Levittown Is For Lovers

Capítulo 6 – Don’t Bother To Look In My Direction


Se John achava que a primeira semana de aula havia sido ruim, não era nada comparado com a animação das pessoas pro Homecoming. Era como se todos naquela escola respirassem festa e jogos de futebol, as garotas mais velhas se alfinetando sobre quem seria a Rainha do Homecoming, e os meninos se esforçando pela simpatia para poderem ser o Rei.

Tão ridículos.

John não via nada de interessante em desfilar no campo de futebol com uma coroa de plástico na cabeça, mas se para eles era algo tão importante...

Soltou um gritinho e se encolheu ao quase ser atropelado por uma manada de líderes de torcida felizes e saltitantes no corredor, se sentindo até um pouco tonto depois da dezena de pom-pons que o atingiu, tentando com todas as forças que tinha não gritar algo grosseiro para elas.

Aquela escola estava acabando com a sua paciência.

Se virou para trás, lançando olhar de ódio para as saias curtas e rodadas das meninas que quase o mataram asfixiado, se virando em seguida para a frente, sendo atingido em cheio por um dragão azul grande e peludo, animando as pessoas para a abertura da temporada escolar, jogando panfletos, ignorando totalmente que John estava na sua frente, continuando a andar, o levando junto. Com esforço desviou do mascote do time, se arrastando pela parede até o primeiro banheiro que viu, imaginando que se tivesse asma, nesse momento estaria com a bombinha enfiada na boca. Ainda bem que não tinha asma.

Se aproximou do mictório, aproveitando que o banheiro estava livre de pessoas, abrindo o zíper da calça, fechou os olhos. Havia acabado de começar quando a porta se abriu.

Tentando não prestar atenção em quem podia ser, apenas continuou o que estava fazendo, não querendo abrir os olhos e encontrar qualquer desconhecido que fosse. Terminou, fechou a calça e se virou para lavar as mãos, quando deu de cara com ele. Estava com a boina marrom virada de lado na cabeça, parte do cabelo nem – nem tão curto, nem tão longo - caía sobre o olho esquerdo, uma argolinha fina como a de Adam reluzindo no nariz, um sorrisinho cínico nos lábios. Vestia uma camiseta cinza com o logo verde do NOFX, e uma calça preta, larga caindo pelos quadris, segura apenas por um cinto de rebites.

John deu um passo para o lado, e ele foi para sua frente, tentou sair para o outro e Vinnie foi para sua frente outra vez.

- Uh... eu quero lavar as mãos, se não se importa. – disse baixinho, se sentindo levemente amedrontado. Não que Vinnie pudesse sozinho fazer algo contra ele, mas a mera presença do rapaz o deixava com vontade de sumir. Não sabia dizer se era a confiança no olhar, se era o modo como agia, sempre parecendo o dono da situação... ou se era a auto-estima gigante do rapaz que transparecia a cada segundo mais.

- Eu sei que quer. – ele riu. – Você está fazendo tudo errado.

- Depois de fazer xixi as pessoas costumam lavar as mãos, sabe? – disse sem entender. Só queria sair dali, se possível, sem precisar falar com o novo melhor amigo de Jesse.

- Não, seu idiota, eu estou falando do Jesse. Se você quer ser amigo dele, não pode ser amigo do Lazzara e do Rubano. – o olhou com desprezo. John suspirou.

Estava começando a se cansar daquilo, não passava nem dez minutos dentro da escola sem que o nome de Jesse fosse jogado ao ar por alguém. E Adam e Matt já estavam na sua lista de novos amigos, e depois do que aconteceu na casa de Adam – fato no qual ele pensou o fim de semana todo – não o abandonaria por Jesse. Ergueu as mãos e as esticou na direção de Vinnie.

- Se não sair da frente, eu vou encostar em você. Isso não é muito higiênico. – disse, dando um sorriso de canto de lábios.

- Se eu estivesse preocupado com higiene, não te procuraria no banheiro, idiota. – olhou significativamente para a virilha de John, sorrindo. –Eu só queria ver no que é que o Lazzara está interessado, na verdade.

John não sabia se era possível corar mais.

O dia já havia começado ruim, agora encontrava Vinnie no banheiro, que estava lá para observar o que não devia e falar coisas desconexas, estava começando a achar que era maldição da segunda-feira, e Garfield concordaria com ele.

- Isso não é... – começou, gaguejando, querendo jogar a mochila para a frente do corpo e sumir, se possível. Ou chorar.

