Hey, street boy, what’s your style?

Your dead end dreams don’t make you smile.

I’ll give you something to live for,

Have ya, grab ya, til your sore.

— Cherry Bomb; The Runaways

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Lita Ford

Lita ainda não sabia exatamente o que pensar a respeito de Vicki Blue.

Depois que Jackie abandonara a banda durante a turnê pelo Japão, elas não tiveram opção além de promover testes para conseguir uma nova baixista, ao voltarem para os Estados Unidos. Joan tinha assumido o baixo até o final da turnê, e a própria Lita era ótima no instrumento, mas nenhuma das duas estava disposta a abandonar a guitarra.

E essa necessidade fora o que as levara para aquela sala, junto com o produtor delas, Kim Fowley, ouvindo diversas meninas tocarem durante uma longa e entediante tarde.

Vicki fora a última a ser chamada, e Lita lembrava-se de ter pensado, no momento em que ela passou pela porta: Essa garota só pode estar tirando uma com a minha cara.

Cherie não perdeu tempo para comentar que não sabia que Lita tinha uma irmã gêmea, e isso a irritou profundamente. Ela já não tinha certeza se Cherie fazia propositalmente todo o possível para enfurecê-la, ou se ela simplesmente a odiava tanto que tudo o que ela fazia a irritava. Só sabia que, não pela primeira vez, ela teve de se segurar para não pular em cima de Cherie e socá-la até que ela cuspisse todos os dentes para fora.

Mas a questão era: Cherie tinha razão. Vicki era idêntica a Lita, com seus longos cabelos lisos, sua boca pequena e o nariz arrebitado. Era idêntica até em seu talento no baixo, o que resultara em sua entrada no Runaways por votação unânime, com uma única condição imposta por Lita: ela teria de, pelo menos, mudar o cabelo.

Lita estava determinada a não gostar daquela menina, o que não parecia que seria muito difícil, já que geralmente não gostava de ninguém. Contudo, por alguma razão inexplicável, elas tinham se aproximado naquelas poucas semanas que tinham se passado desde o teste. Vicki havia pedido para que Lita lhe ensinasse as músicas da banda, e ela aceitou, então elas andavam passando muito tempo juntas – e, embora não admitisse, ela estava gostando daquilo.

Estar com Vicki não era a mesma coisa que estar com Joan, Cherie ou Sandy. Não havia joguinhos, indiretas, alfinetadas, ressentimentos – apenas duas adolescentes tocando juntas, o que fora, a princípio, a verdadeira ideia da banda.

Com Jackie fora e Vicki, dentro, Kim marcara uma sessão de fotos com Barry Levine, o famoso fotógrafo que sempre fazia a capa dos álbuns delas, para registrar a nova formação das Runaways. E Lita viu a si mesma virando-se para Vicki e oferecendo-lhe uma carona até o estúdio, já que ela não tinha carro.

E tudo isso a levava para o presente momento, sentada atrás do volante de seu carro, com Vicki ao seu lado e uma música do Sex Pistols estourando no rádio, enquanto ela cortava perigosamente por entre os carros, no complicado trânsito de Los Angeles.

- Você vai matar a gente! – Exclamou Vicki, apertando o banco com força. Estava um tanto pálida e assustada, mas também não parava de rir, o que incentivava Lita a acelerar ainda mais.

— Fica tranquila aí, eu sei o que estou fazendo – retrucou, antes de quase bater em outro carro e ter de desviar com violência. – Seu corno! — Gritou pela janela, mesmo que a culpa tivesse sido dela.

Vicki fechou os olhos e tentou se desligar, ignorando o intenso frio na barriga.

— Os Sex Pistols me lembram a Joan – comentou, procurando se distrair com outro assunto.

— Ela é a porra de uma fanática – disse Lita, revirando os olhos. Era quase sua obrigação reagir negativamente a tudo que as outras garotas da banda gostassem e fizessem, mesmo que, por vezes, secretamente concordasse com elas. – Os caras até que mandam bem. Mas agora, mude de estação.

Ela obedeceu, e as duas terminaram o caminho até o estúdio ao ritmo de uma música da Suzi Quatro. Lita conseguiu estacionar o carro bem na rua do estúdio, e Vicki pôde respirar sossegada novamente, sem acreditar que elas tinham realmente saído ilesas daquele passeio.

Uma vez lá dentro, elas encontraram Barry, Kim e Sandy já esperando, sentados em poltronas. Kim nem precisou olhar no relógio para se virar para as duas e falar:

— O sexo devia estar muito bom, já que vocês duas estão quase vinte minutos atrasadas.

— Cala a boca – Lita respondeu imediatamente.

Um silêncio mortal se instalou entre eles, para o qual nenhum dos que estavam familiarizados com a banda ligava mais, mas que ainda incomodava Vicki.

