Levittown Is For Lovers

Capítulo 7 – Your Tongue Is A Rudder


Os lápis ou lapiseiras – dependia do gosto do aluno – se arrastavam por cadernos e livros no quase silêncio da sala de Matemática II. Pela janela, John podia observar as folhas caindo das árvores com o vento pesado, rodopiando até chegar ao chão. Não estava interessado na escola, não estava interessado na aula, já era sua segunda semana e tudo que ele queria era sumir um pouco, ou voltar pra casa, esquecer que do outro lado da sala um par de olhos azuis estava o observando. Esquecer que beijou Adam na frente de Matt, e que isso poderia ser um problema – porque Matt sumiu por todo o período de aula – e queria esquecer que era tão perdedor que se sentiu desconfortável na presença de Vinnie no banheiro.

Queria acordar desse pesadelo em sua cama quentinha, atravessar a cidade no ônibus vermelho, chegar na escola e encontrar Shaun e Will.

- O cálculo da dois ta errado, o da três ta incompleto, e se aplicar a regra de três na sete, talvez ache o resultado certo. – a voz melancólica soou por cima do ombro dele.

Não sabia quando foi que Jesse saiu do outro lado da sala para se sentar ali, realmente não fazia a menor idéia, mas ali estava ele, a cabeça esticada observando seus exercícios.

- Eu não pedi a sua opinião. – disse se virando para trás, encontrando o par de olhos claros acompanhado de um sorrisinho cínico. –Aliás, vem cá, eu te conheço?

-Oh, John! Essa é minha fala, a sua é a que você implora pra que eu pare de te ignorar. – riu, apontando o próprio caderno. –Quer copiar?

Da onde estava vindo aquela gentileza, John não sabia, mas provavelmente era algum plano maligno para o humilhar depois.

- Não, obrigado, eu posso refazer sozinho. – disse. Jesse riu, sacudindo negativamente a cabeça.

- Não sei que clube você escolheu, mas olha, não te indicaria pros Mathletes. Seus cálculos são péssimos. – disse com desdém.

John se virou para frente, começando a apagar as contas que Jesse disse estarem erradas, porque de fato, eram as que ele não tinha idéia de como fazer. E não, não era bom em cálculos, mas entendia tudo de teoria.

- Não sei que clube entrar. – disse baixo, esperando que Jesse o ouvisse, e deu certo. O outro se inclinou para frente outra vez, olhar distante, um tanto pensativo.

- Achei que fosse entrar pro AHG. – comentou. –Você está com o Lazzara o tempo todo...

- Ele me convidou, mas não sei. – encolheu os ombros, confuso. Se virou para encontrar Jesse fazendo uma careta.

- A tia Linda teria um surto histérico se visse no seu boletim que você tem pontos nesse clube... Mas você quem sabe, né? – deu de ombros.

- Não sabia que estava me perseguindo e anotando minhas informações pessoais, Jesse, sabe até o nome da minha mãe. – arqueou as sobrancelhas, se sentindo o dono da situação. O jogo que Jesse jogava, ele conhecia muito bem.

E dois poderiam jogar aquele jogo.

Mas Jesse continuava sorrindo, recostado na cadeira, os braços cruzados e aquele olhar superior, carregado de desdém para ele.

- Eu tenho a péssima mania de querer saber quem são as pessoas que se apaixonam por mim. Acabei fazendo uma pesquisa rápida na sua vida, com resultados bem satisfatórios, de verdade. – assentiu.

- Oh, que resultados obteve? – perguntou, um leve sorriso sobre os lábios, estava pronto para contradizer Jesse em tudo. E sabia que o outro não sabia nada de sua vida, e que provavelmente estaria blefando em tudo que dissesse.

- Que você está morando há duas quadras mais ou menos de onde morava há quatro anos e meio, que sua irmã está estudando na General McArthur, que você ainda é traumatizado da vez que quase morreu engasgado aos nove anos com um pedaço de pão, e até hoje pica miudinho o seu sanduíche para comer. – sorriu largo à medida que o sorriso de John ia desaparecendo. –E que beijou o Lazzara no intervalo ontem, o que prova que você não é nada hétero como a Lindsay supunha, e que no momento está pensando em como seria colocar as suas mãozinhas grandes e magrelas em cima de mim.

