Depois daquela conversa impactante com Steve, eu resolvera parar de criar tantos questionamentos. Eu ficara um tempo em silêncio, e depois falara:

– É... Eu estou realmente cansada, Steve. Acho que vou dormir.

Steve me olhara daquela maneira intensa e significativa, como se soubesse que eu estava intimamente incomodada por ele ter tocado em tantos assuntos complicados, de uma só vez. Mas ele nunca entenderia. Eu nasci com uma missão. E honra ou justiça não faziam parte disso.

Eu admirava o Capitão porque sabia que nunca teria as qualidades dele. Eu sabia que nunca poderia viver minha vida do jeito que ele vivia a dele. Nossas vidas eram tristemente incompatíveis. E eu não conseguia entender como um homem podia se sacrificar tanto em nome dos outros. A grande verdade era essa: Steve era tudo o que eu nunca seria. A justiça e a honra, na sua forma mais pura. Eu o admirava porque enxergava nele tudo o que jamais consegui enxergar com clareza.

Por isso Steve merecia meu sacrifício. Por isso eu o mantinha sob minha vigilância. Para cumprir meu plano e evitar que Jotuns o ameaçassem.

O Capitão me olhou durante mais algum tempo, parecendo levemente hesitante:

– Boa noite, Stella.

E eu me virei do lado oposto ao dele, encolhendo-me entre o cobertor e buscando alguma paz para descansar, pelo menos um pouco. A manhã traria novas idéias para eu conduzir meu plano de manter Steve a salvo.

Ouvi um pigarro e novamente a voz hesitante do Capitão:

– Desculpe se fui indelicado ou invasivo demais. Só achei que você precisava ouvir aquelas palavras.

Eu respirei pausadamente, me sentindo culpada por ter sido tão introvertida com ele nesse aspecto. Eu falei, procurando as palavras mais adequadas para o que eu queria expressar:

– Não se desculpe, Steve. E... Obrigado por ter ficado aqui. Obrigado por ter ficado aqui... Comigo.

•••

Abri meus olhos, com certa urgência.

Eu tinha um plano. Precisava manter Steve em segurança. Acordei às pressas, observando que o dia já amanhecera e que fazia uma manhã nublada. O céu era um borrão cinza escuro.

Em seguida, sentei-me na cama, observando que o canto em que Steve dormira estava vazio.

– Ah, meu Deus! – Eu me desesperei.

Num ímpeto de desespero e agonia, senti que precisava procurar Steve. Eu me levantara apressadamente, sem nem sequer trocar de roupa, e descera às escadas em direção ao local onde costumávamos tomar café. Steve não podia ter ido longe, e nem podia se afastar da minha vista. Eu não sabia quando poderia ocorrer uma invasão Jotun. Poderia ser a qualquer momento. E todos nós podíamos sofrer as consequências disso. Mas não Steve.

O Capitão ficaria a salvo. Eu assumira os sacrifícios. Eu assumira minha vontade de mudar, pelo menos em parte, meu próprio destino.

Desci até a mesa principal. Nem todos estavam por ali, então calculei que deveria ser muito cedo. Encontrei apenas com Tony Stark, que bebia algo em uma taça que parecia excessivamente adornada, feita para deuses. Não para um herói terráqueo comum.

– Tony! – Chamei, segurando-o impulsivamente pelo braço. – Onde está Steve? Você o viu? Me fala!

Inicialmente, Tony olhou para mim alarmado. Em seguida, um sorriso divertido brotou em seus lábios e ele ergueu majestosamente a taça para mim, num gesto de saudação.

– Bom dia para você também, Stella. Não se preocupe. Não sei para quê tanto desespero, mas Steve está bem. Você não deve se surpreender. A maioria dos homens sempre some no dia seguinte. – Ele riu da própria piada.

Eu cruzei meus braços, arqueando as sobrancelhas. Eu estava ali para resolver algo sério, já que era necessariamente importante eu estar perto de Steve, para o meu plano funcionar. Não era hora para piadas indecentes.

O quê? Olha, Stark, eu não sei o que você está pensando, mas... – Eu ia justificando, quando Stark tentou se recompor e continuou, fingindo extrema seriedade:

– Eu vi vocês dois indo para o seu quarto ontem. E agora você está toda louca atrás dele... Não esperava isso de você.

