— Você não deveria usar essa calça, marca a sua bunda e desvia a atenção facilmente. Pelo menos a minha.

Pelo reflexo do espelho conseguiu ver-se arrumando o cabelo e ouvindo a voz familiar.

Jade.


Quando os olhos voltaram-se para baixo observou o pouco do quarto que pode alcançar antes de tudo sumir.

Os olhos abriram focando lentamente no teto do quarto da casa de André. Aspirou e suspirou esfregando o rosto, afastou o fino antes de levantar da cama massageando o pescoço que doía pelo travesseiro desconfortável, travesseiros duros eram ruins, mas os macios demais eram ainda pior.

Um André de pijamas estava na cozinha fuçando os armários quando se aproximou.

— Bom dia.

— Bom dia. Como foi sua noite?

— Boa – uma caixa de cereais com uma vasilha limpa e uma caixa de leite foram colocado em sua frente enquanto outra caixa era despejada na vasilha do amigo - É hoje que tenho que ir lá na casa da Jade?

— Parece que sim. E a casa também é sua... só pra constar.

Os olhos de Oliver voltaram-se para a tigela movendo a colher pela mistura por alguns segundos antes de levar a boca. Era o mesmo cereal que André gostava na adolescência, tal familiaridade era reconfortante.

— Você quer ir comigo?

Os olhos do homem negro estreitaram por alguns instantes ponderando antes da cabeça balançar negativamente.

— Não acho que a Sam ficaria feliz em me fotografar com você lá. Foge do plano dela.

Ainda conseguia lembrar da mulher dando ordens dois dias atrás e uma nova mensagem chegando dela avisando o que deveria fazer horas depois.

— Ela é meio diferente do tipo de garotas que o Fred se apaixonava na faculdade.

André concordou com um sútil manear de cabeça enchendo a boca de cereal.

— Ela é o total oposto do que ele gostava, inclusive, ele na época estava afim da amiga dela, Carly, uma estudando de comunicação que dividia apartamento com ela. Foi uma bagunça confusa enquanto ele tentava se aproximar dessa garota e sempre acabava batendo de frente com a Sam que vivia tirando sarro dele por ser frouxo demais nas palavras dela.

— Fred não é frouxo. Apenas inseguro demais às vezes.

Ou era...

— Ele precisou de 4 meses para conseguir chamar a Carly para jantar com ele – André argumentou com a informação que trazia um pouco de peso aos pensamentos de Sam.

— E como os dois não acabaram juntos?

— Ele passou o jantar inteiro falando da Sam, reclamando e tal. Acho que naquele momento todo o brilho que recaia em Carly aos olhos dele estava ofuscado pela raiva ao mesmo tempo em que a curiosidade batia porque eles haviam ficado um mês longe por alguma coisa que fez ela viajar.

— Fred se meteu em um triângulo amoroso? – a ideia soava absurda, mas Beck se viu tentando imaginar o amigo atrás da garota que supostamente deveria ser o sonho de nora para a senhora Benson e acabando atrás do pesadelo feminino de qualquer mãe – Acho que qualquer hora eu peço para ele me contar mais dessa história, talvez isso ajude a entender como fui acabar casado com quem casei – comentou fitando a vasilha pela metade com o alimento meramente saudável.

Pelo menos ele não era o único a estar com alguém fora de seu padrão.

— Honestamente cara, a Jade é problemática, mas também sabe ser incrível – todo humor deixou o amigo que empurrara a vasilha para um pouco longe tendo o espaço suficiente para apoiar os antebraços na bancada enquanto continuava – Se você procurar coisas na internet sobre ela vai desejar fugir pra Tailândia dependendo, mas uma vez você me disse que por trás disso tudo havia uma pessoa boa e surpreendentemente envolvida em causas semelhantes as suas.

A voz da mulher soou na cabeça do homem, quando está se apresentou seguida da pequena e maliciosa frase que ouvirá a pouco em seu sonho.

— Eu estou pensando no que fazer ainda – admitiu por fim.

— Só cuidado para não pensar demais.

André ergueu-se juntando as duas tigelas e contornando o balcão para colocá-las na pia ocupada por apenas uma caneta de algum time de basquete que Beck desconhecia.

Nós minutos seguintes só assistirá o amigo partir para o estúdio de trabalho com um pacote de salgadinhos para produzir algum tipo de música para o comercial de um iorgute diet que André comentou ter dois ou três potes na geladeira para saber um pouco do produto, hábito bastante comum dele.

Pegou o celular abrindo um aplicativo de mensagens para encontrar as da mãe, uma do pai, duas de Fred que mais eram vídeos idiotas e uma da esposa dizendo um horário apropriado para ir para o apartamento dos dois.

