Lives

Capítulo 16


Capítulo 16

Sarah ouviu a porta ranger, passos caminharem pelo corredor e se silenciarem. Três da manhã e Susie havia chegado. Estava impossível de se dormir, seus pensamentos não permitiam, e tinha medo do que eles poderiam significar. Pôs os pés para fora da cama e sentou-se.

A madrugada era fria e nada acolhedora.

Ergueu-se e se olhou no espelho. Estava escuro, mas a luz do luar invadia-lhe o quarto num fio tênue, e podia-se ver o contorno de seu rosto pálido. Arriou-se nos lençóis com o prenúncio de lágrimas, confusa. O que estava acontecendo?
Abriu uma pequena gaveta, pegou uma imagem e caminhou até ao fio de luz. Desenhou-a com a ponta do indicador.

- Devo estar te esquecendo, Matthew. – Murmurou. – Talvez a culpa seja nossa... ou então apenas minha. Não sei se posso te esperar mais.

Retornou para a cama.

Encontrava Sam no hospital, as mãos tremiam, o coração descompassava. Derretia-se com o seu toque por mais singelo que ele fosse.

Sonhava constantemente com Michael. Era incompreensível. Dias atrás sonhara que faziam amor numa sala espelhada, algo fora do normal. Acordou assustada, terminando por gostar da sensação.

Olhava para o astro e ficava receosa que ele descobrisse algo. Os pensamentos insanos. Às vezes tinha a impressão que ele os lia por terem tantas coisas em comum. Não conseguia disfarçar certos olhares, ele a atraia, era inevitável, mesmo sendo uma celebridade com vinte e tantos anos a sua frente.

Pensou em se demitir, mas sempre que tentava era inútil, fracassava. Olhava-o e sentia-se perversa por deixar aquele olhar que enfim se encontrara perder-se novamente, medo de esquecer aquele sorriso... Medo do que a sua deixa poderia custar a ele. Contava com Sarah.

Houve uma visita em que por pouco não o beijou, ou por pouco não se beijaram. Dowall havia os deixado a sós no escritório e por algum motivo eles se aproximaram. Mas a sanidade voltou no exato momento rompendo a mágica de um beijo. Foi uma situação embaraçosa, fato, e evitaram olhares pelo resto da semana.

Sarah se remexeu e deu um soco no colchão, concluindo:

Droga! Estou apaixonada!, encheu os pulmões. Mas por quem?

Michael se via mais uma vez vagando pelos corredores da mansão em altas horas. O sono parecia temê-lo. E por promessa íntima não tocou em nenhum medicamento. Encontrava-se angustiado e amedrontado demais para dormir. Ouvia e via, sentia o perfume do perigo cada vez mais próximo. Sua cabeça fervia.

Fizera o rotineiro passeio: biblioteca, sala de estar, TV, jardim e agora só lhe restava o dormitório dos filhos. O primeiro foi o seu pequenino: Blanket. Achegou-se lhe dando um beijo na bochecha macia e lhe ajeitou a coberta. Depois veio a sua princesa: Paris. Receou até tocá-la de tão linda que estava encolhida debaixo das cobertas. Prince foi o último. Meu garotão! Passou as mãos em seus cabelos lisos e desejou-lhe “bons sonhos”. Saiu sem provocar um ruído. Meus anjos.

Rumou para a sua tortura. Deitou-se enchendo fundo os pulmões e se cobriu até o pescoço. Os olhos abertos esperavam pelo convidado que não chegava. O coração estava apertado e uma amargura subiu até a boca e vendo-se obrigado a se pôr de pé novamente. Deslizou as mãos pelo corpo ajeitando o pijama quando se deu conta que há muito não sentia uma mulher.

Tinha dois affairs, uma na própria Los Angeles e outra noutra cidade. Dispensou-as devido aos extensos ensaios que teve que se dedicar. Mas principalmente porque davam mais valor ao seu nome e dinheiro do que a ele próprio, o que muitas vezes lhe era um verdadeiro carma.

Olhou para a cama e se viu em 1994 com a sua primeira mulher em sua “primeira vez”, arfando incansavelmente junto a seu corpo que lhe implorava mais e mais por amor.

