Like a Vampire 4: Endgame

Capítulo 23- Cumprindo promessas


Narração Anna

Eu tive que morder a bochecha e respirar fundo várias vezes.

Toda vez que eu andava até a porta, sentia um bolo na minha garganta e tinha que voltar pra frente do espelho pra respirar mais vezes.

Era ainda díficil de encarar a minha roupa preta.

Cedo demais pra isso.

Respirei fundo pelo que eu esperava ser a última vez.

Fui até a porta e a abri.

Comecei a andar devagar, odiando cada segundo daquela caminhada.

—Laitoooo.- Ouvi a voz de Ayato chamando o irmão na porta de seu quarto. Sofie estava ao seu lado, olhos inchados e expressão cansada- Sai do quartoooo.

Nenhuma resposta.

—Cara, se você quiser morrer, deixa pelo menos eu te matar pra eu ficar com o seu poder.- Ayato insistiu.

—Essa é sua definição de "vou encorajar meu irmão a poder sair do quarto"?- Sofie o encarou.

Ayato acabou olhando pro estado da namorada. Revirou os olhos, mas ainda segurou sua mão:

—Ok. Vá em frente.

Sofie, ainda segurando a mão do rapaz, bateu na porta com suavidade.

—Laito.- Sofie chamou, sua voz fraquejando na última sílaba.- Por favor, sai do quarto.

Antes que eu pudesse chorar, saí do corredor correndo.

Fiquei até assustada quando cheguei finalmente na parte externa e nem achei tanta gente.

O caixão de Marie ainda estava bem fechado. Mordi minha bochecha quando vi Sarah perto dele, com algumas flores na mão.

Ela mal me cumprimentou, só vi que notou minha presença quando seus olhos se levantaram.

—Você esteve aqui desde manhã?- Questionei, me aproximando dela.

Sarah concordou suavemente com a cabeça.

—É.- Pude ver ela engolindo em seco- Kanato foi me buscar algo pra comer.

—Cadê o resto do pessoal?- Questionei.

Sarah deu de ombros.

—Acho que todo mundo só prefere ser rápido em relação a isso.- Apontou pro caixão.- Eu só tenho leves tendências masoquistas.

—Laito ainda não veio?- Me sentei ao lado dela.

Ela negou com a cabeça.

—Não o culpo.- Sarah suspirou- Eu quase não vim.

—E ainda está aqui.- Apertei o ombro dela.

Ela forçou um sorriso.

—Anna, eu realmente agradeço sua tentativa de me fazer companhia, mas eu sinceramente acho que se nem meu namorado conseguiu me fazer sorrir, ninguém consegue.

—Eu ainda acho que quero ficar aqui.- Sorri de leve pra ela.

Sarah se deitou no meu ombro, e ouvi ela murmurando um agradecimento.

Finalmente, pude ver mais pessoas chegando.

Sofie e Ayato estavam com Laito. Priya e Yuma iam chegar ao mesmo tempo, mas pararam na porta, se encararam e então desviaram o caminho pra chegarem em diferentes momentos.

Victoria chegou ainda depois, abaixando a barra da blusa longa que usava. E Kanato chegou com um pedaço de bolo que entregou pra Sarah.

Ficou um silêncio extremamente desconfortável enquanto todos encaravam o caixão.

—…A gente provavelmente devia enterrar isso.- Priya finalmente falou.

—Você jura?- Victoria pareceu estressada.- Que tal pelo menos deixar a família dela decidir.

—Será que podemos passar um dia com vocês não tendo uma briga completamente idiota?!- Kanato brigou- Não sei se perceberam, tem pessoas realmente sensibilizadas aqui!

—Eu não fiz absolutamente nada!- Priya retrucou- A culpa não é minha se a Senhora Sakamaki se recusa a tentar ouvir qualquer coisa que saia da minha boca!

—Gente, menos.- Sofie revirou os olhos- Tipo, bem menos. Quase nada.

Laito estava quase paralisado, olhando sem parar pro caixão.

