—ALERTA! ALERTA!- Uma voz era ouvida da parte de cima do navio.


Haruka acordou.


Merda, havia cochilado.


Rapidamente subiu as escadas para tentar ver onde estavam.

—O que aconteceu?- Haruka perguntou para o homem velho que estava cuidando de lá.

—Ouvi barulhos de tiro.- Ele explicou- E o mar está furioso.

Haruka olhou pra cima, vendo o céu sem estrelas e recheado de nuvens.

—Da onde veio o tiro?- Haruka ajeitou sua roupa.

—Não sei. Pareceu distante.- O velho informou- Senhorita, acho que...

Haruka não deu tempo dele falar algo, pois pulou na água sem pensar duas vezes.

—SENHORITA!- O velho se esgueirou pra ver a mulher sumindo na água.

—O que houve?- Kino surgiu.


—A senhorita pulou na água.- O velho apontou.

—O que?- Kino se assustou- Ela fugiu?

—Não acho que seja esse o caso.- Yuuri sugeriu- Ela seria mesmo burra o suficiente pra fugir agora. Principalmente nesse clima.

De repente a atenção deles foi para um navio que se aproximava, com a bandeira da família
Rosemary tremendo.


—Ah, feiticeiros.- Yuuri suspirou- Preparem as armas.

—O que? Lutar?- Kino se assustou- EU NEM CONHEÇO ESSE POVO!

—Mas a senhorita deve conhecer.- O velho apontou pra distância.


Haruka estava com as mãos em forma de garra, subindo em água. Seus olhos brilhavam em azul, e seus cabelos da mesma cor estavam molhados pelo oceano.

—ATACAR!- Ouviram os Feiticeiros gritarem.

Haruka fez um gesto de círculo com as duas mãos e estendeu os dois braços, criando uma bolha de água em volta do navio.


Flechas mágicas verdes e amarelas surgiram do céu, atingindo a de cabelos azuis.

—Ela é suicida.- Kino decidiu.

Haruka não se deixou abalar e estourou a bolha de água, fazendo todos se molharem.

Ela então se jogou de volta na água.

Ela fez outro gesto de garra, se arrastando pra horizontal agora.

De repente uma grande onda começou a se aproximar do navio Rosemary.

Então uma bolha de feitiço se aproximou do navio deles.

—COBERTURA!- Yuuri berrou.


Kino não se moveu do lugar.


Quando a bolha de magia se aproximou demais, a água debaixo do navio os puxou pra baixo.


Haruka se grudou no navio, com uma palma estendida.


De repente, uma espécie de bolha de ar estava por todo o navio, como se a água estivesse se repelindo dali.


Kino olhou Haruka, que parecia respirar e ver normalmente debaixo da água.


Ela fechou o outro punho,e só ouviram o barulho de explosão enquanto água caía do céu, junto com pedaços do navio e... Pessoas.


Haruka começou a nadar, puxando o navio com uma corda invisível.


Kino percebeu que a pele dela perto dos braços estava levemente azulada e escamosa, como se ela fosse realmente um peixe.

Haruka nadou e nadou até chegarem em terra firme.

Ela então segurou o navio por baixo e fez um sinal pra todos saírem.

Kino foi rápido em obedecer, e pediu pra todos saírem.

Vários minutos depois, Haruka surgiu, completamente molhada e cansada:

—Bem, perdemos o navio.

Todos só conseguiam olhar chocados pra ela.


—_____________________________________________________________

Narração Sofie


Nada, absolutamente nada, podia piorar a situação.

Nesse exato momento, ela e Brunna caminhavam pela vasta estrada de areia das Terras Livres dos Feiticeiros. Pastos independentes.

As duas tinham os cabelos mais emaranhados numa juba possível, estavam suja de terra e poeira da cabeça aos pés.


As roupas, antes novas e limpas, agora estavam rasgadas e sujas em várias partes.

E as mãos de ambas estavam amarradas firmemente com uma corda enquanto várias pessoas e cavalos andavam atrás e na frente delas.