John estava sério, o encarando, percebendo que alguns alunos haviam começado a prestar atenção neles, porque claro, Jesse adorava aumentar o tom de voz para que os outros o assistissem humilhando as pessoas, no caso, John.

- Uh... não. – foi tudo que conseguiu dizer. –Eu não quero colocar as minhas mãos em você.

- Assim como não tem uma irmã na McArthur? – perguntou, arqueando as sobrancelhas.

- Não, isso é verda...- Jesse o interrompeu, rápido.

- E não está morando há mais ou menos duas quadras de onde morava antes? – perguntou, mais alto, os outros alunos soltando risinhos, começando a o deixar nervoso. Já sentia o conhecido aquecimento nas bochechas, indicando que estava mais vermelho do que podia ficar.

- Estou sim, mas... – tentou dizer, gaguejando um pouco.

- E não é verdade que quase morreu engasgado aos nove anos com um pedaço de pão? – Jesse perguntou tão rápido que John achava que ia acabar tonto.

- Sim, sim! – assentiu.

- E beijou o Lazzara ontem? – perguntou novamente.

- Beijei...- assentiu, já não sabendo mais qual era o propósito das perguntas rápidas com pessoas rindo em volta deles.

- E não é verdade que você está morrendo de vontade de me agarrar? – perguntou se inclinando para frente, as duas mãos espalmadas na carteira.

- É!... – todos começaram a rir alto, inclusive Jesse. John grunhiu. –Não! Você está me confundindo! – corou mais ainda, coçando a cabeça, tentando evitar olhar para os outros alunos que riam alto. Notando que o professor começava a se aproximar deles, os olhando feio.

- É normal se sentir confuso quando se está apaixonado, Nolan. Não te culpo. – respondeu, forçando uma expressão de pena.

- O que está acontecendo aqui? – o professor se aproximou, irritado.

Tudo que podia dar errado na vida de uma pessoa dava errado com ele.

Incrível.

Estava cruzando o corredor – e levando ombradas fortes de todo o tipo de gente – feliz por poder ficar uma aula inteira longe de Jesse Lacey, podendo usufruir sua liberdade quando seus olhos capturaram o garoto no corredor, um livro aberto, tentando ler alguma coisa. Tentando com todas as forças, conseguiu atravessar uma barreiras de pessoas que iam na direção oposta à dele, erguendo o braço para tocar o ombro do menor, que andou, sem o ver.

- Matt! – chamou. Para sua surpresa o pequeno ouviu, se virou para ele e o surpreendeu com um sorriso largo.

- Johnny! – exclamou, se aproximando. – E aí, tudo certo até agora? Sem Lacey?

Assentiu, aliviado por estar sendo tratado com natiralidade.

- Ele só me encheu um pouco na aula de matemática, mas nada grave. – disse, agitando as mãos no ar. – Sobre ontem...

- Oh. – Matt soltou, visivelmente segurando o riso. John não sabia se aquilo era bom, ou ruim. Matt havia saído de perto quando ele e Adam se beijaram, e ele não sabia o motivo. Não conseguiu encontrar nenhum dos dois depois daquilo, e pela manhã, quando chegou na escola – e foi prensado contra a parede do corredor vazio e recebeu um beijo de bom dia de Adam – soube que Matt não havia sido visto.

- Eu... – John não sabia por onde começar, não sabia se dizia “não sabia que você ficaria bravo”, ou “você ficou bravo?”, ou até “Matt, você gosta do Adam”, simplesmente não sabia.

- Se você vai fazer igual ao Adam e me encher de perguntas sobre eu ter saído de perto, poupe seu tempo. – riu. –Eu só fiquei constrangido de ficar lá olhando, aí voltei pro refeitório. Eu não fiquei bravo com ninguém, nem nada parecido. Pelo amor de Deus, o Adam é meu melhor amigo, só isso. – deu de ombros, começando a caminhar com John.

- Então tudo bem, sobre... – parou de falar, vendo o garoto ruivo, amigo de Jesse, passar por eles. - ...o que está acontecendo? – completou quando o garoto estava longe o bastante.