—Laito? Tudo bem?- Ayato o chamou.

—É sério isso, Ayato?- Sarah o encarou feio.

—Por que diabos vocês só sabem brigar?!- Yuma pareceu frustrado.

—Emoções sempre trazem o pior nos seres humanos.- Murmurei, mais pra mim mesma.

Sarah me encarou confusa.

—Eh… nada.- Fiquei vermelha.

De repente ouvimos o portão se abrindo e passos eufóricos.

—Estamos esperando alguém?- Sofie olhou todos.

—Os pais de vocês só deviam chegar no começo da semana que vem, no mínimo.- Ayato pensou alto.

E de repente, uma figura apareceu.

Familiar demais. A pele estava bem mais pálida do que eu me lembrava, e ela usava um conjunto todo preto. Um dos olhos permanecia no tom de azul cristalino, mas o outro estava bem vermelho.

O cabelo agora estava totalmente seco e platinado.

—Ok. Eu sei que isso parece estranho. Mas eu posso explicar.- Marie parecia sem fôlego.

Agora o silêncio era um completamente chocado.

Só fomos acordados pra realidade pelo barulho de Victoria desmaiando e caindo na neve.

—De uma coisa eu sei, não tô doida nem maluca…- Sarah se levantou- O que está acontecendo aqui?

Reijii chegou logo atrás, usando as mesmas roupas que estava usando da última vez que o vi… de verdade.

—Quando eu disse "chegue com cuidado pra não asusstar ninguém", era exatamente ISSO que eu não queria que você fizezse.- Reijii então encarou a neve- Por que a Victoria está no chão?

—Que tal se a gente começar pela parte de "a irmã dela que deveria estar dentro do caixão está vivíssima?"- Sofie sugeriu.

—Você não deveria estar descansando do seu retorno?!- Kanato parecia meio bravo.

—A pergunta que deve ser feita é: vocês nunca pensaram em… verificar o caixão?- Marie se exaltou- Sabem quantos casos de roubo de cadáveres acontecem por dia?

—Ahn… Eu sei lá, mas chutaria bem poucos.- Priya cerrou os olhos, pensativa.

—Como que isso aconteceu?- Laito finalmente se pronunciou.

Ele então apontou pra namorada.

—Olha, a verdade é que a gente não sabe.- Marie admitiu.

—A vida de Marie deveria ter sido o sacríficio necessário pra minha continuar, mas claramente não foi o que aconteceu.- Reijii continuou a explicar.

—E onde vocês estavam?- Yuma encarou os dois.

—Procurando respostas.- Marie respondeu- E talvez tívessemos conseguido se alguém não fosse muito, muito teimoso.

—Eu preciso te lembrar que em um momento da madrugada o seu plano era botar fogo em uma casa de profecias?- Reijii a encarou.

—Meros detalhes.- Marie revirou os olhos.

—Ok, mas… e aí?- Priya insistiu, e apontou pra Marie de novo- Mudança de look?

Marie se encarou.

—Achamos que Marie absorveu algo durante o… processo que a fez se tornar uma coisa não humana.- Reijii concordou.

—Com certeza eu não sou vampira, porque aí eu com certeza ia sentir algum cheiro diferente aqui…- Marie pensou alto.

—Você se tornou uma criatura mágica?- Laito arregalou os olhos.

—Ok, "criatura" eu já acho um pouco demais de falar porque eu não sou um bicho.- Marie fez uma pequena careta- Ai. Eu estou com dor. E cansada. E com fome. Podemos cancelar o funeral logo e deixar eu ir pro meu quarto?

—Mas…- Sarah começou.

—Olha, eu não sei meus limites e capacidades agora. Mas sinceramente, eu não vou conseguir pensar direito se eu não estiver prontamente descansada.- Marie sorriu- Eu estou viva. Reijii está vivo. Todo mundo bem. Yay.

—É, eu não iria tão longe assim mas…- Sofie falou um pouco alto.