Tudo estava indo bem, sinceramente.

Haviam chegado no Reino Feiticeiro a aproximadamente três dias atrás. Foram direto para as Terras Livres seguindo um mapa de Cousie. Pelo menos lá eu não teria que encarar a família Rosemary ou qualquer um de seus guardas.


Além disso, se existia lugar naquele mundo pra fazer propaganda política, era nas Terras Livres.

Mas tudo caiu aos pedaços quando elas pararam numa taverna para comer e beber, mas foram absurdamente denunciadas de sua presença.


E capturadas pela Rebelião.

Ma.ra.vi.lho.so.

Haviam andado tanto a pé que eu mal sabia se eu ainda ia os ter no meu corpo ao final do trajeto.


Eu também estava faminta. Eu não comia desde a tarde de ontem, quando nos pegaram no meio da estrada e simplesmente nos cercaram com cavalos.


E o sol estava escaldante, praticamente fervendo a areia, o que provavelmente dizia que era meio dia.

Era quase compreensível que alguma coisa assim pudesse acontecer.

Não sabíamos que a área das Terras Livres estava minimamente dominada pela Rebelião.

Além disso, nosso grupo era formado por só nós duas. Sabe qual outro lugar tem duas pessoas? O Reino Demônio. Com Cousie e Priya.

A diferença é que elas estavam em segurança por vários e vários criados, além de dois Primeiro-Sangue.

Eu e Brunna? Não tínhamos nada.


Nós duas trocamos um olhar, e eu sabia que ela também estava sofrendo com aquela dor de cabeça imensa que era falhar.

Dois homens eram responsáveis por nos cuidar estavam ao nosso lado, montados em cavalos negros.


Ambos tinham os cabelos negros mais cacheados e longos, e a pele negra que combinava com os traços grossos e marcantes do rosto. Eles usavam roupas de calor.

Um deles até estava sem camisa.

Analisando os homens ao meu lado, levei um susto quando tropecei nos meus próprios pés.


Não cheguei a cair, foi apenas um susto.

Brunna tentou encostar mais em mim, quase como se quisesse me dar apoio pelos ombros.

Mas foi o suficiente pra que o homem sem camisa lançasse seu chicote contra meu quadril, me fazendo arfar por ar pelo susto e dor.

Tentei manter a pose mesmo assim.


Brunna me olhou, dessa vez mais preocupada.

Eu só encarei os rapazes como resposta, que riram da minha expressão.

Eles nem pareciam ter muito mais de vinte anos.

—Talvez ela viu um fantasma- O que usava roupas de couro comentou em francês.- A amiga da minha mãe viu um fantasma e o cabelo ficou branco.


Olhei pra Brunna, entendendo que ela também havia sacado que estavam falando dela.

—Pessoas brancas tem medo do sol.- O mesmo riu na mesma língua- Queima a pele desse. Essa ficou tempo demais no sol e o cabelo ficou branco.

—Acha que ela tem pelo lá embaixo branco também?- O sem camisa questionou ainda em francês, olhando Brunna de cima a baixo- Já esteve com uma menina de cabelo branco lá embaixo?


—Só quando transei com sua vó.- O de roupa de couro respondeu, rendendo uma risada do amigo.

O sem camisa então mandou um beijo pra Brunna, que fechou mais a cara ainda.


—Vou pedir pro Chefe uma noite com você.- Ele disse, ainda em francês.- O que acha?

—Tem olhos belos, mas é uma idiota.- O de roupa de couro respondeu

—Ela não tem que ser inteligente pra ser comida de jeito.- O sem camisa retrucou.


—Eu gosto de conversar quando termino. Se não for assim, somos cachorros.- O de roupa de couro respondeu.

Olhei pra cima, vendo a areia subir com a movimentação.

Chegamos numa espécie de vila aberta.


Algumas tendas estavam espalhadas. Vários cavalos com seus donos, e pedaços de animais mortos pendurados como se estivessem prontos pra serem assados.