Stark ria pontualmente enquanto prolongava suas piadas para me irritar. Ele passara casualmente um braço ao meu redor, enquanto tentava explicar a lógica masculina de uma primeira noite. Aquelas coisas, ainda que fossem ilusórias e totalmente cômicas, poderiam até me interessar.

Contudo, de repente, um vulto passara na nossa frente, ao longe. Imediatamente, desliguei-me da conversa com Stark e olhei para a figura diante de mim, distante a muitos metros.

Era a primeira vez em dias que eu via Loki, o deus da trapaça.

Eu tentei abaixar os olhos e ignorá-lo, mas não pude. O belo par de olhos verdes encontrou-se com o meu par de olhos ávidos e negros. Eu sustentei o seu olhar durante o tempo em que ele estava em meu campo visual. Loki tinha o rosto lívido e marmóreo. Sua expressão era enigmática e mais misteriosa do que o comum, porque não consegui identificar nenhuma outra expressão além dessas. Os olhos, talvez, estivessem um pouco mais vagos também. Loki não sorria. Além disso, em nenhum momento tirou seus olhos de mim.

Stark pareceu não dar importância à passagem dele, e continuou tirando uma com a minha cara de maneira inescrupulosa. Por um momento, pensei para onde Loki estaria indo e se ele, por acaso, teria ouvido a minha conversa com Stark. Imaginei, devaneando, se ele sentiria algum tipo de fúria depois do que supostamente ouvira, ainda que tudo não passasse de uma brincadeira de Tony.

Porém, minha mente simplesmente não podia perder mais tempo com a estranha aparição de Loki. Eu ainda precisava achar Steve. A fim de esperar o tempo passar, com certo pesar dentro de mim, fiquei conversando com Stark. Tomei um café da manhã às pressas, enquanto meus olhos reviravam todos os cantos em busca de algum movimento.

Meia hora se passou. Eu mordia o lábio, ansiosa. Quando Steve apareceu, eu não consegui conter uma expressão de alívio. Ele caminhava tranquilamente até mim e Stark, vestindo roupas comuns de treinamento. A blusa azul dele ainda estava em mim. Sua expressão era serena e os olhos inspiravam tranqüilidade e confiança.

– Olá...

– Olá, Capitão. Agora pode nos explicar porque deixou essa bela dama sozinha? 70 anos de idade não te serviram para aprender nada? – Stark provocou, levantando-se.

Um ligeiro sorriso perpassou o rosto de Steve. Obviamente, ele também sabia que Tony estava apenas brincando. Não acontecera nada entre mim e o Capitão. Mas Stark era especialista em nos incomodar com certa freqüência, usando piadas um tanto inadequadas.

– Perdão, Stella. Eu estava treinando. Você estava dormindo profundamente... Não quis acordá-la. – Steve comentou, parecendo verdadeiramente preocupado. Seus olhos assumiram uma expressão complacente.

Mas o alívio inundava-me. Não me importavam as desculpas de Steve naquele momento. Ele estava ali, perto de mim. Minha missão de protegê-lo parecia estar dando certo.

– Tudo bem, Steve. Eu entendo. – Comentei, sorrindo fraco.

– Ah... Você está melhor? – Steve perguntou, hesitante.

– Muito melhor. Obrigada... – Respondi, lembrando-me da dedicação de Steve na noite passada. Na verdade, eu ainda tinha pequenos lapsos de tontura, mas era preciso ignorá-los e escondê-los de Steve. Eu não podia exigir que ele se anulasse tanto para me ajudar. Ele não tinha culpa se às vezes eu era realmente fraca.

Em seguida, tentei seguir uma rotina normal. Ficar o tempo todo ao lado de Steve poderia parecer suspeito, então eu seguia minhas atividades usuais, mas sempre tendo o Capitão em vista. Lucca, que treinava comigo durante a manhã, parecia ter percebido isso. Ele também não poupou piadas a respeito desse assunto, ao que eu retribuí com piadas sobre Lady Sif. Ele parou imediatamente após isso.

E assim, a noite foi caindo.

Meu orgulho não me deixava admitir isso. Entretanto, meus olhos ainda procuravam por Loki, quase que inconscientemente. Esses dias sem nem sequer conversar com o deus da trapaça me deixavam cada vez mais distanciada de seus jogos e meias palavras, e isso incendiava minha curiosidade e minha vontade.

