Like a Vampire 4: Endgame

Capítulo 24- Ganhar ou morrer


Narração Brunna

Acordei naquela manhã com o coração surpreendentemente leve.

Sempre que isso acontecia, era um mau presságio. Sinal de que algo muito ruim ia acontecer naquele dia.

Mas quando eu me espreguicei ainda na cama macia, eu não senti praticamente nada. Minha mente normalmente realista estava feliz demais.

E eu nem suspeitava de nada.

Estranho, porém não vou reclamar.

O sol passava pelas minhas cortinas de forma fraca, fazendo eu ainda querer me enrolar nas cobertas e voltar a dormir.

Me virei na cama, dando de cara pra Ruki.

Sorri, mesmo com o sono voltando a me dominar.

Aquilo era paz.

Se eu não estivesse no meio de uma batalha, até pensaria que eu e Ruki estávamos só acordando para ir trabalhar na nossa casa.

Seria apenas um dia normal. Sem bailes. Sem batalhas. Ou guerras políticas.

Como eu sentia falta de uma vida assim.

Ruki deve ter sentido meu calor em seu peito, pois seus olhos foram se abrindo lentamente ate me encararem de forma completa.

Suas mãos ainda estavam na minha cintura. Ele sorriu de forma bem discreta.

—Se estivesse com frio, era só me acordar.- Sua voz estava meio rouca, como era comum das manhâs.- Eu teria pegado outro cobertor pra você.

—Não estou com frio.- Sorri pra ele.- Na verdade, acho que estou perfeitamente bem.

—Sua habilidade com palavras logo de manhã me surpreende.- Ruki olhou pra mim de forma provocadora, e eu revirei os olhos na direção dele.

Não me aguentei e me apoiei com um dos cotovelos, depositando um beijo fraco nos lábios dele.

—Eu achei que você odiava beijos de manhã.- Ruki colocou uma madeixa do meu cabelo atrás da orelha.

—Você está reclamando?- Arqueei uma sobrancelha.

—Eu nunca reclamaria das suas decisões, meu amor.- Com isso, ele me puxou pra aprofundar o beijo. Seus dedos longos passearam pela minha pele exposta e senti um arrepio.

Me forcei a separar dele.

—Eu acho melhor a gente ir.- Percebi que estava meio sem fôlego. Ruki fez uma expressão falsa de tristeza.- Por mais que eu adoraria ficar o dia inteiro na cama com você, não acho que seria sensato.

Ele beijou meu pescoço:

—Como quiser.

Ele se levantou pra começar a trocar de roupa, mas eu ainda estava deitada na cama.

—Não se incomode pela minha presença, não é novidade nenhuma pra mim.- Brinquei, e ele tirou sua blusa na minha frente sem nenhuma cerimônia- Poderia pegar pelo menos meu caderno? Eu quero escrever um pouco antes de eu ser obrigada a lidar com a vida real.

Ruki pegou meu caderno e minha caneta em cima da mesa de canto e entregou na minha mão. Ele me deu um beijo na testa:

—Faça seu melhor, minha artista.- E sorriu contra minha pele.

Fui deixada no quarto com minhas palavras enquanto ele entrava no banheiro pra tomar banho.

—___________________________________

Eu e Ruki descemos juntos pra mesa de café da manhã. Felizmente, estava cheia o suficiente de comida.

Ele até puxou a cadeira pra mim, ato que me fez revirar os olhos. O cara não conseguia ser 100% cavalheiro nem tentando.

—Bom dia, irmã.- Priya acenou com a mão.

Acenei de volta pra ela.

Voltei minha atenção pra mesa. Quase todos estavam lá. Marie ainda parecia extremamente cansada, mas estava ao lado de Laito e Victoria.

Sarah estava conversando animadamente com Kanato e Ayato. Nikki e Lua também conversavam, ambas no meio de Shu e Subaru.

Os outros irmãos Mukami se sentavam mais distantes de Ruki, um pouco perto de Daayene e mais longe de Priya.

Kino chegou pouco tempo depois que nós, e puxou uma cadeira pra ficar entre Lua e Nikki.

Eliza, Haruka e os Tsukanami estavam de pé perto da mesa, tomando suco. (ou pelo menos eu esperava que fosse suco, á essa hora da manhã.) Eliza estava abraçada com Shin, Carla conversava sobre algo bem baixo. Eu nunca havia Haruka parecendo tão miserável.