Por que deixa-la preparar o melhor cenário para eles quando poderia ir e ver o mais natural?

O porteiro atrás do balcão o olhou com um expressão surpresa quando entrou no saguão o dando bom dia antes de seguir para o elevador sozinho. Quando as portas abriram em um andar com 4 portas, seguiu para a última cujo o numero estava no chaveiro que a esposa do amigo havia lhe dado no envelope. Só não sabia se deveria se ofender ou não por ter um pingente em forma de toupeira preso ali também.

A porta destrancou com facilidade, entrou. Os olhos rodavam olhando cada parte da sala com brinquedos de cachorro no tapete felpudo e toda uma decoração bastante básica que poderia passar a imagem de ser obtida facilmente e por um preço bastante razoável, mas o autografo em um dos quadros pôster de uma banda o fazia questionar isso seriamente.

Os olhos pousaram por um momento na mesinha de vidro com um notebook fechado e papeis embaixo de pesos de papel e canetas coloridas, conseguia até ver as marcações das canetas em uma ou outra folha.

Ela esteve trabalhando.

Um pequeno sorriso ameaçou se repuxar nos lábios do homem ao imaginar a mulher ali.

Então os olhos foram para a cozinha e os pés seguiram na mesma direção, tão organizada com direito a uma lista das coisas que deveriam ser compradas sobre a bancada e um par de canecas combinando bem a mostra, os dedos tocaram a superfície se arrastando até ter as peças nas mãos. Ter algo combinando com a namorada era um desejo que sempre se pegou tendo na adolescência quando o desejo de ter uma namorada o abateu e o primeiro relacionamento foi alcançado. Naquela época o namoro não chegou nem ao ponto de terem anéis de compromisso infelizmente.

Embora ainda fosse estranho, o pequeno fato aquecera seu coração minimamente e, esse sentimento talvez tivesse se prolongado se a atenção não tivesse caído nas garrafas de vinho na pequena adega bebidas bem organizadas com apenas uma garrafa de bebida alcóolica fora por não se tratar de vinho e sim uísque, que estava pela metade.

Parecia de ótima qualidade.

Guardou as xicaras de volta no lugar, saindo do cômodo para o corredor.

O banheiro era espaçoso e decorado de forma impessoal, o quarto de hospedes estava com uma caixa sobre a cama que o chamou a atenção, mas ao ver o remetente e as fitas mantendo lacrado, se afastou entrando no escritório que não estava tão perfeito.

A mesinha da sala era uma amostra do trabalho da morena em comparação ao cômodo com um quadro branco na parede rabiscado, uma bilha de livros bagunçados em um canto sobre uma poltrona e mais bagunça na mesa. A única coisa mais organizada era a estante com prêmios e alguns porta-retratos de momentos importantes para a morena.

O maior porta-retratos tinha uma foto dos dois com roupas de casamento de algum ensaio, pois estava sentado em uma cadeira e a morena sentada na mesa com um olhar tão malicioso cativante que o fez se perder admirando-a ali.

Porque até em fotos ela parecia que o convidaria para irem para um quarto a qualquer momento?

Os latidos o fez desviar a atenção do objeto para a porta onde assistiu o animal de pelagem escura surgir animadamente vindo em sua direção e saltando como uma criança que esperava ser pegada.

— Hey garoto, como você tá?

Mais latidos soaram seguido por uma voz feminina e sem surpresa esperou até vê-la surgir também.

— Beck, o que faz aqui? Você deveria vir apenas à tarde.

— Eu estava com um pouco de tempo – soltou quando o cão se afastou para os pés da mulher que afagou suas orelhas ainda o olhando em busca de algo mais que ele não soube decifrar – Como você está?

— Bem, quer beber algo?

— Claro.

Quando ela girou sobre os calcanhares e partiu o cão voltou para acompanha-lo enquanto seguiam para a cozinha onde ocupou uma das banquetas e o cão sentou ao lado da geladeira enquanto a mulher movia-se pegando coisas nos armários e preparava algo parecido com um café da manhã.

— O escritório sempre fica daquele jeito? – não resistiu a perguntar, era o único lugar bagunçado que vira e esperava sinceramente que o quarto fosse como o resto da casa.

— Geralmente quando estou em processo de criação – ela respondeu enquanto arrumava as coisas e pegava as canecas que combinavam para os dois, isso o fez sorrir – Se as coisas chegavam a uma “bagunça” muito grande você vinha tentando limpar atrás de mim sem que eu percebesse. Você tentava usar ele de vez em quando, mas eu monopolizo muito o espaço fazendo-o desistir rápido.

Ele assistiu a mulher ocupar a banqueta com a caneca nas mãos e levou até o rosto inalando o aroma da bebida antes de finalmente beber. Ele apenas bebeu um gole constatando que o gosto era muito bom.

