Em questão de segundos, eu, Steve e Loki aparecemos diante do Palácio de Asgard. A primeira coisa da qual eu me dei conta foi que o tempo passara demasiadamente rápido. Quando iniciamos a batalha, ainda nos jardins, devia ser umas seis da tarde, mais ou menos. Agora eram, aproximadamente, umas nove horas, e Asgard já mergulhara em total escuridão. O céu estava negro, mesclado de cinza em alguns pontos específicos, e não havia estrelas. Uma lua gigante, crescente, cintilava acima de nós, iluminando boa parte do local.

E foi com essa iluminação que eu pude observar o estado dos jardins do Palácio. A guerra aparentemente havia cessado. No entanto, o local parecia uma verdadeira trincheira, um acampamento de guerra. Havia barracas espalhadas pelos jardins em todos os cantos. Soldados iam e vinham carregando armas, polindo-as, ou arrumando as que estavam quebradas. Os feridos eram transportados em macas, e levados às barracas específicas para cura. Um clima de tensão pairava no ar. Eu tive a impressão de que aquele acampamento ficaria montado durante muito tempo, para o caso de alguma emergência.

Então, depois desses segundos de observação, percebi que Loki, ainda do meu lado, me olhava insistentemente. Ele tinha as mãos atrás das costas, ainda unidas por algemas, e andava displicentemente erguendo os olhos verdes na minha direção, como se fosse capaz de ler meus pensamentos e de perceber minha frustração.

- Onde estão todos? Precisamos colocá-los a par da situação... – Comentou Steve, apertando os olhos em busca de algum Vingador.

E eu estava começando a me irritar com Loki me olhando daquela maneira. Eu não sabia como, nem quando, mas eu iria conseguir um momento a sós com ele, para tirar todas as minhas dúvidas. Mas, sem dúvida, esse jeito superior e imponente dele estava me tirando do sério. Eu cruzei os braços, irritada.

- O que o “Homem Rena” está fazendo aqui? – Disse uma voz, aparecendo por trás de nós.

Eu, Steve e Loki nos viramos, e fitamos Tony Stark, acompanhado dos outros Vingadores. Eles estavam aparentemente exaustos. Todos tinham leves machucados e a expressão de cansaço evidente nos rostos. Tony segurava o capacete da armadura nas mãos, olhando para Loki com um misto de curiosidade, receio e diversão. Ele tornou a provocar o deus, ironicamente falando:

- Que foi? O Papai Noel te deu férias e liberou você mais cedo?

A expressão de Loki endureceu e seus olhos verdes tomaram um tom mais frio. Seus lábios cerraram-se numa linha fina, de pura fúria.

- Vejo que seu péssimo senso de humor não mudou, Homem de Lata... – Retorquiu Loki.

- Não mesmo. Mas pelo visto, você mudou bastante. Cadê os chifres estilosos? – Comentou Stark, fazendo uma imitação tosca de rena. Eu reprimi um riso.

Loki fez menção de responder, mas Fury interrompeu a todos:

- Todos estão bem?

Nós assentimos, e foi a vez de Thor se pronunciar. Ele andou hesitante até Loki, olhando-o como se o irmão fosse uma miragem inalcançável. Os olhos de Thor estavam ficando úmidos, e não pude deixar de acreditar que ele realmente, apesar de tudo, se importava com o irmão.

- Irmão... – Thor falou, receoso.

- Poupe-me, filho de Odin. Se tem uma coisa que aprendi naquela cela pérfida, é que esses vínculos nunca existiram. Você nunca ligou muito pra isso, não é? Então continue assim... – Despejou Loki, proferindo cada palavra com rancor e raiva.

Thor abaixou a cabeça, desiludido. Ou melhor, conformado. Loki ia se afastando, e eu me dirigi até ele, a fim de evitar que ele escapasse diante de nossos olhos.

- Não precisa, Stella. Loki não vai fugir. Ele sabe o que acontece com traidores. – Comentou Natasha, me segurando pelo pulso.

- Eu devo... Ah... Tirar as algemas? – Perguntei, temerosa. Natasha assentiu, e eu andei até Loki, retirando as algemas dele. Presumo que o encontro com Thor o deixara confuso e perturbado, porque ele simplesmente seguiu reto e sequer olhou para trás.

Então, não consegui mais acompanhar Loki com meus olhos. Ele se dirigiu para dentro do Palácio, para algum lugar desconhecido. Depois, foi a vez de algumas explicações serem dadas. Steve contou que eu e ele tínhamos ido até a Prisão para buscar Loki, a pedido do próprio Odin e de Frigga. Comentou também que a Prisão estava em chamas, e seria em breve destruída. Depois disso, Lucca se juntou a mim e me abraçou, contando que decapitara centenas de Jotuns e tudo o mais. Ele era bem exagerado, mas fiquei feliz por estar bem.