— O trânsito estava uma merda – acabou explicando, timidamente, e Kim deu uma risada de deboche.

Joan chegou cinco minutos depois, já perguntando por Cherie, e, quando informada de que ela ainda não tinha chegado, não se alterou.

— A irmã dela deve estar com o carro.

— Então ela podia pegar o ônibus – Lita replicou, indignada. Joan estava fazendo aquilo de novo.— Ela está errada, Joan, por que você insiste em defendê-la?

— Fica fria, Lita – ela lhe lançou um olhar feio, jogando-se em uma poltrona despreocupadamente. – Ela já vem.

E ela de fato tentou manter a calma, assim como os outros. Porém, após uma hora sentados lá, esperando, Lita já estava se distraindo planejando tudo o que iria berrar para Cherie, quando ela chegasse. Quem ela estava pensando que era? A porra da rainha?

Sandy pediu para Barry para usar o telefone do estúdio e ligou para a casa de Cherie, mas ninguém atendeu. O próprio Barry se levantou e ficou andando para todos os lados, resmungando, mal-humorado. Vicki fechou os olhos, como se estivesse tirando um cochilo, e mesmo Joan não parecia mais tão relaxada. Lita ficou encarando-a por longos minutos, querendo tirá-la do sério como punição por ficar do lado de Cherie, mas foi ignorada veementemente. Até que, por fim, Joan sugeriu:

— Devíamos já ir nos arrumando. Aí já adiantamos algumas coisas.

Barry aprovou a ideia, e as meninas foram para os vestiários. Levaram algum tempo para se trocarem e retocarem a maquiagem, e mesmo assim terminaram antes de Cherie chegar. Voltaram a se sentar nas poltronas, e continuaram esperando.

Duas horas. O rosto de Barry estava muito vermelho, e Lita sabia que provavelmente estava assim também.

Foi quando Cherie entrou pela porta. Caminhando. Com toda a calma do mundo.

— Eu estou atrasada, eu sei – já foi dizendo, sem olhar para ninguém nos olhos. – Eu ia sair mais cedo, mas realmente tive um imprevisto em casa...

— “Um imprevisto”? – Repetiu Lita, se levantando. – Você chegou duas horas atrasada e fala que teve um imprevisto?

— Olha, Lita, eu não estou com cabeça para isso, então nem começa...

— Qual é o seu problema? – Ela começou a avançar na direção dela. Tinha pensado em muita coisa para falar, mas, em sua raiva, aquilo era tudo que lhe ocorria. – Qual é o seu problema? Qual é o seu problema?

Cherie recuou, assustada, e parecia que Lita ia enfim cumprir suas promessas de espancá-la quando Joan exclamou:

— Chega! Porra! Qual é?

— Isso foi pra mim? – Lita se voltou contra ela. – Você quer saber qual é a minha? Bem, por que você não pergunta qual é a da Cherie? Ela sempre deixa a banda em segundo plano! Está sempre por aí, choramingando por causa dos problemas familiares dela e nos deixando na mão, e...

— Eu vou me arrumar – declarou Cherie, desesperada para sair do meio daquela confusão, e correu para o vestiário.

— Puta! – Gritou Lita.

Pelo menos, ela foi mais rápida ao se vestir, e logo voltou, usando seu macacão prateado. Barry ajeitou a câmera e eles foram ao trabalho.

Primeiro, como era de praxe, vinham as fotos em grupo. Como uma banda unida, elas posaram para incontáveis fotos, seguindo as instruções de Barry.

Tirando por Vicki, todas as meninas o conheciam de outras sessões, e podiam perceber o quanto ele estava bravo. Estava muito quieto, limitando-se a indicar as poses e as expressões que elas deveriam fazer para as fotos, e as cinco o obedeciam também sem falar nada – o que era muito raro para elas, que eram acostumadas a contestar e a implicar com tudo.

Levou certo tempo até Barry concluir que já tinha material o suficiente, e anunciar que poderiam seguir para a segunda etapa: as sessões de fotos individuais. Com a voz grave, perguntou:

— Quem vai primeiro?

— Pode ser a Sandy – Joan respondeu. – Ela foi a primeira a chegar, não foi?

— Eu acho justo – disse Vicki. Lita assentiu, também concordando, e Sandy deu um sorriso de agradecimento à Joan antes de ir com o fotógrafo.

As quatro se sentaram, e se puseram a assistir à sessão de fotos dela – com exceção de Cherie, que sequer fingia estar interessada. Não tirou os olhos do relógio de parede e bateu os pés impacientemente por alguns minutos, e então disse:

— Eu vou ser a próxima, tudo bem?

— Não, Cherie – Joan, como sempre, assumiu a posição de líder. – Você foi a última a chegar, vai ter de esperar. A próxima vai ser a Vicki ou a Lita.

Ela bufou, levantando-se.