—Ela está certa.- Reijii comentou- Sei que devem estar cheios de dúvidas. Mas o dia de hoje deve ter sido tão exaustivo pra vocês quanto foi pra nós.

Todos aos poucos foram concordando e saindo. Uma das poucas coisas que eu vi antes de ir embora de vez foi o abraço apertado que Marie e Laito trocaram.

Sorri.

—__________________________________

Depois de eu beber bastante água e vagabundar um pouco, fui atacada por uma ideia brilhante.

Ok, não era tão brilhante assim. Mas era até um pouco… ousado.

Eu não sabia se ia dar certo, mas eu tinha teorias.

Teorias que podiam ser comprovadas. Ou completamente destruídas.

Bati na porta decidida.

—Pode entrar.- Yui me chamou com sua voz suave.

Quando entrei, ela estava escovando o cabelo na frente do espelho, já recém saída das roupas de funeral.

—Posso ajudar?- Yui me olhou com seus grandes olhos vermelhos.

Senti minha língua pesar e embolar dentro da minha boca.

—Eu só…- Me senti prestes a gaguejar.- Eu só queria ver como você estava.

Yui sorriu docemente, e parecia meio hesitante.

—Estou como todos, acredito eu.- Ela suspirou- Aliviada. Acho que essa seria a palavra certa.

—Aliviada?- Repeti.

—Teria sido um dia muito triste.- Yui colocou a escova em cima da mesa- Então fico aliviada que tudo acabou se resolvendo.

A encarei por alguns segundos. Ela pareceu acanhada pelo meu olhar, mas pegou a escova e voltou a passá-la pelos fios loiros.

Dúvidas passaram a pipocar pela minha cabeça.

—Por que você traiu as Herbert?- Resolvi trazer voz pra uma delas.

Yui claramente não estava esperando minha pergunta, pelo jeito que ruborizou e arregalou os olhos.

—Eu…- Dei a chance pra ela continuar, mas ela pausou.

—Você namora o irmão delas.- Continuei- Não teria nada contra as seis, político ou pessoal. Então por que?

—Eu só…- Yui engoliu em seco.

—Pra quem você vendeu as informações?- Pressionei- Quais informações você vendeu?

Yui não respondeu nada.

—Anna.- Ouvi uma voz masculina atrás de mim. Me virei com força e vi Jackson- Acho que já é mais do que suficiente.

Jackson, apesar de ter exatamente minha idade, era muito mais alto e muito mais forte do que eu jamais poderia ser. Era quase assustador a figura dele perto de mim.

O Herbert entrou no quarto e colocou as mãos nos ombros da namorada.

—Pode fechar a porta, por favor?- Jackson pediu, tentando claramente ser o mais gentil possível.

Fechei a porta, ainda mais confusa do que quando a havia aberto.

Permaneci uns bons minutos no corredor me fingindo de ocupada pra ver se algum dos dois saía do quarto. Nada.

Chegou um ponto que eu desisti e fiquei com um pouco de dor de cabeça por não parar de pensar, então fui dar uma volta na fortaleza.

Era um lugar meio bonito, se você parasse pra realmente analisar ele.

Principalmente quando não se estava envolvido nas mil e uma polêmicas diárias.

Dispersa, quase acabei tombando em Azusa.

Fiquei meio corada e paralisada.

Era a primeira vez que eu via ele no dia. Nem estava usando roupas pretas mais.

—Sinto… muito… Eve.- Ele acenou levemente com a cabeça.

Ficamos nos encarando por alguns segundos. Só aí que eu notei o quanto isso era bizarro e pisquei algumas vezes.

—Eu… irei dar licença.- Azusa insistiu, e já estava indo dar o primeiro passo pra longe.

—Não!- Eu gritei, e quase morri por dentro quando notei isso.

Azusa me olhou, meio assustado.

—Tudo…bem…com…você…?- Preocupação refletia nos seus olhos rosa-e-verde.

