Like Ghosts In Snow

Late Dawns And Early Sunsets


A luz machucava seus olhos, como se nunca a tivesse conhecido antes. Além disso, parecia que para compor um conjunto de outros desastres, havia também um zumbido interminável em seus ouvidos, sua garganta arranhava e doía quando tentava engolir e seu corpo parecia ter sido atropelado por um caminhão ridiculamente grande.

Mesmo assim, Ichigo precisava despertar de verdade. Aquela angustia física, em nada se comparava àquela que assombrava seus pensamentos mais profundos, desde que começara a recobrar sua consciência. Talvez antes. A sensação assoladora e aterrorizante daquele pesadelo, ainda não o havia deixado por completo.

Nele, lembrava-se de assistir cenas tão macabras, capazes de embrulhar seu estômago e deixar em sua alma marcas que talvez nunca viriam a se esvair. E sequer queria pensar sobre aquelas as quais ele mesmo fazia parte. Aquilo era um terrível pesadelo, mas apenas fruto de sua mente atormentada, precisava que não passasse disso.

Mas lembrava-se de sangue. Muito sangue. O suficiente para manchar de vermelho tudo aquilo que seus olhos podiam alcançar. A violência descontrolada, selvagem... o calor do espesso rubro que escorria por suas mãos, espirrado em seu rosto, banhando suas roupas, alimentando a ira da fera que habitava em seu íntimo... Apenas um sonho... Precisava acreditar nisso... Mas a possibilidade de que não fosse esse o caso, era esmagadora.

Esforçou-se para abrir os olhos, atravessando a dor que isso lhe trazia, não podia mais dormir. Apenas luz. Era tudo o que conseguia ver ao seu redor: uma forte e pungente claridade que lhe impedia de enxergar. Mas eventualmente, pôde notar o branco se tornar formas e as formas tornarem-se móveis simplistas numa sala oriental tradicional. De repente, já não estava flutuando numa nuvem de navalhas, mas num tatame sobre o chão. O zumbido ainda o incomodava, mas já quase podia ignorá-lo enquanto tentava ouvir alguma voz por perto. Mesmo que, no fundo, houvesse apenas uma em especial a qual queria ouvir.

Queria, ao focar seu olhar, conseguir vê-la ao seu lado, distraída ou atenta aos seus movimentos... Feliz por vê-lo abrir seus olhos, ou brava por ter se permitido machucar daquela maneira... Só queria encontra-la, afinal. Levou uma mão às têmporas por um instante, era tudo doloroso demais, até mesmo um movimento tão simples. Em seguida, precisava se sentar. Outra tarefa árdua. A dor aguda em suas costelas o deixou sem ar. Talvez tivesse sido alto demais em seu gemido de dor, afinal, podia ouvir agora os passos se aproximando da porta.

Não podia controlar os batimentos de seu coração, que mais pareciam pancadas em seu peito. Precisava vê-la, entrar por aquela porta.

—Ichigo! – Apesar de ser uma boa sensação, poder ver rostos familiares, Yoruichi seguida por Urahara, estavam distantes de lhe trazer a paz que os olhos violeta poderiam.

—Não devia estar sentado, seus ferimentos foram muito graves. – O homem mais velho lhe alertou, enquanto ambos entravam no quarto e o cientista sentava-se próximo a ele. – Como está se sentindo? – Lhe perguntou, enquanto quase o cegava uma outra vez, apontando uma pequena lanterna as suas retinas. A mulher parecia não querer olhar muito em sua direção. Com seus braços cruzados, ela havia se virado para observar a paisagem através da janela.

—Ainda vivo. – Respondeu, simplesmente. Engoliu seco, uma outra vez, e como antes, o incomodo em sua garganta era surreal. Encheu com água, o copo que estava ao seu lado, e a bebeu antes de voltar a falar. – Onde... Onde está a Rukia? – Havia jurado a si mesmo que não imaginaria que algo ruim lhe tivesse acontecido, mas era algo difícil de se cumprir.

—A Kuchiki está bem. – Ouviu a voz séria da mulher lhe responder. Ficaram em silencio por um momento, enquanto Urahara continuava testando as respostas de seu corpo.

—Os caçadores chegaram bem a tempo. – O homem acrescentou. – Depois que fora tudo resolvido, a Kuchiki-san partiu com eles, de volta para a sede dos caçadores. – Então ela já havia partido. Aquilo parecia lançar mais uma pancada sobre seu corpo já machucado.

—Ora, não faça essa cara, idiota. – Yoruichi voltou-se em sua direção, enfim. – Ao menos, ela está bem e segura. – O observou por um longo silêncio pensativo. – O que estava pensando? – Seu tom já não parecia mais tão mal humorado, mas de certa forma, aborrecido e preocupado. – Por que não nos esperou? – Podia ver a mágoa na expressão daquela que havia se tornado sua mestre. Suspirou.

—Sinto muito. – Abaixou a cabeça levemente, suportando a dor que aquele movimento trazia, para lhe mostrar respeito. – Não tínhamos escolha. Nossos amigos estavam lá, precisávamos manda-los para segurança. – Yoruichi não lhe deu resposta, mas Ichigo podia ver em sua expressão, que ao menos compreendia seu motivo, ainda que em algum nível, não concordasse.

—Bom... – Urahara voltou a falar, enquanto guardava outra vez seus instrumentos com os quais o havia examinado. – Aparentemente, você está bem. Faremos mais exames, daqui a pouco, então descanse mais um pouco. – Estava para se retirar, quando o ruivo se lembrou que ainda tinha perguntas.

