Like Ghosts In Snow

Why Are Sundays So Depressing


Era difícil controlar os impulsos dentro de si, agora. Ulquiorra precisava manter-se firme, enquanto esperava por Neliel e Grimmjow no local que haviam marcado. Precisava silenciar a voz dentro de si que lhe implorava que fizesse o caminho de volta, que voltasse ao seu lado.


Não podia fazer isso. No fim das contas, a única coisa que sua presença havia trazido à vida de Orihime, foram dor e perigo, e ela não merecia nada daquilo. Ao menos, a vira uma última vez. Não pretendia se demorar naquela noite, quando estivera em sua casa. Estava pronto para conversarem sobre tudo o que havia acontecido, pronto para a possibilidade de que ela ainda não o quisesse olhar nos olhos, pronto para despedir-se.

No entanto, poder vê-la dormir, mais uma vez, enfraqueceu toda sua determinação. Tão frágil, depois de tudo o que lhe aconteceu, ela estava encolhida em sua cama com uma feição tortuosa em seu rosto. Não estava sonhando naquela noite. Tudo o que queria era protegê-la, estar ao seu lado... vê-la sorrir mais uma vez... Coisas que agora, pareciam muito longe de seu alcance.

Invés disso, tudo o que fez - tudo o que podia fazer - era deitar ao seu lado e observá-la um pouco mais. E então, apenas por um momento, foi como se nada tivesse mudado. Como se ela fosse abrir os olhos preguiçosamente e lhe mostrar um sorriso bobo. Mas desta vez, teria que se conformar com seu rosto relaxando, uma vez que parecia mergulhar num sono mais tranquilo.

A observou por mais um tempo, antes de perceber que o dia já chegava. Precisava partir, e a simples ideia de não poder sequer se despedir, tornava tudo ainda mais excruciante.

Agora, esperava apenas que aquela carta tivesse sido o bastante para esclarecer algo, mesmo sabendo que nada jamais seria o suficiente para estabelecer um adeus entre eles.

O som do carro, estacionando em sua frente, o fez despertar uma outra vez para a realidade. Era chegada a hora, estava mesmo partindo. Não se conteve em olhar uma última vez aquela paisagem, a cidade recém tocada pela neve, o silêncio de um dia que ainda mal havia começado, o ar fresco e o último sabor da liberdade a qual ele acreditava ter tido por um instante. A imagem de sua amada, para sempre gravada em seus pensamentos...

Era hora de ir...

***

A quietude ao seu redor trazia agora uma angústia silenciosa. Havia esperado tanto por aquele momento... seu coração encheu-se de alegria e alívio ao vê-la, mesmo em meio a todo aquele caos. Mas não demorou para que esta sensação o deixasse. Observava, apreensivo, a moça adormecida na poltrona ao seu lado. Era um sono necessário, mais ainda após tudo o que ela devia ter que lidado na noite anterior, e o voo ainda demoraria mais algumas horas até que chegassem ao seu destino. Ainda assim, Renji estava preocupado.

Depois de terem conseguido escapar daquele inferno de vampiros, chamas e destruição, o homem de cabelos vermelhos conseguiu com certa dificuldade, convencer Rukia a voltar para sua casa. Era bom ver que ao menos, fisicamente, ela não estava ferida, nada além do hematoma que já era bem visível em seu pescoço, devido a luta, supôs.

Esperava que as coisas se acalmassem a partir daquele ponto, mas a tensão de Rukia enquanto andava em voltas pela sala com seu celular em mãos, era perturbadora. Havia algo lhe incomodando, mesmo que sua resposta ao ser questionada tenha sido apenas um silêncio denso e um olhar de incerteza. O que poderia ser?

Renji e Rukia haviam sido amigos desde ainda muito crianças, cresceram juntos e seguiram o mesmo caminho como jovens recrutas dos caçadores, ainda que o status social da família Kuchiki a tivesse garantido alguns benefícios aos quais ele não tivera acesso. Era a forma como as coisas eram. Não se prendia a essas coisas.

Sempre puderam contar um com o outro e até então, acreditava que não haviam segredos entre eles, mas aparentemente, assim como o tempo os havia afastado aos poucos, isso também havia mudado. Rukia lhe escondia algo. Alguma coisa séria o suficiente para lhe despir completamente de sua paz e impedir que descansasse até àquele momento.