—Azusa…- Eu abri a boca, sentindo um calor infernal subindo pelas minhas bochechas.- Eu…

Ele deu alguns passos na minha direção.

Só se vive uma vez, Anna.

Se for um não, é melhor você saber agora.

Respirei fundo.

—Precisamos conversar.- Eu segurei a vontade de recuar quando ele chegou ainda mais perto de mim- Sobre uma coisa importante.

Minha língua começou a se embolar, e eu quis berrar.

Claro que não fiz isso, seria assustador. Eu tenho cara de Kanato?

Azusa me olhou com atenção. Ele estava perto o suficiente pra eu notar cada uma das cicatrizes do seu rosto. Pra eu conseguir ver o exato ponto dos seus olhos onde as duas cores se uniam.

Puxei as mangas do meu suéter mais pra baixo.

—Então,a questão é…- Engoli em seco- Você sabe quando não éramos nem amigos? Mas então, sabe, a gente era amigo? Quer dizer, somos amigos.

Nem eu sabia o que eu estava falando.

—Então… e se eu não quiser mais ser sua amiga?- Falei rápido, sem dar tempo pra coragem ir embora.- Não que eu queira voltar a te odiar! É mais tipo…

Azusa ainda pareceu não entender a onde a conversa estava indo. Íncrivel, ele ainda é mais sonso que eu.

—Eu gosto do seu rosto.- Eu tentei falar sem gaguejar- E…e… do que tem nele. E o que tem ao redor dele. E você, em geral.

E… lá estava.

Azusa pareceu demorar alguns segundos pra raciocinar o que eu havia acabado de falar.

Ele lentamente abriu a boca pra me responder, mas uma criada bruscamente me pegou pelo braço.

—Senhorita Hudison, a rainha requer sua presença.- Ela disse, meio de má vontade.

Eu olhei rapidamente pra Azusa.

—…Ela não pode esperar?- Questionei.

—Você tem certeza que gostaria de deixar ela esperando?- A criada me olhou de forma incrédula.

Tirei meu braço da mão dela.

—Justo.- Eu então olhei pra Azusa, nervosa.- Então, a gente se vê por aqui. Há…

Eu nem consegui forçar mais minha pose de "que isso, nem estou morrendo por dentro" antes de eu sair correndo pra sala do trono.

—Pediu pra me chamar?- Quando eu cheguei na sala do trono, eu estava mais suada e esbaforida do que imaginara.

Cousie me olhou como se estranhasse minha situação, mas pareceu resolver ignorar essa parte.

—Passarinho.- Cousie respirou fundo.- Quer se sentar?

Ela apontou pra uma almofada grande no chão.

Não parecia confortável, então neguei.

—Bem, eu chamei sua irmã também.- Cousie começou. Quando viu meu olhar confuso, especificou- Daayene. Ela tem um bom olhar pra festas, fiquei sabendo.

Dei de ombros. Talvez?

—Mas seria bom que conversássemos a sós. A quanto tempo não fazemos isso?

Dei de ombros de novo.

—A muito tempo.- Cousie limpou a garganta- Especialmente agora que tenho minhas… ocupações de rainha.

Observei ela servir uma taça de vinho pra si mesma. Ficamos em silêncio.

—Eu posso… te perguntar uma coisa?- Surtei levemente.

Cousie se virou pra mim, parecendo meio assustada:

—Á vontade.

—Eu…- Hesitei- Cousie, como você agiu quando estava apaixonada pelo Carla?

Cousie ficou meio paralisada olhando pra mim.

—Como eu agi quando eu o quê?!- Suas sobrancelhas fizeram uma curva que acreditei ser impossível.

—…- Respirei fundo. Não tinha porque eu mentir pra ela.- Acho que já sabe que venho gostando de Azusa por algum tempo...

Ela concordou lentamente com a cabeça, como se entendesse o que eu queria dizer.

—Eu na verdade acabei de… falar pra ele sobre o que eu sentia.- Me senti meio engasgada- Mas eu sou tão novata nisso. Como você namora uma pessoa? Como que você aguenta um pé na bunda?

