Foi, então, minha vez de rir alegremente, erguendo os olhos em sinal de vitória. Eu falei, utilizando um tom de voz falsamente doce:

- Cuidado, deus da trapaça... Essa é uma pergunta muito perigosa. Há várias coisas que desejo saber...

Por que eu estava fazendo aquilo? Não sei. Na verdade, minha opinião sobre Loki ainda estava indefinida. Tão indefinida quanto eram as manhãs asgardianas e suas nuvens transitórias. Loki me irritava, principalmente por sempre agir como se estivesse um passo à minha frente. Irritava-me por olhar para mim como se me decifrasse, como se soubesse tudo o que importava sobre mim... E ainda havia o fato de eu querer minhas tão esperadas respostas sobre ele. Em suma, aquele cara me confundia. Confundia-me de tal maneira que agora surgia uma espécie de “Lei de ação e reação”, porque naquele momento, era eu quem queria decifrá-lo. A presença do deus era inebriante, embriagadora... E eu comecei a me preocupar com os efeitos que isso poderia ter sobre mim, ainda que eu não tivesse ideia de que efeitos fossem esses.

Loki retirou o pano úmido dos meus ombros, e pegou uma espécie de tecido branco de algodão, que seria minha atadura. Sem me fitar, ele murmurou:

- Apenas pergunte.

Eu olhei para a janela ao fundo, observando a madrugada asgardiana, e perguntei ao deus, com cautela:

- Como você conseguiu falar comigo aquele dia?

Um sorriso lateral escapou da boca dele, em meio ao semblante concentrado do deus. Ele ainda fitava meus ombros, mas seus olhos brilhavam de conquista, recordando-se do feito daquela noite que eu citava.

- A prisão estava danificada, sem segurança... Eu simplesmente saí de lá... E eu encontrei você. Senti que era poderosa... Afinal, você usava minha lança.

Loki finalmente olhou para mim. Ele tinha dado as últimas voltas com o tecido em meu ombro. E agora ele me fitava intensamente, como se esperasse para comprovar se eu agiria conforme ele tinha suposto, ou não.

- Sua o quê? – Repeti, tentando absorver com cuidado e atenção cada palavra dita por ele. A lança dele? Era isso mesmo o que eu tinha ouvido?

E então, o belo par de olhos verdes vagou para longe, como se imaginasse uma cena longínqua, que os tempos nunca trariam novamente. O deus falou:

- Aquela arma costumava ser minha. Só quem realmente é poderoso pode usá-la.

Eu encarei-o intensamente, ansiando por mais informações. Loki começou a juntar os instrumentos que tinha usado para me curar, e eu tentei ajudá-lo. Ele esticou os braços e me impediu de avançar, olhando-me severamente. Eu bufei, deixando-o agir sem minha ajuda. E comentei, ardendo de curiosidade:

- Está bem... E porque você não foge? Quer dizer, está livre agora...

Uma risada lenta e maligna ecoou da boca fina do deus. Ele comentou, aparentemente ainda achando graça em alguma piadinha particular que eu desconhecia:

- Realmente... Asgard está prestes a tombar. Eles vão precisar de um rei. Acha mesmo que eu abandonaria esse lugar agora? É conveniente ficar perto. Thor não vai fazer nada, se eu não der motivos. E os Jotuns estão atrás de mim. Não me interessa fugir agora.

Eu deixei escapar um risinho. Realmente, era um bom plano. Acho que era exatamente o que eu faria, caso estivesse no lugar dele. No entanto, comecei a me preocupar. Por que Loki realmente estava me dando aquelas informações? Quer dizer... Se ele estava me contando isso, é porque desejava que eu soubesse. Ele não me diria nada que eu não pudesse ouvir. Isso significava que o preço de saciar minha curiosidade, automaticamente, poderia estar me colocando em algum plano mirabolante do deus. Ótimo. Problema atrás de problema.

- Isso é meio desonesto. – Comentei por fim, recostando-me confortavelmente à poltrona. Curiosamente, com a luz alaranjada vindo do fogo na lareira, os olhos verdes de Loki pareciam tomar um tom incrível de cinza. Ainda mais hipnotizante. O deus me perguntou, ainda com traços de seu sorriso sarcástico nos lábios:

- Perdão, mas o que você é? Somente Vingadora?

Eu respondi a ele, um tanto ameaçadora. Senti que era a hora de mostrar ao deus que ele não estava lidando com uma menininha que ganhara poderes em laboratório. Eu sabia o que estava fazendo.

- Sou... Mafiosa.