Nunca havia visto um lugar assim.

Várias mulheres andavam com os peitos de fora, o que me fazia corar. Mas fiquei meio chocada quando vi uma mulher beijando outra mulher e um homem beijando outro homem por perto.

—Achei que aqui era proibido essas coisas.- Sussurrei.

—Eles são a Rebelião.- Brunna respondeu- Pelo menos algo ruim eles tem que ser contra.

Os dois homens desceram de seus cavalos, e cada um deles pegou uma de nós agressivamente pelo braço, nos levando a uma grande tenda que ficava no centro.


Nela, vários homens estavam sentados e mulheres atrás deles.


O homem mais alto também usava roupas de couro, mas tinha os cabelos pretos e os olhos azuis, uma barba por fazer e sua eles era branca.

—Pra você, meu Chefe.- Um deles disse, nos parando em frente ao homem.- As duas meninas que achamos na estrada.

Eu sem querer me encolhi, o olhar analítico do "chefe" me dando calafrios.

—Olhe esses lábios.- O chefe respondeu, em francês.

Por favor, por acaso isso era uma colônia francesa? Todo mundo fala francês aqui?

E eu sou obrigada a traduzir tudo?


Santo Deus.


—Mulheres de olhos azuis são bruxas.- Uma das mulheres tirou a atenção de seu pote para olhar pra Brunna- E esta é filha de Molly Herbert.

—Todos sabem.- Uma outra que estava ao seu lado concordou.

Engoli em seco.

Agora eles conheciam minha mãe também.


—Corte a cabeça das duas antes que enfeiticem você.- A primeira mulher continuou.


Segurei uma bufada irritada.


O homem nos olhou de cima a baixo.


—Mesmo se eu fosse cego, eu ouviria minhas esposas falarem que eu cortasse a cabeça das duas...- Ele se levantou e andou na nossa direção- E eu saberia que as duas mulheres eram lindas.


Pisquei devagar pra que desse tempo de revirar os olhos.


—Que bom que não sou cego.- Ele continuou.- Ver uma mulher nua pela primeira vez... O que é melhor que isso?

—…Matar um rei?- Um dos homens que estava sentado sugeriu.


O chefe suspirou bravo:


—Sim, matar um rei.

—Conquistar uma cidade e liberar os reprimidos?- Outro sugeriu também.- E levar as mulheres pra Casa Feminina.


—Adestrar um cavalo selvagem, o forçando a se submeter a sua vontade?- O primeiro continuou.


—Ver uma mulher nua pela primeira vez está entre as cinco melhores coisas na vida.- O chefe respondeu com raiva, calando os outros.

Ele então pegou Brunna pelo colarinho, que foi rápida em responder em francês:


—Não me toque.

Os homens estranharam, parecendo quase confusos com o comportamento de Brunna.


As mulheres se entreolharam.

O homem se afastou, e foi minha vez de falar:


—Sou Sofie Herbert da família Herbert. A Não-Queimada. A quarta filha. Ex-princesa Rosemary. Princesa Sakamaki. Participante da Patrulha das Mulheres. Nascida do granizo e Mãe de Drakons.

Respirei fundo, não quebrando contato visual com ele.


Todos estavam em silêncio, até começarem a rir.

Me senti levemente desestabilizada.

O homem então me pegou pelo pescoço.

—Você é ninguem, princesa de nada, esposa de Valari.- Ele me olhou profundamente.- Hoje as duas deitarão comigo. E se os santos quiserem, pelo menos uma me dará um filho. Entendeu?


Senti meu corpo estremecer com o pensamento.

—Não deitarei com você.- Respondi- E não terei filhos nem com você nem com ninguém. Meu ventre não será dominado. Não até a última noite de lua vermelha da década. Não até grandes poderes serem recebidos e mudanças assumidas.

Eu poderia ser Eve.

Mesmo que aquilo fosse odioso, eu não ia estragar com o que podia ser nossa chance de acabar com KarlHeinz por dentro.