Ruki me serviu um pedaço de bolo, ao qual eu agradeci antes de tentar prestar atenção em todas as interações ao redor da mesa.

Também me servi de uma xícara de café. E depois roubei o resto do que sobrou da do meu namorado.

Passos rápidos foram ouvidos. Sofie surgiu na porta da sala, meio esbaforida e ainda de pijama longo. Ela olhou ao redor da sala cheia de expectativa:

—Ok. Não estão aqui. Anna, tranca a porta.- Sofie entrou na sala de jantar.

Anna chegou detrás de Sofie, mais hesitante, mas trancou a porta.

—Que isso, gente, um filme?- Daayene parou de tomar seu café.

—Outra invasão?- Subaru se preocupou.

—Hã… não?- Anna cerrou o cenho.

— Quem "não está aqui"?- Perguntei, levemente ansiosa.

—Jackson, Yui, Sol e Mao.- Sofie respondeu- Encontrei Anna, e nós temos uma teoria.

—E… a gêmea genial está de volta.- Sarah murmurou. Todos a encararam- O que foi? Não foi uma ofensa! Eu hein.

—Então?- Haruka pareceu ansiosa- Nos ilumine.

Sofie fez um sinal pra Anna. A minha irmã deu uma paralisada antes de ficar vermelha e apontar pra si mesma em tom de dúvida. Sofie concordou com a cabeça.

—Ah… é uma teoria só… e tals.- Anna hesitou.

—Acreditamos que Yui não seja a impostora- Sofie pareceu meio sem paciência, e falava baixo.

—Oi?- Ayato pareceu confuso.

—Prossigam.- Carla se interessou.

—Fala pra eles de ontem.- Sofie sussurrou pra Anna.

—Eu fui conversar com a Yui.- Anna pareceu meio hesitante.

—Espera, o que?- Victoria parecia quase moralmente ofendida.

—Deixa ela terminar.- Priya pediu.

—Ela pareceu bem hesitante… e não me deu nenhuma resposta concreta.- Anna respondeu.

—É. Porque ela é uma impostora.- Nikki retrucou- Esse não é o trabalho dela?

—Aí que tá.- Sofie se sentou numa das cadeiras- Se Yui já havia confessado ser impostora, do que adiantaria ela não querer dar resposta nenhuma?

—Ela não quis me dizer a motivação dela. Nem quais informações ela "vendeu".- Anna completou.

—Isso é… interessante.- Reijii pensou.

—Vocês tem mais algum argumento?- Shin questionou.

—Temos o maior de todos.- Sofie fez uma pausa dramática- Jackson.

Um ar de antecipação se prendeu no ambiente.

—Jackson é meu irmão. Não existe motivo pra ele ser impostor. Muito menos pra passar pano pra um.- Sofie retrucou.- Não da forma que está fazendo, pelo menos.

—Ele pode só ser babaca.- Kanato sugeriu.

—Se fosse só o Jackson, talvez.- Anna continuou- Mas duas pessoas também continuam com Yui como se nada tivesse acontecido, e elas passaram despercebidas até agora: Mao e Sol.

—E Akira, quando ela ainda estava entre nós.- Completei.

—Exato.- Sofie concordou- Seria ok se tivéssemos apenas uma pessoa como amiga do "impostor". Mas temos três.

—Isso não prova que Yui não seja a impostora.- Victoria retrucou- Na minha opinião…

—Se você arrumar um jeito de fazer isso virar contra mim, eu juro que saio dessa mesa.- Daayene brigou.

—Pare de ser tão egocêntrica.- Victoria revirou os olhos- Se não é Yui, quem é? E por que ela mentiria?

—Considerando como eu conheço Yui, eu não duvidaria nada dela fazendo isso pra acabar com o assunto.- Laito opinou- E sem querer, proteger o verdadeiro impostor.

—Vocês tem noção de que essa é a menor das nossas preocupações, certo?- Haruka cerrou os olhos.

—Talvez pra você, Creedley.- Victoria rosnou.

—Credo. Vocês só brigam.- Kino resmungou.