- Na verdade, dá pra entender o que ele está procurando. – assentiu, falando como se falasse do tempo.

- É Vinnie, né? Olha, Vinnie, eu...- ia dizer que precisava lavar as mãos, porque já estava começando a imaginar vermes subindo pelo seus braços, quando o outro riu, uma risada gostosa, que teria sido contagiante se não fosse ele o motivo do riso.

- Sim, é Vinnie. Olha, Nolan, eu só queria te avisar que irritar o Jesse não é legal, tá? – esfregou a têmpora, ajeitando a boina em seguida. –Ele não quer saber de você por perto, ele não te conhece, supere. E larga do pé da Lindsay. – ficou sério, de repente, saindo da frente dele.

- Não sei o que o Jesse te disse, mas não fui bem eu quem irritou ele, foi bem ao contrário. E a Lindsay quem se propôs a sentar comigo. – correu em direção à pia, começando a lavar as mãos, colocando o máximo de sabão que podia.

- Oh, claro. – riu –E ele te conhece desde os dez anos. Pare de ser esquizofrênico, Nolan. – riu alto e se retirou do banheiro.

John não conseguia tirar os olhos da porta, porque não conseguia acreditar que havia sido chamado de esquizofrênico por alguém que sequer o conhecia.

- Eu mereço. – grunhiu, continuando a lavar as mãos, irritado.

Entrou na sala de Literatura I, já habituado com o caminho que precisava fazer, irritado por já ter gente lá dentro, aborrecido pelo encontro com Vinnie, querendo somente terminar logo com aquilo para poder ser liberado para o intervalo, onde veria Adam e Matt, e poderia ficar longe dos problemas. Ouviu quando mais pessoas tomaram conta da sala, conversando alegres sobre o Homecoming, o que cada clube estaria fazendo, apostas sobre quem seria a Rainha e conversas sobre quem se candidataria.

Ele com certeza não.

Não sabia nem se iria. Talvez fosse para apoiar Adam e Pete, mas provavelmente só para isso, não gostava de eventos que serviam só para elevar seu nível social. Aliás, desprezava a vida em sociedade, e tinha a péssima tendência a se sentir sozinho por isso. Sabia que era contraditório, sabia que isso era ruim, e sabia que não poderia ser assim sempre. Mas quem se importava?

- Tem a matéria da aula passada? Eu cheguei atrasado e não prestei atenção. – a voz calma perguntou atrás dele, e não, John não precisava se virar para ver quem era.

Mas o fez.

- Jesse, me esquece! Arruma outro lugar pra sentar. – pediu, encarando os olhos azuis do outro, que praticamente gritavam que ele não estava entendendo nada. –Seu amigo foi me confrontar no banheiro.

- Quem? – perguntou, curioso.

- Vinnie.

Jesse riu.

- Ele não gosta de você. Disse que você parece ser bobo demais, e ele não tem muita paciência com gente lenta. Mas então, tem a matéria da aula passada? – perguntou, voltando a ficar sério.

Era patética a situação em que se encontrava, porque sabia que estava abrindo o caderno na página da matéria, que deixaria Jesse copiar para ser chutado logo em seguida.

Mas não conseguia evitar, e alguma coisa dentro dele gritava que essa proximidade serviria para a vingança que estava planejando. Era um plano a longo prazo, nada impulsivo como Adam, e as chances de que desse certo – por enquanto – eram pequenas. Mas tinha um ano para planejar, para levar Jesse até onde queria, e para quebrá-lo como ele fez com Adam.

- Também não gostei dele. Me culpou pela sua irritação, quando na verdade devia ser o contrário. E me chamou de esquizofrênico. – disse calmo, sério, mas entregando o caderno para Jesse.

- Mas você é culpado pela minha irritação. Bobinho demais. – disse, correndo os olhos azuis sobre a letra caprichada de John, começando a copiar em seu próprio caderno. –E bem, você é esquizofrênico, fica falando que me conhece, mas eu não faço a menor idéia de que você seja.

- Você sofre algum acidente, tem distúrbio de personalidade múltipla ou algo assim? – perguntou, tentando não demonstrar a raiva que estava sentindo, ou a vontade de que pudesse gritar com ele.

- Não. Sou perfeitamente normal. – arqueou as sobrancelhas e sorriu, o encarando. – Falta uma parte da matéria. – constatou, apontando o caderno.

Se segurou para não dar um tapa na própria testa.

Havia, de fato, se distraído pensando em Jesse naquela aula.