—Eu te disse que ela era uma bruxa.- Uma mulher respondeu.- Corte logo a cabeça das duas.


—Eu gosto dela.- Valari nos olhou- Das duas. Elas tem espírito.


—Tenho um relacionamento com Ruki Mukami, filho adotivo de KarlHeinz.- Brunna respondeu, quase debochada.- E ela com Ayato Sakamaki, filho biológico de KarlHeinz.

Ele então se afastou rapidamente.


—Me perdoe. Eu não sabia.- Valari pareceu chocado- É proibido se deitar com a mulher de outro. Ninguém irá tocar em vocês.

Olhamos ao redor.

—Tem minha palavra.- Ele pegou uma faca do cinto e rasgou as cordas de nossa mão.


Mexi os pulsos pela primeira vez, sentindo eles arderem.


—Se nos escoltarem de volta pro Reino Vampiro...- Brunna respirou fundo, mantendo sua pose- Farei com que sua Rebelião receba cem cavalos como um sinal de nossa gratidão.

—Quando os homens estão longe, só existe um lugar pra suas mulheres solitárias ficarem até eles chegarem para buscar elas.- Valari se sentou de volta.

—A Casa Feminina. O Templo das mulheres da rebelião.- Uma das mulheres respondeu.

—Para viverem seus dias umas com as outras.- Outra sorriu.- Todos sabem.

Eu e Brunna trocamos um olhar.

—Levem as duas imediatamente.- Valari mandou- Mandarei uma carta pra seus maridos falando sobre o ocorrido. Vocês serão julgadas hoje á noite sobre seu destino.

Nada mais humilhante.

Os dois que haviam nos levado até lá nos puxaram de novo, subindo em seus cavalos e guiando o caminho.

—_________________________________________________________

Andamos por mais meia hora. Eu tive que parar pra absorver aquilo.


—Mulher, ande.- O sem camisa pediu, e eu fui rápida em obedecer.

O lugar era realmente um templo. Grandioso, feito de pedras.

Só na entrada, várias mulheres já estavam socializando. Algumas eram bem velhas, provavelmente viúvas. Mas já haviam mulheres mais novas, algumas parecendo adolescentes, e mulheres grávidas.

Brunna apertou minha mão, parecendo tão chocada quanto eu.

—Bem vindas, mulheres.- O de roupas de couro.

Os dois saíram de seus cavalos e nos escoltaram até dentro do local.

Era bem espaçoso. Pequenos colchões de ar estavam espalhados por todo o lugar, e haviam grandes tochas penduradas.

Percebi que estávamos rodeados de várias meninas também, e uma mais velha estava no meio.

—Vá.- Ela comandou para os homens, também em francês.


Eles foram rápidos em entender o recado.

E fecharam a porta na saída.

A mulher então fez um aceno de cabeça, e várias outras meninas nos cercaram e começaram a nos segurar.


Me debati:

—O que estão fazendo? Tirem as mãos de mim!


Mas não pude falar muita coisa antes que eu e Brunna estivéssemos completamente nuas e expostas.


Nossas espadas foram colocadas num canto.


Uma última mulher foi pra trás de mim e tirou meu colar de borboleta, o jogando junto com as espadas.

Ela então pegou nossas roupas e colocou num cesto, logo depois pegando uma das tochas e ateando fogo nelas.

Duas meninas nos entregaram dois sacos de batata pra vestir.


Não eram literalmente dois sacos de batata.

Mas certamente pareciam.

Fui rápida em me vestir.

—Fez um grande erro.- Brunna disse- Um dia vai se arrepender. Somos da Patrulha das Mulheres.


—Sabemos quem vocês são.- A mulher se virou pra nós- Já ouvi histórias demais. O casamento de Victoria Herbert. E então o noivado de Sofie com Robert. Temos que agradecer, na verdade. Foram as primeiras rebeldes.

—Oi?- Brunna disse, nem se importando com o francês.