Evitei perguntar sobre como beijar pra Cousie, porque aquilo já era constrangedor demais.

—Eu só queria ajuda de alguém.- Admiti- Você é a mais velha do grupo. E é casada. Provavelmente soube lidar com seus sentimentos de forma legal.

—Anna…- Cousie fechou os olhos por alguns segundos- Eu não sei exatamente como te dizer isso sem ferir seus sentimentos, mas não é assim que relacionamentos adultos funcionam.

Olhei pra ela com uma expressão confusa.

—Não são todos os casais que realmente se amam. Na verdade, essa é a minoria.- Cousie bebeu o vinho todo num gole.

—Ah… Não?- Arquei a sobrancelha- Só nessa fortaleza, temos vários exemplos de amor. Marie e Laito, Sarah e Kanato, Nikki e Shu, Sofie e Ayato, Lua e Subaru, Brunna e Ruki, Yui e Jackson. Até Eliza e Shin. E Victoria e Reijii, em algum ponto aí do processo.

Evitei falar sobre Azusa e eu áquele ponto.

—Amor não é algo a se desejar, Anna. Eu já tive sua idade, sei exatamente o que está passando na sua cabeça. Mas eu não quero contribuir na perda do pouco senso que existe nesse lugar.

—Então eu não deveria amar?- Me indignei.

—Amor nos deixa fracos.- Cousie me olhou séria- Com os últimos acontecimentos, o que você menos devia desejar é isso. Viu o que aconteceu com o Laito quando ele achou que a Marie havia morrido? Ou o jeito que Victoria desabou depois da separação dela com o Reijii?

—Mas eu…- Senti minha língua se embolar- E se eu não considerar isso uma fraqueza? Se permitir de dar abertura pra outra pessoa mesmo com todos os riscos é uma força. Requer força.

—Talvez seja assim que você pense.- Cousie me encarou- Mas eu não. A muito tempo, inclusive. Eu jurei que ia apenas amar meus filhos. É a única fraqueza que uma mãe deve se permitir.

—Bem, então eu tenho dó dos seus futuros filhos!- Reclamei- Porque, sinceramente, não acho que seja parte de uma criação saudável não amar o próprio parceiro e dar todo seu afeto e pressão pra algo que ainda nem nasceu!

Cousie ficou paralisada com meu tom de voz.

—E eu sei tão bem quanto você que esse filho pode nem nascer, Cousie!- Eu estava vermelha de tanta raiva- Você está colocando seu afeto numa expectativa, não numa realidade! Está se iludindo, e ainda por cima sendo cruel.

—Eu? Cruel?- Cousie parecia estar fervendo de raiva- Anna, sabe o quanto te respeito, mas você nunca me viu sendo cruel.

—Eu te respeito em dobro. Talvez em triplo. Sabe que é uma das pessoas que eu mais confio daqui.- Gaguejei- Mas por favor, não tente reprimir os sentimentos dos outros só porque não convém com o que você pensa.

—Eu não tentei fazer nada.- Ela estreitou seu olhar- Me pediu um conselho, não pediu? E estou te dando um: péssima ideia.

Antes que eu pudesse retrucar, ouvi a porta se abrindo.

—Mandou me chamar?- Daayene chegou na porta do salão.

Ela pareceu estranhar quando me viu lá.

—É claro.- Cousie se sentou, já servindo uma taça de vinho- Já que o

funeral foi cancelado, eu acho que podemos voltar ao nosso planejamento do baile da fortaleza.

Daayene arregalou os olhos:

—É sério isso?

—Bem, se Marie tivesse realmente falecido, seria uma perda grande demais pro grupo e eu cancelaria o baile por luto. Mas já que não é o caso, não acredito que seja a opção mais sensata.- Cousie bebericou o vinho- E Carla concorda.

—Você não acha meio… desrespeitoso?- Daayen questionou- Tipo… com a Marie e a família dela? Levamos literalmente um susto. Você sabe exatamente como foi. Nós sabemos o que aconteceu naquele quarto. E sabemos como foi dar a notícia.