Estava intrigado, e definitivamente, aflito. Mas ao menos por enquanto, decidira não a questionar mais sobre o assunto. Certamente, uma vez que chegassem à Londres e as coisas voltassem ao normal, ela lhe explicaria o que exatamente havia acontecido naquela noite. Por ora, era suficiente vê-la sossegar um pouco.

Agora, revisava o relatório dos outros agentes que agiram na área, durante a missão. Não gostava daquela parte, mas era necessário. Segundo o líder da equipe, após assegurassem-se de que todos os vampiros que ainda restavam ali, haviam sido eliminados, moveram seus corpos para as chamas, onde qualquer evidencia sobrenatural que pudesse levantar questões, pudesse ser destruída. Não era a parte mais admirável daquele trabalho, mas era muito importante. Era imprescindível que os humanos comuns não soubessem a verdadeira natureza do que havia acontecido ali, portanto era melhor que não houvessem suspeitas.

Mesmo assim, era grato por não precisar mais realizar aquele tipo de serviço, desde sua última promoção. Esse era, na verdade, um dos motivos pelos quais estava tão empolgado em encontrar com a Rukia. Não se viam haviam meses e suas rotinas aceleradas diminuíam muito seu contato, mas queria muito lhe contar a novidade, o quanto antes. Ele agora comandava seu próprio time de caçadores de classe mais rasa, e não pensou duas vezes, ao receber a notificação da Soul Society sobre o pedido de auxílio feito pela morena. Aproveitou o fato de estarem mais próximos à cidade de Karakura e tão logo partiu para atender ao chamado.

Não tivera a chance de lhe contar, contudo. Mas sabia que eventualmente poderia lhe dizer tudo, compartilhar aquela felicidade com uma das pessoas com as quais mais se importava. Podia esperar um pouco mais.

A observou mais um pouco. Era extraordinário vê-la à salvo ao seu lado, mesmo depois de tudo aquilo. Aquecia seu coração e amenizava um pouco da tensão de antes. Ao menos, ela estava bem.

Suspirou por um instante, antes de acomodar-se melhor em seu assento e fechar seus próprios olhos para um pouco de descanso.

***

Grimmjow permanecia em silêncio. A dor em seu corpo ainda estava muito presente e até mesmo os leves movimentos causados pelo balanço do carro, eram o suficiente para lhe lançar em seu próprio inferno pessoal. No banco da frente, uma Neliel ansiosa dirigia o veículo. No banco ao seu lado, Ulquiorra com seus olhos fechados, fingia estar dormindo. Mas Grimmjow sabia que não. O conhecia bem demais para isso. Aquilo não se passava de uma tática para não ser incomodado. Mas isso já não era necessário.

Nenhum deles parecia disposto a dizer qualquer palavra. Havia uma sensação densa pairando naquele lugar. Sufocante, irritante e pungente... A derrota. Estavam ali, uma outra vez, sendo obrigados a fugir, esconderem-se do mundo como covardes. Fracos. Era vergonhoso. Mais do que isso, era um sentimento que simplesmente não o deixava.

Tão quanto aquele de quando a lâmina perfurou seu peito. Todas as vezes nas quais parecia estar esquecendo, por um instante que fosse, aquilo voltava uma vez mais aos seus pensamentos, como uma assombração que lhe perseguia. Como pudera ter sido derrotado daquela forma? E no fim das contas, se a Neliel não o tivesse resgatado naquele momento, estaria morto àquela altura. Como um imbecil. Caçado em seu próprio território, vencido pela própria estupidez. A dor na palma de sua mão lhe chamou a atenção. Sequer havia percebido que estava apertando o punho com tanta força, mas as marcas deixavam escapar um pouco de sangue.

Não pôde se impedir de olhar a moça ao volante. O gosto de seu sangue também o assombrava, mas de um modo diferente. Compartilhar sangue, seu bem mais poderoso, era uma prática intensa e era conhecida como uma versão vampírica de uma troca de alianças. Permitia uma conexão muito mais profunda, enraizando em si a presença do outro, como se pudessem dividir uma só alma. Já haviam feito isso antes, algumas vezes em seus momentos íntimos. Mas isso era diferente. Desta vez, fora apenas ela quem compartilhara e isso não custaria barato sobre sua própria força. Mais ainda por ter lutado antes, sabia que mesmo que negasse, Nell deveria estar esgotada agora.