—O discurso que fizeram na frente do Castelo Vampiro. Certamente inspirador.- A mulher pareceu meio irritada- Estávamos certos que iriam se juntar a nós e então foram pra Rainha Demônia. Logo vocês. Sendo a favor da monarquia, quem diria.


—Nossa luta é tão revolucionária quanto a de vocês.- Retruquei.

—Me juram?- A mulher respondeu- A Rebelião se formou de pessoas rejeitadas pela sociedade. Aqui mulheres são livres pra fazerem o que quiserem, podem transar e se casar livremente. Pessoas não-brancas são protegidas de qualquer malefício. Mulheres e homens podem se casar com quem e quantos quiserem.


Ela nos encarou totalmente:

—Damos alimento, moradia gratuita para nossos fiéis. Agora me diga. O que seu governo liderado por pessoas brancas, hetero e ricas tem feito por nós?

A olhei. Ela parecia ter por volta dos cinquenta anos. Tinha a pele negra e os cabelos da mesma cor desgrenhados. Apesar disso, estava bem cuidada.

Eu não tive coragem de responder nada. Pensando bem, ela estava certa.

Apesar de tudo que tentamos revolucionar, ainda estamos presas numa bolha. Somos majoritamente brancas, então obviamente não fizemos nada sobre os que não são.


Temos pessoas LGBT em nosso círculo, e todas são admiráveis. Mas em algum momento falamos sobre direitos deles? Legalizar casamento homossexual e poligamia?

Não me recordo.

E obviamente, somos todos ricos mimados. Então claro que não falamos nada demais.

Mas e as pessoas que passavam fome? Que nao tinham casa?

A pior parte é que eu me toquei que mal sabia das propostas de Cousie pra essas pessoas.


Bem, eu teria que conversar bem sério com ela quando fossemos embora.

—Vocês não queriam uma revolução e igualdade?- A mulher questionou- E agora cá estão. E serão julgadas. Felizes?


Eu e Brunna não respondemos nada.

—Vão jogar uma água no rosto. Teremos uma reunião com as outras mulheres para apresentar vocês a elas.- Ela então comandou.


Eu e Brunna corremos juntas e nos trancamos no primeiro banheiro que vimos.

—Que merda de lugar é esse?- Brunna escorreu pela porta.

—Uma das colônias rebeldes, eu imagino.- Respondi, abrindo uma pequena tornei que existia, passando água no meu rosto.


—Mas por que diabos estamos em julgamento?- Brunna respondeu- Somos inocentes! Só estávamos andando e aí eles nos sequestraram!


Olhei pra ela séria.

—O que fo...- Ela então arregalou os olhos- Ah! Você matou um deles! Manjei, manjei.

—Agora a gente vai ser julgada por uma coisa que eu já fui julgada, olha que daora.- Ironizei, e então afundei meu rosto nas mãos- Deus... Não tem como mandar sinal de fumaça pra alguém vir nos buscar.


—Eles não podem nos ferir.- Brunna retrucou- Os Sakamaki ou as Creedley pagariam pela nossa vida. Eu sei disso.

—Claro que pagariam. Essa não é a questão.- Suspirei- Eles aceitariam dinheiro da monarquia?


Eu respirei fundo:


—Além do mais. Eles são nossos inimigos.

Brunna me analisou por alguns segundos.

—Você não quer destruir eles?- Brunna pareceu confusa.


—Aquela velha estava certa. Eles pelo menos estão fazendo algo de verdade abrigando os rejeitados.- Eu abaixei a cabeça.- Nós até agora basicamente só nos importamos com nós mesmas.


—Estamos controlando do que somos capazes.- Brunna levantou meu rosto- Sofie, você é a garota mais inteligente que eu conheço. Saiu do fogo viva e ainda sobreviveu tempo suficiente pra ter informações sobre os Rosemary. Se tem alguém que consegue pensar nessas coisas, é você.


—Temos que ir.- Eu pigarreei- Vão começar a achar que fugimos se demorarmos muito.

—Poderíamos fugir.- Brunna apontou pro corredor.- Limpo.