—Por favor. Estamos no meio de uma guerra, minha irmã está doente, Marie virou… o que quer que ela tenha virado, e até onde sabemos, KarlHeinz pode estar a mil passos na nossa frente.- Haruka brigou- Podemos realmente parar de falar sobre uma coisa que aconteceu a dois anos atrás?

—E falar sobre o seu baile?- Nikki debochou.- E seu futuro marido e os futuros bebês que você vai dar pra ele?

Haruka parecia prestes a brigar, mas Eliza interrompeu:

—Já chega!

Ficamos em silêncio por um tempo, o chão pareceu tremer embaixo de nós.

—Eliza…- Shin tentou a chamar.

—Não quero saber!- Seu corpo magrelo tremia de raiva- Vocês tem noção de que, a cada rivalidade criada entre nós, menos poder temos? Se não permanecermos unidos, a casa vai cair!

—Mas eu…- Nikki começou.

—O que eu quero falar é que Sofie e Anna montaram uma teoria de verdade. Uma que não inclui atacar os outros. Ou xingar. Ou humilhar. Uma com fatos e argumentos. Por que vocês querem interromper isso só pra poderem desabafar sobre os defeitos uns dos outros?!

Fiquei tensa. Ruki segurou minha mão por baixo da mesa, e me senti relaxar. Pelo menos um pouco.



—Olá.- Cousie surgiu da escada- Ah, que bom, estão todos reunidos!

—A porta não tava trancada?- Yuma murmurou pra Ruki, que deu de ombros.

Bem, se Cousie tinha alguma habilidade social, claramente entender o clima do lugar não era a escolhida.

—Mas que expressões mais mortas.- Cousie revirou os olhos- Eu vim com boas notícias.

—KarlHeinz morreu?- Lua sugeriu.

—Arrumaram algum jeito de acabar com a monarquia e todas as discórdias que vem com essa forma de governo?- Shu perguntou.

—Hã… Não.- Ela cerrou os olhos, parecendo confusa- O baile está mais do que confirmado. É claro que Daayene e Priya ainda terão que me ajudar a confirmar os convites. Mas já estou recebendo respostas de vários lordes e ladies.

—Uau. Animador.- Haruka murmurou, parecendo nada animada.

—Acredito que um baile seja uma ótima ideia, deixando os motivos de lado.- Marie retrucou- Eu não sei vocês, mas bebida e uma noite de dança soam exatamente como algo que eu preciso agora.

—Inclusive, eu já agendei visitas exclusivas dos nossos alfaiates para cada um de vocês.- Cousie arrumou o cabelo.

—A gente tem alfaiate desde quando?- Kino questionou.

—É o primeiro baile da Patrulha.- Carla prosseguiu- Temos que causar uma boa impressão.

—Mas é claro!- Kou parecia alegre- Eu preciso ir arrumar um terno o mais rápido possível!

—Como se fosse fazer alguma diferença…- Laito cantarolou baixo.

—Disse alguma coisa?- Kou se virou pra ele.

—Nada, nada.

Ruki riu ao meu lado.

Aos poucos todos foram dando desculpas para saírem da mesa de café. Sofie se levantou e pigarreou.

—Na verdade… Será que algumas das meninas podem ficar pra eu ter uma conversa?- Sofie parecia envergonhada- Tipo, só a Sarah, a Brunna, a Priya e a… Eliza?

Os outros pareceram estranhar, mas nada foi comentado. Ruki me deu um beijo na testa antes de ir embora.

Sofie voltou ao seu assento. Priya se sentou em cima da mesa, Sarah ficou em pé e Eliza se sentou ao meu lado.

—Então, qual é a boa da noite?- Sarah perguntou, tirando seu celular do bolso- Sei que pode parecer indelicado, mas esse baile meio que é a minha estreia pós-gótica então eu preciso arrumar uma roupa boa e…

—Não se preocupe. Serei rápida.- Sofie parecia envergonhada.

—Essas suas máquinas são impressionantes.- Eliza apontou pro celular, logo antes de pega-lo das mãos da gêmea mais velha.

—Menina! Não vai mexendo nele assim!- Sarah se assustou

—Certeza que não é nada…- Eliza então pareceu meio confusa- Sarah, por que tem duas calculadoras no seu celular?

Sarah ficou vermelha feito um pimentão.

