Like a Vampire 4: Endgame

Capítulo 1- De volta ao lar


Narração Shu

Duas semanas e um dia.

Era isso que marcava o calendário, pelo menos.

Mas o tempo parecia passar de um jeito bem mais lento e doloroso na Mansão Mukami.

Nunca fora alguém melodramático.

Mas agora estava sentindo falta do barulho da casa. Da falação alta e das risadas escandalosas.

Faziam duas semanas e um dia que as meninas haviam partido.

E Nikki.

Shu jurava que não ia sentir falta dela quando ela foi embora. Mas novamente ele havia se enganado.

Era ingênuo da parte dele. Nikki fora o primeiro relacionamento de verdade que ele teve em muito tempo. Era sua noiva.


É claro que ia sentir falta dela.


Mas a situação era mais problemática do que só saudade da sua noiva.

Tinha Mun e Lilith ainda. Perdidas pelo mundo, sozinhas.

E talvez as únicas naquela família de bosta que ainda prestavam.

Mun era uma criança, mas não ia durar muito tempo nesse estágio.

Eu sentia vertigem de imaginar tudo que ela estava vendo. Fazendo.


E havia Kino.

O garoto maluco que havia basicamente invadido a Mansão Mukami procurando Mun.

Ele se chamava de irmão da Mun, o que teoricamente significava filho daquele homem.


O que não seria surpreendente, considerando tudo que havia visto nos meus poucos séculos de vida.


Esperaria tudo de seu pai.

Mas havia algo de estranho. Ele chegara furioso e parecia ficar ainda mais bravo quando eles falaram que não sabiam onde Mun estava.

Ele falou que ia conseguir Mun e se vingar de nós.

Como se fosse culpa nossa que a nossa irmã irresponsável resolveu dar rolê com Lilith.


Mas algo nos instintos de Shu dizia que algo estava prestes a dar errado com esse assunto.

E agora principalmente, com tudo que podia acontecer.

Meu pai, os profetas, a Rebelião e a "patrulha das mulheres". Todos uns contra os outros.

O motivo da batalha nem eu sabia direito.

Mas dava um sentimento estranho. Ruim.

Um aperto no estômago que nunca havia sentido antes.

E sabia que todos estavam com a mesma sensação.

Reijii se trancou num laboratório improvisado na biblioteca e não saiu desde então.

Ayato e Laito nem falavam direito. O que era no mínimo bizarro.

Kanato e Subaru estavam irritaveis como sempre, mas nem deram piti nas últimas semanas.


Os Mukami permaneciam irritantes como sempre.

Ruki havia mudado mais, ficando ainda mais fechado.

Kou ainda trabalhava, Yuma cuidava de sua horta e Azusa fazia… o que quer que ele vivia fazendo no seu quarto.

As famílias mal se falavam.

Tinham horários de comer diferentes, e até cozinhavam coisas diferentes.

Todos sabiam que dividir casa tinha sido uma coisa inoportuna e apenas era necessária durante a guerra.

Me levantei, percebendo que não ia conseguir dormir no sofá pensando tanto.

Olhei pro céu noturno. Só consegui pensar sobre onde elas estavam.

No que estavam fazendo.

Queria ter uma carta. Só isso. Para a paz de meu coração.

Mas talvez não pudessem.

Talvez eu ainda não fosse digno o bastante de receber essa notícia.

Se fosse qualquer outra pessoa, eu teria me teletransportado e visto o que estava rolando.


Mas Nikki estava lá. E me doía admitir, mas ela era importante. E isso era importante pra ela.

Então eu teria que me contentar em ficar distante.

Por quantas noites fossem necessárias

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Narração Haruka


A viagem havia sido cinco vezes mais tranquila do que eu havia esperado.

Claro, eu mal havia dormido por duas semanas. Estava tão cansada que eu sinceramente sentia que podia desmaiar a qualquer segundo.

Era difícil controlar o mar em plena viagem.

As treze fizeram algumas reuniões a bordo. Eram mais gerais e perguntando coisas sobre o Mundo Demônio, além de anotando tudo que sabiam sobre o Projeto Eve.

Daayene deu informações sobre os profetas, Sofie sobre os feiticeiros… E o resto das meninas sobre os vampiros e lobisomens. Agora elas precisavam de alguém da Rebelião.

Quando chegaram perto do Reino Demônio, senti meu coração quase parar de bater.

As terras escuras me davam um senso de nostalgia quase obscura.