—E então provariamos ser as covardes que pensam que somos.- Eu respondi- Enfrentaremos nosso julgamento. Agora vamos.

Estendi minha mão pra ela, que a apertou.


Andamos devagar até chegarmos a roda de mulheres. Nos sentamos lado a lado.

—E cá estão elas.- A mulher apontou pra nós.- Meninas, essas são Brunna e Sofie. São ex mulheres da famosa Patrulha.

Ex?

—Foram achadas por aqui e serão julgadas essa noite.- A velha voltou a falar.- Talvez a tomem como esposas ou as matem. Mas oremos pra que o destino delas seja mais gentil e que elas possam ficar aqui conosco.

—São viúvas?- Uma menina de aparentes dezessete anos questionou.

—... Não.- Brunna hesitou- Nossos parceiros são vampiros e estão longe.

—Não devem amar muito.- Uma grávida retrucou- Deixaram vocês irem tão longe descuidadas.


—Não precisamos da... Permissão deles... Pra sair?- Fiquei confusa.


—Estou confusa. Vocês não são humanas?- Uma questionou.

—A de cabelo escuro tem sangue feiticeiro.- Outra corrigiu.

—Algumas delas não acham que seres mágicos deveriam cruzar com estrangeiras.- A velha explicou, sentando mais do nosso lado enquanto as outras meninas conversavam entre si.- Estúpidas. Não percebem que sempre diluimos nosso sangue. Aquela é Rhazar.

Ela apontou pra uma jovem menina de cabelos castanhos até a cintura e olhos negros.

—Seu marido a havia achado escondida numa vala depois de queimar o vilarejo dela.- A velha continuou- Quantos anos tinha?

—Doze.- Rhazar respondeu.


—Um ano depois, ela lhe deu uma filha.- A velha prosseguiu- Como que ele mostrou sua felicidade e gratidão?

—Quebrando minhas costelas.- Rhazar voltou a falar.


Não pude deixar de olhar pra baixo.

—Não somos rainhas aqui, mas eles dependem de nós pela nossa sabedoria.- A velha disse.- Nossas vidas significam algo.


—Mais do que muitos tem.- Brunna respondeu.


—Quando fizerem seu julgamento amanhã, espero que deixem vocês viverem seus dias conosco.- A velha sorriu.- As outras possibilidades não são tão agradaveis.

—Eu preciso de ar fresco.- Me levantei.

—Não pode fugir da Rebelião.- A velha se virou pra mim- Sabe disso.


—Nunca iria fugir da Rebelião.- Eu respondi sem nem olhar pra ela.

—Rhazar, acompanhe ela.- A velha comandou.

Saí rapidamente, percebendo que a noite já caía. Rhazar vinha logo atrás de mim.

—Eu só precisava respirar- Eu fui andando- As velhas fedem.

—Realmente elas fedem.- Rhazar riu.

—Devia ser nova quando seu marido morreu.- Opinei calmamente.

—Dezesseis.- Ela concordou.

—Que pena que ele não morreu antes.- Eu ri, olhando pra garota acanhada.


—É, que pena.- Rhazar riu.

Continuamos a andar, até que ela disse animadamente:


—É verdade que você tem 3 Drakons?

—Bem... Agora são dois.- Eu expliquei- Um é meu e outro da minha irmã mais velha.

—E eles cospem fogo?- Rhazar pareceu admirada.

—Sim.- Eu sorri, olhando pro céu. Já fazia muito tempo que eu não via meu drakon- Quer conhecer eles um dia?

—Nunca poderei abandonar a Casa Feminina. Até o dia que eu levantar como fumaça da pira no dia onde morrer.- Rhazar deu de ombros.

De repente uma mão surgiu, tampando a boca de Rhazar e colocando uma faca no pescoço dela.


—Da onde você veio?!- Eu estava abismada.

—Você sabe que eu sei dar meus pulos.- Brunna revirou os olhos.


Eu abaixei a faca do pescoço de Rhazar.

