Levittown Is For Lovers

Capítulo 8 - Broken Down In My Dead Bedroom


Bocejou parado à porta de casa, se encolhendo um pouco quando uma rajada de vento passou por seu rosto, levando folhinhas amarelas e vermelhas de outono. Puxou para cima todo o zíper do moletom preto simples, enterrando as mãos nos bolsos, enquanto nos fones em seu ouvido a voz de Morrissey soava melancólica, o privando de qualquer ruído vindo da rua.

- Ask me, ask me, ask me... – murmurou com a música enquanto dobrava uma esquina, começando a andar mais rápido, se adaptando ao ritmo matinal que usava para caminhar até a escola, os olhos castanhos lacrimejando um pouco de sono quando ele bocejou.

John Nolan era uma pessoa noturna.

Não gostava de acordar cedo, mas poderia passar a noite inteirinha ouvindo música, ou lendo, ou simplesmente olhando o teto do quarto enquanto esperava o sono tomar conta dele. O que acontecia lá pelas duas e meia, três horas da madrugada, o deixando desesperado quando o relógio despertava às seis e meia, o lembrando que sua vida era péssima, e que ele só tinha quinze – quase dezesseis – anos e que estava no primeiro ano do High School, o primeiro dos quatro piores anos de sua vida. E que, claro, pra ajudar, ele não estava mais em Londres, mas em Levittown, estudando com um bando de babacas que ficavam o enchendo o saco o tempo inteiro, porque sua vida ser um inferno não era o bastante.

Eles tinham que bancar os ajudantes do demônio – que no caso ele gostava de chamar de Jesse Lacey – e o cutucar sempre que possível.

O problema é que naquela semana o “sempre que possível” se tornou “a cada três segundos” e ele descobriu que estava sendo vigiado o tempo todo. Tudo bem, com Jesse ele poderia lidar, com Vinnie ele poderia lidar, com Kevin ele poderia lidar, mas não, ele não poderia lidar com Brian e Garrett, o judeu e o garoto esquisito.

Em uma questão de dias eles conseguiram o trancar no vestiário depois da aula, o fazer derrubar uma estante inteira da biblioteca – depois que Garrett o distraiu e Brian amarrou seus cadarços um no outro – encher seu armário de maionese, o fazer levar uma bolada de basquete na cabeça – que Garrett alegou ter tentado jogar para Brian – o fazer cair da escada duas vezes, e três no refeitório, sendo uma delas dentro da lata de lixo.

Sem contar que eles conseguiam o deixar mais confuso do que Jesse. Começavam a falar com ele, tudo muito rápido, e depois já estavam conversando entre si, e o perguntavam coisas que ele não saberia responder, e pareciam achar isso sempre muito engraçado, porque saíam gargalhando.

Saltou para a calçada gramada, começando a atravessar para a porta do colégio, onde centenas de alunos se aglomeravam para entrar. A maioria estava rindo feliz por ser sexta-feira, e ele estava achando aquilo ótimo, tirando que sua última aula seria com Jesse, e a penúltima com Lindsay.

Queria tanto se manter afastado deles.

Entrou, passou pela secretaria, indo na direção do corredor de armários, cauteloso, olhando ao redor. Fazia dias que estava fugindo de Adam, desde o dia em que Kevin o ensinou que poderia cabular aula na quadra.

Havia sido estranho fugir de alguém que gostava, mas evitar Adam era necessário, porque poderia acabar o magoando, e não queria ser o novo Jesse.

Grunhiu ao passar por um grupo feliz de líderes de torcida, grudando na parede até que elas estivesse longe o bastante para não o sufocarem com seus pom-pons azuis e brancos como o uniforme, e se virou, passando debaixo de um dos braços do mascote ridículo, se acostumando a desviar das pessoas e seus ombros.

Parou na frente do armário bege, encarando a fechadura com um pouco de medo, sem saber se deveria a abrir ou não, porque da última vez que o fez, um sapo estava lá dentro, o olhando, com um bilhete de “lembrança de Brian e Garret” amarrado à patinha.

Como se ele tivesse medo de sapos...

Ok, gritou quando viu o bicho verde coaxando na sua frente, mas só porque foi algo inesperado, não tinha medo. O que o preocupava era como os dois conseguiram a senha do armário.

Encostou o ouvido no metal, prestando atenção se algum barulho vinha de dentro – talvez um gato, um papagaio – mas não houve nada. Abriu a portinha sem identificar maionese, nem sapos, nem nada, respirando aliviado. Pegou os livros que precisava, deixou os que não iria usar, tirou os fones, deixando o barulho externo de pessoas falando e gritando tomarem conta dele, e guardou, fechando a porta com um pouco mais de força do que intencionara. Jogou a mochila gasta sobre os ombros, e se virou, dando de cara com alguém o olhando muito de perto.

O susto não o deixou raciocinar muito bem, e o máximo que conseguiu fazer foi gritar, para depois – de uns dez segundos – perceber que quem estava ali era Adam.

E isso não tornava as coisas menos horríveis.

