Levittown Is For Lovers

Capítulo 21 – You’re So Guilty It’s Disgusting


Se virou na cama, encolhendo o corpo mais do que já estava encolhido, puxando as cobertas fofinhas e quentes por cima do rosto, sentindo o frio da janela aberta passar por seu rosto, a cabeça latejando forte. Por um breve momento ele achou que estava em casa, até abrir os olhos e perceber que as paredes do quarto eram cobertas de pôsteres. Se sentou rápido na cama, sentindo sua cabeça levar um forte pontada na têmpora, cerrou os olhos, colocando as mãos na testa, esperando até que a dor cessasse um pouco para deixar que as íris cor de chocolate encontrassem a luz do dia. Pela janela ele podia ver o tempo nublado, as nuvens cinzentas cobrindo o céu, um vento gelado entrando e sacudindo brevemente as cortinas.

Quarto do Adam.

- Se você já terminou de viajar olhando a janela, eu gostaria de conversar. – veio a voz conhecida do seu lado esquerdo. Virou devagar a cabeça, tentando não fazer movimentos bruscos que pudessem reavivar ainda mais a dor da sua primeira ressaca. – E tem um analgésico do seu lado. – Adam disse, meneando a cabeça para o criado-mudo, onde um copo com água e um pires com um único comprimido branco se encontravam. Sem dizer nada, John pegou o comprimido e o engoliu com a água, se recordando com perfeição dos acontecimentos da noite anterior, entendendo então o motivo da frieza de Adam.

- Por que eu estou aqui? – perguntou, jogando as pernas para fora da cama, notando que vestia uma camiseta que não era sua e uma bermuda que já havia visto em Adam.

- Porque você não ia querer que seus pais te vissem naquele estado. E porque eu sou um idiota, basicamente. – Adam disse sem se mover da poltrona onde estava sentado. A dor era tanta que John mal conseguia manter os olhos abertos.

- Nós precisamos conversar sobre isso agora? – perguntou ao sentir outra forte pontada na cabeça.

- Ah, precisamos, sim. – Adam respondeu. Talvez aquela fosse a sua forma de vingança, fazer John raciocinar com toda a dor que sentia, e sério, ele não culpava Adam. – Primeiro que eu preciso te dar os parabéns, nunca achei que você fosse conseguir de fato deixar o Lacey em um estado tão deplorável, mas também não achei que você fosse usar as armas que usou.

- Você sabia o que eu ia fazer e você apoiou o tempo todo! – grunhiu, abaixando a cabeça para tentar fazer a dor sumir, em vão. Pensar em Jesse e tudo que aconteceu na noite anterior só fazia doer mais.

- Sim, sim, não nego que apoiei. Mas não sabia que você estava planejando me trocar pelo meu ex. – disse cínico, pegando um cubo mágico de algum lugar que John simplesmente não reparou, girando os quadradinhos com aparente calma.

- Eu ia me vingar por você, sempre disse que iria. E me vinguei, não foi? Consegui tirar o Jesse do pedestal, não consegui? Pronto, acabou, você foi vingado, podemos mudar o tópico? – resmungou respirando fundo para não gritar com a dor. Ocorreu a ele, de repente, que ele não fazia idéia de como havia ido parar lá.

- Engraçado você nunca ter mencionado que ficar com o Jesse fazia parte do plano... – Adam comentou sem o olhar. Claro, John pensou, ele precisava chegar na parte complicada.

- Não fazia parte do plano. – murmurou. Estava tão enrolado nisso tudo que não sabia mais nem o que falar, o que era pra acontecer e o que não era, mas ele tinha certeza de uma coisa: ficar com Jesse e Adam descobrir foi o que acabou com tudo.

- Por que você fez isso? – Adam perguntou baixo, as mãos parando de mover o cubo mágico, os olhos se voltando para ele em uma expressão que demonstrava o quanto aquilo o havia machucado, e John não duvidava que havia sido muito. Jesse era a pessoa que ele mais odiava, não havia traição pior.

E ele não tinha outra escolha, senão falar a verdade.

- Eu estou apaixonado por ele, Adam. Eu acho que eu sempre estive. – encarou os próprios pés descalços naqueles longos minutos silenciosos que se seguiram. Ele não sabia o que Adam estava pensando, e tinha a leve impressão que ele não queria mesmo saber. Talvez contar a verdade o redimisse um pouco, ou talvez só o afundasse mais, se é que ele já não havia alcançado o chão. E não queria pensar na situação com Jesse naquela hora, era um problema bem mais complexo que ele precisava de calma e concentração para resolver.

