Depois desse atrevimento de Loki, eu virei para trás, de modo a encarar o deus.

Ele enganara-me. Eu estivera ameaçando uma cópia dele, de modo que o seu clone desaparecera diante de mim. E assim, o verdadeiro Loki aparecia e me surpreendia, dizendo-me aquelas frases perturbadoras e confusas.

Eu fiquei um tempo encarando-o. Cruzei os braços, concentrando-me em usar meus olhos negros para fulminá-lo... Loki exibia seu sorriso enviesado e arqueava as sobrancelhas. Seu semblante estava parcialmente coberto pelas sombras, já que havia pouca luz ali. Além disso, sua expressão era uma mistura de sentimentos que me deixava confusa. Ligeira raiva, receio, cobiça e um vestígio de satisfação. Eu me perguntava o que todos esses sentimentos juntos deveriam significar. Eu não sabia como definir a expressão do deus. Ele era uma incógnita para mim.

– Foi um truque digno... – Comentei, ligeiramente contrariada. Eu mordi o lábio e desviei os olhos diversas vezes. Ora, a maneira insistente e desafiadora com a qual Loki me olhava me deixava incomodada.

O deus, encarando-me, soltou uma leve risada, comentando:

– Que olhos ávidos, Stella.

Esse comentário fez com que eu recuasse um pouco, e consequentemente revirasse os olhos outra vez. Loki sorriu ao me ver fazendo isso. Eu já estava ficando irritada com aquela observação toda... Até mesmo no movimento dos meus olhos o deus reparava? Até mesmo no modo como eles se moviam o deus tentava procurar significado? Essa obsessão dele em tentar me intimidar estava me irritando.

Eu peguei minha lança e a guardei desajeitadamente na prateleira, sentindo o par de olhos verdes ainda me fitando, como se me queimassem. Eu andei apressadamente até Loki, lutando contra minha fúria interior, dizendo impetuosamente para ele, antes de eu sair:

– Que olhos sombrios, Loki...

•••

Depois disso, resolvi que era hora de dar um tempo. Fui embora, e para minha surpresa, descobri que eram quase duas horas da manhã. Na medida do possível, tentei controlar meus pensamentos. Eles não variavam muito. Sempre as mesmas perguntas, as mesmas dúvidas, as mesmas respostas impossíveis de se imaginar. E a certeza intrigante de que Loki estava pouco a pouco me decifrando e chegando a alguma conclusão sobre meu papel em sua vida.

De alguma forma irracional, percebi que não queria que Loki se afastasse de mim. Fiquei alguns segundos tentando desvendar o motivo disso. As idéias eram muito vagas e indistintas, de modo que resolvi adormecer tais pensamentos. E assim, uma longa semana se passou.

Meus dias voltavam gradualmente à sua rotina usual. Eu passava boa parte do tempo treinando com Lucca e com os Vingadores. Em seguida, estudávamos alguns planos de ataque e defesa que poderiam ser necessários. Thor andava muito preocupado, porque não havia notícia alguma dos Jotuns. Isso significava que, caso os Gigantes estivessem planejando algo, seria de grande magnitude. Deveríamos estar preparados.

Assim, diversas vezes conversamos com Heimdall a respeito de alguma visão que ele poderia ter. Mas tudo andava perigosamente calmo. E a preocupação de Thor tornava-se a nossa preocupação. Além disso, todas as noites, meus treinos com Loki continuaram.

Com uma pontada de angústia, notei que era essa a parte do meu dia que eu mais esperava. Ora, eu estava tendo a chance de decifrar o deus da trapaça. Nesses últimos treinos, nós alternávamos entre conversar e praticar nossa magia de fato. Nossos diálogos nunca eram comuns. Eram compostos por indiretas, ironias, meias-palavras e falácias. Eu até que gostava disso. Principalmente quando era eu que usava tais recursos para tentar ludibriar o deus. No entanto, eu sentia que estava progredindo pouco em minhas missões pessoais.

Eu não obtivera nenhuma resposta satisfatória de Loki sobre o que acontecera na caverna. Aliás, não obtivera resposta sobre nenhuma de minhas dúvidas. O que o deus queria comigo, porque o interesse tão singular dele por mim, porque ele agia daquela forma... Eram apenas perguntas vazias. Além disso, eu não descobrira nada sobre os possíveis futuros planos do deus. Eu precisava me focar nisso. Os cifrões que surgiam em meus pensamentos deviam ser meu maior motivo para insistir tanto nisso, embora eu mesma começasse a desconfiar de minhas intenções.