—É, Sarah, por que você tem duas calculadoras no celular?- Priya provocou. Segurei uma risada.

Sofie pareceu meio confusa, assim como Eliza.

—Isso… não vem ao caso!- A voz de Sarah ficou mais aguda enquanto pegava o celular das mãos da ruiva- Enfim, Sofie, o que você queria perguntar?

Sofie respirou fundo.

—Olha, eu só quero dizer que você são algumas das meninas que eu mais confio na fortaleza. Eu não teria coragem de falar sobre isso com Marie, Vic ou Cousie.- Ela apertou a própria mão.- E não ficaria bem falando com a Haruka e a Daay.

Nós nos ajeitamos na cadeira. Eu fiquei um pouco nervosa.

Sofie checou pra ver se havia alguém espiando por trás da porta antes de pigarrear e bater na mesa:

—Ok. Essa reunião de emergência acaba de começar. Eu sei que somos todas bem… diferentes aqui. Mas eu preciso do conselho de vocês. A última vez que isso aconteceu foi durante o rolo da Victoria e todas foram bem inúteis. Mas nós amadurecemos então estou otimista.

Nós nos entreolhamos. Sofie olhou pro chão.

—Ayato e eu quase… ficamos pra valer.- Ela admitiu.

—Quase?- Eliza pareceu preocupada- O que rolou?

—Eu amarelei. Foi quase uma reação instantânea do meu corpo, e eu sei que ele fica falando que tá tudo bem e que respeita meu tempo mas…- Sofie teve que parar pra respirar- Eu acho que ele acha que eu fico comparando ele com o… Dito Cujo. Eu acho que ele acaba ficando magoado.

—É claro que ele ficou meio magoado.- Eliza retrucou

—É, Sofie. Isso é… bem ruim.- Tentei ser gentil.

—Eu sei, eu sei. Eu já me sinto mal o suficiente.- Sofie nos atropelou com as palavras- Acho que em alguma parte da minha mente eu acho que isso é uma obrigação minha, e eu sei que ele tem seus desejos. É adorável que goste tanto de mim pra me ver recuperada mas… eu sinto que estou fazendo algo errado.

—Quer meu conselho?- Sarah cruzou as pernas de cima da mesa.

Sofie concordou com a cabeça, nervosa.

—Só espera.- Sarah aconselhou.

—Só esperar?- Sofie repetiu, parecendo atenta.

—Olha o que aconteceu com a Vic.- Sarah exemplificou.

—Bem, o marido dela podia ter usado camisinha.- Eliza cerrou os olhos.

—Não tô falando só de engravidar.- Sarah sorriu- Eu estou falando de perder algo que você nunca vai poder recuperar. Isso te muda e… deixa tudo mais complicado.

—Eu também acho que você devia esperar.- Priya se meteu.- Falando por experiência, caras como Ayato são péssimos na cama.

—Priya, isso não é legal.- Eliza a repreendeu.

—O que? Se Sofie quer minha opinião, eu vou falar de forma sincera!- Priya ajeitou a blusa- Caras como ele falam demais e na hora não dão em nada, só ligam pro próprio prazer. Olha, é tipo ser sufocada por dois sacos de batatas ofegantes e suados que alguém mergulhou em desodorante.

Sofie não pareceu nada alegre.

—Eu perdi minha virgindade no acampamento de verão da escola.- Resolvi opinar- Foi rápido, com um formando da outra turma, numa tenda no meio da floresta. Praticamente uma invasão alienígena. Nada especial.

—Ok. Então… Acho que está decidido.- Sofie esfregou os olhos- As coisas estão… esquentando entre eu e o Ayato mas... Eu acho que a gente devia esperar.

Ficou um silêncio por breves segundos.

—Perder minha virgindade foi uma ótima experiência pra mim.- Eliza sorriu, chamando a atenção de todas nós- Porque eu estava com alguém que eu amava.

Sofie pareceu atenta á cada palavra de Eliza.

—Aconteceu durante o fim do ano, e eu e Shin já estávamos falando sobre isso a um tempo.- Eliza explicou.- Porque a gente sabia que a primeira vez ia ser algo que íriamos querer lembrar pra sempre.

Apoiei a cabeça na minha mão.

