Lives

Capítulo 14


Capítulo 14

- Entre!

- Doutora, sente-se bem? – Perguntou o enfermeiro. – Está tão branca... Se alimentou?

Ele parecia bastante preocupado.

- Sim, sim. Só me surpreendi agora... Nada demais. Não convém falarmos disso. – Mirou-o. – Então?

- Macabra SDS. Dores... o de sempre. E só quer ser atendida por você.

- Não sei mais o que fazer com ela... – Falou Sarah, desgostosa. – Obrigada, Brad.

Brad se retirava quando ela perguntou:

- Sam já chegou?

- Sim. Mas está em cirurgia junto ao Dr. Rodner.

Pelo menos não teremos morte hoje.

Era uma tarde ainda quente e abafada. Por menos que acreditasse, fora dispensada no exato momento em que o relógio apontara 16:25m. Não havia pacientes gemendo, resmungando, na emergência, não haviam consultas e nem exames. Era inacreditavelmente inacreditável! Devia ser seu dia de sorte, claro, em partes.

Dessa vez não se descuidou, pegou seus pertences e se enfiou no carro rumo à sua casa. Lembrou-se que queria conversar com Sam, mas ele deveria estar esgotado após a longa cirurgia. Deu a partida e olhou para trás. Sorriu.

A tarde inteira para mim! Não se aguentava de emoção.

Apertou o freio, parou bruscamente. Voltou a realidade. Alguém a xingou logo atrás. Nem ouviu.

Perdi minha tarde... Tenho o Sr. Jackson ainda hoje.
Bateu no volante, desapontada. Nunca lhe restava tempo. Gostava de Jackson, talvez até demais, mas hoje queria apenas estar só.

O relógio mostrava que ainda lhe tinha uma hora. O que faria? Simples! Estacionou em frente a sua sorveteria preferida. Onde um dia se encontrara com Matthew enquanto ele estava em viagem de trabalho. Era um dia como este, calorento.

Foi maravilhoso, pensava.

Ele ainda não tinha a Denise, e nos beijávamos um com sede do outro.

- Qual sabor?

- Flocos.

Era o seu favorito. Sentou-se próximo a entrada. Engoliu com gosto a primeira colherada. O sabor lhe trouxe a infância.

- Então querida, qual vai querer?

- Flocos, papai!

Pegou o sorvete e se pôs novamente no balanço movendo os pesinhos na grama. O pai olhava distante a sua pequenina.
Distraiu-se e o sorvete derramou em seu vestido rosa. O pai de aproximou, e com todo o carinho limpou-o.

- Tome cuidado, querida.

Ele era sempre dócil.

- Terei, papai.

Teve a imensa vontade de abraçá-lo.

- Eu te amo.

Ficou em suas lembranças. Afundou a colher na pequena taça. Vazia. Riu de si mesma. Poderiam achá-la louca, mas não dava a mínima.

Olhou para fora imaginando um futuro. Cada rosto uma vida, uma história...

Nunca reparou que logo a frente havia um orfanato. A garota agarrada ao portão olhava triste a sua esperança ir embora. O jovem casal entrou no automóvel e sumiu rua à frente.

Os olhos molhados e lábios apertados da menina negra exibiam alguma ferida interna. Algo de coração. Comovente.

Por algum motivo Sarah reviveu a partida de seu pai. Ainda descobrirei o que realmente aconteceu, era seu objetivo. Pareceu sentir o que se passava com a garotinha.

Era cardiologista, entendia de doenças e tudo relacionado ao órgão comparado ao amor. Porém, de sentimentos sempre haveria mais a aprender. Pediu mais uma taça.

O sorveteiro protestou. Resmungou que era proibido sair com as louças da simples sorveteria. Ela seguiu em frente, atravessou a rua e enxergou seu reflexo nos olhos úmidos da pequena.

- Gosta de sorvete?

A resposta foi tímida, porém positiva.

- Tome. – Deu-lhe a taça.

Os olhos da menina se abriram, brilhosos, vivos.

- É de flocos.

Uma senhora se achegou, tinha passos firmes, tensos, e com o sofrimento estampado em seu rosto sórdido. Tomou a criança pelo braço violentamente. A delicada taça de vidro se partiu no chão. O medo e a tristeza dançaram nos olhos infantis.

- Ei! Acalme-se! Eu não fiz mal algum à menina. – Sarah protestou.