—Estamos chegando em casa.- Eliza se aproximou de mim.- Vou acordar as meninas.

O cabelo de Eliza estava num tom alaranjado bem fraco, e os olhos eram verdes. Sua pele estava mais pálida do que normalmente, mas ela ainda tinha um ar vivo desde o começo da viagem.

Ela desceu as escadas que levavam até a parte coberta do navio para acordar as Herbert e as Hudison.


Eu me concentrei e com os olhos fechados pude fazer com que o barco parasse.

Tentei ignorar o cansaço e a tristeza. Eram praticamente impossíveis de lidar.

Aquele lugar tinha o talento de trazer minha pior fase de melancolia.

E o fato de eu ter ficado duas semanas sem dormir e ter tido um término recente não ajudava em nada.


Cousie agiu rápido. Seus cabelos escuros estavam presos e seu arco e flecha era carregado numa bolsa nas costas. Ela correu até a terra firme e conseguiu prender a caravana no porto.

Eu fui a segunda a sair do barco, enquanto eu ouvia Eliza tentando animar as garotas para se levantarem debaixo dos meus pés.

Fiquei ao lado de Cousie.

—Casa.- Ela suspirou forma quase melancólica. Seus olhos castanhos claros passaram pelo castelo á nossa frente com uma tristeza sinistra.

Ela posicionou a mão sobre o ventre em um silêncio constrangedor.

—Vamos conseguir, Cousie.- Me dei o trabalho de responder de volta.- Sei que vamos.

Minha irmã respirou fundo e pareceu se recompor.


—É esse o lugar?- Victoria apareceu descendo as escadas- Nossa, você esperaria que os demônios iam ter pelo menos algum tipo de classe ou elegância.

Cousie levantou a cabeça, e eu imitei seu gesto:


—Você reclama demais, Herbert.


—Eu?- Victoria estava abismada- Eu não sabia que era reclamar demais ter expectativas sobre um certo lugar!


Os cabelos de Victoria pareciam mais longos do que antes. Agora eles passavam dos quadris, e ele estava tão ressecado que parecia prestes a virar um ninho. Estava com um rosto exausto como se não dormisse a semanas.


O que eu não duvidava.


—É exatamente o que se esperaria desse lugar.- Sofie surgiu logo atrás de sua irmã mais velha.- É isso que acontece com uma terra depois de epidemias e guerras civis.

—Onde você aprendeu isso?- Cousie pareceu confusa. Pela primeira vez desde o começo da viagem.


Sofie deu de ombros. Ela pela primeira vez em muito tempo havia largado os vestidos longos de tecidos feiticeiros e estava usando uma roupa masculina normal e típica dos vampiros.


—Aposto que foram os livros feiticeiros.- Brunna opinou, pulando logo pra trás dela.- Eles parecem amantes do conhecimento.

—Eu duvido disso.- Sofie deu uma risada meio cínica.- As poucas vezes que peguei um livro naquele lugar não acabaram bem pra mim.

Olhei pro mar, sendo recheada de memórias da onde eu treinava meus poderes desde pequena naquele mesmo lugar.

Abri a mão, deixando que uma pequena onda se formasse e caísse sob meus pés no porto.

Era tudo mais fácil naquela época.

Mas isso era antes de eu saber o que estava acontecendo. Era mais fácil ser ignorante.

—Haruka, será que dá pra me ajudar a pegar as malas?- Eliza perguntou, ainda dentro do navio- Precisamos deixar na porta do castelo antes que anoiteça.


—Por que não só mandamos os mordomos buscarem?-Arqueei uma sobrancelha.- É o trabalho deles. Tenho certeza que os Tsukanami os pagam bem o suficiente pra eles pegarem treze malas.

—Haruka!- Eliza me repreendeu.

—Ah! Então aqui é onde os carinhas lá moram?- Priya praticamente pulou da escada. Deve ter se arrependido, pois fez uma careta de dor.


—Se por "carinhas lá" você quer dizer os futuros reis desse reino, sim.- Cousie revirou os olhos. De forma elegante, é claro.

—Ah. Sei.- Priya não parecia ter entendido muita coisa.- Se não tem mais ninguém pra tomar o trono, por que eles ainda não se coroaram?

Eu ia responder, mas ver a expressão quase machucada de minhas irmãs me fez repensar.


—Talvez eles não curtam coroas.- Lua tentou imitar Priya, mas acabou praticamente caindo em cima da irmã Sofie- Opa, foi mal.

—Sem problemas.- Sofie fez uma careta.