Correu para o closed pegando a antiga foto do fundo da gaveta de meias e ali se sentou no carpete dobrando os joelhos. Contemplou-a sem perceber o tempo passar. Questionou-se o porquê que realmente teve um fim. Amava-a tanto, talvez a ame ainda. Culpava-se pelo término, mas no íntimo sabia que a culpa era de ambos.

Fomos infantis.


Por que ela não lhe dera os filhos que tanto queria?

Seriam frutos de puro amor...

Chegou a pensar que fosse mentira o problema que ela dizia ter no sangue que causava seus abortos. "Meu sangue é muito espesso e coagula, causando diversos abortos”, relembrou as palavras. Seria capaz de loucuras para que pudesse engravidar. Mas ela não quis.

Amava-a tanto... Tanto...

Os portões da mansão se abriram e Sarah foi recebida por George que a levou até Dowall.

- O Sr. Jackson está? – Tentou ao máximo conter o entusiasmo.

- Não desceu para o café e esperamos que venha para o almoço.

Dowall a fitou, analisando-a, e não conteve o sorriso ao constatar o relógio no canto da parede.

- Está de folga. Acertei?

Sarah sacudiu a cabeça.

- Acredite, milagres acontecem.

Sra. McDowall a levou para a suíte de Jackson. O ambiente estava vazio. E ambas as respirações e olhares mútuos temeram o pior. Dowall rumou para o banheiro ao tempo em que Peterson se prontificava em direção ao closed. As mãos médicas já estavam preparadas para qualquer emergência. De novo não, por favor.

Abriu, e o que ouviu foi apenas um respirar indolente de um homem de cinqüenta anos. Não corria perigo, e Sarah lançou-lhe um olhar de ternura. Apenas dorme...

Parecia uma criança encolhida no carpete creme em sono pesado. Agachou-se próximo a ele com uma imensa vontade de acariciar seus cabelos. Deve ser tão macio..., e logo percorreu com os olhos os lábios úmidos e apertados, Devem ser tão... saborosos..., e precisou levantar-se e afastar-se. Oh, Deus, onde estou com a cabeça? Lembrou-se de Matthew, Grávida... Denise... De Gêmeos!, inspirou, Ele estava tão feliz!, não sabia o que pensar quanto a isso. Desvencilhou-se da recordação.

Voltou-se para Michael sem perceber a passagem rápida de Dowall pela porta, que preferiu deixá-los a sós. Sarah tomou o porta-retrato apertado pelos dedos de Jackson, e fitou a imagem um tanto intrigada. Foi despertada de seus devaneios pelo espreguiçar de Michael que se sobressaltou com a figura postada a sua frente.

- Sarah? – Não conteve a surpresa. – Digo... Doutora...?

Sarah sorriu enternecida pondo o retrato no carpete.

- Está tudo bem, Sr. Jackson?

Michael correu os olhos pelo closed procurando de alguma forma compreender a situação até se encontrar novamente em Sarah.

- Acredito que sim... – Ele hesitou. – Mas...

- Pensei que minha vinda mais cedo iria ser melhor... – Preferiu calar-se ficando certa que tomara a pior decisão.

Houve um súbito silencio, perturbador, e puderam ouvir apenas o farfalhar das roupas de Sarah ao se levantar.

- Sairei para que possa se aprontar.

Jackson avistou sua cama, olhou para o retrato, lembrou da péssima noite, do desejo e fitou a bela escultura se movimentar até a porta.

- Espere!

Teve uma irreconhecível vontade de arrancar-lhe as vestes e levá-la para a cama. Mas o que estou pensando?, ele não se reconheceu. Sentiu vergonha de si mesmo tomando um leve rubor na cara.

- Algum problema? – Perguntou Sarah, cautelosa.

- Não, não... – Hesitou. – Eu já desço.

Sarah desapareceu porta afora e Michael enfiou o retrato de volta a gaveta de meias. Preciso de um banho...

Naquela tarde enquanto conversavam na biblioteca, Sarah fazia anotações sobre o progresso do tratamento, acompanhada do incrível chá da Dowall. Ele está indo bem!

Michael se inclinou para frente apoiando os cotovelos sobre os joelhos e deixando pender as mãos no vão entre as pernas.

- Por que não me fala um pouco sobre você?