Fury contou-nos que Odin avisara a todos os Vingadores sobre esse pedido, então todos estavam sabendo do ocorrido. E com um meio sorriso no rosto, Nick comentou também que alguns presos não conseguiram escapar das chamas, e que, ou tinham morrido, ou fugido. Em suma, a Prisão estava uma bagunça, e Asgard já não tinha mais controle sobre os seus prisioneiros. Então, com uma expressão ainda pesarosa, Thor contou que os Vingadores e Asgard conseguiram deter a invasão daquela noite, mas com muita dificuldade. Não houve muitas baixas, mas havia muitos feridos. O deus do trovão comentou que o acampamento de guerra seria montado permanentemente, até que as coisas se resolvessem consideravelmente.

Eu estava satisfeita em ouvir tudo aquilo, e constatar que tudo estava bem, na medida do possível. Mas aí eu olhei de canto para meu próprio ombro. Estava doendo demais. Um pedaço do tecido do meu uniforme tinha sido arrancado no impacto com a lança, e uma parte do meu machucado estava exposta, vertendo uma quantidade razoável de sangue. Acho que eu não tinha percebido o sangue anteriormente por causa da roupa preta, que disfarçava isso. Mas o cheiro persistente de ferro e sal estava começando a me incomodar.

Soltei um gritinho de dor, e Steve virou-se para mim rapidamente. Seus olhos azuis compenetrados voaram direto para meu ombro, e ele se aproximou de mim, deixando os outros Vingadores conversarem sem nós.

- Você está ferida! – Steve sussurrou de maneira acusatória, como se a culpa de eu não ter contado isso antes fosse minha. Bem, na verdade era.

- Eu estou bem. – Comentei, mordendo o lábio para reprimir um grito. A dor se intensificava a cada minuto, e espasmos percorriam meu corpo por inteiro. Meu braço estava começando a ficar dormente.

Steve revirou os olhos, e puxou-me para um canto.

- Vai pra ala médica cuidar disso... É sério. Não é bom brincar com essas coisas. – Ele disse, cuidadoso.

Eu sorri como resposta, e falei, desvencilhando-me gentilmente dele.

- Ok, senhor Rogers. Você venceu... – Falei, me afastando em direção às barracas. – Diga pros outros que estou bem. Nos vemos depois.

Eu sabia que era ridícula a minha atitude, mas na hora de ir até a ala médica, eu desviei o caminho e segui direto para meu quarto. Como havia muita gente indo e vindo por todo o lugar, consegui me infiltrar facilmente na multidão e desviar meu trajeto.

Tudo o que eu queria era minha cama e uma boa noite de sono. Como os Vingadores já sabiam de tudo, e como as coisas da batalha estavam se ajeitando, eu me dei liberdade para dormir e só acordar depois de boas horas de descanso. Porém, quando subi as escadas, senti uma tontura incomum tomar conta de mim. Eu já não sentia meu braço direito, e o corte parecia ter se aprofundado ainda mais, de alguma forma. A dor latejava, e eu senti até que perdia o equilíbrio.

Desejei chegar a tempo no meu quarto, mas o destino realmente não estava a meu favor naquele dia. Não havia ninguém à vista no corredor, que estava parcialmente iluminado. Eu arquejava, buscando respirar melhor em meio a tanta dor e aflição, e encostei-me à parede.

Uma náusea anormal e angustiante tomou conta de mim, e eu fui deslizando aos poucos pela parede, até ficar sentada no chão, com a cabeça entre os joelhos, esperando alguém me achar ali.

Não sei por quanto tempo fiquei assim, mas ouvi uma voz difusa me chamar ao longe. Acho que eu estava muito mal, porque a voz ecoou longamente no meu ouvido, e eu abri os olhos, vendo tudo girar vertiginosamente.

- Seus poderes são incríveis, admito... Mas você não é resistente ao veneno Jotun. – Disse a voz.

Eu levantei a cabeça, sentindo novamente minha mente girar. Em meio ao turbilhão de cores inconstantes, distingui Loki diante de mim, olhando-me com curiosidade e com a expressão vitoriosa.

Ele fez com que eu me levantasse, e segurou-me de um jeito meio improvisado, levando-me até uma sala pequena naquele mesmo corredor. Eu não precisei andar muito, o que facilitou bastante minha vida. Mas eu estava tão lerda, que sequer consegui processar uma resposta adequada para dar ao deus.