— Sam mostrou aquele vídeo que você fez – começou sem fita-la a precipício – Obrigado, mas você não acha que foi meio... Questionável para alguém que estava pedindo respeito e espaço, parecia mais que você queria assustar as pessoas.

— Esse é o meu jeito – a mulher deu de ombros – Te deixou incomodado?

— Não sei dizer, eu não sei o que esperar de você.

— Espere o pior – a esposa riu sutilmente lhe lançando aquele olhar cativante – Passe o dia comigo e descubra um pouco disso.

— Eu tenho que almoçar com os meus pais hoje. Eles estão preocupados comigo por causa dessa situação. Falou com a sua família?

— Só com o meu irmão – a menção o fez lembrar vagamente de Fred citando o West mais jovem e próximo da esposa.

— Ele deve estar preocupado com você.

— Eu posso me cuidar bem, ele entende isso. Não tem necessidade dele ter que ficar se preocupando com meus problemas.

— É pra isso que serve a família, eles se ajudam nesses momentos – o pensamento o deixou antes que pudesse se conter.

— Você me disse essa mestra frase, no passado – um pequeno sorriso adornou os lábios femininos chamando-lhe a atenção para logo em seguida ser o foco da atenção da mulher e sentir dedos quentes se sobreporem sobre os seus no balcão.

— Imagino que sim – murmurou desconcertado enquanto afastava a mão para pegar a xicara – Eu devia ser um bom marido para você.

— Você era ótimo. Talvez o problema estivesse em mim – Jade respondeu deixando que sua atenção fosse tomada pelo cão que pulava em seu colo a fazendo levantar e pegar o que ele descobriu serem biscoitos caninos.

Se tinha a intenção de toca-lo novamente Jade não fez pelo resto do tempo e a distância que ela instalou pelos minutos seguintes que foram dedicados ao animal apenas o fizeram se questionar se estava fazendo o certo em ir com calma ou deveria se bater por ter feito algo errado.

~*~

Beck decidiu que gostava desse restaurante escolhido pela mãe no momento que entrou e ouviu a musica sendo tocada e a atmosfera tranquila o fazia querer sentar em uma das mesas e pedir uma cerveja sem se importar com a hora.

Com um espaço tão amplo era fácil se localizar e a outras pessoas, então não foi difícil encontrar a mãe em uma mesa que lhe sorriu de forma brilhante fazendo um sinal para se apressasse e fosse rápido ao seu encontro.

Se não visse as pequenas linhas de expressão no rosto da mãe quase conseguiria fingir que fosse uma das visitas da mãe ao país para visitar os familiares residentes e ele, como ela sempre fazia a cada 6 meses com o intuito de saber se estava mesmo bem ignorando todas as vezes que dizia que sim. Nem Fred, André ou ele eram os melhores cozinheiros, mas sabiam o básico para viverem sem ter que recorrer a coisas instantâneas o tempo todo. Até gostava de comprar frutas para comer no meio do dia e fazia exercícios, então provavelmente não morreria de alguma coisa causada por sedentarismo posteriormente.

O pai não estava na mesa, à mãe estava acompanhada e uma bela moça de pele pálida e cabelos curtos e escuros que se ergueu junto à mãe para cumprimenta-lo.

— Eu não sei se você se lembra, mas por via das dúvidas essa é a Ellen. Sua amiga da faculdade que uma vez você me apresentou – a mãe deu a explicação com entusiasmo tocando o braço da moça que era alguns centímetros mais baixa que ela.

— Desculpe, mas eu não me lembro.

— Não tem problema – ela o tranquilizou estendendo a mão, a voz era agradável e ela parecia tão à vontade com a ideia de não ser lembrada que quase o fazia não sentir culpa – É um prazer conhece-lo novamente, Beck.

— Igualmente.

Disfarçadamente direcionou um olhar para a mãe questionando a situação.

— Vamos sentar um pouco. Já fizemos o pedido.

— Faz tempo que não nos víamos – Ellen comentou colocando os cabelos atrás das orelhas sutilmente.

— Porque vocês então não ficam aqui conversando enquanto eu vou encontrar meu marido para visitarmos minha irmã – a mãe comentou com um olhar que Beck reconheceu como o furtivo provido de segundas intenções que a mãe sempre tinha quando queria fazer algo acontecer.

A noção caia lentamente sobre sua cabeça enquanto um garçom se aproximava com uma bandeja trazendo os pratos escolhidos pela mãe e Ellen.

Só poderia ser uma piada.

Ela não poderia ser capaz de lhe arranjar um encontro às cegas quando sabia que já era casado.

Ela não faria isso com Jade, mesmo a odiando tanto.