Desse modo, já era a hora do pôr do sol. Steve estava treinando com Barton e Stark em uma das tendas de treinamento. Assim, resolvi treinar sozinha. Eu observava minha habitual lança negra, cuidadosamente posta na prateleira de armas. Peguei-a e comecei a treinar alguns golpes mais difíceis, realizando giros e outras manobras, como se eu realmente estivesse em uma luta.

Num determinado momento, transformei-me em sombra e continuei realizando golpes, treinando com mais afinco e dedicação. Foi quando ouvi passos apressados e urgentes vindo na direção da porta.

Era Natasha, trajando completamente as roupas de batalha:

– Stella... Prepare-se. Foi sem aviso. Ocorreu uma invasão Jotun ao sul da cidade. Heimdall estava certo.

•••

Uma onde de adrenalina me invadiu.

Adrenalina acompanhada, obviamente, pelo choque da informação repentina. Uma invasão, pouco antes da noite? Era uma forma de ataque quase improvável. E isso me preocupou. Significava que os Jotuns estavam armando estratégias tanto quanto nós estávamos.

Houve uma mobilização geral nos acampamentos e nos arredores do Palácio. Os Vingadores estavam reunidos com Fury e o alto escalão de soldados asgardianos, na frente da construção principal. Lucca parecia animado, e uma fúria quase divertida cintilava em seus olhos. Steve e Thor tinham a mesma expressão grave e séria. Banner parecia interessado no assunto que corria pelo grupo, mas estava cuidadosamente confuso. Natasha e Barton trocavam olhares entre si. E eu não vi o deus da trapaça, mas estava com o pressentimento de que o veria muito em breve.

Depois de rápidos minutos de decisões, ficara estabelecido. Fury nos explicou, com a ajuda de um legionário asgardiano, que os Jotuns haviam invadido a ala sul da cidade e estavam provocando destruição. Alguns soldados patrulhavam a região e deram os avisos, rapidamente tentando conter os Gigantes. Contudo, ninguém sabia o que os Jotuns de fato queriam. E isso preocupou a todos. Uma onde de preocupação e receio perpassou a expressão de todos ali presentes, antes de embarcarmos em mais uma jornada em direção ao perigo.

•••

Precisávamos ser rápidos. Thor, com a ajuda de Fury, dividiu-nos em três grupos. Em questão de minutos, toda a nossa operação estava armada. Desse modo, um grupo iria a pé, a fim de patrulhar o perímetro mais externo e evitar que invasões eclodissem nas áreas mais próximas do Palácio.

Os outros grupos foram em direção ao sul usando veículos que pareciam uma estranha versão de nave espacial aberta. Eram como ônibus muito tecnológicos, mas com algo de Antiguidade Clássica. Aliás, era como tudo em Asgard.

Os Vingadores embarcaram em uma nave exclusiva, que Thor pilotava. Banner estava fascinado por aquela tecnologia e observava tudo com uma afeição e dedicação profundas. Não passou muito tempo e chegamos ao lugar proposto.

Era uma área residencial asgardiana, com casas douradas comuns bem espaçadas umas das outras. Além disso, havia muita vegetação no local, com árvores e campos entre as construções. Era um lugar complexo e nada óbvio para uma invasão. Lá, alguns soldados lutavam da forma como podiam com o grupo de Jotuns. Precisávamos ajudá-los o quanto antes.

Descemos da nave e nos preparamos para entrar na luta vigorosamente. Eu tinha um olho em Steve e outro na batalha que nos aguardava. Porém, antes de sairmos, Fury nos reuniu e comentou:

– Tentem ficar juntos. Essa invasão é completamente diferente. Os Jotuns têm estratégias. Eles não fizeram e nem vão fazer nada em vão. Eles têm um propósito.

Todos nós assentimos. Cutuquei Lucca com o braço, porque ele parecia irritantemente entediado com o discurso de Fury.

Contudo, Nick continuou, aprumando sua arma ao lado do corpo, enquanto falava alto:

– Os Jotuns estão diferentes. Estão mais fortes e poderosos. Eles estão mexendo com algo que não nos é muito familiar. Podem estar lidando com forças desconhecidas. Eles não vieram para brincar, Vingadores. Mas nós também não.