- Sim. É só não fazer o que o desregulado do Jesse fez, e não ficarem se ocupando em se agarrar na minha frente pra me constranger. – riu, dando um soquinho leve no ombro de John, apontando uma sala. – Fico por aqui.

John acenou e se afastou da porta da sala, fitando os próprios pés enquanto andava, vendo o corredor se esvaziar conforme os alunos iam entrando nas salas, sumindo. Ficava se perguntando se Matt havia falado a verdade.

Se ele estivesse apaixonado pelo melhor amigo, e o melhor amigo estivesse com outra pessoa, ele provavelmente não diria. Não confessaria estar apaixonado. Tudo bem que conhecia Matt muito pouco, não sabia realmente se ele havia saído de perto por estar constrangido, mas o fato era que Matt não parecia o tipo de pessoa que se constrangia com isso.

E o pedido!

Matt fez aquele pedido de não fazerem nada na frente dele, e ele não conseguia não achar que aquilo era um apelo para que ele não sofresse. Talvez estivesse ficando bobo demais com essa coisa de imaginar que Matt estava apaixonado por Adam, mas o olhar que este último lançou ao lugar vazio de Matt dizia muita coisa.

Coisas que John não conseguiu definir.

Talvez estivesse imaginando coisas, ou fosse realmente esquizofrênico como Vinnie e Jesse disseram que ele era. Parou de andar, ouvindo sons ao longe, quando as pessoas corriam para entrar em suas salas. Estava de frente para uma janela estreita, que dava para o corredor do andar de baixo, agora vazio, livre de transeuntes.

Suspirou, apoiando as mãos no parapeito, e o rosto sobre as mãos.

Não entraria naquela aula, não estava com vontade.

Se pudesse, não iria mais para a escola, porque algo que Matt disse o deixou mais ainda sem vontade. Não podia ser o segundo Jesse da vida de Adam, e as coisas estavam indo por um caminho que ele não queria que fossem, com uma velocidade que ele não julgava natural. Ele era um adolescente de quinze – quase dezesseis – anos, inexperiente e confuso. Havia sido arrancado do ambiente em que nasceu, jogado para a Europa e trazido de volta, sua cabeça estava a mil por hora, e ele não conseguia se sentir normal ali dentro.

Para ajudar, existia Adam.

Adam, ex-namorado de Jesse.

Jesse, seu ex-melhor amigo.

Adam odiava Jesse, que o odiava. Ele, que gostava muito de Adam, mas não o amava, ele que não sabia o que sentia por Jesse, mas que na maior parte do tempo era ódio. Ele que não podia magoar Adam de modo algum, porque Matt pediu, porque Adam já havia sido magoado demais. Aquele Adam que o beijou pela manhã, aquele a quem ele abraçou, selou e desejou “boa aula!”, aquele que ele encontraria no intervalo, pra quem daria a mão, que deixaria deitar a cabeça em seu ombro, e ouviria falar, e falar, e falar...

Aquele que era adorável, e que ele não queria ver magoado, e que estava começando a se apaixonar por ele.

Bateu a cabeça contra o vidro, confuso.

Por que com ele?

- Se vai cabular aula, te aconselho não ficar no corredor. – uma voz calma, porém debochada, soou logo atrás dele, o fazendo pular, se virando de frente para o garoto de camiseta preta e calça jeans, a franja ruiva e comprida caindo sobre o lado direito do rosto.

- Oi. – respondeu, tentando acalmar os batimentos cardíacos descompassados pelo susto.

- Te aconselho ficar na arquibancada, na quadra. – sorriu, começando a se afastar, indo na direção das salas. –Lá ninguém vai te pegar.

- Obrigado. – respondeu, confuso. –Você é...

- Kevin. – ele riu alto, se virando para ele, andando de costas. – Kevin Devine.

- Você... – John começou, e o ruivo assentiu.

- Amigo do Jess. Pediu pra te avisar sobre a quadra. – piscou, correndo na direção da própria sala.

Talvez fosse uma armadilha, mas John preferiu arriscar, e se arriscando, conseguiu cabular a aula.

Nunca dormiu tão bem em um banco duro.