir com ele sem que eu precisasse de fato colocar meus braços no lugar apropriado, já que o casaco era muito grande para mim.

Steve tocava-me com tal gentileza e delicadeza, que não pude deixar de sorrir. Ele estava me ajudando e não cobraria nada por isso. Eu era fascinada por seu modo de enxergar e fazer as coisas. Eu era fascinada pelo seu jeito nobre. Eu nunca conhecera ninguém assim em todos os anos de minha vida.

– E... Por onde esteve, Stella? – Steve me perguntou, pigarreando, enquanto ajeitava o seu casaco em mim.

Seu toque firme e simultaneamente hesitante, pelo nervosismo dele, provocava constantes sorrisos em mim.

– Eu... Precisei tomar um ar. – Comentei, tentando parecer natural.

Havia algo no olhar azul penetrante de Steve que me fez pensar que ele não acreditou muito naquela história. Aliás, Steve sempre parecia ter a perfeita habilidade de conhecer-me como ninguém.

– Claro. – Steve falou, desviando os olhos. – E esse corte no seu braço?

Eu me alarmei, sentindo a respiração falhar por alguns segundos.

– Eu... É... Foi o Lucca. Durante o treino. – Comentei apressadamente. Droga! Meu plano de manter Steve sob a minha vista estava saindo mais complicado do que eu previra.

– Eu deixo vocês dois sozinhos por alguns minutos e ele quase te mata... – Steve brincou, sorrindo de canto para mim. – Vou cuidar disso.

Eu retribuí o sorriso, e Steve segurou meu braço para avaliar o ferimento.

– Stella... Você está com febre. – Ele avisou, alarmado. De fato, minhas mãos tremiam mais perceptivelmente e eu tinha constantes arrepios de frio, além de uma insistente dor de cabeça. Steve tocou minha testa e sua sobrancelha se vincou preocupadamente.

Ele começou a andar às pressas pelo quarto, procurando algo que eu desconhecia. Parecia ligeiramente perturbado. E eu precisava manter a situação sob controle.

– Steve... – Chamei, baixinho. O Capitão olhou para mim, e eu busquei a serenidade em seus olhos azuis sempre decididos. – Será que poderia... Ficar comigo essa noite?

Houve uma intensidade entre nossos olhares que jamais serei capaz de descrever. Steve parou onde estava, fitando-me com sua discreta impaciência pelos meus atos rebeldes, e ao mesmo tempo, complacentes em ajudar-me. Os olhos azuis que sempre pareciam me decifrar estavam ali, fixos em meus olhos ávidos e inconstantes. Só quis que Steve entendesse que, naquela noite, eu realmente precisava dele perto de mim. Queria que ele decifrasse esse meu desejo. E acho que ele o fez, porque, juntos, caminhamos até o meu quarto. Os pesadelos estavam prestes a ir embora.

•••

Steve me acompanhou no longo e silencioso corredor.

Eu abri a porta do meu quarto e nós entramos. Era reconfortante ter alguém como ele do meu lado, disposto a ouvir-me e a ajudar-me. Além disso, eu poderia mantê-lo sob vigilância e garantir que ele ficaria seguro. Sim. Eu ainda permanecia firme na minha decisão de não contar nada a ele.

– Ah... Onde você guarda os kits da SHIELD? – Steve me perguntou.

Ele parecia levemente sem jeito por estar no meu quarto, e confesso que isso me divertiu. Ele trajava apenas a calça cinza, e acho que havia se esquecido de pegar uma blusa, ao ser surpreendido pelo meu pedido inesperado. Ele olhava o quarto com uma curiosidade contida e tinha uma mão posta displicentemente nos cabelos louros, num gesto de nervosismo singelo.

– Aqui, Capitão. – Falei, mostrando a ele minha mochila.

Desse modo, eu me sentei na cama e Steve cuidou do corte em meu braço. Aquele gesto fez com que eu me lembrasse de Loki e do modo como ele cuidara de mim, uma vez. No entanto, pensar no deus da trapaça atrapalharia o foco do meu plano em proteger Steve. Afastei, com certa dificuldade, tais pensamentos.

Depois disso, Steve me fez beber um remédio contra febre, que estava no kit de primeiros socorros. Eu o agradeci, pois realmente já estava começando a ficar incomodada com os efeitos da febre e o frio intenso.

