Like a Vampire 4: Endgame

Capítulo 10- A misericórdia da mãe


Narração Brunna

—Esse é surpreendentemente o lugar mais acolhedor que já estive em alguns anos.- Sofie se acomodou no divã, comendo algumas uvas.- Bizarro, né?

Ela estava sentada, usando seu vestido azul escuro e os cabelos presos. Parecia faminta, de tanto que estava comendo.

—Não tanto. Desde quando fizemos esse lugar virar uma colônia patrulheira, as pessoas ficaram… bem mais simpáticas, eu diria.- Sorri.- Ei, as pessoas nos chamam de Mãe aqui. Eu chamo isso de vitória.

Eu ajeitei meu vestido branco, desamassando a parte da saia.

—Isso sim eu chamo de bizarro- Ela comeu mais uma uva- Mas esse não é nosso lugar. Temos que voltar pra casa.

Fiquei parada, pensando.

—Você ainda quer voltar pra casa, né?- Sofie pareceu preocupada.

Bem… isso era mais complicado.

—Claro que quero. Morro de saudades de todo mundo.- Respondi com clareza- Mas sei lá. Ser tratada com mordomias de vez em quando é bem legal.

—Bem, nós salvamos essa colônia de uma cilada. Aqueles caras eram uns manés.- Sofie revirou os olhos.- Com licença, podemos ter mais dessas?

Ela apontou pra caixa de uvas agora vazia que ficava na mesa.

Um rapaz jovem de prontidão concordou com a cabeça e saiu correndo.

Olhei pro mercado em movimento do lado de fora da tenda. Vários vendedores ambulantes vendiam seus vinhos e seus alimentos pros que passavam. As ruas estavam lotadas.

—Salvamos mesmo.- Suspirei- A rebelião até que tem algumas ideias legais, mas o jeito que eles praticam? Nada a ver, parece que nunca viram um episódio de Game Of Thrones na vida.

Sofie deu uma breve risada com meu comentário. O rapaz chegou com a vasilha de uvas e uma vasilha de queijo.

Assim que ele se afastou, me arrisquei:

—Esse menino não é uma graça?

Sofie me olhou meio assustada.

—Primeiro, você parece… sei lá, uma avó falando.- Sofie comeu um pedaço de queijo- Segundo, você é uma mulher comprometida. E eu também! Então se aquieta aí.

Eu segurei uma risada.

—Ei, eu já disse que o Ruki dá de dez a zero em qualquer um desses caras.- Eu ri, observando as expressões de Sofie.- Além disso, eu estava brin-can-do!

Ficamos em silêncio por breves segundos antes de ver Rhazar chegar correndo.

—Senhoritas.- Rhazar se curvou- Não ouvi boas notícias.

Eu e Sofie nos entreolhamos.

—Que tipo de notícia?- Sofie perguntou, preocupada.

—Não bebam nada que oferecerem pras senhoritas. Imploro. - Rhazar então olhou pra comida na nossa frente- Precisamos partir. Urgentemente.

—Rhazar, o que diabos está acontecendo?- Eu questionei, tentando manter a calma.

—Senhorita Hudison, um vinho.- Uma mulher surgiu, oferecendo uma taça para mim.

—Ela não pediu vinho.- Sofie parecia quase sem fôlego.

—Ah, eu sou apenas um mercador. Vim agradecer por libertarem minha família das garras daqueles homens.- O mercador disse.- Minhas filhas saíram da Casa Feminina. É apenas um presente de agradecimento.

—Eu nem posso beber.- Respondi, sentindo meu coração bater a mil.- Álcool. Não posso beber álcool.

—Ah, mas só um gole.- Ele me fez cheirar a bebida- Não quer ficar com vontade, quer?

Eu hesitei. Sentia todos meus neurônios queimamdo.

Fazia bastante tempo que não me ofereciam bebida assim.

—Por que o senhor não bebe primeiro?- Sofie se intrometeu.

O mercador pareceu assustado.

—Bebe primeiro.- Sofie sorriu- Honras da casa.

—Mas… senhorita…- Os olhos do mercador pareceram começar a marejar.- Minha família…

—Ou você bebe essa bebida primeiro ou sai daqui com ela. Agora.- Eu estava arfando.

Rhazar pediu a taça, tentando se impor.

—Não me matem, por favor!- O mercador pediu- Já vão me enforcar quando souberem que não fiz…

—Quem? Quem vai te enforcar?- Eu questionei.

O homem não pode responder.

—Não me sinto muito bem…- Sofie disse de forma arrastada.

—Temos que ir agora. Senhoritas.- Rhazar ajudou Sofie a se levantar. Eu me adiantei em ficar do lado dela.

Nós três tentamos correr o mais rápido que pode. Sofie estava ficando sem ar, então Rhazar nos levou para uma esquina de pedras.