—Foi um dia bem estressante.- Cousie concordou- Mas não podemos isso ficar no caminho dos nossos objetivos, correto?

—Foi literalmente ontem.- Daayene cruzou os braços- Eu não sei você, Cousie, mas eu vi sangue suficiente por uma vida.

—Nós duas sabemos que não é só isso que aconteceu ontem, Hudison.- Cousie respirou fundo, e só então pareceu se lembrar que eu estava lá.- Anna, passarinho, por que você não vai cuidar da Eliza?

—Mas você que me chamou…- Eu me lembrei do grande momento que eu estava antes de ser prontamente interrompida.

—Não expulsa a minha irmã assim!- Daayene me defendeu.

—Eu não expulsei sua irmã, Daayene.- Cousie revirou os olhos- Eu pedi pra que ela visse como a minha irmã, só isso. Agora…?

Daayene olhou entre mim e a Creedley. Eu respirei fundo, abaixando a cabeça antes de ir embora.

Arrasada, saí da sala do trono. Parecia que ninguém estava tão afim da minha presença hoje.

Ai, por favor Anna, você já aguentou barra muito pior que isso. Precisa mesmo de chorar por causa disso?

Entrei de volta no primeiro andar da fortaleza, já quase desejando voltar no ínicio do dia pra fazer tudo diferente.

Talvez assim eu ficasse menos cansada.

Percebi que estava com fome. Não com fome. Meio entediada. E não tinha muito o que fazer lá, então eu resolvia comendo.

Fui na direção da cozinha, mas fiquei curiosa ao ouvir vozes masculinas de perto.

—Então quer dizer que…- Ouvi a voz aguda de Kou, parecendo animado.

—Ok, eu já me arrependi de ter mostrado pra vocês.- Ouvi um suspiro de Ruki- Sejam discretos.

—Eu não entendo o por que de você só não…- Yuma dizia alto- Ai!

Os três rapazes finalmente se viraram pra me encarar. Fiquei completamente vermelha, especialmente considerando o que havia acontecido mais cedo.

—Nossa pequena intrusinha!- Kou sorriu pra ela- Aninha, vem cá!

Anna andou até os três rapazes, e Kou me seguroi pelos ombros.

—Precisamos de opinião feminina.- Kou olhou pros irmãos.

—Não precisamos não.- Ruki foi rápido em retrucar.- Sem ofensas, Anna.

—Vocês querem que eu vá ou…- Eu estava começando a ficar frustrada com pessoas me chamando e me mandando embora logo depois.

—Fica. O Ruki que é chato. - Yuma resmungou.

—Yuma…- Ruki parecia se preparar pra brigar com ele.

—Me diga, Anna-chan… O que você acha de casamento?- Kou cantarolou.

Ruki faltou engasgar na própria saliva.

—Eu acho…- Fiquei na dúvida.- Que é uma coisa… legal?

—Legal?- Yuma questionou- De todas as palavras existentes no vocabulário, foi essa que você achou que se encaixava melhor na situação?

Dei de ombros, meio envergonhada.

—É uma coisa legal. Não está nos meus planejamentos…- Então eu murmurei- Eu só tenho 17 anos e quero pelo menos ter alguma dignidade antes de eu pensar em talvez me casar.

—Ah, ela é tão fofa!- Kou me apertou- Ela vai ficar linda como noiva do Azusa, né, Ruki?!

Fiquei tão quente que jurei que eu ia explodir. Ou vomitar. Ou os dois.

—Suas palavras, não minhas.- Ruki disse, mas um sorriso discreto apareceu nas suas feições.

—Há, ela ficou vermelha!- Yuma zombou- Relaxa Anna, o Azusa não é tão sinistrão que nem parece.

—Ele é mais experiente que o Yuma, se isso te deixa contente.- Kou sussurrou, e eu tinha certeza que ia desmaiar.