— Então, vou precisar voltar aqui outro dia para tirar as minhas fotos, porque eu tenho de ir embora agora.

Barry parou de tirar as fotos de Sandy no mesmo instante, e se virou para elas. Tinha chegado ao seu limite.

— Você não pode vir tirar fotos quando você quiser! – Gritou – Eu sou um profissional, não seu empregado!

Elas nunca o tinham visto desse jeito. Empolgado com mais uma iminente confusão, Kim falou:

— E a loira egocêntrica e arrogante ataca novamente, estragando o humor de todos a volta dela!

- Eu prometi que daria o carro para a minha irmã. A aula de atuação dela começa daqui a pouco! Não posso deixá-la na mão! – Defendeu-se Cherie.

— Mas você pode nos deixar? – Sandy questionou, baixo, mas incisiva, cruzando os braços. O olhar de Cherie dizia: Até você, Sandy?

— Não estou deixando ninguém. Eu já disse que volto outro dia.

E Barry jogou a câmera com força no chão, assustando a todos. Com um grande barulho, o objeto se desfez em mil pedaços, e o dono furioso começou a berrar sem parar com Cherie, chamando-a de todas aquelas coisas que Lita estava sempre falando.

A essa altura, o rosto da garota estava totalmente sem cor. Ela não respondeu aos insultos, somente olhou para a câmera quebrada por um tempo e depois correu para o vestiário, sumindo da vista deles.

Barry parou de gritar, ainda vermelho e tremendo. Sandy e Vicki, sem saber o que dizer, se abaixaram no chão para recolher os cacos da câmera cara. Joan ficou olhando para o vestiário, com seu olhar sombrio e reflexivo habitual, e Lita soube que, se dependesse delas, aquilo terminaria daquele jeito. Cherie iria fazer o que bem entendesse, cagaria na cabeça de todas elas, e continuaria sendo a Runaway mais requisitada. A mais famosa. A que aparecia no meio em todas as fotos.

Logo Cherie Currie, que era a que menos se importava com a banda.

Não. Não, não. Lita não iria permitir que isso acontecesse. Sua paciência já estava esgotada fazia tempo.

Ela deu uma risada sem humor, raivosa, incrédula.

— Para mim já deu – alegou, levantando de sua poltrona e indo até o vestiário, pisando duro.

Nenhuma das garotas fez algo para impedi-la. Nem mesmo Joan tentou evitar o desastre, o que encheu Lita de forças. Era a prova. Não era a única que estava farta.

Deu um chute tão forte na porta que ela foi para trás, quase se desprendendo da parede, e por pouco não desabou. Cheia de adrenalina, Lita então jogou todo o peso de seu corpo contra ela, e a porta acabou cedendo, desmoronando no chão do vestiário.

Cherie estava nua da cintura para cima, e segurou a blusa contra o corpo, com um grito agudo. Encostou-se na parede dos fundos, como se a garota fosse uma espécie de monstro, e a olhou com os olhos arregalados.

Lita a agarrou pelos ombros, pressionando-a contra a parede, deixando suas unhas se fincarem nos ombros brancos de Cherie, torcendo para que deixassem marcas que durassem por muito tempo.

— Estou exausta de você, Currie! Ouviu? Exausta!— Berrou, com toda a voz. – Não vou mais tolerar seus dramas, não vou mais tolerar você! Ou é a sua família ou é a banda, caralho!

- Você não pode me pedir para deixar minha família! – Cherie quis soar durona, mas sua voz falhou. – Me solta!

Lita a atirou para a porta, com tanta força que ela quase caiu no chão.

— Vai embora, então! Não volta mais, sua imprestável!

Juntando a dignidade que lhe restava, Cherie vestiu sua blusa e saiu do vestiário. Foi, com as pernas bambas, até onde o resto da banda estava, e não encontrou nenhum gesto ou olhar de apoio.

Ela apontou um dedo trêmulo para Lita.

— Eu não posso trabalhar com essa mulher! – Anunciou. Ninguém reagiu. Ela se aproximou de Vicki e agarrou seu braço, procurando alguma ajuda. – Você vem comigo, Vicki?

A baixista olhou para Joan, para Sandy, e tremeu com o olhar de Lita. Pigarreou e respondeu, decidida:

— Não, Cherie. – E se desvencilhou do aperto dela. – Você está sozinha.

Durante um minuto, ela não se mexeu. Sua expressão se alterava entre escárnio, descrença, fúria, medo.

— Tudo bem – disse, finalmente, jogando uma mecha do cabelo loiro para trás. – Tudo bem. Vão todas se foder, então. Estou atrasada.

Lita começou a rir histericamente, sem nem ao menos saber o motivo, já que não estava vendo graça nenhuma naquilo. E Cherie ergueu o queixo, enfiou a bolsa sob o braço e saiu do estúdio, com os saltos de seus tamancos estalando contra o chão de madeira.