Desse modo, depois daquela semana conturbada e confusa, eu caminhava para meu sétimo treino com Loki. O deus preferia chamar de reunião. Eu achava o termo intimista demais, e eu teimava em não chamar dessa forma. Durante meu trajeto, esbarrei com dois ou três soldados. Eles patrulhavam o perímetro, uma vez que o acampamento fora remontado. No entanto, a maioria dos soldados permanecia ao redor do Palácio, concentrados na frente da edificação. Isso não interferia nos meus encontros com Loki, e ninguém nos via. Naquela noite, eu estava resolvida a intimidar verdadeiramente o deus, tocando em um assunto um tanto quanto delicado. Era um plano arriscado, mas eu tentaria.

Assim, quando o treino começara, nós lutávamos veementemente, tentando desferir magia por meio de nossas respectivas armas. Minha lança negra e seu cetro dourado. Ultimamente, nesses treinos, vinha ficando difícil definir vencedores. As lutas eram equilibradas, seguidas de revanches e reviravoltas, de modo que até mesmo eu me confundia. Mas, indubitavelmente, eu e Loki progredíamos, aprendendo lentamente alguma coisa diferente do poder do outro.

– Está baixando a guarda, deus da trapaça? – Brinquei, desviando-me de um golpe particularmente difícil.

– Jamais, Stella. – Ele comentou, fazendo um giro que o fez chegar até meu lado esquerdo.

– Eu não me esqueci do que você me falou... – Comentei enquanto desviávamos simultaneamente dos golpes um do outro. Loki sorria displicentemente. – Mas há um pequeno problema.

Loki segurou minha mão direita, impedindo-me de golpeá-lo com minha lança.

– Conte-me... – Ele murmurou.

Então, eu empurrei o deus, esforçando-me ao máximo. Com agilidade, rapidamente virei minha lança e usei-a de modo a travar o cetro do deus e derrubar sua arma. Loki tentou avidamente impedir esse ataque, mas fora obrigado a erguer as mãos num gesto de rendição. Pela primeira vez, parecia que eu tinha vencido por mais de três segundos. Novamente, o deus tinha aquele sorriso enviesado, como se tudo estivesse ocorrendo perfeitamente do jeito que ele queria. Seus olhos verdes brilhavam de superioridade, conforme ele ia recuando levemente. Eu proferi, piscando indolentemente para o deus:

– Você diz que o segredo é atrair as sombras até você. Mas isso nada significa. Se você não souber como lidar com elas...

Loki riu e abaixou os olhos, fazendo outro gesto de rendição com as mãos. Ele perguntou, franzindo a testa:

– Tenho o direito de dizer que foi trapaça da sua parte?

Eu ri de descrença, abaixando a lança.

– Não, não tem.

No entanto, rapidamente, Loki correu até mim e, usando uma magia que eu desconhecia, tirou a lança da minha mão. Com agilidade e destreza, o deus passou um braço ao redor do meu pescoço, prendendo-me a ele. Eu tentava me livrar de todas as formas possíveis, mas o golpe realmente me desestabilizara. Agora, Loki estava atrás de mim e eu em sua frente, com o braço do deus em torno do meu pescoço. Estava completamente presa e impedida de revidar. Novamente tentando me desvencilhar desse ataque, levei minhas mãos até o braço dele, que me prendia, tentando retirá-lo. O deus riu levemente, e murmurou ameaçadoramente para mim, enquanto eu me debatia:

– Outro segredo... Só porque você não acha que houve trapaça, não significa que o outro pensa assim. Há trapaça em cada gesto, em cada olhar, em tudo.

E, olhando-me com curiosidade e euforia, retirou seu braço do meu pescoço. Com raiva, eu em afastei alguns metros dele, recuando e fitando-o com raiva. Mais uma vez, uma batalha confusa sem vencedores ou perdedores.

– Você não admite perder... – Comentei, ácida. - Acho isso estranho, porque Thor não age dessa maneira.

Eu agora atacava Loki - não fisicamente, mas mentalmente – escavando seu ponto mais fraco e obscuro. O irmão e a família. Os olhos do deus brilharam perigosamente na minha direção. Havia uma fúria letal, vestígios de vingança e de puro ódio. O semblante do deus tomava uma configuração sombria e soturna, à medida que ele sorria de uma maneira sinistra.

– Thor? – Ele indagou, e destilou o nome do irmão como quem destila veneno.

Meu plano começara. Satisfeita, porém um pouco ressentida, eu afirmei:

– Sim... Seu irmão.