Little Angel

Capítulo 4 - Promessas


Alec Lightwood era exemplar em tudo o que fazia.

Seguia todas as regras, era aplicado, estudioso, e destinado a uma carreira promissora.

Ou assim parecia até que Jace foi sequestrado pelo próprio pai.

Vê-lo simplesmente desaparecer pelo portal sem poder fazer nada e sentir, durante os dias que se seguiram, toda a dor e terror através da runa que os unia era desconcertante.

A única coisa que o deixava, até certo, tranquilo era que o fato de ainda sentir alguma dor pela runa lhe dava a certeza de que Jace ainda estava vivo.

E isso lhe dava um pouco mais de tempo até que conseguissem encontrar alguma pista que os levassem ao seu paradeiro.

Isso até uma dor alucinante lhe queimar o corpo inteiro.

Foi tão repentina, que não conseguiu segurar o grito, ao cair no chão se encolhendo.

Era terrível. Parecia que estava sendo espremido, amassado. Seus órgãos pareciam que iriam explodir!

A dor era tão grande que os sons se misturavam, e as cores simplesmente sumiram das suas vistas.

Sentia o corpo flutuando quando a dor foi amenizando.

Não sabia dizer se estava ainda no instituto, ou se tinha morrido.

Seu corpo não parecia responder.

Sequer sentia seus membros!

Depois de algum tempo, e não sabia dizer o quanto, sentiu que seu corpo era levantado. Alguém apoiava a parte de cima do seu tronco e sua cabeça.

Um barulho infernal lhe atacava os ouvidos. Um zunido irritante.

Demorou um tempo até perceber que era alguém lhe perguntando algo. Não conseguia distinguir o quê. A voz lhe parecia embolada.

Tentou dizer isso, mas sua boca parecia que estava cheia de algodão.

Ainda tentou prestar atenção no que a voz tentava lhe dizer, mas tudo parecia cada vez mais longe.

Talvez se fechasse os olhos por alguns minutos, ajudasse. Não ajudou.

Acordou dias depois numa cama confortável demais para ser a sua. E pela quantidade de glitter nos lençóis tinha uma boa ideia a quem ela pertencia.

Corou ao pensar que a primeira vez naquela cama, não tinha sido como planejado.

Decidiu se levantar, e procurar o dono da casa.

Sentou-se na beira da cama quando sua cabeça girou. Devia estar deitado há muito tempo.

Quando tudo parou de girar se levantou com cuidado e foi desbravar a casa.

Ficou um tanto surpreso quando viu sua irmã e Clary sentadas à mesa, tomando um café. Pareciam exaustas.

Antes que pudesse perguntar algo, foi interrompido.

— Espero que tenha ficado bom. Não é como se pudesse provar e tudo mais. - Simon comentou ao adentrar a sala com um prato de panquecas numa das mãos. — Ow, você acordou! - Deu um sorriso gigante, fazendo Alec fazer uma careta e dar um passo instintivo para trás.

— Se sente melhor? - Isabelle perguntou

Sem pensar, levou a mão à sua runa parabatai. Não sentia dor mais, mas um misto de felicidade e apreensão. Era estranho.

Algo tinha acontecido à Jace, só não sabia o que era.

— O que aconteceu? O que eu perdi? Onde está o Magnus? - perguntou ao se sentar à mesa e esfregar os olhos. Quando parou, viu que um prato com panquecas extremamente cheirosas tinha lhe sido servido.

Sua barriga roncou quando sentiu aquele cheiro delicioso e tentou não corar demais quando percebeu que os demais ouviram com clareza o barulho. Simon só sorriu novamente e lhe deu um talher.

— Você não lembra? Caiu no meio do centro de operações do instituto gritando. - Clary respondeu.

— Dã. - Retrucou mal-humorado, fazendo a irmã segurar o riso. — Como vim parar aqui?

— Nós chamamos o Magnus depois que você ficou inconsciente por mais de um dia e não tínhamos ideia do que tinha lhe acontecido. Aí acabamos vindo pra cá.

— Fácil assim? A Clave aprovou a ajuda de um feiticeiro e ainda deixou sairmos? Mesmo em quarentena?

Viu que sua irmã pareceu sem graça.

— Talvez eles não saibam exatamente que saímos. - Clary comentou.

— Saíram sem autorização? Não acredito! Izzy!

— O que devíamos fazer, Alec? Deixar você morrer?!

— Tenho certeza de que não é para tanto.