A mulher encarou-a com desprezo, e sumiu porta adentro.

- O patrão não chegou, Dra. Peterson. – Avisou Dowall.

- Oh, bem...

- Se quiser esperar...

- Sim, eu espero.

- Caso não se importe, pode ficar comigo na cozinha. Estou ajudando a Kai, cozinheira chefe, a fazer uns bolinhos. As crianças adoram!

Passado uma hora, os sinais da noite se revelavam. As luzes artificiais aos poucos clarearam a mansão.

- Penso que o Sr. Jackson chegará muito tarde. – Concluiu. – Acho melhor eu voltar amanhã.

Sarah se levantou, assustada.

- Dowall! Os bolinhos!

Dowall correu para o forno.

- Mais uma fôrma! Desisto! – Exclamou desapontada. – Não consigo fazer nada se a Kai não está aqui. Se não crescem, queimam! Eu desisto!

Sarah olhou para toda a cozinha, passou os olhos pela sala próxima.

- Onde está a Kai, aliás?

- Ela precisou ir embora, lembra-se?

Estava tão fixa em seus pensamentos que apenas seu corpo era quem estava ali.

Dowall abriu o lixo e despejou mais uma fôrma de bolinhos de chocolate feitos sem sucesso.

- Parece que as crianças não terão bolinhos hoje. – Lamentou.

– Também, do que importa? O patrão não permite esses alimentos... Só tenho pena das minhas crianças.

- Espere!

Peterson pegou um avental e vestiu-o.

- Parece que terei que ensiná-la a fazer esses bolinhos! – Riu gostosamente.

- Deixou o posto de “doutora”, foi? – Brincou Dowall.

- Acho que sim! – Sorriu. – É bom fazer isso de vez em quando.

- Minha cardiologista virou cozinheira?

Uma risadinha ecoou por toda a cozinha.

A voz rouca vibrou em cada fibra de Peterson. Sentiu as maçãs queimarem e a barriga congelar. Maldito frio na barriga! E sem motivo aparente.

- Senhor... – Dowall se pronunciou.

Ele ergueu a sobrancelha.

- Digo, Michael. – Corrigiu-se.

Jackson estava encostado descontraidamente no batente da porta com as mãos na calça, um sorriso de canto charmoso, e alguns cachinhos derramados na testa.

Foi até Peterson que ainda batia a massa, tentando não se importar com a ilustre presença, e feito uma criança enfiou o dedo na massa marrom e levou a boca.

- Humm... Chocolate!

Peterson não conteve o riso, mas escondeu-o abaixando o rosto. Estava vermelha. Jackson achou uma graça.

- Senhor...

- Dowall! Deixa que eu explico. - Interrompeu-a. – Foi eu quem teve a idéia de fazer bolinhos, não brigue com Dowall, por favor, se for para falar algo, fale comigo.

Michael ficou perplexo.

- E por que eu brigaria? – Perguntou ele, confuso.

- Ah, bem... – Disse Sarah. – Dowall comentou que o senhor não permite esses alimentos... Então pensei que... – Deixou o resto da frase no ar.

Michael sorriu, dócil.

- Entenderam errado. Eu não proíbo esses alimentos, só não quero que sejam feitos regularmente. – Se explicou. – Me preocupo com a minha saúde e de meus filhos. – Voltou-se à Dowall. – Dowall, sabe onde estão as crianças?

- Estão na sala de estar.

- Ótimo! – Se dirigiu até a porta. – Dra. Peterson, logo conversamos, só preciso me dar um jeito... – Olhou para si mesmo. – Acabei de chegar do Staples. Senti sua falta ontem. – Confessou.

Sarah sorriu, desconcertada. Ele se foi. Sra. McDowall e sua nova ajudante voltaram a conversar. Jackson voltou de repente, ofegante. Elas se assustaram.

- Ah! – Exclamou ele. – Lamento pelo seu cachorro, Smuby, doutora. Por um momento recordei de meu ratinho, Ben. – Abaixou o olhar e saiu.

As duas se olharam, incrédulas.

- Há quanto tempo ele estava aqui na cozinha? – Perguntou Sarah, desconfiada.

- Parece que a bastante... – Respondeu Dowall, assustada. – Espero que ele não tenha ouvido o resto de nossa conversa... Senão... Oh, Deus! Que vergonha!

- Também espero...

Ambas riram.