Loki ergueu os olhos, e lançou-os diretamente a mim, como se estivesse novamente me avaliando. Senti-me desconfortável. O deus disse, sorrindo malignamente:

- A vilã da história? – Ele riu. - É uma coisa que temos em comum... Não pode falar nada sobre minhas trapaças, Senhorita Stella.

Mordi o lábio, levantando-me da confortável poltrona contra minha vontade. Já estava na hora de ir embora daquela sala e ir para o meu quarto.

- Bom, eu vou embora, se você já acabou. Mas... Como sabe meu nome?

Loki continuou a arrumar seus apetrechos, sem me olhar. Contudo, mesmo assim eu sentia como se ele soubesse cada movimento que eu faria. Ele respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo:

- O que é um mero nome para um deus da trapaça como eu?

Eu me impressionei de fato com essa declaração, mas não demonstrei nada. Apenas cruzei os braços, o que provocou uma leve dor em meus ombros recém curados. Mas eu não queria dar esse gostinho ao Loki.

- Por que está me dizendo todas essas coisas? Você poderia muito bem ter me matado ou me mandado embora daqui. Não precisava ter respondido minhas perguntas. – Argumentei, prestes a deixar o local.

Então, pela primeira vez naqueles minutos, Loki interrompeu o que fazia e virou-se inteiramente na minha direção. Ele deu de ombros e fez um gesto com as mãos, como se estivesse se rendendo. Na verdade, devo dizer que era o oposto. Era eu que estava quase me rendendo ao charme doentio daquele homem e de suas meias palavras.

- Ora... Não percebeu ainda? Eu sou Loki... E Sim. Eu poderia ter matado você facilmente. Mas não é o que pretendo, ainda. E depois... Hoje, eu respondi suas perguntas. Amanhã, você responderá às minhas. Acho que há uma nova dívida nos prendendo... – Ele sorriu e continuou, quase sussurrando. – Além disso... Eu posso manipular você e conseguir o que quero, não é mesmo?

Eu abaixei os olhos e deixei escapar um sorriso fraco, ao perceber que ele usava minhas próprias palavras que utilizei para convencê-lo. É... Não era à toa que ele recebia esse nome de trapaceiro. Quanto mais perigoso ele parecia, mais eu ficava interessada em suas palavras. Eu estava começando a querer decifrá-lo, mesmo tendo consciência de que seria impossível.

Por fim, acenei para Loki e lutei contra minha própria vontade de olhar para trás. Eu segui reto, firmemente, e não virei a cabeça nenhuma vez. Saí da sala. Caminhei com facilidade pelo largo corredor e achei meu quarto. Entrei e me joguei na cama, completamente esgotada pelos acontecimentos daquele dia. Olhei meu relógio e percebi que eram três horas da manhã.

A dor em meu ombro agora era quase imperceptível. No entanto, eu estava com meu corpo completamente dolorido por causa das batalhas, e com a mente efusiva devido à minha conversa com Loki. Eu não sabia o que dizer sobre ele. Ele era uma incógnita para mim...

Além disso, outra coisa que provocava minha ira era não saber o que ele queria comigo. Ora, Loki sabia meu nome de um jeito inexplicável, encontrara-se comigo quando estava supostamente preso, e agora me curava... Ele dizia que era uma dívida. Mas eu sabia que devia ser mais do que isso.

A ideia de ele estar me manipulando de alguma forma me torturava. Isso porque eu sabia que não conseguiria evitá-lo. Eu ansiava por conversar com ele, por descobri-lo... E o preço por esse meu desejo poderia me colocar em sérios riscos. Então, porque eu ainda insistia? Por que eu ainda queria? Essas eram só algumas das mil perguntas inexplicáveis e sem respostas que vagavam pela minha cabeça...

Aliás, Loki era tão inexplicável quanto as perguntas que ele fazia surgir em minha mente. Loki estava, aos poucos, contando-me tudo o que eu desejava saber... E eu queria mais. A fala do deus, seus trejeitos, sua história... Tudo era tão viciante e embriagador como a própria presença magnífica dele... Eu fechava os olhos, buscando sonhos tranqüilos, e tudo o que me vinha à mente eram os olhos verdes indecifráveis, sempre a minha frente... E foi imaginando-os, que adormeci.

Abri os olhos lentamente, piscando-os repetidas vezes. Me alarmei ao perceber que eu deitara de bruços, podendo prejudicar os ferimentos em meu ombro direito. No entanto, toquei-o e percebi que estava majoritariamente curado. A claridade que entrava em meu quarto era pouca, e eu levantei-me sem problemas, depois de uma longa e tranquila noite de sono.

