Little Angel

Capítulo 16 - Planos


Mudar a essência de alguém era algo quase impossível, ainda mais quando esse alguém era um anjo caído ou um demônio maior, como a maior parte se referia a ele.

Ele ainda tinha sim muitas particularidades que ainda dividia com seus irmãos da cidade prateada, mas havia diferenças bruscas também e uma delas era que ele exercia o seu livre arbítrio até certo ponto.

Por via de regra, nenhum anjo era provido de livre arbítrio. Isso era algo agraciado somente aos humanos que por sua vida curta tinham recebido como presente escolher como melhor viver de acordo com as regras impostas.

Anjos, caídos ou não, não deveriam ter livre arbítrio. Eram mensageiros, guerreiros, soldados. Foram criados para realizar determinadas tarefas e seguir perfeitamente o plano de Deus.

E aqueles que não o fizeram e se rebelaram foram expulsos dos céus.

Eles ousaram não seguir o plano, ousaram decidir o que fazer e como fazer.

Ousaram copiar os humanos e viver suas paixões, se tornaram senhores de seus destinos ao reinar no inferno do que obedecer aos céus.

Só que esse “livre arbítrio” não era absoluto. Pois apesar de tudo isso, eles ainda faziam parte dos planos de Deus, reinando e controlando todos os reinos do inferno e cuidando de todas as almas que não poderiam adentrar aos céus.

Como faziam o trabalho não era importante, mas nenhum deles poderia deixar o reino por muito tempo, do contrário todos eles já teriam vindo dominar a terra que era muito mais agradável.

Não, Deus não permitia que seus amados humanos fossem perturbados ou ameaçados.

E por isso, durante milênios, protegeu a raça humana com seus guerreiros celestiais e tudo correu conforme o plano divino.

Isso era frustrante.

Onde estava Deus que não viu um humano o imitando e criando anjos e demônios à torto e a direito? Onde estava Deus que ainda não o tinha expulsado daquele plano depois de se intrometer e tirar o menino de perto das aberrações Nephilim, outrora renegadas por Deus e que agora não só eram toleradas como abençoadas com runas angelicais? Onde estava Deus que não viu os Nephilim se tornarem uma raça que se achava superior e se tornara o juiz, o juri e o executor?

O fato de sua presença ali ter sido ignorada até então não lhe caía bem. E só o fazia pensar que tal fato só tinha ocorrido porque sua presença ali cumpria o plano de Deus.

E ele odiava cumprir qualquer coisa.

Era uma questão de princípios depois de ser expulso dos céus e ignorado por milênios. Queria proteger Jonathan? Com certeza. Se dependesse dele, nenhum anjo certinho e lambedor de botas colocaria sequer os olhos no menino, mas queria fazer isso nos seus próprios termos.

E os seus próprios termos incluíam manipulação e vingança.

Não poderia ir ele mesmo lá queimar todos os responsáveis pela tortura do menino, nem decapitar um e expor sua cabeça como exemplo do que acontecia a todos que cruzavam seu caminho, mas ainda podia influenciar as mentes fracas dos adorados humanos de seu Pai.

Deu um pouco de trabalho encontrar o famigerado Valentim Morgenstern, mas lá estava ele com seus asseclas, planejando uma invasão à Cidade dos Ossos.

— Libere um demônio e cause uma distração. - Soprou no ouvido de Valentim, que sequer tinha ideia de sua presença ali.

Viu os olhos de Valentim brilharem e um sorriso sinistro se instalar em seu rosto quando a ideia lhe ocorreu.

Manteve-se invisível para os shadowhunters enquanto eles convocavam um demônio para invadir o instituto indetectado devido a sua forma incorpórea.

O demônio o viu assim que saiu e esperou obediente as ordens do seu senhor.

— Mate a todos.

O demônio acatou a ordem e sumiu.

Asmodeus deu as costas e com um sorriso de canto seguiu para o seu próximo destino.

***

— Você vai comigo hoje, não é Irmão? - Izzy insistiu com o irmão que tentava parecer ocupado.

— Acho melhor não, Izzy. O Magnus não me quer lá.