—Por favor, vocês vão acabar matando a garota.- Ruki interrompeu a conversa.

—Eu ainda…- Respirei fundo, sentindo minha língua pesar- Ainda n…não entendi por que precisavam da minha ajuda.

—Lembrando que foram os dois que insistiram. Eu não tenho nada a ver com essa história.- Ruki foi servir café pra si na bancada.

—Você já convive a tempo suficiente conosco pra saber que, como bons homens, somos péssimos em assuntos do coração.- Kou explicou- Especialmente com mulheres.

—Fale por você mesmo.- Yuma retrucou.

—Yuma, se tem alguém que precisa de ajuda nesse assunto, é você.- Kou revirou os olhos- Agora, Anna-chan, como uma boa mulher hetero, você se renderia ao nosso interrogatório.

Dei de ombros. Bem, eu não ia ver Azusa tão cedo.

Kou me ajudou a me sentar na bancada.

—Ok, primeira pergunta. Flores ou chocolate?- Kou do nada pegou um bloco de notas e uma caneta.

—Eh… Chocolate?- Sugeri- Mas isso dependeria da menina, no caso.

—Com força ou com carinho?- Yuma perguntou. Kou pisou no pé dele.

—Yuma, por favor.- Ruki fez cara feia.

—O que foi?- Yuma pareceu não entender- Achei que a gente pudesse perguntar tudo o que tivessemos dúvida.

—Não esse tipo de pergunta.- Kou arregalou os olhos, indgnado- Muito menos pra Anna. Guarde suas perguntas libertinas pra Priya.

—Não acho que isso seja uma boa ideia.- Yuma fez uma careta.

—Vocês… sabem que eu sou assexual, né?- Apertei as mãos, nervosa.

Os três congelaram e me encararam.

—É o que?- Ruki se assustou.

—Ops! Foi mal!- Kou pareceu quase envergonhado.

—Você não tem sexo?- Yuma perguntou.

—Acho que você está pensando em assexuado, Yuma.- Ruki explicou.

—Ok.- Respirei fundo- Eu estou no espectro assexual. Significa que eu sinto quase nenhum… desejo sexual por outras pessoas. Não é algo que eu necessito em relacionamentos e quase ignorável.

—Eu achei que você gostasse do Azusa.- Ruki retrucou.

Corei. Como caracas todo mundo sabia daquilo?

—Bem, existe uma leve diferença. Eu não sinto desejo sexual pelo Azusa. Mas isso não significa que eu não possa… gostar dele. Querer namorar ele. E beijar ele. E tals.

Bem, eu havia falado demais.

—Não sabia. Foi mal.- Yuma coçou a cabeça.

—Tudo bem. Foi erro meu achar que vocês deveriam saber.- Sorri de leve- Eu não costumo falar sobre isso a não ser que me perguntem diretamente.

—Fico feliz que se sinta confortável de falar isso conosco!- Kou comemorou- O Azusa sabe?

—Kou, ela nem saiu com o menino ain…- Ruki tentoh falar.

—Exatamente, ainda!- Kou o interrompeu- Os dois são um casal adorável. E se olham de uma forma adorável. É só uma questão de tempo pra que se am…

—Você iria gostar se estivéssemos enchendo seu saco sobre você e uma menina?- Ruki questionou.

—Pra isso acontecer, alguma menina teria que primeiro gostar dele.- Yuma deu de ombros. Kou o olhou de cara feia:

—Pois saiba que eu tenho vá-rias fãs!

—Aham. E nisso eu acredito.- Yuma revirou os olhos.

—Você mal sabia o que era sexo antes da Victoria chegar e quer me criticar?- Kou parecia ofendido.

—Escuta aqui seu…- Yuma começou.

—Meninos, vocês dois são igualmente idiotas, não precisam brigar sobre isso na frente da Anna.- Ruki revirou os olhos. Os dois irmãos pareciam prestes a atacar o mais velho, que só respirou fundo e olhou pra mim.- Anna, agora, acredito eu, que precise encontrar outra pessoa.