Se ele pelo menos tivesse escutado Jesse antes da festa de Halloween, nada daquilo teria acontecido, ele teria conseguido coragem para se impor e pelo menos dizer a Adam que não, não se vingaria por ele porque estava apaixonado pelo vilão da história. E então terminariam, e Jesse terminaria com Lindsay, então os dois poderiam ficar juntos sem problema algum e...

- Teria doído menos se você tivesse me batido. – largou o cubo mágico em cima da cômoda. – Não tem nem motivo para continuarmos juntos, certo?

Ele apenas assentiu.

- Onde estão minhas roupas? – perguntou se levantando, tentando não se sentir mal, o que era quase impossível, visto que o olhar de desprezo de Adam o alcançou quando ele o entregou as roupas dobradas.

- Eu vou descer, quando terminar de se vestir pode ir embora. – Adam disse, se encaminhando para a porta.

Ele sabia que não tinha mais jeito, e que tudo que podia estragar ele já havia estragado, mas ele precisava fazer aquilo, ou não se sentiria sequer digno de estar no mesmo ambiente que Adam.

- Adam, eu... eu sinto muito. E obrigado por ter me trazido pra cá. – apertou as roupas contra o peito, vendo o outro se virar para ele sem o encarar.

- Eu fiz isso na esperança que você mentisse e dissesse que o que o Jesse falou era tudo invenção dele. – mordeu o lábio inferior, pensando, e só então o olhou nos olhos. – Se você tivesse dito que era mentira, eu teria acreditado em você. – saiu, fechando a porta.

Quando alcançou a rua, tudo que John pensava era que não queria encontrar ninguém. Nem Jesse, nem Matt – que deveria estar o odiando – nem Kevin, nem Vinnie, nem Lindsay, nem Brian e Garrett. Se pudesse se isolar por um mês, ele o faria e voltaria pronto para pelo menos tentar conversar com Jesse, mesmo que este fosse o mais delicado dos assuntos.

Entrou em casa e foi direto para o banho.

Não conseguia esquecer o que fez com Lindsay, não conseguia deixar de se sentir sujo, como se todos os seus erros da noite anterior estivessem impregnados nele, mais do que quando Sabo o fez...

Ele não gostava de lembrar.

Mas não podia esquecer.

No fundo, ele era parecido com Sabo, usou a maior fraqueza de um ser humano para magoar outro, e provavelmente Lindsay estava se sentindo a pior pessoa do planeta.

Por Deus, ela era a que menos tinha a ver com tudo aquilo.

Se jogou na própria cama, olhando o relógio, percebendo que havia perdido grande parte do domingo pensando em soluções para problemas que... não tinham solução alguma. E ele sabia que o dia seguinte seria um inferno na escola, e por alguns segundos considerou fingir uma febre forte, uma dor em algum lugar, qualquer coisa que ele pudesse usar como desculpa para escapar do momento em que precisaria encarar os outros alunos.

Mas fugir não amenizaria as coisas, adiar o encontro com a realidade não o tornaria melhor, não o livraria da culpa.

Jesse não o odiaria menos.

Suspirou, tentando controlar o nó que estava se formando em sua garganta, o ardor conhecido começando a incomodar os olhos, ele poderia chorar em paz em seu quarto.

Se virou de lado, de costas para a porta, respondendo que não estava com fome quando sua mãe o chamou para jantar, se deixando chorar baixinho toda a sua frustração consigo mesmo, porque afinal, não havia sido culpa de ninguém o que aconteceu, só sua, e ele precisava aceitar o fato que era uma pessoa um tanto confusa demais para viver em sociedade. Pensou em como gostaria de estar em Londres ainda, onde só saía com seus amigos e não se envolvia na vida de ninguém, onde não tinha um namorado – ou ex-namorado – o cobrando de nada e estudar era a sua única prioridade.

E então se sentiu péssimo.

Fazia semanas que não ligava para Will, nem para Shaun, e ter pensado em ligar para um deles naquele momento o fez se sentir como a pessoa mais interesseira do universo. Mas precisava conversar com alguém que tivesse uma opinião neutra no caso, e um dos dois era a opção perfeita. Esticou o braço e puxou o telefone, discando o número que ele conhecia tão bem.

O telefone chamou algumas vezes antes que a voz sonolenta de Will surgisse do outro lado.

- Will, é o John! – disse baixo, se ajeitando na cama. Ouviu um longo bocejo do outro lado.

- John, que saudades, cara! Você não liga faz tempo, achei que tivesse desistido de Londres. – riu.

- Estava dormindo? – perguntou ao ouvir o outro bocejo.