— Alec, isso não tem nada a ver com o Magnus, tem a ver com o Jace. E o Jace quer você lá.

Alec a olhou. Era evidente que não dormiu muito nos últimos dias e que sentia uma saudade absurda do seu parabatai.

— Ele sente a sua falta.

Antes que ele pudesse responder, ouviu um grito de dor e procurou saber de onde vinha. Era Raj, possuído, atacando Lydia. O demônio que atacou alguns shadowhunters tinha se infiltrado no instituto.

***

— Olha a hora e ninguém apareceu, Sheldon. Ninguém. Normalmente invadem a minha casa quando bem entendem, e quando dizem que vem, não aparecem e sequer ligam! Qual o problema com essas pessoas? - Magnus reclamou, irritado para o vampiro que estava no sofá sendo usado de almofada pelo menino que dormia tranquilamente em seu colo.

— Relaxa, devem ter tido algum problema lá com o trabalho deles. Não é como se nunca mais fossem aparecer.

— Não se deixa uma criança na mão desse jeito.

Simon riu.

— Que criança? Essa aqui que está dormindo tranquilamente sem nenhuma preocupação com nada? - Apontou para o menino que roncava levemente com a boca entreaberta. Tinha até um fiozinho de baba escorrendo da sua boca.

Magnus ficou um tanto sem graça.

— Isso não é pelo atraso e nem por nenhum furo. E nem pelo Jace, isso é por você.

— Não seja tolo.

— Eu? Achei que um cara com 800 anos seria um pouco mais maduro num término.

Magnus arregalou os olhos e deu um passo para trás como se tivesse sido esbofeteado.

— Eu não sou imaturo.

— Cara, você tá falando mal do seu ex, que é irmão do seu protegido que é só uma criança e que poderia estar ouvindo se não estivesse dormindo. É tipo aqueles pais que se separam e ficam queimando o filme do outro pro filho pra parecer mais legal. Só que isso não é legal, cara.

— Não estou dizendo nenhuma mentira.

— Mas tá falando a verdade que só interessa pra você. Nem tudo na vida é preto e branco assim. A verdade tem vários lados e você só está vendo o seu.

— Ele o colocou em risco.

— Ele fez cagada. E isso acontece porque ninguém é perfeito, o ponto é se a cagada foi feita de propósito com intenção de ferir ou não.

— Ele o levou daqui de propósito, mas não creio que tivesse intenção de feri-lo. - Simon deu um sorriso vitorioso. — Entretanto, com intenção ou não, ele foi gravemente ferido. E isso não consigo esquecer.

— Pois não esqueça. Ninguém é obrigado a perdoar ninguém, nem de ficar com quem não quer ou que faz mal. Se não quer nada entre vocês dois, isso é com você, mas não inclua Jace nisso. Não conheço o cara a muito tempo, e pra ser sincero nem quero porque ele me dá calafrios, o que é ridículo porque eu sou um vampiro e já conheci umas figuras bem mais terríveis como o seu pai — divagou um pouco —, mas ele não parece ser um cara ruim e ama o Jace. Eles são família, cara.

— Você é incrivelmente sensato quando não é sobre suas escolhas, Sam.

— Eu sei. É um dom.

Magnus sorriu e se sentou ao seu lado no sofá, brincando com os cabelos de Jace.

— Agora me conte o que te levou a sair no sol.

Simon o olhou nem um pouco impressionado.

— Tentando fugir do assunto?

— Claro que não. Só preciso analisar e ponderar tudo o que conversamos, e enquanto isso quero saber o que te levou a fazer isso.

O vampiro suspirou e começou a contar todos os problemas que teve desde que liberou Camille em troca do livro Branco, com as ameaças de Raphael e o tratamento hostil dos lobisomens assim que Luke virava as costas, mas o que mais pesava era falta que sentia da mãe e da irmã.

— Raphael cabeça quente. Vou falar com ele.

— Não. Tá louco?

— Não seja bobo, ele vai me escutar.

— Ele é o líder do clã.

— E meu filho, ele vai me ouvir.

— Seu filho?!

— Eu o criei, desde que ele virou um submundano.

— Eu tô ferrado.