Olhei no meu relógio. Para meu desespero, eram quase duas horas da tarde.

- Droga! – Murmurei, apressadamente tomando um banho e me arrumando.

Eu não tinha tempo para comer, mas por sorte encontrei alguns suprimentos nas minhas coisas e comi umas barrinhas de proteínas. Por fim, vesti meu uniforme costumeiro: Um corselet preto, calças pretas, e um casaco mais leve, todos desenvolvidos pela SHIELD para conferir um melhor desempenho em batalha.

Eu prendi meus cabelos escuros em um rabo de cavalo comum e saí correndo. Depois de alguns rápidos cumprimentos, cheguei ao saguão do Palácio, saí dele e me direcionei ao acampamento de guerra, que já tomava todo o entorno do Palácio. Eu sabia que os Vingadores estariam lá, treinando, porque era o horário em que nós costumávamos fazer isso. Até que os ataques Jotuns bagunçaram nossa rotina.

Encontrei Stark arrumando sua armadura; Banner usava uma espécie de computador para ajudá-lo; Steve polia seu escudo, pensativo; Thor treinava com alguns soldados da legião asgardiana; Clint e Natasha lutavam corpo e corpo e Lucca se divertia com uma espada. Eles estavam sob uma tenda gigantesca, que cobria a área destinada aos treinamentos.

- Olha só... A Bela Adormecida acordou. – Murmurou Tony, dando uma piscadinha para mim.

Eu mostrei a língua para ele, e Steve veio falar comigo:

- Tudo bem, Stella. Você teve uma noite difícil... Como está seu braço?

Steve me olhou, como se pedisse permissão. Eu estendi meu braço, e ele tocou-os habilmente.

- Nossa... Parecem bem melhores. – Ele comentou, e seu sorriso mostrava alegria e uma pontada de dúvida.

Eu achei melhor não tocar no assunto Loki, pelo menos por enquanto. Afinal, o deus usara sua magia e habilidade para curar o ferimento com veneno Jotun que eu tinha recebido. Isso soaria estranho para Steve, que já enfrentara o deus antes como um perigoso inimigo.

Eu sorri para Steve e recolhi meu braço.

- Vou treinar, se não se importa. – Comentei, afastando-me gentilmente dele.

- E aí, sorella? – Lucca me abraçou animadamente, chamando-me de irmã em italiano, nossa língua original.

Eu retribuí o abraço, sentindo falta da união que eu e Lucca costumávamos ter. O ambiente de guerra sempre acabava nos distanciando mais. Desse modo, eu cumprimentei os outros Vingadores, respondendo diversas vezes: “Sim, eu estou bem”. Caminhei, então, até a área das armas, decidida a treinar e a ocupar minha mente.

A maioria dos soldados asgardianos resolvia treinar ao ar livre, e eu podia ouvir os rugidos dos treinamentos de combate. A área das armas ficava em outro cômodo da tenda, mais afastado, e nenhum Vingador treinava ali. Fiquei grata por isso. Eu preferia ficar mais um tempo sozinha.

Caminhei até a prateleira e procurei pela lança negra. Meus olhos correram por cada artefato, passando pelos machados, martelos, espadas... Mas não encontravam a lança.

Por fim, senti um calafrio na espinha ao ouvir aquela voz gélida murmurando suavemente:

- Procurando isto aqui?

Era Loki. Ele devia saber muita coisa sobre teletransporte, porque ele sempre aparecia do nada, em lugares onde eu julgava estar só. Eu recuei, tentando não demonstrar susto, mas o sorriso divertido do deus me mostrava que eu tinha falhado.

Passado esse momento, eu avancei na direção dele, e tentei tomar a lança de suas mãos. Tentei compor uma expressão furiosa e intimidadora, mas Loki não estava caindo nessas minhas jogadas.

Ele poderia facilmente ter evitado que eu pegasse a lança, mas não o fez.

Eu tomei o objeto das mãos dele, com uma agressividade desnecessária.

- Isso é roubo, sabia? – Loki disse, enquanto caminhava em círculos, observando-me analiticamente.

Eu realizei alguns golpes com a lança, que provavelmente seriam mortais para qualquer um em meu caminho. Loki ergueu os olhos, com ligeira surpresa. Na verdade, eu estava decidida a intimidá-lo. Não achava justo ele ter despertado tantas sensações em mim, confundindo-me; e sair impune. Eu iria provocá-lo... Talvez, desafiá-lo e confundi-lo. Eu o pagaria na mesma moeda.

Então, depois de realizar alguns golpes sob a admiração contida do deus, eu me transformei em sombra rapidamente, aparecendo atrás dele.