Loki me segurava pelos braços desajeitadamente, apenas para que eu não caísse ali mesmo. Percebi que a sala para onde ele me levava era pequena, com uma lareira reconfortante pegando fogo, e duas grandes poltronas vermelhas ao centro. Loki me acomodou em uma das poltronas, e eu fiquei satisfeita, enterrando-me nela. Por que ele estava fazendo isso? Meu cérebro estava lento demais para pensar nas possibilidades.

Ele, então, pegou o que parecia ser um pano embebido em alguma coisa, e suas mãos hábeis e finas retiraram um pedaço do tecido do meu uniforme, deixando meu ombro direito totalmente exposto. Como eu usava um corselet, senti-me excessivamente exposta, mas eu não tinha condições de reclamar de nada. Olhei para Loki, tentando focalizar seu rosto, e ele exibia uma expressão de ligeira impaciência. Como se estivesse sendo obrigado, de alguma forma, a me ajudar. Era como se algo o obrigasse a fazer uma coisa que ele detestasse.

Então, ele passou o pano embebido naquele líquido no meu ombro. E a dor aliviou quase que imediatamente.

Eu revirei os olhos, e senti minha visão turva melhorar, e a dor realmente diminuir. Eu fitei Loki durante algum tempo, tentando formular uma frase, no mínimo, coerente:

- Por que está fazendo isso? – Perguntei, olhando das mãos ágeis do deus, para seus olhos verdes soturnos.

Ele pensou antes de responder, sem me fitar:

- É uma dívida. Por mais que eu odeie esse fato, você me tirou daquela prisão. E você tem veneno de Jotun no seu ombro, que estava na lança de Wulf. Estou retribuindo o favor. Até mesmo o deus da trapaça tem um pouco de honra, Stella.

Eu o olhei incessantemente, até que ele me olhasse de volta. Eu precisava mostrar para ele que a sua presença não me afetava, embora a verdade fosse exatamente o oposto. Eu disse:

- Isso não é uma dívida. As dívidas são contraías por vontade própria. Eu não queria salvar você. Foi mais como um... Trabalho a ser feito.

Loki, então, me fitou por um longo tempo, decifrando-me daquele jeito que só ele sabia fazer. Sustentei seu olhar, esperando. Ele respondeu, com a voz um tanto fria:

- Ótimo. Então também considere que estou fazendo um trabalho agora. No entanto, agradecer-me não seria mais simples?

Eu dei de ombros, sentindo uma leve dor pelo movimento. Fiz uma careta e comentei:

- Nunca gostei de nada simples. Mas acho que você se esqueceu de outra dívida.

Loki exibiu um meio sorriso lateral, arrebatador. Seus olhos se iluminaram um pouco, e eu senti mais leveza em sua voz, quando falou:

- Não me lembro de ter feito nenhuma dívida com você...

Eu mordi o lábio, ansiosa. Era a hora perfeita para eu iniciar meu interrogatório e tirar do deus as respostas que eu tanto queria. Loki ainda passava um pano úmido sobre meu corte no ombro, limpando-o.

- Você me deve respostas! Respostas sobre muita coisa... – Comentei, olhando-o incisivamente em seus olhos verdes. Ao ouvir minha resposta, ele semicerrou os olhos e disse, ligeiramente ameaçador:

- E o que faz você pensar que eu entregaria todas as respostas assim, de bandeja? – E Loki deu um leve sorriso, como se pretendesse aliviar a ameaça oculta em sua voz anteriormente.

Eu arqueei as sobrancelhas, e respondi de modo misterioso:

- Persuasão.

Loki deixou um riso leve escapar, como se não acreditasse que eu fosse capaz de cometer tamanha ousadia. Havia descrença na fala dele, e simultaneamente, curiosidade. Ele falou, sorrindo:

- Ótimo. Então vamos testar isso.

Eu sorri em retribuição, e Loki começou a murmurar algumas palavras baixinho... Acho que ele estava fazendo algum encantamento asgardiano, ou Jotun, não sei... Mas meu corte começou a cicatrizar bem devagar. Enquanto isso, eu falei - quase murmurando - para que ele se concentrasse em minhas palavras:

- Se você responder às minhas perguntas, eu vou acreditar e confiar mais em você. Assim, você pode me manipular mais facilmente...

Loki continuou proferindo o encantamento. E quando parou, olhou para mim com aquela curiosidade desmedida, com aquele interesse óbvio e, ao mesmo tempo, tão enigmático. Tão imprevisível.

Ele ria sonoramente, exibindo aqueles dentes tão brancos e luzidios. Eu fitava seu rosto, observando atentamente aquele contraste entre a pele branca marmórea, o cabelo negro, e os olhos verdes que me eram tão conhecidos. Loki disse, em tom de brincadeira e desafio:

- É um bom argumento...Você me convenceu... O que quer saber?