—Mas essa é minha teoria.- Lua mexeu no rabo de cavalo- Eles não curtem coroas. Ou o trono é desconfortável. São várias opções, na real.


Ou eles ainda não tinham um herdeiro confirmado.

Observei Cousie subir as escadas e ajudar Eliza a começar a trazer as malas pro Porto.

Nikki veio atrás delas, carregando duas de uma vez:

—Luinha, pode fazer um favor pra todas nós e ajudar ao invés de abrir a boca?


—Eu nem contei minhas melhores piadas!- Lua sorriu esperançosa.

—Por favor.- Nikki bufou- Ouvimos suas piadas por semanas. Se eu tiver que ouvir mais uma, eu me dou a liberdade de te expulsar de casa.


—Não precisa se dar a liberdade.- Retruquei.- Nós te damos permissão.

Lua estava prestes a reclamar, mas ficou calada quando foi a vez de Marie descer.

—Por favor, falem mais baixo. Vão acabar com meus neurônios dois segundos depois de chegarmos?


—Ai que linda, agora ela fala toda chique.- Victoria fez uma careta.

Marie tinha os braços meio queimados e marcados pela pequena batalha contra a profeta Meg antes de partirem. Seus cabelos também estavam secos e sem brilho, mais brancos do que costumavam estar.


—Eu tenho a consciência de que vamos entrar em um território de uma realeza que realmente se importa, é diferente.- Marie pegou uma das malas que Nikki jogou pra ela- Se eu for obrigada a falar de forma cordial e educada, que seja a partir de agora.

—Um ótimo conselho.- Eliza se apoiou na borda- Os Tsuknami não vão ser mais flexíveis com vocês porque são visitas bonitas.

—Pelo menos ela chamou a gente de bonita.- Lua sussurrou.

—Temo em informar vocês que nossa beleza não nos safa de sermos insuportáveis.- Sofie riu secamente.

—Não. Mas com certeza ajuda.- Nikki deu um tapa forte nas costas de Sofie, que faltou cair com o baque.

Quando as treze malas estavam jogadas no porto, Cousie desceu e ajudou Anna a ir com ela.


—Eu não preciso...- Anna começou, mas Cousie insistiu em deixar ela no último degrau.


Eu entendia de certa forma. Anna era mais nova que todas nós.

Dezessete anos. Inferno, com dezessete anos eu estava...

—Agora ela ganha tratamento especial.- Priya reclamou.

—Isso se chama recompensa por ser um ser de presença agradável.- Cousie debochou- Sua irmã não me faz querer dar a cabeça dela pra monstros do mar que nem alguma de vocês.


—…Obrigada?- Anna ficou meio vermelha.


—Eu acho que é um elogio mesmo, com certeza uma das coisas mais legais que ela já disse pra gente.- Brunna opinou.

—Está no top cinco, com certeza.- Concordei com a cabeça.

A próxima a descer foi Daayene. Ela parecia mais fraca do que nos outros dias.

Eu imaginava. Estava longe demais de sua fonte de poder, e talvez não conseguisse usar sua magia ao máximo estando a uma mar de distância de seu templo.

Era pro melhor.

Ninguém lá conseguia imaginar o que Daayene era capaz de fazer com sua magia. Nem ela.


Haruka também tinha um poder especial. Ela sabia como aquilo dominava e sugava alguém. Estava exausta por passar duas semanas guiando um barco.

Mas o poder da Hudison era dez vezes pior que isso. Talvez mais. Era quase um parasita.

—Você tá….- Anna hesitou.


—Vou ficar bem.- Daayene foi rápida- Acho que é… só o frio.

O vento que batia era realmente gelado. Mas trazia uma sensação de conforto.


—Quer minha blusa?- Marie questionou- Sempre trago uma extra.

Daayene cruzou os braços pra esconder o frio mas conseguiu sorrir:

—Estamos logo entrando. Não precisa.

A última a descer foi Sarah.

Ela mantinha a cabeça baixa e as roupas negras que não a valorizavam em nada.

Eu quase não conseguia imaginar alguma figura para Sarah que não fosse o rosto quebrado e transtornado que ela sempre trazia.


—Então a gente pode entrar?- Lua parecia animada.

—Estamos todas cansadas, com fome e com frio.- Eliza fechou a porta do barco.- Eu imagino que já é mais que hora!


Deixei todas irem na frente, tomando meu tempo pra analisar cada uma delas.


Quão estranho era que nem mesmo eu sabia se podia confiar nelas?

