Lives

Capítulo 17


Capítulo 17

- Não, não e não! – Berrou Ben Peterson ao golpear a mesa e se erguer num impulso violento. – Já disse que trarei Susie para cá!

Meg olhou-o de soslaio, e aparvalhada pela reação de seu marido, deixou a taça de vinho tinto se espatifar no carpete indiano. Soltou um grunhido pavoroso. Ben Peterson alisou o bigode grisalho e continuou:

- Susie virá para Nova Iorque...

Meg abriu a boca para falar, mas foi interrompida por Ben:

- Se possível trarei Sarah para cá também... Quero ver minhas sobrinhas longe daquela assassina salafrária e imunda!

Meg Peterson virou-se assombrada após chamar a empregada.

- Não acuse sem provas! Aliás, Sarah já está muito bem em Los Angeles... não é mais uma criança!

Ele pigarreou, continuando:

- É do meu sangue, portanto cuidarei dela.

Deixou-se descansar na cadeira estofada, levou as mãos ao rosto, lamentando:

- Fiz, e ainda farei tudo em memória de meu irmão.

Na tarde de Setembro de 1996, a garoa fina purificava o ar da cidade. Joseph Peterson contemplava San Francisco de seu consultório prestigiado. Sentou-se na cadeira voltando o olhar ao porta-retrato de seu pai, um conceituado cardiologista.

Herança de família..., riu indignado, Não posso ser como você pai. Eu tento. Juro que tento. Mas não é o que sonhei pra mim... o senhor sabia disso; e não permitirei que isso continue! Minhas filhas seguirão o próprio caminho.

Ele limpou a lágrima que se formava no canto esquerdo do olho.
Desculpe, pai.

Juntou as fichas de pacientes nas mãos e olhou o primeiro nome. Logo a Sra. Horen adentrou a sala. Ele se levantou cumprimentando a senhora da casa dos sessenta anos.

- Como se sente com a aproximação do dia da cirurgia?

Ela sorriu, graciosa.

- Não posso negar que sinto medo. Mas confio em suas mãos, doutor. É o melhor cardiologista do país!

Ele retribuiu o sorriso para esconder a dor que sentia em seu peito. Arrependia-se profundamente em ser o cardiologista mais procurado dos Estados Unidos.

À noite quando voltou para casa, foi recebido pela pequena Sarah, sorridente, e pela Sra. Shelton com Susie nos braços. A empregada da família ajudou Joseph a se desfazer do casaco e da maleta marrom. Sarah pulou nos braços do pai, entregando-lhe um desenho.

Joseph sorriu dando um leve giro com a filha no colo, e perguntou:

- Quem são essas pessoas nesse desenho lindo?

- Eu, você, mamãe, Susie e Smuby!

Sarah sabia que se não chamasse Sra. Shelton de “mamãe” em frente a seu pai, mais tarde sofreria as consequências da própria.

Joseph beijou Sra. Shelton e sorriu para Susie, amava-a como uma filha, porém ainda tinha dúvidas se realmente era seu pai.
Sra. Shelton anunciou:

- Pedi para fazerem o seu prato favorito para o jantar, Joseph.

Ele a olhou, amuado.

- Não estou com fome, subirei para o quarto. Hoje o dia foi pesado.

Beijou as filhas e subiu as escadas. Sra. Shelton largou Susie no braço da criada e correu para a sala afastada onde havia um vasto espelho. Fitou-se.

- Ah, Joseph... Ah, Joseph... Joseph...

Na manhã seguinte, Joseph levantou-se tossindo. Recusou o desjejum e foi para seu escritório. Trancou a porta. Abriu um pequeno compartimento na estante, revelando um espaço de tintas e telas. Retirou pincéis, um cavalete portátil e uma tela inacabada.

Olhou para a manhã azul. É a melhor parte do dia! Organizou tudo e mergulhou a ponta do pincel na mistura amarela, dando pinceladas simples e rápidas naquilo que logo se transformaria numa árvore florida. Sorriu. A tosse ainda era incomoda, mas tratou de não se importar. Alguém bateu na porta. Ele se alertou e tentou esconder tudo o que usava. Perguntou:

- Quem é?

A voz infantil soou:

- Sou eu papai, Sarah.

Ele se aliviou. Deixou-a entrar. Sarah se aproximou sorridente com a bandeja de frutas, leite e biscoitos.

- Trouxe seu café da manhã!

Joseph alisou os cabelos cacheados da filha.

- Obrigado.

- O que está pintando, papai?

- Um lugar bonito.

Sarah passou a manhã inteira admirando seu pai trabalhar no que mais amava. Achava lindo o seu brilho no olhar em ver as matizes mesclarem-se formando uma flor.

- Papai, porque não mostra seus quadros? São tão lindos...

Ele encheu os pulmões e respondeu:

- Não seria bom para a nossa família, querida. E por favor, sabe que você é a única que sabe disso, deve ser segredo nosso.

- Claro, papai.

Ele lhe entregou um pincel.

- Quer me ajudar? – Sorriu.

À tarde, Joseph resolveu deitar-se. Chamou Sarah que adentrou aturdida.

- Já vai dormir?

- Oh, estou um pouco cansado filha. Mas tenho um presente pra você.

Os olhos dela brilharam.

- Abra o armário e pegue a caixa rosa, traga para mim.

Assim ela o fez.

- O que há aqui?

- Abra.

Ela arregalou os olhos.

- É coisa mais linda que já vi na minha vida, papai!

Joseph engoliu a saliva antes de falar.

- Querida, sente-se aqui do meu lado.

Sarah sentou.

- Quero que guarde isso sempre com você. O nosso eterno segredo.

Ela abraçou-o ainda com a pintura retratando ela e o pai em seu momento “artístico” no escritório.

Joseph disse:

- Isso é pra você lembrar que sempre deve fazer aquilo que lhe faça feliz. Seja aquilo que lhe fizer bem. Entendeu querida?

Sarah sacudiu a cabeça positivamente. E o pai revelou debaixo do travesseiro o livro de capa azul e brilhante.

- Isso é para você lembrar que os sonhos nunca morrem, e nem a pureza que há dentro de você.

Sarah recebeu entre as mãos o livro que seu pai lhe lia todas as noites antes de dormir, o seu inesquecível: Peter Pan.

- Eu a amo muito, minha pequena Sarah.

Depois, o pai pediu por um pouco de água. Sarah encheu o copo e retornou ao quarto; deixou-o sobre o criado-mudo e chamou o pai, ele não respondia. Olhou para o pote de comprimidos abertos e entrou em pânico. Seu pai ensinou-lhe a medir os batimentos, tocou-lhe o pulso, desajeitada. Mas foi suficiente para gritar por socorro e chorar desesperadamente. Aquela foi sua última tarde junto a Joseph Peterson.

Sarah fechou o livro repousando a cabeça no travesseiro relembrando a tarde inusitada com Michael. Estava ansiosa para a próxima visita. Dormiu.

Dia seguinte, saíra cedo do hospital. Tomou um banho, ligou a TV e mergulhou no sofá com o controle na mão. Fazia tempo que não sabia o que era um filme de sessão da tarde.

A campanhia tocou, e se arrastou inconformada até a porta. Girou a maçaneta e deu alguns passos atrás. O coração descontrolou-se. Engoliu seco. Ficou sem ar.

- Você?