Desse modo, deitei-me em minha cama preguiçosamente. Steve estava meio vacilante, revirando os olhos, aparentemente sem saber o que fazer. Eu ri e falei, divertida:

– Eu sugiro que se deite, Capitão. É o que as pessoas normais fazem na hora de dormir.

Steve sorriu de canto, e se deitou da maneira que pôde. Na minha cama, cabiam perfeitamente duas pessoas, mas não poderia haver um espaço grande entre elas. Dessa maneira, eu me deitei no lado direito e Steve no lado esquerdo. Nossos corpos não se tocavam de nenhuma forma, embora estivéssemos deitados lado a lado, na mesma cama.

Os olhos de Steve saíram do meu campo de visão. Da última vez em que eu o observara, ele encarava o teto. Sua expressão também estava fora do meu alcance, porque cada um de nós parecia olhar para outra coisa diferente, evitando casualmente se olhar. Era como uma forma de respeito, nesse momento ligeiramente constrangedor.

No entanto, mesmo com um vão entre mim e Steve, eu podia sentir o calor que sua pele parecia emanar. Um cobertor cobria exclusivamente a mim, porque Steve alegou não estar com frio. E eu ainda trajava seu casaco azul, que tocava minha pele fria como se fossem os dedos firmes e gentis do próprio Capitão.

– Então... Sobre o que eram seus pesadelos? – Steve perguntou pra mim casualmente.

Eu estava encolhida na cama, sentindo meu corpo recuperar gradualmente o calor e se recuperar dos baques sofridos. Eu demorei um tempo antes de responder.

– Eu estava vulnerável... Impotente. Eu estava decepcionando as pessoas, Steve... Eu... Eu estava com medo. – Eu contei, observando o teto exageradamente branco. A única luz existente era a de um fraco abajur, e a noite asgardiana era a deslumbrante paisagem, pela janela vítrea.

– Todos nós sentimos medo, Stella. Mesmo que não acredite nisso. – Steve contou. Sua voz ecoava distante, do outro lado da cama.

– Até mesmo você? – Perguntei, descrente. Soltei um riso.

– Até mesmo eu. Aliás, principalmente eu. – Steve comentou. Seguiu-se um silêncio. – O que você mais teme, Stella?

Eu suspirei... Poderia inventar múltiplas desculpas, mas eu sentia que devia ser sincera com Steve. Normalmente, eu não revelaria minhas fraquezas para ninguém. Eu odiava ter que fazer isso. Aliás, eu lutava justamente para escondê-las dos outros. Mas não para Steve. Algo no modo como ele perguntara aquilo me fez pensar que ele já sabia as respostas. Eu prossegui, com minha voz falhando em alguns momentos:

– Eu tenho medo de falhar. Medo de me sentir uma inútil... Uma incapaz... Tenho medo de ser vulnerável e impotente... E tenho medo de decepcionar as pessoas por isso. Tenho medo de... Ser fraca.

Eu podia imaginar a expressão serena de Steve, apenas preparando o que dizer para me consolar ou me deixar bem. Seus olhos deveriam estar límpidos e firmes, como sempre. Desejei vê-los e identificar sua expressão. Geralmente, eu tentava decifrar as pessoas e nunca conseguia. Apenas encontrava frustração em mim mesma por não conseguir entendê-las. Com Steve, era diferente. Eu só encontrava coisas boas. Sentimentos bons e nobres. E isso conseguia me surpreender mais do que qualquer outra coisa.

– E você, Senhor Rogers? – Brinquei, tentando prosseguir com o assunto.

Eu podia sentir a mesma hesitação que se formara em mim aparecendo em Steve. Depois de um tempo, ele respondeu, parecendo ressentido:

– Eu tenho medo de não conseguir ajudar as pessoas que precisam. Tenho medo de não conseguir fazer o que é certo e tenho medo de que pessoas inocentes paguem pelos meus erros. Tenho medo... De não conseguir fazer a justiça vencer.

Eu permaneci atenta, focada em ouvir suas palavras, apenas procurando entender o lado de Steve.