—E quando a hora chegou… A gente só sabia.- O sorriso dela aumentou- Foi certo. Não tivemos pressa. Foi íncrivel. Ele é meu primeiro amor, e eu sempre vou lembrar desse momento como completamente perfeito. Sem arrependimentos.

Sofie concordou com a cabeça, sorrindo.

—Foi um… belo relato.- Sarah admitiu.

—Obrigada. É a mais pura verdade.- Eliza disse de forma honesta- Relacionamentos nem sempre são fáceis. Na verdade, são bem complicados. Mas o carinho e o respeito fazem essa batalha valer a pena, sabe?

Sofie concordou.

—Eu… agradeço.- Sofie olhou pra gente- Todas vocês. Somos bem diferentes, mas... Vocês não sabem como trazem paz pro meu coração.

A abracei de lado, rindo de leve.

—Bem, agora eu tenho que ir mesmo.- Sarah se levantou- Sofie, se quiser vir comigo, eu ajudo você a achar um vestido bafo.

Sofie revirou os olhos antes de seguir a irmã.

—Eu também…- Eliza pigarreou- Eu também deveria ir.

Nem pressionamos ela pra ficar. Ela só foi.

—E restaram-se as duas.- Priya zombou- Vem, me ajuda a limpar esse lugar.

Eu e a Priya íamos logo tirar a mesa em paz de Deus, mas fomos interrompidas por minhas duas outras irmãs correndo até a cozinha.

—Anna!- Daayene brigou- Que tal um… aviso antes de você só me puxar e começar a correr?!

Daayene estava sem fôlego.

—Opa. Foi mal.- Anna se assustou.

—Essa fortaleza só tem escadas. E eu estava no terceiro andar.- Daayene continuou brigando.

—Aconteceu alguma coisa?- Me preocupei.

—Eu sei lá, pergunta pra consagrada aqui.- Daayene parecia realmente cansada, mas preferiu se sentar na bancada do que numa cadeira.- Ela que meteu o louco.

Nós então passamos a encarar a mais nova, que parecia virar um pimentão a cada segundo.

—Então…?- Priya a incentivou.

—Eu só…- Anna tremeu- Eu só… só não sabia como chamar vocês pra essa conversa…

—Puta merda, você tá grávida?- Priya engasgou.

—Quê?- Anna se assustou- Não… Não.. Isso é, tipo, biologicamente impossível.

—Foi o que eu pensei.- Não pude deixar de dar um sorriso.- Então, o que te aflige tanto?

Anna abriu a boca, não parecendo saber muito o que falar.

Nós três nos entreolhamos de leve antes de voltar a encarar nossa irmãzinha, em grande expectativa.

—…Azusa e eu estamos juntos.

Foram milisegundos até Daayene soltar um berro mega agudo:

—EU SABIA! EU SA-BI-A! PRIYA, ME DEVE VINTE PILA!

—Eu nem apostei com você…?- Priya hesitou.

—É verdade. O Kou já sabe disso?- Daayene falava rapidamente- Se não souber, eu posso ir lá e ainda apostar com ele.

—Isso não é roubo, considerando que você já sabe do resultado?- Questionei.

—Ai, vocês duas são insuportáveis!- Daayene revirou os olhos, mas soltou um sorriso grandioso- Anna, estou tão feliz por você!

—Vocês beijaraaaam?- Priya provocou.

Senti que Anna iria morrer lá no chão mesmo, então eu ri:

—O que elas querem dizer é que ficamos felizes que você finalmente tomou uma atitude.

—É. Estava quase deprimente te ver com os olhos brilhando olhando pra ele por dois anos.- Priya concordou.

—Um ano.- Ela corrigiu- E estava mesmo tão óbvio assim?

Sem hesitação nenhuma, nós 3 concordamos com a cabeça.

Anna fez uma careta.

—Ai meu Deus, Daayene.- Priya arregalou os olhos- Sabe o que isso significa?

—O que?- Daayene se assustou.

—Que nós duas viramos as solteironas do grupo!- Priya abismada- Logo a gente, as mais gatas da fortaleza toda.

—Eu tenho quase certeza que Haruka também está solteira.- Retruquei.

—Não por muito tempo, se depender da Cousie.- Daayene debochou.

Não pude deixar de rir alto.