Sorri, meio vermelha pra ele.

—É. Eu acho que tenho.

—Então não se sinta pressionada a ficar conosco.- Ruki ajeitou o casaco.

Respirei fundo e desci da bancada.

Eu estava saindo pela porta quando ouvi eles sussurrando.

—A gente nem pediu a opinião dela sobre o…- A voz de Kou foi ouvida, porém interrompida por uma porrada- Ai!

—Pelo que eu me lembre, isso nunca foi ideia minha e sim de vocês dois.- Ruki pareceu reclamar.

—Bem, ela deve saber mais dessas coisas que nós dois.- Yuma quase berrou.

—Eu não pedi nem a opinião de vocês dois. Eu só falei e aí vocês que vieram dar pitaco.- Ruki bufou.

Os dois outros irmãos começaram a brigar com Ruki. Foram prontamente ignorados.

Um pouco mais animada depois daquele dia extremamente conturbado e… exótico, nem ia percebendo meu caminho até eu finalmente bater a cabeça em algo.

Ou melhor, alguém.

Eu quase caí no chão antes das mãos magras e pálidas de Azusa me segurarem e me manterem no lugar.

Quando eu finalmente consegui ter o senso de notar que era ele, minhas pernas ficaram tão molengas que eu quase caí sozinha.

—Anna-san.- Ele pareceu enfim notar que eu era o ser que havia batido nele sem querer.

Aí eu quase caí no chão mesmo.

Percebi que ele carregava um leve buquê de rosas de inverno, amarrado por uma fita.

—Eu esperava… falar sobre algo importante… com você… A verdade é…

—Eu sei. Você me odeia.- Quando percebi, as palavras já haviam saído dos meus lábios.

—Eu…- Ele cerrou os olhos, claramente confuso- Eu não consigo ex…plicar. Como isso era o comple…to oposto do que eu… eu queria falar.

Mordi a bochecha interna. Abaixei a cabeça.

—Anna-san disse que gostava de mim…- Azusa murmurou- Mudou de ideia?

—Quê?!- Minha voz saiu bem mais aguda do que eu planejava- Nã…não. Não é isso, é só…

Nem eu sabia o que estava falando.

—Gosto da Eve. Desde sempre.- Azusa sorriu na direção dela.

—Quê? Não, para.- Abaixei meu olhar pro chão- Se isso é uma piada, não é engraçada.

Azusa me olhou de forma confusa:

—Mas Anna-san…

—Eu não me declarei pra você pra receber uma resposta.- Respondi, até um pouco agressiva- Eu só queria desabafar. É isso.

Mesmo querendo, eu não pude ir embora. Não consegui. Estava quase paralisada.

Azusa me estendeu o buquê de flores, e o observei meio assustada.

—Desde quando… você gosta de mim?- Senti algo se amarrar na boca do meu estômago- Exatamente?

—Que… dia é hoje, mesmo?- Azusa me questionou.

—Sexta.

—Então... um ano e meio,…acho.- Azusa pensou, e eu senti meu coração sair do lugar e pular na garganta.

Eu fiquei paralisada, o encarando com os olhos gigantes. Apertei as flores na minha mão.

—Anna-san é a meni…na mais bonita que já vi.

Azusa ia se aproximando de mim tão lentamente que quase doía. Eu estava tremendo, e tinha quase certeza que podia vomitar de nervoso a qualquer momento.

Sua mão enfaixada se encontrou no meu rosto quente. Eu cheguei a sentir seu nariz se encostar no meu.

Nossos olhos se encontraram a mínimos centímetros de distância.

Quando sua boca encostou na minha, eu demorei segundos pra conseguir processar o que estava acontecendo e fechar os olhos com força.

Mal era um toque. Era leve, devagar. Eu não tinha ideia do que eu estava fazendo, mas meu corpo parecia estar gostando.

Então eu relaxei.

Porque eu pelo menos tinha que tentar gostar do meu primeiro beijo.