- São três da manhã aqui, John. – Will riu de novo. – Mas o que conta? – perguntou. Era a sua deixa para despejar sobre ele tudo que estava acontecendo, tudo que fez de errado, o quanto era desprezível, o quanto não merecia estar vivo.

Mas não seria justo.

Além disso, tinha vergonha. Não precisava acordar Will no meio da noite para contar que seu amigo John era um babaca.

- Nada especial, só estava com saudades. – respondeu. – E você?

- Saudades também. Vou morar sozinho a partir do mês que vem. Aluguei um flat ótimo, só estou terminando de mobiliar. – comentou empolgado, provavelmente já livre do sono.

- Sério? – perguntou, tentando se mostrar animado com a realização do amigo.

- Sim! E estava pensando, se não estiver gostando de Long Island, você podia vir morar comigo. Acho que o Shaun vai vir também, e seria divertido. Eu sei que Londres não é sua casa, e que provavelmente você e o tal Jesse Lacey estão se divertindo muito aí, mas eu acho que não custa nada pensar no assunto, certo? – Will disse muito rápido. – Teremos até internet wireless.

John riu.

Se havia algo com o qual Will se importava, era sua conexão à internet.

- Eu eu acho que posso tentar voltar para Londres sim. Eu não tenho muita certeza sobre estar me divertindo em Long Island... – comentou chateado. Não conseguia esconder mais o que estava sentindo,a voz começava a fraquejar e ele revia mentalmente toda a festa da noite anterior. E não era divertido.

- Aconteceu alguma coisa, John? – Will soltou, preocupado.

E ele contou.

Contou sobre Jesse no momento que ele chegou, sobre como conheceu Adam e Matt, o quanto os dois foram essenciais para sua vida escolar, sobre Lindsay que foi adorável e se sentou ao lado dele na aula de biologia, sobre Vinnie o enchendo no banheiro, sobre Brian e Garrett pegando no seu pé, sobre Kevin e Jesse no carro no dia da fogueira. E depois sobre o trabalho de Física, como ficaram próximos, sobre o violão, sobre os beijos e como se deu conta de que estava apaixonado, e como em uma noite conseguiu destruir tudo, sobre como se sentia um idiota. Contou.

Não tinha muitos motivos que o levassem a esconder os fatos.

E ao final de tudo, estava chorando abertamente com Will ao telefone, e ele ouviu. Ouviu tudo calado, provavelmente ponderando e analisando cada uma das palavras que John soltou, digerindo a avalanche de informações.

- Você estragou tudo, mesmo. E você estão tão encrencado. – disse após um longo momento de silêncio. Mas seu tom não era acusador, era surpreso, quase acolhedor. – Você tem idéia, John, de como vai ser amanhã?

- Eu não quero pensar nisso, Will. – puxou o ar, enxugando o rosto com a manga da blusa.

- Eu acho melhor pensar. Lembra quando vimos aquele documentário sobre leões e zebras? E lembra como os leões atacavam aquela zebra que estava sozinha? – Will perguntou.

- Lembro. – respondeu confuso.

- Você vai ser a zebra, o resto da escola, os leões. – suspirou. – Volta pra Londres, John.

- É uma opção, mas não é a solução, Will. – respondeu, se sentindo estranhamente mais leve após ter desabafado.

- Mas é a melhor opção. Estamos em Novembro, as aulas acabam em Maio, você vem e começa o próximo ano aqui. – disse, quase implorando para que John voltasse. Era o que ele mais queria, se pudesse, voltava naquele instante.

- E vou morar com você e o Shaun? – perguntou, quase rindo ao imaginar a situação.

- Óbvio! – Will exclamou. – Você continua sendo parte, sabe? E não me importa o que você fez aí, ainda é meu amigo, e do Shaun, e não é a mesma coisa sem você.

- Obrigado, Will. Eu sinto falta de estar aí. – suspirou. – Mas hey, melhor você dormir.

- Verdade! – ele riu. –Ligue mais vezes.

- Vou ligar. – respondeu, se deixando sorrir do outro lado. – Obrigado por me ouvir.

- Obrigado por ter ligado. – Will respondeu. –Até mais, John.

- Até. – desligou. Ficou fitando o telefone por algum tempo ainda, pensando na possibilidade de viver em Londres. Não era difícil conseguir um emprego com os contatos que tinha, e provavelmente conseguiria se sustentar fácil, só precisava que seus pais consentissem.

Não era como se ainda tivesse alguma coisa o segurando em Levittown, ele fez o favor de perder tudo que ele considerava importante em uma única noite. Jogou o telefone para o lado e se cobriu, fechando os olhos.

Precisava dormir, esquecer aquilo um pouco, já seria lembrado de tudo na escola, de qualquer forma.