—Não fiquem assim, aposto que logo irão achar pessoas perfeitas pra vocês…- Anna sorriu de leve- Até eu achei.

—Querida Anna, eu não estar namorando não é falta de opção. É uma escolha.- Priya não pareceu nada arrependida- Uma bem feliz, já que quanto mais tempo eu passo vendo esse olhar de tédio na cara da Brunna, mais eu agradeço pela minha solteirice.

Olhei feio pra ela.

—É brin.ca.dei.ra.- Priya me cutucou- Você e Ruki se fazem bem. Essa vida só não é pra mim.

—Você diz isso porque é capaz de fazer todos desabarem aos seus pés. E você passa o rodo.- Daayene se serviu um copo de água- Eu devo ter esquecido como que beija depois desses três anos.

—Beijar é que nem andar de bicicleta, nunca se esquece.- Eu provoquei.

—Você é nojenta, isso sim!- Daayene fingiu tentar me chutar- Mas sério, eu pegava mais gente que todo mundo daqui junto.

—O que não era díficil, porque eu sempre fui sua única concorrente de verdade.- Priya provocou, e dessa vez eu realmente belisquei ela.

—Ei!- Daayene revirou os olhos- …Ok, isso é verdade. Mas como diabos todo mundo aqui tem pelo menos um pretendente e eu não?

—Porque não existe homem na Terra que seja caminhãozinho pra sua areia.- Comentei.

—Verdade.- Anna concordou.

—Só porque eu sou uma profeta megapoderosa e mortífera não significa que eu ainda não seja a mais bonita daqui.- Daayene zombou.

—Está concorrendo á Miss Humildade também?- Priya cerrou os olhos.

—Mas os caras não querem uma menina que além de super bonita, legal e engraçada, seja inteligente e poderosa?- Daayene continuou pensando.

—Bem, nem todos os caras.- Opinei.

—Ruki é um desses caras?- Priya riu.

—O que você acha?- Sorri de forma brincalhona.

—Vocês são todas maravilhosas.- Anna falou baixo- E merecem o mundo!

—Que nem você.- Priya apertou a mão da nossa irmã mais nova- E eu espero que Azusa saiba que se ele quebrar seu coração, eu terei todo prazer do mundo pra quebrar outra coisa dele…

—Priya!- A repreendi.

—Os ossos dele!- Priya me respondeu- Por favor, Brunna, que tipo de pessoa chula você acha que eu sou?

—Ignore elas, Anna.- Daayene de repente se iluminou- Você e Azusa foram feitos um pro outro. Eu sinceramente tenho inveja de você.

—Obrigada.- Anna ficou levemente vermelha.

—Brincadeiras á parte, Azusa é ótimo.- Resolvi falar sério.

—Meio estranho, porém ótimo.- Priya concordou.

—Se ele está te fazendo feliz e te respeitando, eu não vejo motivos pra qualquer uma de nós retrucar.- Sorri de novo- Se tem alguém que merece ser feliz, esse alguém é você.

Anna sorriu de forma honesta.

—Por favor, quem vai dormir feliz hoje é você…- Daayene debochou.

—Daay!- Priya a interrompeu.

Cerrei a sobrancelha.

—Ai, que drama.- Daayene revirou os olhos- Eu estava falando de…

—Ah, eu sei muito bem do que você estava falando.- Priya concordou.- Eu só não quero que você prossiga.

Eu estava bem perto de questionar o comentário, mas ouvimos o barulho de uma batida na porta.

Nós quatro nos entreolhamos. Ouvimos passos rápidos vindo na direção da porta, e um barulho da mesma abrindo.

Nos escondemos atrás da parede, prontas pra ouvir a fofoca.

Infelizmente não tivemos muito sucesso, já que as vozes estavam abafadas e baixas.

Me esgueirei, segurando meu cabelo pra que ele não ficasse no caminho e acabasse me entregando como a grande bisbilhoteira que sou.

Minhas irmãs ficaram bem atrás de mim.

A porta acabou se fechando, e vi Carla com um pacote fechado na mão.

Ele entregou o pacote pra Cousie, que parecia confusa.

—Devemos investigar isso o mais rápido possível.- Carla falou, o mais baixo possível.

—Claro.- Cousie concordou- E não ouse contar aos Sakamaki disso. Aqui temos dois rumos: ou ganhamos, ou morremos. Acredito que você saiba muito bem em qual acabaremos caso os seis tenham conhecimento sobre… isso.