Lógico que nunca diria isso a ele, mas sim, estava pensando em como o encontraria quando o professor passou aquela parte. Não que fosse importante, já sabia tudo aquilo, mas...

- Não copiei, estava distraído. – meneou a cabeça para a janela, esticando a mão para pegar o caderno de volta.

- Tudo bem. Não é nada que eu já não saiba. – respondeu no momento em que o professor pisou de volta na sala.

Sem mais palavras, John tomou o caderno de volta.

Era esquisito saber que Jesse estava logo atrás dele, acabava ficando o tempo todo alerta, medindo cada ação, cada movimento. Não queria parecer desengonçado como de fato era, porque depois acabaria ouvindo alguma gozação a respeito, mas quanto mais se esforçava para parecer normal, mais derrubava as coisas no chão, mais se atrapalhava para responder as perguntas que o professor o fazia, e mais dava joelhadas na carteira involuntariamente.

Tinha pernas grandes demais.

Saiu da sala ainda ouvindo as pessoas recolhendo os materiais, respirando fundo, como se um peso desaparecesse de suas costas. Começou a andar na direção de seu armário, ouvindo as vozes do grupinho atrás dele, rindo e falando baixo.

- Não sabia que ele era da sua sala. – alguém disse.

- Pois é. – Jesse respondeu rindo. –Não que seja uma presença perceptível, mas está.

- Falei com ele no banheiro. – Vinnie riu alto, acompanhado pelos outros. – Ele estava morrendo de medo, deve ter achado que eu ia bater nele.

- Devia ter batido. – outra vez soltou. – Só pra assustar.

- Que coisa de gente primitiva, Kevin. O jeito como o Jesse acaba com ele é bem mais interessante. – alguém mencionou.

Parou em frente ao seu armário, começando a colocar a senha quando eles passaram, rindo. Percebeu que diminuíram a velocidade dos passos quando estavam próximos a ele.

- Gente, chega. Ele não tem culpa de ser esquizofrênico... – foi Jesse quem falou, e John podia sentir sua presença atrás dele. -...nem de ter desenvolvido uma paixonite aguda por mim. Quem não se apaixona por mim, não é?

As gargalhadas que se seguiram foram ficando cada vez mais distantes, e ele continuava ali parado, olhando fixamente para a fechadura do armário, querendo que algo o forçasse a responder Jesse, a o mandar pro inferno.

Matt e Adam chegaram pouco depois dele no gramado debaixo da árvore onde agora passavam todos os intervalos. O outono havia chegado com força total, e as folhas cobriam quase todo o chão agora, deixando os galhos nus sob o céu nublado. John não se incomodava mais tanto com a estação, passava o tempo todo remoendo cada atitude mínima de Jesse.

Era como uma doença, um câncer. Nunca achou que pudesse nutrir tanto asco por uma pessoa como nutria por Jesse nesses últimos dias.

Se tivesse um tumor, o chamaria de Jesse Lacey.

Grunhidos de ódio estavam ficando normais para ele, era o único modo que conseguia extravasar sua angústia e irritação.

- Ele fez de novo. – comentou Matt ao se sentar ao lado de Adam, que estava com as costas apoiadas na árvore, ao lado de John.

- Fez. – John respondeu. –Eu não sei por quanto tempo eu vou agüentar.

Matt e Adam trocaram um longo olhar de cumplicidade, o silêncio pesado enquanto John picava pedacinhos de seu sanduíche, os olhos fixos nas duas fatias de pão de forma integral – ou de soja? – unidos por uma grossa camada de qualquer coisa.

- Você tem que se acalmar. – disse Adam, tocando sua bochecha de leve com a ponta do nariz. John sentiu a pele contra a sua, a respiração em seu rosto, corou, mas sorriu.

- Eu sei. – disse baixinho, mais calmo do que antes. Sentiu o beijinho que Adam depositou em seu rosto, e se virou de frente para ele, seus olhos encontrando as esferas castanhas e brilhantes debaixo dos fios lisos.

Não saberia nunca dizer de quem foi a iniciativa, mas quando se deu conta, seus lábios já estavam unidos e suas línguas se tocavam, e seus dedos brincavam com os fios de cabelo na nuca de Adam. Terminaram o beijo com um selinho rápido, Adam deitando a cabeça em seu ombro. Ia pedir desculpas Matt, estando um tanto envergonhado por ter acontecido na frente do garoto...

...mas Matt não estava mais lá.

Sentiu o estômago revirar ao perceber o olhar preocupado de Adam, fixo no ponto onde antes seu amigo esteve sentado.