—Rhazar, o que aconteceu?- Eu olhei pra menina ao perceber Sofie escorrendo pela parede.

—Ouvi pessoas falando.- Rhazar concordou- Queriam matar Hudison e desacordar Herbert.

—Quem?- Sofie gemeu.

—Vários.- Rhazar disse de novo- Casa Feminina. Mercadores. Homens livres.

—Por que eles iam me querer morta e a Sofie… desacordada?- Eu parei pra pensar, mas fui interrompida pelo barulho longe de cavalos.

Trotando quase numa marcha.

—Temos que sair daqui.- Rhazar repetiu.

—E ir pra onde?- Sofie grunhiu. Ela parecia estar lutando contra a própria consciência.- Se estão querendo nos prender aqui, já devem ter cercado a colônia.

—Não vão me matar ou te levar.- Levantei Sofie de novo.- Não sei se temos saída. Rhazar, acha que conseguimos mandar uma mensagem pro Reino Vampiro?

—Se o mensageiro for bem rápido chega em 3 dias, senhorita.- Rhazar afirmou.

—Não tem outra escolha, Brunna. - Sofie estava com os olhos fraquejando- Temos que ir lá e enfrentar.

—Mas eu prome…- Me lembrei do que havia prometido pra Ayato antes de sairmos- Sofie, não vou deixar fazerem nada com você.

—Pode ser nossa única chance de sair daqui.- Sofie segurou minha mão.- Nós temos que ir.

Concordei com a cabeça.

—Rhazar. Fique de retaguarda. Não quero se machuque por nossas ações.

Rhazar concordou e ficou parada.

Sofie e eu caminhamos até a parte mais alta do terreno. Tínhamos que ser vistas.

—Todos!- Chamei atenção.- Ei, geral!

A rua pareceu congelar para nos olhar.

—Veio ao nosso conhecimento que… pessoas… tentaram usar de venenos e outros remédios para nos doparem. Matarem e… fazerem sei lá o que conosco.

—Queremos saber se alguém sabe sobre o traidor que começou com esse plano.- Sofie disse, um pouco mais baixo.

—Mater?- Uma criança estendeu os braços.

—Mater!- Várias outras pessoas se juntaram ás exaltações- Mater! Mater!

Engoli em seco.

—Sofie…- Eu sussurrei.- Não acho que eles…

Então eu olhei pra Sofie.

Os olhos dela arregalados, tremendo. Seu corpo paralisado.

Seu pulso se fechou no próprio pescoço.

—Sofie?- Eu sussurrei.

Então olhei pra onde ela olhava.

As bandeiras pareciam brilhar com os guardas que de aproximavam.

E bem no meio deles, Rei Robert estava montado em seu cavalo. As bochechas estavam vermelhas como sempre.

Ver o rosto dele de novo quase me deu ânsia de vômito.

—Sofie.- Apertei a mão dela.- Eu vou te tirar daqui, ok? Vai ficar tudo bem.

Sofie concordou brevemente com a cabeça.

Comecei a puxar ela pela multidão. Várias pessoas começaram a ocupar nosso caminho, estendendo as mãos:

—Mater! Mater!

—Peguem a garota morena!- Pude ouvir Tyrosh comandando os guardas.- Não machuquem nenhum inocente. Mas meu irmão quer aquela garota.

Tentei puxar ela com mais força, mas todos estavam nos cercando.

—Sofie, você tem que vir.- Eu sentia que ia arrancar o braço da minha amiga se eu puxasse com um pouco mais de força.

Sofie estava tremendo, os olhos marejados.

—Eu não sei se consigo…- Ela segurou um soluço- Brunna, você tem que ir. Me deixa aqui. Eu dou um jeito.

—Pirou de vez, foi?- Eu a segurei.- Eu não vou te deixar sozinha!

Senti uma mão me segurando pelo pescoço. Com força.

Uma lâmina ficou pressionada contra minha pele.

—Quietinha.- Um guarda sussurrou, e só aí eu pude olhar pra baixo e perceber que tinha uma espada na minha garganta.

Todos ao nosso redor pareceram congelar.

—Minha noiva, a quanto tempo!- Robert desceu de seu cavalo e ajeitou as vestes.- Eu sabia que ia se redimir e voltar pra mim. Sabia que aquele Sakamaki não podia te satisfazer como eu.

—Sai de perto dela!- Eu gritei com todas as minhas forças.

Robert me encarou.

—Ah, achei que já estaria morta a esse ponto. Sem problemas, consigo resolver isso.

—Irmão, isso não é prudente.- Tyrosh se aproximou do Rei.- Prometeu que não machucaria nenhum inocente.

—Mas ela não é inocente!- Robert rugiu- Foi uma das… das vagabundas! Que tiraram ela de mim!