Contorceu-se de dor mais uma vez, quando tentou se mover em seu assento. Apesar de fechado por fora, um corte com uma lâmina sagrada demoraria algum tempo para se curar. Era mesmo um idiota. Agira de forma irresponsável e impensada e tudo o que conseguira além de quase morrer e de pôr em risco o plano de escape, foi fazer com que Neliel o salvasse. Mais uma vez. Estava irritado.

Apertou o próprio punho mais uma vez, deixando aquela dor pulsar em si, até notar os olhos acinzentados lhe observando ligeiramente através do retrovisor. A olhou um pouco mais, seus olhos estavam cansados e sua expressão preocupada não lhe dava paz. Fechou seus olhos. Talvez Ulquiorra tivesse razão no fim das contas.

***

A estrada seguia extensa, escura e cruel, naquela noite. O descanso, ao menos quando se permitiu desfrutar dele durante a viagem aérea, havia ajudado um pouco. Ainda assim, Neliel não podia negar o próprio cansaço por muito mais tempo. Havia dividido o volante com Ulquiorra ao menos duas vezes, mas sabia que ele também não estava em condições muito melhores que ela. Além disso, Grimmjow ainda não estava recuperado de seus machucados e não podia tomar parte naquilo. De qualquer forma, estavam quase chegando. Ao menos, era o que continuava a dizer para si mesma enquanto esforçava-se para se manter desperta e atenta. Estavam quase lá, quase seguros.

Era estranho pensar sobre isso agora. “Segurança”. Será que um dia realmente o estariam, ou até mesmo, que um dia o estiveram? Olhou em relance ao rapaz ao seu lado e então ao no assento traseiro. Ulquiorra precisou enfim, despedir-se da garota que ama, após sabe-se lá o que teria acontecido naquela noite, desde o momento em que se separaram durante o blackout. A dor era muito nítida em seus olhos, ainda que insistisse em manter sua aparência fria e distante, Neliel sabia. O conhecia bem o suficiente para tanto. Mais do que isso, de certa forma, ela conhecia também aquela dor...

Ainda era difícil processar tudo o que houve naquela noite, toda a angústia que sentira quando o caos se iniciou, a ira e a euforia que percorreram seu corpo quando pôs-se a lutar e ousou se alimentar... O quanto pareceu tão fácil se permitir perder-se naquele prazer... e enfim, o pavor que sentiu ao estar tão perto de perder Grimmjow. Não tinha certeza se gostaria de lembrar a última vez na qual sentira tamanho desespero. Mas tinha certeza que a imagem de o ver jogado ao chão... derrotado, machucado, arfando por um último suspiro... aquilo nunca a deixaria.

Sacudiu aqueles pensamentos de sua mente. Não deveria pensar nestas coisas, não agora. Precisava se manter atenta e seguir. Só mais um pouco... Precisava continuar, mesmo que seu corpo ainda estivesse tão dolorido e se sentisse tão frágil... Havia muito tempo desde que tivera que lutar, mais ainda, em que se viu ser pressionada por um oponente. Aquilo ainda a intrigava, também. Era mais uma coisa sobre a qual pensar. No fim das contas, como podia um mero rapaz humano ter lhe feito frente daquela forma? O que haviam feito com aquele garoto? Quantos outros podiam haver por aí?

Não, não podia pensar sobre isso. Não agora. Estas ideias apenas a deixavam ainda mais ansiosa e atormentada... O que fariam a partir daquele ponto? Como se manteriam seguros? Eram questões suficientes para lhe tirar o fôlego e desesperar-se uma outra vez. Mas notou que ao menos, enfim, desta vez, realmente estavam chegando.

O vislumbre da entrada do palacete antigo, cercado por árvores, numa área vasta de um jardim, que agora se via coberto pelo manto fino e alvo da neve, acalmava em muito seu coração. Estariam seguros, agora... Ao menos por enquanto...