— Era para tanto sim, Alexander. Você ficou quase uma semana em coma, e quase lhe perdemos nos primeiros dias. - Magnus rebateu ao se jogar em uma das cadeiras sem sua usual graça. — Obrigado, Sheldon. - Agradeceu quando foi servido.

Alec não sabia nem o que falar. Magnus parecia exausto. Seu cabelo estava caído na testa e não estava usando maquiagem. Parecia incrivelmente jovem.

— A quantidade de magia crua em você era absurda. Fazia séculos que eu não via algo assim. Tanto poder. - Parecia perdido em seus pensamentos. — O fato de você estar vivo é um milagre, tenha certeza disso.

— O que me atacou?

— Nada. O ataque não foi em você.

— Foi no Jace.

— É realmente tão esperto quanto bonito. - Piscou sacana, fazendo-o ruborizar.

— E quanto ao paradeiro do Jace? Conseguiriam alguma coisa?

— Infelizmente não. - Isabelle lamentou.

— Mas tem que ter algo que possamos fazer. Talvez um rastreamento parabatai?

— De jeito algum. - Negou Magnus. — Você está fraco demais, e se você está assim, o loirinho deve estar ainda pior. - Argumentou. — Um rastreamento desses poderia colocar não só a sua vida, mas a dele também em jogo.

— É um risco.

— Não um que valha a pena! - Clary se alterou.

— Não finja que está preocupada comigo.

— Não com você, com certeza.

— Parem com isso, pessoal. Estamos todos do mesmo lado.

— Shelby está certo. Não temos tempo para isso, crianças.

— Nem tempo e nem nada!

— Acalme-se, Alexander.

— Me acalmar? Nós estamos aqui enquanto ele está lá. Vai saber o que aquele psicopata está fazendo?!

— Alexander, você estar aqui é provavelmente o motivo dele ainda estar vivo. Então não se sinta inútil.

— O quê? Do que está falando?

— Do seu elo com ele, Alexander. Você sentiu, e graças a isso eu consegui ordenar, se é que posso chamar disso, a magia através de você. Sem isso, vocês possivelmente teriam explodido. - Explicou com sinceridade, chocando os presentes.

— Tentaram explodi-lo? - Alec levou as mãos à cabeça, enquanto seus olhos marejaram.

— Não acho que essa tenha sido a intenção, meu querido. Mas quem o fez certamente não é treinado o suficiente para o que tentou fazer.

— E o que tentaram fazer exatamente?

— Algum tipo de transmutação. De que tipo, eu não tenho ideia. A magia era caótica demais. Não é algo que eu já tenha encontrado.

— Algum demônio?

— Não. Algum feiticeiro inconsequente que não tive o prazer de conhecer. Forte, mas não maligno.

— Fazer algo assim não parece ser algo que uma pessoa boa faria. - Clary comentou sarcástica e Simon concordou piamente.

— Mas aí é que está. Não senti qualquer má intenção ali. Talvez um pouco de traquinagem.

— Traquinagem? - Isabelle estranhou.

— Talvez o loirinho tenha irritado algum feiticeiro jovem e sofreu as consequências.

— Ou talvez esteja sendo torturado! - Alec retrucou.

— E você quer que eu faça o quê, Alexander? Não é minha culpa que ele tenha sido sequestrado.

— Ele foi para nos salvar! Você devia nos ajudar a achá-lo.

— Eu? Eu não tenho que fazer nada. Talvez vocês shadowhunters devessem usar mais a cabeça e não tentar ser um mártir sempre!

— Não fale assim com ele, Magnus. Ele acabou de acordar.

— Só ele?! - se irritou e não conseguiu manter o glamour de seus olhos, fazendo-a recuar.

— Não é isso. Somos gratos pela ajuda. Mas tente entender. Jace é nosso irmão, e já passou por muita coisa. Ele não merece isso.

Ele só a olhou e pareceu se acalmar. Respirou fundo e seu glamour voltou.

— Eu entendo, mas entendam que não tenho a mínima obrigação de ajudar. Ajudo por consideração a você. - Esclareceu, olhando para Alec. — Farei de tudo para encontrá-lo e ajudar, mas o que o destino reserva a ele não é minha responsabilidade. Quem aceita um martini? - mudou totalmente de assunto, ao ver o clima pesado que se instalar no ambiente e as expressões culpadas dos jovens.

— Magnus, eu s… - Alec começou a falar, mas foi interrompido quando um portal se abriu no meio da sala.

Magnus quase engasgou com o susto, mas largou o copo quando viu que quem passou pelo portal, e no mesmo instante Clary e Isabelle apontaram suas lâminas serafim para a intrusa. Até mesmo Simon apontava um garfo na direção da recém-chegada.