– Você é um homem honrado, Steve. Eu o admiro por isso. – Comentei, desejando de fato que Steve compreendesse o quanto eu o achava digno. – Você nunca pensa em si mesmo... Está disposto a anular-se pelos outros. Anular-se em nome da justiça e do que é certo. Eu sei que jamais conseguirei ser assim. Jamais terei suas qualidades. Jamais conseguirei viver do mesmo modo que você. Mas você... Você é único. E é provavelmente a melhor pessoa que já conheci na vida.

Steve também ficou calado durante algum tempo. Acho que ele não esperava ouvir aquelas palavras de mim. Eu imaginei se ele teria ruborizado, com um sorriso contido e simples em seu rosto. Era a expressão que ele sempre fazia quando alguém o elogiava. Ele ficava sem palavras.

Steve respondeu, e eu podia perceber que ele estava começando a ficar inquieto.

– Ah... Puxa, obrigado, Stella. Eu... Sei que não vai acreditar em mim, mas... Eu sei que existe algo bom em você. Eu sempre soube. Por mais que esteja lá no fundo, escondido entre o seu estilo de vida, simplesmente não consigo pensar em você como uma pessoa má. – Steve levantou-se e me encarou pela primeira vez, depois que começamos a conversar. Assim, eu também me levantei.

Desse modo, nós dois estávamos sentados na cama, ainda distantes. Porém, de frente um para o outro.

Eu sorri, descrente. Não queria contradizer as palavras de Steve, e procurei não ser agressiva demais. Ligeiramente nervosa, eu remexia no meu cabelo e falava:

– Ah, por favor, Steve. O que eu sou não pode ser desfeito ou mudado. Eu nasci e cresci para ser assim. E assim serei. Afinal... Está no meu sangue.

Estendi meu braço, num gesto que pretendia relembrar Steve do que eu realmente era e devia continuar sendo. O legado da família Alessa. A cicatriz em meu braço apareceu solenemente, como um lembrete ainda mais proeminente.

– Não, Stella. Está aqui. – Steve falou serenamente, apontando um dedo na direção do meu peito. Na direção do meu coração. E era minha vez de ficar sem palavras. Eu apenas encarei o Capitão. Ele tinha os olhos complacentes e tranqüilos, e sua expressão parecia evidenciar algo que eu desconhecia. Era como se Steve estivesse enxergando algo muito nítido, que somente eu não conseguia enxergar.

Eu abaixei os olhos, derrotada. Não queria discutir com Steve, mas ele estava errado. Tinha que estar.

– Uma vez você disse, há muito tempo, que tinha fé em mim. Eu tenho fé em você, Stella. – Steve comentou, sorrindo discreto.

E, novamente, o Capitão América arrancava um sorriso meu. Eu tinha dito isso a ele há muito tempo, quando ele comentara que tinha conseguido não prolongar minha pena. Eu só tinha que cumprir mais alguns meses de prisão e logo seria liberada...

Isso realmente parecia ter acontecido há séculos. Fiquei contente por Steve se lembrar.

– Bem... Discutimos o que mais tememos. E quanto aos nossos desejos? O que você mais quer, Steve? – Perguntei, ligeiramente ressentida pelas palavras dele. Eu não gostava de ficar sem resposta, ou de ficar tão abalada com o comentário de alguém. Steve, tendo consciência ou não, tocara nos meus medos mais profundos de me sentir vulnerável.

– Eu só quero servir meu país. Ajudar o mundo da forma como eu puder. – Steve comentou, e o orgulho em seu olhar era nítido por isso. – E você?

– É quase covardia você me perguntar isso, depois de eu ter te perguntado. – Comentei, triste. – Meu dever é respeitar e honrar minha família e nosso lucro.

Steve suspirou pesadamente. Em seguida, fixando seus olhos azuis e intensos nos meus, falou:

– Eu tive uma forma de mudar meu destino. Você também pode ter uma. Não importa o que faça, Stella. Eu olho todos os dias para você, mas não vejo só sombras. Acho que se você reparar melhor, também não vai ver só isso. Lembre-se... Eu tenho fé em você.

Eu suspirei apressadamente, tentando desviar meus olhos dos de Steve. Estava difícil. O azul penetrante parecia atrair os meus olhos como magnetismo. Um magnetismo diferente dos demais. Era quase provocante. Steve me fazia querer ser o melhor que eu podia ser. Ele tinha fé em mim. Uma fé que, há muito tempo, eu julgara ter perdido.