A pergunta secou-lhe a boca, e Peterson repetiu as palavras na mente não encontrando o que responder. Vou falar o quê, pelo amor de Deus? Minha vida é tão melancólica que só de falar é capaz de alguém entrar em depressão!, mediu as conseqüências, exagerada. Pensou em falar: Tenho vinte e cinco anos, e acho que estou apaixonada por você..., mas terminou por dizer:

- Acredite, não gostaria de saber nada sobre mim.

Jackson sacudiu a cabeça reprovando.

- Está enganada.

Sarah continuou mediante a reação dele:

- Acredite, não há o que falar. Eu não fiz e não faço nada de especial como... como o senhor!

- Ajudar pessoas e salvar vidas já não é o bastante?

Ela emudeceu.

- Gostaria de conhecê-la um pouco. Posso?

Sarah meneou um pouco, indecisa.

- Claro que não irei obrigá-la. Mas estou sempre aqui comentando sobre mim... e nunca a ouço falar sobre si. Fico em desvantagem, não acha? – Brincou e sorriu. – Aliás, não preciso falar nada sobre minha pessoa e minha vida, pois todos a conhecem... ou pensam que a conhecem. - Escolheu melhor as palavras. - Ela está estampada em todos os lugares. Pode “conhecê-la” até no Wikipédia se quiser! – Ele riu desconcertado. Mas achava aquilo um absurdo. – Não há nada de especial. – Enfatizou repetindo as palavras de Sarah. – Sorriu, simpático.

Sarah se acomodou na poltrona, a caneta escorregou pelo suor de sua mão. Ele queria conhecê-la... Ele quer saber sobre mim!, ela sentiu-se desconfortável.
- Mas eu não conheço sua vida, Sr. Jackson.

Ele se sobressaltou, ninguém nunca lhe dissera aquilo. No fundo sentiu-se feliz, pois seria primeira vez que falaria de sua jornada, seria enfim a sua versão, sem edições falsas de mídia.

- Está sendo sincera? – Perguntou desconfiado.

Ela franziu o cenho.

- E por que não seria? Não tenho a obrigação de saber a vida de todos que saem em capas de revista!

Ela estava certa. Michael apoiou as mãos na poltrona e se ergueu num impulso.

- Ótimo! – Sorriu satisfeito. – Gostaria mesmo de saber?

- Seria interessante.

- Com uma condição...

Sarah ergueu a sobrancelha. Michael continuou:
- Conte-me sobre Sarah Peterson.

O acordo estava feito.

- Sempre gostei de cantar, de dançar... Mas digo que tudo começou naquela manhã de verão em Gary, Indiana... Eu tinha poucos anos...

Era uma manhã quente, e todos se levantaram cedo, o pequeno Michael podia ouvir do quarto a música e ritmo dos pés violentos no assoalho da sala, o pai berrando: - Faça melhor! É assim que se faz! Está errando a nota! Está errado! – Michael tremia com o tom brusco, ficava apavorado. A mãe, Katherine, como de costume estava na cozinha preparando o café, não era nada de especial: leite, pão amanhecido, às vezes café... O cheiro do café me dá tonturas, não gostava. Desceu, pegou o copo de leite e metade de um pão e se recostou no batente olhando os irmãos ensaiar insistentes, o que para o pai, ainda seria um grande grupo de música.
Ele não estava errado, contudo...
Era desgastante assistir tudo aquilo, ensaiavam de manhã antes da aula, quando chegavam e até a noite, nem brincavam... Às vezes viam as crianças da vizinhança correrem e sorrirem pela calçada, se divertindo... Não tinham tal privilégio.
- Cante! Cante direito! Vamos moleque!

E a voz despertara o pequeno Michael de seus devaneios. Colocou o copo na pia, beijou a mãe e subiu ao quarto para arrumar a cama. Não queria escutar o pai intimidando-o. É assustador! O ritmo da música ressoava incansavelmente na cabeça, e era impossível de não se cantarolar. Cantarolava enquanto se ajeitava no espelho do armário e quando pegou os lençóis da cama e alisou-o com as mãos. O ritmo era tão excitante que não pôde resistir. De frente para a cama fez alguns passos dos irmãos com uma facilidade absurda, e cantou divinamente. Estalou os dedos e brincou com os pés num compasso frenético. Chegou a pensar em como os irmãos podiam errar tais passos. São tão fáceis!