— Dot! Meus Deus. Achei que estivesse morta. - Clary foi a primeira a parecer se recuperar e correu para abraçá-la.

— O que fizeram com você, minha amiga? - Magnus perguntou ao correr ao seu encontro ao ver que ela tinha desmaiado.

Observou as inúmeras veias azuladas e saltadas pelo seu corpo, assim como as marcas de picadas, e sem tardar, a levou para o sofá e foi preparar uma poção para desintoxicá-la do que quer que houvesse tomado.

Quando ela acordou algumas horas depois, todos estavam a sua volta, atentos, e Magnus segurava suas mãos entre as dele.

— Eu dormi? - perguntou horrorizada.

— Ainda está fraca, querida.

— Eu não posso dormir.

— Dot querida.

— Não, Magnus. Eu preciso levá-los lá.

— Não está em condições de fazer nada agora. Sua magia está fraca ainda.

— Você não entende, Magnus. Eu prometi que voltava ao garoto. Se eu não voltar para tirá-lo de lá, ele vai se encrencar.

— Que garoto, Dot? - Clary perguntou sem entender.

— O filho dele, Jonathan.

— Jace?! Ele está bem?

— Estava quando saí, mas provavelmente não por muito tempo.

— Jace é forte e sabe se defender. - Isabelle disse, tentando convencer a si mesma disso.

— Não, não. Ele é só um menino. Madzie o transformou numa criança.

— Então esse foi o tipo de transmutação que ela fez. Isso não é bom. - Magnus comentou.

— Não acho que ela soubesse o que estava fazendo, ela só fez o que ele a obrigou. Ela é só uma criança também. Ele me fez treiná-la porque queria uma feiticeira fiel a ele, mas eu não a ensinei a fazer isso.

— Ele é uma criança agora? - Simon parecia totalmente descrente.

— Sim. Bem pequena. Parece ter uns três, quatro anos no máximo.

— Você não sabe?

— Não, eu não perguntei. Não é como se eu e Valentim ficássemos batendo papo. Só me certifiquei de que estava vivo, porque realmente achei que ele iria morrer. Era para ter morrido.

— Por que diz isso, Dorothea?

— Ele estava brilhando quando eu cheguei, Magnus! Achei que ele fosse explodir.

— Então, o que estamos esperando? - Clary os apressou.

— Não podemos ir assim, Clarissa. Já faz horas que Dorothea chegou. A esse hora eles já sabem que ela fugiu e estarão nos esperando. Não será só entrar e sair.

— Precisamos de um plano. - Isabelle concordou.

— Precisamos de reforços. Isabelle e eu vamos para o instituto, deixá-los a par da situação. Você e Simon ficam aqui de guarda. - Apontou para Clary. — Vocês dois procurem descansar. Assim que conseguir reforços, aviso e invadimos. Combinado? - Alec perguntou a Magnus, que lhe sorriu.

Alec então suspirou aliviado e lhe puxou para um beijo rápido e lhe deu um abraço.

— Obrigado por tudo. - Disse no ouvido do feiticeiro.

***

E a previsão de Magnus realmente estava certa. Valentim os esperava com seu exército, com sangue nos olhos.

A fuga da feiticeira tinha atrapalhado os seus planos. Não só perdeu uma instrutora para Madzie, mas a confiança da menina que o viu explodindo com o filho.

Ela agora o olhava assustada, e em nada lembrava a menina alegre de antes.

Não tinha sido sua culpa.

Quando viu pelas câmeras o filho facilitando a fuga da feiticeira não pensou duas vezes em puni-lo.

Talvez tivesse exagerado na força por agora ele ser uma criança, mas uma coisa era fato: ele não mais o desobedeceria.

— Vai ser um bom garoto agora, Jonathan? - perguntou ao se abaixar na altura do filho, e levantou seu rosto com o dedo para examiná-lo.

Os hematomas que deixara no menino ainda estavam todos lá. Não tinha permitido que aplicassem nenhuma runa de cura.

O lado esquerdo do rosto do menino estava tão inchado que seu olho sequer abria. Apertou o hematoma, fazendo o menino gemer. Secou sua lágrima com carinho como o pai amoroso que era.

— Sim. - O menino respondeu amedrontado, por fim.

— Sim o quê? - segurou o rosto com força, fazendo-o chorar.

— Sim, senhor. - Corrigiu.

— Isso mesmo, filho. - E o abraçou.