—Nunca sairemos daqui vivas.- Eu Opinei.

—Mas podemos tentar.- Brunna retrucou.


—E você...-Me virei pra Rhazar- Tenha fé em mim. Não me traia.


Ela concordou com a cabeça assustada. E então Brunna a soltou.


—Esconde a faca, sua louca.- Eu joguei a faca da mão dela fora.- Confie em mim, precisamos de um plano.


—_____________________________________________________________

Horas depois, já no meio da noite, eu e Brunna aguardávamos na frente de uma construção.

O lugar parecia feito de palha e madeira, de tão frágil que aparentava

Estava frio. E aquela roupa não fazia praticamente nada pra me cobrir.


Rhazar e a Velha estavam ao nosso lado, aguardando.

—Tragam as duas humanas.- Eu ouvi lá de dentro.


A Velha abriu a porta, permitindo que nós três entrássemos.

Ela então saiu quando ficamos em frente aos homens. Rhazar deu um aceno respeitoso com a cabeça na nossa direção.

A porta então se fechou.


—Quem se importa com elas? São anãs.- Um criticou.


—Eu gostei delas.- Outro sorriu- Mais brancas que leite.

—Eu gostaria de saber o gosto de uma humana.- Um outro ainda disse.


—Elas pertencem á Casa Feminina como nossa prisioneira.- Valori disse.

—O Reino Vampiro vai querer ela.- Um outro retrucou.- Soube que os príncipes iriam oferecer dez mil cavalos em troca delas se soubessem que estavam aqui. O que vale mais? Duas menininhas rosas ou dez mil cavalos?


—Que se fodam os príncipes vampiros!- Valori brigou- Eu pego os cavalos deles eu mesmo! Eu sou o líder dessa rebelião!


—Querem saber o que eu penso?- Ofereci.


Todos me observaram.

—Prefere ser vendida como escrava?- Valari questionou.- Ou talvez prefira mostrar pro Rako como é seu gosto mesmo?

—Não.- Neguei.- Não quero nada disso.

—Não ligamos pro que você quer.- O tal Rako criticou.

—Esse é o templo das mulheres rebeldes.- Valari explicou- Você não tem voz aqui a não ser que seja uma mulher rebelde. O que você não é, até decidirmos que é.

—Brunna, poderia se retirar?- Me virei pra minha amiga.

—…Tem certeza?- Brunna hesitou.

—O que está fazendo?- Um resmungou.

—Será breve. Prometo.- E então olhei pra minha amiga de novo.


Brunna foi embora devagar e fechou a porta.

—Eu sei onde estou. Eu tenho sangue feiticeiro, então meus ancestrais já estiveram aqui.- Eu comecei a andar.- As Terras Livres foi onde a batalha final da Rebelião do Robert aconteceu.

—E o que aconteceu?- Valari quase riu- Sua mãe era uma feiticeira tola, que se deixou ser levada por um vampiro. Pessoas morreram por causa dela.

—Foi onde Robert e KarlHeinz duelaram pela "honra" da minha mãe. A parte mais engraçada é que demorou quase nada para que eles fizessem um tratado de paz. E então minha mãe estava grávida de um vampiro. E ela que foi esquecida e seus poderes foram tirados. -Passei por eles- Foi nesse Reino onde minha mãe foi taxada de louca por queimar o castelo do seu psicopata que chamava de prometido.


Continuei andando, passando por tochas:

—Vocês como rebelião prometeram matar os homens de ternos de ferro e destruir suas casas de pedra. Juraram por tudo que acreditaram.

—Você está sendo estúpida de perceber isso agora.- Valari me interrompeu.

—E agora, quais grandes assuntos a grande rebelião discute?- Cruzei os braços- Quais vilas vão invadir, com quantas mulheres vão transar, quantos cavalos vão pedir como tributo. Vocês são homens pequenos. Nenhum de vocês é apto pra liderar essa rebelião. Mas eu sou.

Arqueei uma sobrancelha:

—E eu vou.

Os homens então riram.