– Caramba... Você fala bem. Já pensou em fazer aqueles discursos de Natal e Ano Novo? – Lucca comentou, enquanto girava o machado nas mãos e partia para a luta. Eu revirei os olhos, indignada com a ousadia dele. Nick olhou-o com repreensão.

Em seguida, Fury fez um gesto que indicava nossa liberação. Ao lado do grupo de soldados asgardianos, os Vingadores avançaram contra os Gigantes de Gelo. Até agora, eu não havia reconhecido nenhum deles. E não parecia haver nada especialmente estranho em relação à armadilha sobre a qual aquele Jotun comentara. Mas eu estava de olho.

Tony Stark levantou vôo e usava raios laser contra os Gigantes mais fortes. Banner havia se transformado em Hulk e estava dispersando um grupo de Jotuns à nossa direita. Natasha lutava corpo a corpo, quebrando o pescoço de cada um deles de um jeito particularmente doloroso. Barton lançava flechas certeiras e dava cobertura para a Viúva Negra. Steve lutava ao meu lado, usando seu escudo para atacar e defender-se. Thor usava seu martelo de maneira grandiosa e fatal, provando para todos que merecia o título de herdeiro do trono. Lucca utilizava seus poderes para enfraquecer os monstros e usava um machado para cortar as cabeças deles. E eu usava minha lança para atacá-los, transformando-me em sombra e conseguindo confundi-los.

No primeiro momento de luta, percebi que Nick dissera realmente a verdade. Os Jotuns pareciam estranhamente mais ágeis, fortes e resistentes aos ataques. Eu reconhecia aquele tipo de mudança repentina. Os Jotuns estavam lidando com coisas sobrenaturais. Possivelmente, algum tipo de magia obscura. Eu reconhecia aquilo... Afinal, era a base do meu poder mágico.

Um arrepio percorreu minha espinha enquanto eu lutava, desviando-me dos golpes e tentando revidá-los. O esforço era nítido no rosto de cada soldado ou Vingador. Tudo o que estávamos fazendo era conter uma invasão. Mas não sabíamos os reais motivos de ela estar ocorrendo. Desconhecíamos os planos dos Jotuns e isso nos deixava em clara desvantagem. E, naquele momento caótico, era quase impossível obtermos mais informações. Lutávamos às cegas.

Além disso, a noite estava caindo cada vez mais rápido. Isso era bom para mim, pois eu poderia camuflar-me com mais eficácia. O lado ruim era que a luta estava bastante equilibrada, oscilando entre perdas e ganhos para ambos os lados. Ela não terminaria cedo.

Contudo, de súbito, Nick aproximou-se de nós. Ele tinha, agora, duas armas. Uma em cada mão. Pelo visto, uma não fora suficiente. Ele atirou em alguns Jotuns insistentes e gritou, chamando por nós:

– Vingadores! Temos uma invasão na prisão asgardiana. Um de vocês precisa ir para lá!

Sufoquei um murmúrio na garganta. Livrei-me de um Jotun que ainda restava, fincando minha lança em seu rosto. Em seguida, juntei-me ao grupo que Fury reunira momentaneamente.

A prisão. Com certeza, havia alguma armadilha por lá. Era esse o lugar para onde os Jotuns queriam que Steve fosse. E, se Steve não aparecesse lá, tudo o que o Capitão mais prezava seria destruído.

Mas eu tinha meus próprios planos. Eu iria, no lugar de Steve, para a armadilha. Eu manteria o Capitão a salvo. E ninguém teria que se preocupar com mais nada.

– Mas a prisão não está em ruínas? Afinal, houve outras invasões... – Stark comentou, usando seu laser contra alguns Gigantes que nos atrapalhavam.

– Está. E é isso o que me preocupa. Deve haver algo por lá que interessa aos Jotuns. – Comentou Nick, assumindo uma postura mais grave.

– Eu vou. – Uma voz se pronunciou. Era Steve.

Eu me contive. Cruzei os braços, que estavam mais rentes ao meu corpo, realmente nervosa. Eu não podia deixar Steve ir. O Jotun fora claro o bastante. Steve estaria indo sem ter nem ideia do que poderia enfrentar.

– O lugar está em ruínas, praticamente impossível de entrar. Com meu escudo, eu posso ser útil. – Steve comentou, dando de ombros. Sua expressão era de obstinação.

– Não. – Eu me opus. Todos me olharam.

Eu girei a lança nas mãos, caminhando na direção de Fury.

Eu vou.