Sem mais nenhum comentário ou expressão, os dois foram embora.

—O que… estão fazendo?- Azusa chegou bem atrás de nós, fazendo nós quatro pularmos.

E Daayene dar um berro.

Olhei rapidamente pra ver se haviam notado nossa presença, mas o casal não estava mais por lá.

—Nada!- Priya entrou em desespero- Absolutamente… nada.

—Veio ver sua namorada, Zuzu?- Daayene mudou de assunto.

Anna afundou o rosto nas mãos:

—Daayene…

—A gente esperou dezessete anos pra poder te zoar por causa de um namorado, não estraga.- Priya disse entredentes.

—Na verdade…- Azusa começou a falar, mas foi interrompido por Kou:

—Azusa, pode ficar com sua namorada, ninguém vai te julgar~~.

—Aff, lá se vai minha aposta.- Daayene reclamou- O que vocês estão arrumando aqui?

—Está na hora de dormir!- Kou bateu palmas.

—São oito da noite.- Conferi no meu celular.

—E todos sabem que é o melhor horário pra dormir e ter um belo sono da beleza!- Kou continuou batendo palmas- Né, Daayene?

Ele a cutucou com o cotovelo.

—Ai! Quero dizer… é! Super!- Daayene forçou um sorriso.

—Oh meu Deus!- Yuma surgiu da porta- Olhem as horas! Devemos todos ir para os quartos imediatamente!

Priya soltou um grunhido atrás de mim. Anna pareceu segurar a risada.

—Vocês tão estranhos.- Olhei ao redor- Enfim, acho que vou dar uma volta na neve antes de…

—NÃO!- Yuma berrou.

Olhei assustada e confusa pra ele.

Foi a vez de Kou grunhir.

—Não…?- Repeti.

—Brunna, sabe o que eu acabei de lembrar?- Priya olhou pro celular por milisegundos- Sofie me mandou uma mensagem falando que separou tecidos de vestido pra você olhar no seu quarto.

—Pro baile.- Anna completou.

—Você não vai querer deixar o alfaiate esperando, né?- Daayene se juntou.

—Seria mal educado!- Kou insistiu.

—…Super.- Foi tudo o que o Azusa falou.

—Você deveria ir e escolher um… tecido.- Yuma pareceu se esquecer das palavras- Antes dos tecidos bons se acabarem e…

—Yuma, cala a boca.- Priya o encarou feio.- Brunna. Só vai.

Encarei todos os seis que me olhavam.

—O…k?- Pensei antes de falar- Eu vou… escolher os tecidos… e depois dormir?

Os seis pareceram aliviados.

—Vai fazer bem pro seu cérebro.- Daayene sorriu. Seu olhar dizia "vá embora antes que algo dê errado, por favor."

E eu obedeci.

Subi lentamente até o terceiro andar, nervosa.

Fiquei um pouco assustada quando encontrei o corredor totalmente vazio e escuro, exceto por algumas velas nos candelabros das paredes.

Caminhei com cuidado, graças á pouca luz, e acabei conseguindo chegar á porta do meu quarto.

Girei a maçaneta, tendo todo tipo de sensação ruim dominando meu corpo.

Meu quarto estava tão escuro quanto o corredor, apenas com algumas velas iluminando o lugar.

—Vejo que me achou.- Ruki estava sentado numa poltrona, com as pernas cruzadas.

—Você não dificultou muito as coisas.- Não pude deixar de sorrir.

Ruki se levantou e foi até mim com um sorriso quente. Seus dedos tremiam levemente, segurando um livro.

—Então…- Dei alguns passos na direção- Você vai explicar o motivo das minhas irmãs e dos seus irmãos me darem um perdido ou…?

—Talvez eu tenha pedido um momento a sós com você.- Ele sorriu de novo.

—Você me ama tanto que as nossas manhãs e noites não são suficientes?- Debochei.

Ruki segurou minha bochecha com uma das mãos, encarando dentro dos meus olhos.

—Eu agonizei por semanas sobre como faria isso..- Ele murmurou- Brunna, você me deixa sem palavras. Não são muitas as pessoas que conseguem fazer isso. Felizmente, Emily Dickinson sempre sabe o que preciso dizer.