Sabia que eram ótimas meninas. Tinham coragem de sobra, eram determinadas e claramente sensatas.

Mas por Deus, conseguiam ter atitudes sem escrúpulos que eram admiráveis e tristes ao mesmo tempo.

Gostava delas. De verdade. Só era difícil acreditar se ela sempre estariam no caminho certo.

Mas se Cousie confiava no julgamento e ações das dez o suficiente para faze-las suas protegidas, não seria eu que questionaria.

Jurou sua lealdade áquela irmã até seus últimos dias e cumpriria o juramento qualquer fosse o custo.

Criou uma última onda com as mãos antes de deixá-la cair poucou longe de seus pés.

Cada passo na areia escura parecia uma faca sendo enfiada em eu pé. Cada planta morta no litoral era uma facada no coração.

Perto do castelo, ouviu um barulho.

Olhou para os lados nervosa.

As meninas estavam distraídas ainda marchando na direção da moradia.

Não havia ninguém além delas.

Haruka sentiu uma onda de adrenalina pulsar nela, como uma sensação de perigo que ela não podia imaginar.

—Haruka!- Ela ouviu Sofie a chamando- Você não vem?

Haruka olhou novamente pros lados, sua respiração acelerada.

Quando viu que realmente não havia ninguem, ela conseguiu paz o suficiente pra seguir elas.

Bem na porta do castelo, não havia ninguém.

Nenhum guarda.

Já era de costume. Não haviam visitantes por lá.

Cousie se agachou no chão e tocou um punhado de areia escura em sua palma.


Haruka tentou absorver a energia que aquele lugar trazia.

Nem metade de tantas coisas ruins que deviam passar pra suas irmãs.

Eliza que empurrou a porta, fazendo ela se abrir um impulso só.

A casa estava do jeito que havia sido deixada. Solitária, triste e empoeirada.

Uma velha ama se aproximou delas:

—Visitantes, Srta. Creedley?


Ela se dirigia apenas á Cousie.

—Sim.- Cousie se virou gentilmente pra ela.- Reserve quantos quartos puder nos aposentos do terceiro andar.


—Shin e Carla estão?- Eliza pareceu ansiosa.

A ama negou com a cabeça.


—Saíram para caçar.- Ela respondeu- Sabem como ficam quando estão longe e a noite de lua cheia chega.


Haruka se sentiu estremecer.
Claro. Nunca era um bom sinal.

—Vamos pra sala de reuniões e depois as convidadas vão descansar no terceiro andar.- Cousie comandou- Caso os dois cheguem antes do nosso horário de recolher, digam que chegamos.

—Sim, senhora.- A ama se curvou.

—E avise os outros que nossas bagagens estão no porto.- Cousie continuou.- Meninas, por aqui.


Subimos escadas de forma lenta. Eu não podia deixar de olhar para os mordomos que nos observavam com o canto do olho.

Mas eu não podia me importar com isso. Não havia tempo.

A sala de reuniões era no último andar. Cousie teve praticamente nenhuma dificuldade em abrir a porta de madeira velha, que fez um barulho esquisito ao ser aberta.

Logo que fomos entrando, nos ajeitamos.

A mesa no meio era um mapa texturizado dos quatro reinos, com o máximo de detalhes que uma mesa teria. No canto, taças de cristal e garrafas de vinho chiques pareciam brilhar. Também haviam algumas pedras e fiz, usadas na contagem de exército.

Os livros nas paredes pareciam pegar poeira nas estantes, e eram tão grossos quanto eu me lembrava. O papel chegava a ser amarelado de tão velho.

Mas eu me dirigi até a parede de vidro.

Ela dava uma vista perfeita do mar aonde havíamos chegado. Eu conseguia ver os mordomos pegando nossas malas, as ondas fracas do oceano molhando a areia escura.

Fiz um movimento em forma de garra e consegui criar uma onda maior.

Segurei um sorriso quando uma das amas se assustou com a borda do vestido que havia molhado.

Pensei ter visto um barco se aproximando, e achei aquilo esquisito.

Será que os Tsukanami haviam ido caçar em outro reino.

Não tive muito tempo pra pensar nisso, já que Eliza praticamente enfiou uma taça cheia de vinho em minha mão.

Me virei pra mesa e tomei um gole.

As únicas que não estavam bebendo eram Sofie, Anna e Brunna.

Cousie ficou na frente da mesa e tomou o resto de seu vinho em um gole só:

—Podemos começar?