—Alice não iria gostar de te ver tão exaltado por uma menina que já negou sua afeição.- Tyrosh olhou para cima, encarando o irmão.

—Alice não está mais entre nós!- Robert então se aproximou de mim- E você, loirinha, vai servir de mensageira pra mim.

—Oi?

—Me pergunto qual vai ser a reação de todos quando receberem sua cabeça ensaguentada.- Robert pegou meu cabelo- Talvez eu ainda deixe sua juba, pode ser que fique mais bonita com ela pintada de vermelho.

—Sai de perto dela.-Sofie rosnou.

—Disse alguma coisa, meu amor?- Robert virou pra ela.

—Deixa a Brunna em paz. Por favor. Eu… faço o que você quiser!- Sofie suplicou- Eu vou com você! Podemos nos casar e… eu posso carregar seus filhos! Só por favor deixa ela voltar pra casa!

—Sofie!- Eu a repreendi- Endoidou de vez?

Sofie me olhou séria, como se mandasse eu calar a boca por telepatia.

—Ah. Você estava doida pra voltar, né?- Robert sorriu.- Soltem a loira. Mil e uma maravilhas te aguardam na nossa casa, minha rainha.

O guarda me soltou. Quase automaticamente, segurei meu próprio pescoço pra tentar procurar alguma marca.

Robert segurou o braço de Sofie. Senti vontade de gritar.

—Soltem a Mater!- Uma mulher gritou.

—Mater! Mater!- Todos voltaram a repetir, tentando alcançar Sofie.

—Uma colônia.- Tyrosh analisou- Mater. Significa Mãe.

—Se te considerassem tanto uma Mãe assim, não concordariam em ter te dado pra mim.- Robert apertou.- Matem todos.

—Robert!- Sofie ficou vermelha de raiva- Não pode matar eles todos! São inocentes!

—Rei Tirano!- Um homem berrou- Liberte a Mater!

Robert pareceu ficar brilhando de toda raiva.

—Tirano?- Robert se exaltou- Deviam chamar os Sakamaki assim! Aqueles são tiranos! E agora sou chamadl disso por buscar minha noiva que foi roubada de mim?

Revirei os olhos internamente.

—Robert, não faça isso. Já conseguiu o que quer, controle suas emoções.-Tyrosh estava perto da saia de Sofie.

—Eu comandei que matem todos!- Robert berrou- O que estão esperando?! São minha guarda! Eu pago vocês pra ficarem parados?

Os guardas hesitaram.

Fechei os olhos, esperando o pior.

Tudo que eu ouvi foram gritos. Terror.

Eu não conseguia olhar. Simplesmente não conseguia.

Senti uma mão na minha.

—Sofie?- Reconheci a textura da mão.

—Sh…- Sofie sussurrou- Só fica parada.

Abri um pouco olhos. Estremeci quando vi sangue pelos meus pés.

Olhei pra Sofie. Um vento batia em seu rosto. Ela parecia concentrada.

Os olhos estavam fechados.

Respirou fundo.

Ouvi uma espécie de rugido vindo dos céus.

Sofie abriu os olhos.

Nos céus, uma figura grande e majestosa surgiu. Suas penas em tons de azuis eram fabulosas e balançavam com o vento enquanto ele estava em vôo.

Suas patas levemente escamosas e grandes pousaram na terra, sua grande boca se abrindo e revelando suas centenas de dentes afiados.

—Griffin.- Sofie sussurrou.

Griffin abriu sua boca novamente, e eu senti o fogo começando a nascer em sua garganta.

Mais gritos de terror.

—Bruxa?- Um questionou.

—Salvem a Mater!- Outro gritou.

Sofie, muito hesitante, tentou se aproximar.

Griffin girou a cabeça, quase sem querer destruindo uma construção.

Sofie hesitou, mas conseguiu colocar suas palmas da mão nas penas do rosto do bicho.

—Sofie!- Eu arregalei meus olhos.

—Você confia em mim?- Sofie questionou.

—Sempre, mas…- Eu hesitei.

Sofie se prendeu em algumas penas do drakon. Ele estranhou e se esticou.

Sofie então montou com seus pés e conseguiu se sentar em cima do drakon.

—Noiva, o que está fazendo?- Robert se avermelhou.- Desça daí.

—Senhorita Herbert…- Tyrosh a observava.

Sofie estendeu a mão pra mim.

Eu hesitei bastante.

Segurei sua mão e consegui subir e sentar ao lado dela.

—Espero te ver de novo, Robert.- Sofie parecia furiosa- E espero que seja no inferno.

Ela fez um sinal que eu me segurasse. Apertou suas mãos nas penas.

Em meros segundos, fomos voando na direção do céu.

As asas de Griffin batiam pra cima e pra baixo. O azul do céu nunca pareceu tão próximo.

Olhei pra baixo.

Os reinos nunca pareceram tão distantes.