—Fico feliz de saber que vocês dois tem um relacionamento saudável de fantasma e humano.- O encarei de volta.

Ruki riu. Deitei minha cabeça em seu peito, e ele murmurava baixo as palavras de um poema:

Que eu sempre amei… Eu trago a prova… Que até eu amar… Não amei o suficiente…

—Ruki…

Que eu sempre devo amar… Ofereço agora… Amor é vida… e vida tem imortalidade.

—Amor…- Não pude deixar de esconder que fiquei sensibilizada- Isso foi lindo, mas eu prefiro sua própria poesia de amor. Poesia dá voz pra alma, e é a sua alma que eu amo. Sério, você consegue fazer "vamos pedir comida indiana hoje" soar Shakesperiano.

Meu querido amor, que faz meu pulso acelerar.- Ruki ditava de forma quase exagerada- Mas primeiro, estou faminto e devemos ir a jantar!

Não consegui segurar uma risada alta. Ruki, entretanto, continuou, sua voz ficando mais profunda quanto mais sério ficava.

Eu aguardo o gosto do pulso na sua garganta. Anseio pelas palavras de manhã e quão graves soam suas notas ao acordar.

Minha risada desapareceu na garganta, enquanto o desejo e carinho na voz de Ruki ficava no ar como se fosse um eco.

—Brunna.- Ruki moveu suas mãos pras minbas- Do momento que te vi pela primeira vez na minha casa, eu não parei de pensar em você. É singularmente uma mulher linda, gentil e inteligente. E eu me sinto sortudo de estar ao seu lado, e mais ainda por te ter nos meus braços toda noite.

Ele tirou alguns cabelos do meu rosto. Eu parecia hipnotizada, não conseguia parar de olhar pro homem á minha frente.

—Enquanto toda a situação fez tantas pessoas se acovardarem, você foi uma das primeiras a se impor conosco e ajidar a achar um passado melhor, coisa que eu acreditava ser impossível.- Ruki continuou.

Enrolei meus braços em seu pescoço, procurando as respostas nos seus olhos acinzentados.

—Não que eu me importe com toda essa afeição e carinho, mas o que que tá pegando?

—Eu só estou tão animado pro nosso futuro juntos, Brunna.- Ele passou as mãos na minha cintura- Eu até consigo nos ver, vivendo de mala em mala enquanto conquistamos o mundo, um país de cada vez… Talvez algumas crianças conosco, nos ajudando a crescer que nem ajudamos elas.

Ele voltou a me encarar:

—Tudo isso enquanto usamos nossos talentos pra mudar esse mundo e tornar ele um lugar melhor.

—Ah, Ruki…- Me derreti- Eu sabia que tinha feito a escolha certa quando eu me apaixonei por um mestre das palavras.

—Eu poderia dizer a mesma coisa.- Ele sorriu de volta- Estar com você, lado a lado, pro resto da minha vida…

Lentamente, ele se ajoelhou numa perna só, finalmente abrindo o livro… ou melhor, uma caixa disfarçada de livro, revelando um anel todo branco e prateado, com uma joia azul cristalina média bem no meio e vários pequenos cristais cobrindo o resto do círculo.

—Ai meu Deus.- Arregalei os olhos, finalmente entendendo o que estava acontecendo- Aiiiiii meeeeeu Deeeus.

—Brunna Hudison.- Ruki sorriu, claramente nervoso- Você é o chão pros meus pés. E alma que alimenta a minha escrita. Você me aceita como eu sou e me encoraja a melhorar. A minha vida mudou de forma imensurável com sua presença, e eu quero passar o resto dessa vida com você.

Eu senti minhas pernas tremerem.

—Eu estou te pedindo isso porque te amo. Porque não consigo imaginar como é a vida sem você. E eu quero ver seu rosto de manhã, e de noite e mais de mil vezes durante o dia. Quero envelhecer do seu lado, rir com você e reclamar pros meus amigos e irmãos sobre como você é mandona, mesmo sabendo, secretamente, que eu sou o homem mais sortudo dos quatro reinos.

Senti minha visão borrar. As palavras pareceram se perder na minha garganta quando ele finalmente disse as palavras:

—Você me dará a honra de ser minha esposa?