Dessa vez continuei séria e de cabeça erguida.

—Ai, ok.- Valari riu- Então sem Casa Feminina pra você. No lugar disso vamos revezar quem te come e então vamos deixar nossos colegas de sangue comerem você e sua amiga uma na frente da outra.


Ele andou e me encarou.


—E se algo sobrar de vocês duas, podemos dar espaço pros nossos cavalos.- Valari me ameaçou.


Apesar de ter medo, sorri.

—Sua vadia louca.- Valari brigou- Achou mesmo que íamos te servir?

Coloquei minha mão numa das tochas e apertei.


Os homens se assustaram.

—Vocês não vão servir.- Eu os encarei.- Vocês vão morrer.


Sem medo, derrubei a tocha no chão, que foi rápido em ser dominado pelo fogo.


Ouvindo os gritos dos homens, derrubei mais uma tocha por perto.

E então mais uma.

Me afastei um pouco das chamas, encarando a maneira assustadora como tudo era dominado pelo fogo.

Alguns homens tentaram escapar arrombando a porta, mas não havia como fugir.


Valari estava mais longe, tentando correr. Eu o encarei com outra tocha em mãos e empurrei a última na direção dele.


Fogo era tudo que eu via.


Eu ouvi choros e sustos vindo de fora. Crianças, homens e mulheres.


Vaguei até achar a porta.


Eu sentia o calor me dominar, mas não sentia dor.


As pontas dos meus cabelos estavam queimadas, e tudo que eu estava vestindo já havia virado cinzas.

Com minha mao, empurrei a porta e ela caiu.

Consegui andar do fogo, vendo a noite estrelada do fundo.

Respirei fundo, o fogo crepitando atrás de mim enquanto todos me observavam.

Várias mulheres velhas se curvaram primeiro, e então todos os outros seguiram.

Rhazar se aproximou de mim, se curvando enquanto me estendia um tecido.

Eu o coloquei sob meus ombros, e percebi que meu colar estava lá. Sorri para Rhazar.


Brunna sorriu pra mim e se aproximou, como se pedisse permissão pra falar:


—Estão em frente á Sofie Herbert da família Herbert. A Não-Queimada. A quarta filha. Ex-princesa Rosemary. Princesa Sakamaki. Participante da Patrulha das Mulheres. Nascida do granizo e Mãe de Drakons.

Eu sorri pra ela.


—Somos duas membras da Patrulha.- Brunna continuou- E viemos em nome dela dar uma mensagem. Vocês não nos devem sua liberdade. Ela não é nossa pra dar pra vocês.


Brunna parecia nervosa:


—Sua liberdade pertence á vocês e só vocês. Se querem ela, devem pegar sozinhos. Cada um de vocês. Não iremos obrigar a irem conosco. Mas uma Patrulha não funciona sem alguém para ajudar. Nos digam o que querem, nos cobrem. E daremos. Protegeremos vocês. Só em troca de lealdade.

Um pequeno silêncio se seguiu.

—Mater!- Um homem gritou.

De repente, vários começaram a gritar:


—Mater! Mater! Mater!

—Não conheço essa língua.- Brunna sussurrou pra Rhazar- O que significa?

—É... Latim.- Rhazar respondeu- Significa... Mãe.

Eles então se levantaram se aproximando de nós:

—Mater! Mater!

Eu segurei a mão de Brunna, a ajudando a se aproximar deles.

Ainda de mãos dadas, começamos a passar no meio deles, ainda gritando:

—Mater! Mater!

Enquanto passávamos, tentavam nos tocar. Ombros. Cabelo. Qualquer coisa.


Era um toque diferente.


As pessoas abriam o caminho para nós enquanto passávamos, gritando a palavra várias vezes.


E então nos levantaram no alto, ainda tentando tocar qualquer coisa.


Estendemos nossas mãos, ainda confusas.

Sorrimos uma pra outra.

—Mater!- Eles gritavam com esperança e sorrisos- Mater!

E tudo que eu sentia eram as mãos.