Deixou a cama sem um franzido e ao virar-se...

- Santo Deus! Michael!

A mãe o enlaçou com tanta força que ele quase não respirou. Não compreendeu o porquê daquilo. Katherine pegou o menino e o colocou de frente a Joseph, o pai, e disse:

- Michael. Joe tem que ser Michael!

Joe coçou uma das têmporas e fez um ricto de desprezo.

- O que está dizendo?

Kathe tornou a explicar:

- Michael, você precisa ouvi-lo, Joe! – Voltou-se a criança que estava confusa. – Cante, Michael, cante!

Michael não cantou. Joe o apertou pelo braço e aproximou a cara arrogante da criança.

- Cante garoto! – Mandou. – Não respeita sua mãe?

Cantou pela mãe. A voz ecoou toda a sala, os irmãos encerraram os movimentos dos pés, o microfone improvisado de cabo de vassoura fez um ritmo ao cair no chão. Silêncio. A voz do garoto era mágica. O pai precisou sentar-se. A mãe enchia o peito de orgulho. É meu filho!

Silenciou. Agora só se podia ouvir a respiração e o farfalhar das roupas parecendo encontrar um conforto no corpo. Joe ergueu o corpo pesado da poltrona, agarrou-o pela camisa e empurrou um de seus filhos. Anunciou:

- Michael está no grupo, é o vocalista.

Um dos irmãos protestou:

- Por quê? Por que tem que ser ele? Devia ser eu!

Não houve resposta, todos ainda estavam abobalhados pela mágica do garoto.

E assim se iniciou da vida do astro.

Contou sua trajetória até os dias atuais, e Sarah parecia estar em frente a um contador de histórias. Via-se em cada cena de sua vida, observando distante, e tendo momentos em que se sentiu tentada a lhe dar um abraço acolhedor. Quando terminou foi como se o livro estivesse encerrado, ficando ainda paralisada tentando absorver tudo o que ouvira. Michael precisou chamá-la:

- Sarah? Está tudo bem...? Acho que falei demais... – Ele soltou uma risadinha jocosa.

Sarah piscou voltando à realidade.

- Impressionante... – Foi apenas o que encontrou para resumir a vida do astro. – Lamento, mas, acho que não sobreviveria um dia em seu lugar. Agora sim entendo, quando o chamam de Rei não é apenas pela música... e eles têm toda a razão. É um grande homem, Sr. Jackson, um grande homem... Não sabe o orgulho que sinto por estar aqui a sua frente. – Ela foi muito sincera.

Ele corou, e antes que abrisse a boca, ela o interrompeu:

- Posso ouvir algum sing da sua época de Jackson 5?

Perguntou como alguém sedento pelo novo.

- Claro.

Então o ritmo de The Love You Save contaminou a farta biblioteca. Michael pegou-a pela mão e iniciou um compasso com mãos e pés ao embalo da música. Sarah se recusou a acompanhá-lo.
- Ora, vamos! Se me deixar só ficarei sem graça!

Ele já estava assim.

- Mas eu não tenho jeito algum para dança. – Sarah se explicou.

Jackson deu um rodopio e segurou-lhe a mão puxando-a para seu corpo. Ela sentiu um completo arrepio irradiar-se por sua extensão.

- Não é difícil, eu te ensino! Somos apenas nós aqui, não há o que ter vergonha.

Ele tinha razão. Entretanto...

Ficaria mais confortável dançando nua em praça pública que passar vergonha em frente a ele.

Exagerada...

Michael lhe ensinou a seguir o compasso:

- Sinta a música...

Estalou os dedos dando dois passos:

- Deixe ela te contaminar...

Deu um rodopio e bateu duas palmas:

- A música é quem manda.

Sarah tentou. Acertou, errou, acertou, errou mais duas vezes e riu de si mesma. O astro sorriu mediante a descontração da médica, e pedindo licença segurou-lhe a cintura pelas costas onde ela sentiu o calor emanar de seu corpo, quase estremeceu. Mas que droga!

E ele pediu:

- Sinta o meu ritmo... sinta a música...

E dançaram. Realmente era evidente o seu desajeito para isso. Nada o que uns treinos não façam a diferença, concluíra ele.