- Não vi seu nome escrito aqui... – Comentei, sussurrando no lóbulo de seu ouvido.

Loki virou-se de imediato para me encarar. Ele odiava ser intimidado, e isso me dava vantagens. Ele endureceu a expressão e disse calmamente, apontando para a arma em minhas mãos:

- Veja você mesma...

Eu olhei o objeto com atenção, e percebi que em sua base havia uma inscrição em dourado, com letras curvilíneas e ornamentadas: “Mischief”. Então, eu olhei da inscrição – que significava travessura -, para Loki. Havia um vestígio de vitória em seus olhos imponentemente verdes.

Eu não sabia se a inscrição aparecera agora, por meio de algum feitiço; ou se sempre estivera lá e eu que não percebera. Resignada, estendi a lança para o deus, determinada a sair dali e fazer outra coisa. Quem sabe treinar com Lucca. No entanto, Loki deu uma gargalhada sonora e falou:

- Pode usar. Quem sabe, desse modo, você não tem uma mínima chance contra mim?

Eu olhei para ele, novamente curiosa. Ele queria que nós lutássemos? Francamente... Segurei a lança, dei de ombros e perguntei, a fim de aproveitar o momento que tínhamos a sós para saciar outras dúvidas:

- Essa lança é mesmo sua? – Perguntei, olhando para ele com descrença.

- Ganhei de Odin quando completei dezessete anos. Ela só funciona para quem domina Magia Antiga. Costumava funcionar apenas comigo... Até você aparecer. – Ele respondeu, ainda me fitando.

Eu o encarei, ansiando por mais. Loki tinha a expressão vaga, como se a lembrança de ter ganhado aquele presente fosse uma doce recordação para ele. Mas isso passou logo. A expressão dele voltou a ter a aura maligna e superior de sempre.

- Ela me pareceu uma excelente arma... Tenho gosto por coisas medievais. – Comentei, fazendo malabarismos com a lança.

- Eu fugi da prisão, e pretendia pegar essa arma. Foi quando eu encontrei você a usando... Deduzi que você devia entender de magia. E de poder.

Loki murmurou cada palavra pausadamente, como se desejasse que eu me lembrasse especialmente de cada uma delas. Ele deu ênfase em “magia” e “poder”, e eu fitava aqueles olhos verdes que me tragavam como ondas...

- Deixa eu adivinhar... Depois disso, eu tirei você da prisão, você me salvou, e agora nós estamos aqui? – Inferi, sorrindo por tantas coincidências na mesma frase.

Loki correspondeu ao sorriso, comentando misteriosamente:

- Sim. Somos bem parecidos... Você é mafiosa, eu sou trapaceiro... Almejamos poder, glória. Talvez os Vingadores não seja o seu lugar.

Eu franzi o cenho, prevendo onde o deus queria chegar. Falei, cruzando os braços da forma como podia, com a lança em minhas mãos:

- Não vai me manipular, Loki.

Ele ergueu os olhos e arqueou as sobrancelhas. Em seguida, conjurou outra espécie de lança, dessa vez dourada e verde.

Ele indicou que queria lutar comigo. Ótimo. Era, mais do que nunca, o momento em que eu não poderia falhar. Loki respondeu sarcasticamente:

- Eu já estou manipulando você. A questão é... Que proveito eu posso tirar disso?

E com essa deixa, eu avancei contra ele. Nossas lanças se chocaram, lançando fagulhas no ar. Provavelmente, algum Vingador ouviria os barulhos e veria a cena. Eu não me importava. Queria mesmo que me vissem humilhar aquele deus... Dessa forma, eu desviei de um golpe dele, mas ele rapidamente brandia a lança e planejava outro ataque. E Loki tinha a vantagem de ser um deus. Eu só tinha minha insignificante habilidade de sumir no ar... E teria de me conformar com isso.

Num dado momento equilibrado da luta, Loki me enganou. Era de se esperar que isso acontecesse... Ele fingiu que iria me golpear pela direita, mas trocou de lado no último minuto, e apontou a lança diretamente para o meu pescoço, enquanto eu cambaleava e quase caía no ar.

- Tão previsível... – Murmurei.

E executei minha vingança. Transformei-me rapidamente em sombra, aparecendo atrás de Loki, e perpassando a lança horizontalmente no pescoço dele, de modo que eu estava prestes a enforcá-lo, caso eu desejasse.

- Queria dizer o mesmo de você. – Disse Loki, com mínimas dificuldades de falar. Eu estava me divertindo naquela situação, ameaçando o deus de maneira tão cômica.