— Não seja bobo. Raphael pode ser um pouco cabeça quente, mas é uma excelente pessoa. Um doce de menino.

— Ele me deu até quinta-feira para achar a Camille e entregá-la para a Clave ou vai me enterrar uma estaca no peito, mas fora isso é um doce mesmo. - Comentou sarcástico.

— Não gostei do seu tom, Shirley. - O feiticeiro avisou. — Bom, mais tarde chamo o Rapha e resolvemos essa briguinha entre vocês, mas vamos resolver seu problema de moradia. - Completou animado.

— Agora fui eu que não gostou do seu tom.

— Por mais que o Rapha te perdoe pela enorme mancada, e foi uma mancada imensa que você cometeu, eu duvido que ele deixe você voltar para o hotel porque apesar de um doce ele é meio rancoroso.

— Não tem ideia a quem puxou.

— Enfim, e você precisa de um local para morar até lá, e me refiro a uma casa realmente e não um depósito de barcos velhos.

— O seu banheiro ainda está vago? Ele é tão bonito. Eu poderia morar lá fácil - Brincou.

— Pensei que ia preferir o quarto de hóspedes, mas se prefere o banheiro…

— Um quarto?

— É.

— E com banheiro?

— Evidente. Odiaria que fizesse suas necessidades pela casa, Simone.

— Isso ia ser ótimo, maravilhoso - Ficou emocionado -, mas não posso aceitar isso. Eu não posso pagar tudo isso.

— Vai poder, porque eu vou te contratar.

Simon o olhou sem entender.

— Não confio no Alexander sozinho com Jace, e até que eu confie novamente, gostaria que alguém ficasse de olho. Esse alguém é você.

— Não sou espião, cara. Isso não é legal.

— E nem eu pedi para ser isso. Quero que seja a babá do Jonathan.

E Simon começou a rir.

— Desculpa, desculpa, mas é que isso é muito bizarro de ouvir. Tipo, não faz nem um mês que o Jace era um cara fortão, metido pra caramba e que me odiava. Agora eu vou ser a babá dele. - Explicou e até Magnus riu um pouco, pensando na situação.

— Do que estão rindo? - Jace perguntou antes de bocejar. Seus cabelos estavam espetados e em todas as direções.

— Quero contratar o Simon para ser a sua babá. Ele começou a rir á toa quando falei que ele não teria que dormir no banheiro.

Jace fez uma careta.

— Que nojo. Eu faço cocô lá. - O menino falou e o vampiro quase engasgou de tanto rir.

— Eu aceito, mas só com a condição de eu poder filmar e usar como chantagem caso ele volte a ser um adulto.

— Por mim, tudo bem.

***

Somente no começo da noite é que a campainha foi tocar.

Simon foi atender, enquanto Jace ficou pulando no sofá e Magnus conferia seus ingredientes de poções.

— Alec! - Simon comemorou quando o viu e o shadowhunter entrou, sendo prontamente abraçado por Jace que se enroscou em suas pernas. - Cara, você tá legal?

Alec o olhou com um rosto meio assustado e não conseguiu responder.

Magnus foi ao seu encontro quando ouviu a pergunta de Simon, e tomou um susto com a aparência do shadowhunter que parecia extremamente abalado.

— O que houve, Alexander? Onde está Isabelle? Achei que ela viria com você.

— Na enfermaria. Eu posso voltar outra hora. - Falou sem encará-lo.

— Não vai. - Jace o abraçou mais forte, não o deixando dar um passo sequer.

— É cara. Ele ficou te esperando o dia todo. - O vampiro disse, indicando o menino.

— Exato, Alexander. Não seja bobo. Fique. - Magnus fez coro. — Mas o houve com Isabelle? Você parece tão abalado. Ela está bem?

— Ela tomou uma facada nas costas da Clary, mas está bem.

— Facada?

— É. Tinha sido possuída por um demônio e a Clary a atingiu para que ele saísse.

— Entendo. Por isso está assim?

Alec finalmente o encarou. Tinha os olhos marejados.

— Não. É a Jocelyn.

— O que ela aprontou agora?

— Ela está morta.

— A Sra. F está morta?

— Eu a matei.