-Bom dia, John! – ele sorriu.

-Oi, Adam! – levou a mão ao peito, ofegante, sorrindo de volta para o garoto, mesmo que estivesse tão grudado contra o próprio armário que sentisse a maçaneta pequena o empurrando pela mochila.

-Tá, eu vou direto ao assunto... – e pousou uma mão ao lado da cabeça de John -...você está me evitando?

Uh-oh.

-Não. – respondeu instantaneamente, mais por instinto do que por vontade. Não queria mentir para ele, não queria dizer que provavelmente não conseguiria continuar com ele sem o magoar, porque bem, ele não era a pessoa mais dedicada do mundo, e que isso seria provavelmente levado como descaso, e que tinha medo do que Matt diria, porque Matt não queria Adam machucado.

E que achava que Matt gostava dele.

É, definitivamente não diria essas coisas.

-Você sumiu. Não fica mais com a gente no intervalo, não me ligou, não me procurou, e não olhou quando eu te chamei hoje. – disse com uma ponta de mágoa em sua voz.

-Eu não ouvi, estava com os fones. – sorriu, e sem ouvir sua mente o xingando, passou os braços em volta da cintura magra de Adam, o trazendo para junto de seu corpo, seus olhos fixos nos dele. – Eu estava precisando de um tempinho, só isso. É muita coisa para me adaptar, sabe? Escola nova, pessoas novas, o Jesse sendo um escroto, você sendo ótimo... é como se eu estivesse vivendo em uma realidade alternativa, entende?

Adam sorriu, passando os braços compridos em volta de seu pescoço.

-Entendo. Tem sido demais pra você... – sorriu, selando seus lábios. John ergueu a mão da cintura de Adam, correndo os dedos por seu rosto, começando a aprofundar o beijo. Não se importou no primeiro momento quando um barulho seco atingiu o armário ao lado, nem quando um “ew” se fez ouvir.

Matt era um inconveniente!

Afastou os lábios dos de Adam, se virando para o lado esquerdo, pronto para rir com Matt quando seus olhos se prenderam a olhos azuis frios.

Jesse Lacey.

Estava encostado ao armário, razoavelmente próximo aos dois, o ombro esquerdo apoiado no metal, e sobre o direito a alça da mochila, os fitando com as sobrancelhas arqueadas.

-Sabe, essa coisa de beijar logo cedo é tão estranha. – comentou, apontando de um para o outro. –Essa bafo matinal todo... ew.

Adam suspirou.

-Jesse, olha só, isso não é da sua conta. – retrucou Adam, se soltou de John, se colocando em alerta.

-Eu disse que é? Até onde eu sei, isso é um corredor público, de uma escola pública, e sabe, ninguém é obrigado a assistir às suas demonstrações de afeto ao Nolan. – fez cara de nojo. Não que ele realmente precisasse se esforçar muito para fazer cara de nojo, porque era a cara com que ele parecia estar constantemente, mas em todo caso...

-Sabe, ninguém é obrigado a ouvir sua voz. – Adam girou os olhos, bufando.

Mas Jesse abriu um sorriso.

-Te traz lembranças, né? Minha voz sempre foi seu ponto fraco... – deu de ombros, sem deixar que Adam o respondesse ou se recuperasse do vermelho que surgiu em seu rosto, se virando para John, que até então estava muito bem apenas observando os dois. –Nolan, preciso falar com você.

Resmungou algo que nem ele mesmo entendeu.

Provavelmente seria humilhado outra vez, e não, não estava interessado.

-Mas eu não quero falar com você. – sua voz saiu arrastada, mais parecendo um miado manhoso do que uma resposta convicta de que não estava a fim de falar com John.

-Não perguntei, afirmei. – e John sentiu os dedos firmes de Jesse se enrolando na gola de seu agasalho. –Até mais, Laz. – e saiu arrastando John pelo corredor. John queria xingar Jesse, o empurrar e mandar que ele parasse de o arrastar pelos corredores como se ele fosse um saco de lixo.

Mas sabia que isso não faria efeito algum no garoto, vendo ele virar até um corredor mais vazio, com pouca iluminação, se sentindo ser jogado contra a parede, a mão de Jesse ainda segurando firme a gola de seu moletom.

-O que você quer? – reclamou, observando Jesse o soltar e bufar, massageando a têmpora.

-Você é muito burro, Nolan! Muito, muito burro. – exclamou, aqueles olhos azuis o encarando.

Okay, podia estar mal em cálculos, mas não era burro, era só distraído, porque quando parou para analisar melhor os exercícios, encontrou com facilidade o que estava errado, e corrigiu.

-E você é muito chato, estamos quites. Posso ir? – perguntou, irritado. Jesse girou os olhos, parecendo ainda mais irritado. John se lembrava mesmo que “paciência” não era uma palavra muito presente no vocabulário do ex-melhor amigo.

-Nolan, tudo bem que temos uma quantidade grande de homossexuais e simpatizantes na escola, pessoas que toleram essas coisas, mas beijar meu ex-namorado no meio do corredor quando existe um bando de gente lá que não gosta de vocês, não foi prudente.