—Espera. – A caçadora e o cientista voltaram-se para ele mais uma vez, esperando que prosseguisse. – E quanto aos outros? – Suas expressões não pareciam muito promissoras, mas Ichigo precisava saber, precisava ouvir. – Meus amigos estão bem? – Observou, enquanto o abismo em seu estomago parecia se tornar mais profundo, Urahara aproximar-se uma outra vez. O homem parecia triste e desconfortável.

—Não tivemos acesso aos nomes das vítimas, mas... – Respirou fundo, enquanto seus olhos tentavam oferecer algum apoio ao ruivo. – Sabemos que ao menos um deles não resistiu ao ataque... – Seu coração parecia ter sido esmagado com aquilo. Não podia ser verdade.

—Não... – Ouviu-se dizer. – Mas nós os tiramos de lá... – Já não sabia se era a Urahara que tentava convencer, ou a si mesmo. – Eles estavam a salvo... Deveriam estar a salvo...

Foi então que lhe ocorreu. O olhar de confiança que Tatsuki lhe havia passado, marcado em sua mente. Não conseguia respirar. Suas mãos estavam trêmulas, agora. Ele havia se lembrado. Nunca chegou a encontrar Orihime. Poderia ser...?

Sentiu as mãos que o seguravam para baixo, enquanto ele tentava se levantar. Precisava sair daquele lugar. Precisava saber com certeza. Teria ele falhado de forma tão imensurável com a promessa que havia feito a sua amiga mais antiga? Como poderia perdoar a si mesmo depois de algo assim? Estava sem ar. Seus olhos pareciam começar a escurecer, enquanto a tontura tomava conta de seus pensamentos.

—Acalme-se, Ichigo! – Yoruichi segurava-o contra o chão. – Não pode sair desta forma!

—Eu preciso... – Estava se tornando mais difícil, formar as palavras. -Eu... preciso... – Sentiu a dor aguda em sua veia, no braço que estava melhor exposto. Urahara aplicava algo com a seringa, e então, a letargia estava de volta.

Mal conseguia pensar agora, enquanto suas pálpebras pesadas lutavam para permanecer abertas. O peso sobre seu corpo havia sumido, mas já não lhe restavam forças para fazer coisa alguma.

—Eu... preciso... – Sua própria voz ecoava, cada vez mais baixa. – ...ir...

***

Rukia coçou os olhos, irritada. Não queria dormir. Não podia dormir. Sentada, agora numa das poltronas de seu quarto escuro, iluminado por não mais que um abajur, encarava atentamente a tela de seu celular. Não suportava mais aquela espera. Mas já havia passado os últimos dias tentando, ela mesma, ligar para saber mais notícias, sem sucesso. Tudo o que lhe restava era esperar.

Ouviu as batidas em sua porta, leves, como que para não a incomodar.

—Pode entrar. – Anunciou, desviando seus olhos do aparelho em suas mãos, por um instante. Sorriu ao ver a mulher de cabelos negros aproximando-se. – Hisana-nee, o que houve?

—Só vim checar se está tudo bem. – Em suas mãos, sua irmã trazia um copo com um pouco de leite e alguns biscoitos. Rukia não lhe respondeu, não precisava. – A mulher suspirou, colocando o lanche sobre a mesinha. – Está se adaptando bem ao antigo quarto? – Mudou de assunto.

—É um pouco estranho, depois de todo esse tempo... – Admitiu. – Mas, acho que sim... – Hisana sorriu.

—É bom estar em casa, não é?

“Casa”. Era uma forma estranha de descrever. Na verdade, quando pensava bem, nunca verdadeiramente se sentira em casa na mansão Kuchiki, ainda que tenha passado a maior parte de sua infância ali, depois que sua irmã se casou e se mudaram para lá, uma vez que após a morte de seus pais, Hisana havia se tornado sua guardiã. Mesmo assim, não conseguia sentir aquele como sendo o seu “lar”, por assim dizer.

Rukia assentiu, mesmo assim. A verdade era que, agora sua sensação de pertencimento, parecia ter ficado para trás. Na cidadezinha de Karakura, onde vivera durante aqueles últimos meses. Fora ali onde fizera amigos tão queridos, onde se permitiu se divertir como uma garota comum, ainda que só por um instante... Foi ali onde se apaixonou por ele...

Voltou a olhar o celular em suas mãos. Nenhuma ligação, uma notificação sequer. Só queria saber como todos estavam... como ele estava...

—Bom, só não fique acordada por muito mais tempo. – Sua irmã, lhe chamou de volta a atenção. – Não esqueça que amanhã é o seu grande dia. – Lhe mostrou um sorriso doce. – Amanhã você se juntará aos oficiais para fazer o seu relatório! – Sim, não precisava ser lembrada daquilo. Na manhã seguinte, seria responsável por reportar a situação de Karakura e até mesmo fazer parte do planejamento da próxima operação. Era mesmo um dia importante. Forçou um sorriso.

—Sim, só mais um pouco e já estou indo dormir... – Lhe assegurou, por fim, enquanto a irmã se retirava do quarto.

—E não esqueça de comer o lanche, antes. – A mais velha advertiu. Rukia assentiu com a cabeça, mesmo não estando com fome alguma.

Mas, talvez ela tivesse razão. Era melhor descansar, ao menos por enquanto...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.