- E não pode dizer? – Indaguei.

- Você não é fácil de decifrar, Stella. Não sei o que pensar de você... – Comentou Loki. E então, senti um movimento atrás de mim.

Era... Loki? Foi então que eu entendi. Ele havia multiplicado suas aparências, e o Loki que eu ameaçava era só uma ilusão. O verdadeiro aparecia atrás de mim, apontando-me sua lança ameaçadoramente.

- Declaro empate. – Comuniquei, erguendo as mãos e me virando para encará-lo.

Loki abaixou a lança, e pude ver a ambição brilhando em seus olhos por ter participado desse jogo tão... Incomum.

- Como espólio de guerra, eu sugiro que responda minhas perguntas. Agora é minha vez... – Disse Loki, se aproximando de mim.

Eu sorri, encarando aqueles olhos verdes tão enigmáticos. Eu não sabia se Loki jogava comigo ou não. Provavelmente, jogava. Mas uma parte de mim parecia não querer acreditar nisso. Afinal, ele mesmo dissera que eu era indecifrável... Talvez ele ainda estivesse tentando me entender. Talvez, para ele, eu fosse realmente incompreensível. Eu precisava me lembrar de usar esse fato ao meu favor, mais tarde.

- Você é... Mercenária? – Ele indagou, franzindo a testa.

- E mafiosa... Sabe, máfia italiana... Contrabando de artefatos mágicos... Coisas assim. – Expliquei.

- E o que te trouxe até os Vingadores? Com o poder que possui, poderia muito bem trabalhar só. – Ele contrapôs, curioso.

- Existe uma coisa que também dá muito poder. Chama-se dinheiro. – Expliquei, dando um leve tapa nas costas dele.

Achei que Loki fosse me bater, e me arrependi no momento seguinte de ter feito isso. Ele apenas sorriu, parecendo interessado.

- É... Seus poderes são incríveis. E seu nome... Significa Estrela, luz, eu suponho? – Ele indagou, com uma mão no queixo. - Exatamente o oposto do que você é... Sombras.

Eu mordi o lábio. Não queria falar sobre meu nome. Na minha família, nomes são coisas preciosas, que dizem muito sobre nossa origem e nossa história. Eu não discutiria isso com Loki. E ele estava fazendo aquilo de novo... Analisando-me. Eu estava começando a ficar irritada com isso. O jeito observador e cuidadoso de Loki era a pior parte. Fazia com que eu me sentisse vulnerável. Fraca. E isso me incomodava.

- Não fale do meu nome de novo, trapaceiro. – Falei, piscando.

Loki novamente se aproximou de mim, e eu permaneci estática, como se estivesse sendo atraída por aquele verde sinistro de seus olhos.

- É... Acho que somos parecidos mesmo. Resta saber se isso será bom ou não para nós.

Eu ouvi, ao longe, a voz de Lucca me chamando. Senti minhas pupilas contraírem de tensão. Acho que não estava preparada para explicar sobre Loki aos outros, e por isso não queria que me vissem com ele.

- Então é tudo um jogo de interesse? – Perguntei, rindo. Juro que pretendia fazer uma pergunta inocente, mas Loki olhou-me tão intensamente, que só me fez ter certeza de que havia, sim, interesse. E algo além, que eu ainda precisava identificar. Então, recuei.

- Acho que a única coisa que nos diferencia é o propósito. O ponto de vista... Aliás, eu queria saber. Qual é seu propósito?

E Loki andou, novamente me alcançando. Pela segunda vez, nossos rostos estavam separados por poucos centímetros. Eu estava absorta naquela mansidão verde, que cintilava, querendo ao mesmo tempo dizer tudo, e nada. Seus olhos incomuns me tragando... E, novamente, a presença do deus me inebriava...

Foi quando ouvi a voz de Lucca, o qual se aproximava do local:

- Stella, eu estava... – Ele se interrompeu.

Eu recuei. Lucca olhava gravemente, de mim para Loki, e vice-versa. Ele cruzou os braços e alteou sua postura. Disse, em tom protetor e perigoso:

- Algum problema, Stella?

- Nenhum. Eu já estou indo, irmão...

Eu me virei e acompanhei Lucca, com a lança ainda em mãos. Achei que seria bom Loki ficar longe de muitas armas, principalmente naquele momento tenso.

- Stela... Não se esqueça. – Loki me advertiu, olhando-me ao mesmo tempo com diversão e aviso.

Era óbvio que ele se referia ao fato de nossa nova dívida. E ele ainda tinha perguntas a me fazer... O deus da trapaça queria conhecer mais sobre a garota das sombras.