John piscou.

E de novo.

Em Londres isso nunca foi um problema.

-Em Londres isso nunca foi um problema. – colocou os pensamentos em palavras. Jesse pareceu indignado, o observando incrédulo.

-Você é tão... inocente. Chega a ser engraçado. – disse, se virando para observar as pessoas passando atrás dele. – Se eu não soubesse, diria que você tem doze anos.

-Grande diferença, você tem catorze. E eu quase dezesseis. – sorriu, se afastando da parede, passando por Jesse.

-E eu quase quinze! Idiota! – exclamou a tempo de John ouvir enquanto se misturava às pessoas. Estranho Jesse ter ido o avisar sobre aquilo, porque até onde sabia, se alguém fizesse algo a Adam e ele, Jesse acharia muito divertido.

Se despediu de Lindsay – que fez questão de acompanhar Jesse e ele – até a sala de Física III e foi se sentar em seu lugar cativo próximo à janela, ouvindo os risinhos das pessoas, provavelmente se lembrando do incidente da semana anterior.

Jogou a mochila no chão, pegando o livro, enquanto seus pensamentos se voltavam para o intervalo, que foi obrigado a passar com Adam e Matt, e das demonstrações de carinho de Adam...

Sorriu.

-A escola fica muito fria nessa época do ano. – resmungou ao seu lado. Não estava gostando disso, de ter Jesse na mesma aula toda sexta-feira.

E alguns outros dias da semana.

Porém isso o ajudava, porque cada dia que passava Lindsay se aproximava mais, e quando Lindsay se aproximava, Jesse se aproximava. Porque John ficou sabendo que Jesse era possessivo com a garota, morria de ciúmes e não havia gostado nem um pouco quando ela lhe contou sobre estar sendo a dupla de John na aula de biologia.

Ele havia dado risada, e dito que Jesse soava paranóico, mas não deixou de sentar com ela, nem ela com ele.

E isso era perfeito para seu plano de vingança.

Agora, só precisava da proximidade de Jesse, mesmo que ficar próximo de Jesse fosse um tanto desgastante.

-Devia pensar nisso antes de sair de casa... – comentou, olhando para o outro enquanto ele aquecia as mãos nos bolsos do agasalho.

-Ah, claro, porque os meteorologistas sempre acertam... – girou os olhos azuis, vendo o professor andar de um lado para o outro na frente da sala, abrindo um livro velho que estava em cima da mesa.

-Eu preciso que vocês façam um trabalho complementar para a aula. Não será para agora, vamos deixar para ser entregue no fim do período letivo. – os olhos correndo pelo livro, virando páginas. John olhou de soslaio para Jesse, que o olhou também.

Era quase como se aquele fosse um momento de cumplicidade sobre estarem odiando a idéia de receber um trabalho para o fim do ano letivo.

O professor sorriu, erguendo o rosto para a sala, puxando do canto da mesa a lista de chamada.

-Para aliviar o lado de vocês, será em dupla. Eu quero o trabalho escrito, e depois uma maquete, okay? – suspirou, correndo os olhos pela lista. –Allan e Alice, capítulo quinze do livro, Albert e Andrew, capítulo dezesseis...

John abaixou a cabeça na carteira, esperando enquanto o professor separava as duplas pela lista de chamada, escutando os nomes, até que...

-...Jane e Janis, capítulo trinta e dois, Jesse e John, capítulo trinta e três...

John ergueu a cabeça, voltando o olhar para Jesse, que parecia bem entediado com a notícia, e ainda estava tentando manter seu lápis de pé pela ponta da grafite na mesa. Não parecia apavorado como John, ou desesperado, e era isso que estava fazendo John ter vontade de voar na sua frente e o sacudir pelos ombros até que um pouco de bom senso o atingisse: nunca conseguiriam fazer esse trabalho porque nunca entrariam em acordo.

Nunca.

-Se você não parar de me olhar eu vou te bater, Nolan, está me desconcentrando. – Jesse resmungou.

-Como se você fosse realmente conseguir equilibrar o lápis. – retrucou, se virando para frente. Ouviu Jesse bufar e o lápis cair no chão.

-Acho que vamos precisar começar o trabalho logo. Pode ir lá em casa depois da aula? – perguntou. John apenas assentiu.

Sabia, pelas reclamações pela sala, que o professor não trocaria as duplas.

Aliás, não era como se ele fosse conseguir alguém para fazer com ele, e antes um conhecido idiota do que um desconhecido legal.

Era péssimo começar uma amizade, e seria só um trabalho, certo? Jesse não o jagaria para os leões ou coisa do tipo, o máximo que poderia acontecer era ter que agüentar ele falando de Lindsay, ou reclamando de Adam, ou coisas desagradáveis desse nível. Nada com que ele não pudesse lidar.

-Sua casa é longe? – perguntou.

-Não muito. – respondeu, dando um meio-sorriso. –Dá pra ir à pé.