Levittown Is For Lovers

Capítulo 22 – If It’s Not Keeping You Up Nights, Then What’s The Point?


A primeira aula foi um inferno sem precedentes.

Não se lembrava de como Jesse conseguia ser irritante quando estava enraivecido com alguém, no caso, ele. Logo que entrou na sala – de cabeça baixa, segurando as alças da mochila – ouviu a série de murmúrios atrás dele. Sabia o eu estavam falando, mesmo que não estivesse ouvindo, porque sentia os olhares de acusação sobre ele. Respirou fundo, passando por todos como se pudesse superar aquilo e se jogou em sua carteira, observando o capo do lado de fora da janela.

Era um déjà vu do primeiro dia de aula.

O professor entrou, e depois de alguns minutos falando sobre Shakespeare – eles sempre falavam sobre Shakespeare! – pediu que abrissem o livro em um longo trecho sobre Hamlet. Alguém no fundo da sala leu o trecho que ele sequer prestou atenção em qual era, tamanha era sua aflição ao sentir os olhos azuis de Jesse – sentado do outro lado da sala – cravando buracos em sua nuca.

- Alguém gostaria de comentar sobre a obra? – perguntou o professor, caminhando por entre as carteiras.

-Eu gostaria. – veio a voz firme e decidida que ele tão bem conhecia. E sabia que dali não sairia nada que ele fosse achar agradável.

- Muito bem, Lacey... – o professor começou, mas foi interrompido pelo arrastar de uma cadeira. John não conseguiu evitar virar o rosto para encontrar Jesse de pé, mãos apoiadas no tampo da carteira, tinha arcos arroxeados embaixo dos olhos azuis, o cabelo um tanto despenteado, como se aquela tivesse sido a pior noite de sua vida.

Ele não duvidava que tivesse sido.

- Hamlet é uma peça que trata, essencialmente, de vingança. O Príncipe Hamlet da Dinamarca quer se vingar do tio pela morte do pai, e cego pelo sentimento de ódio ele acaba metendo os pés pelas mãos, magoando as pessoas que ele ama, e matando a pessoa errada. É uma das grandes tragédias de Shakespeare, e por não se passar em um tempo definido, é facilmente trazida pros dias de hoje. – disse sem respirar, olhando fixamente para o quadro negro. John engoliu em seco, achando que foi pouco, estava esperando algo bem pior, vindo de Jesse.

- Obrigado, Lacey. Pode se sent... – mas Jesse interrompeu o professor.

- As pessoas hoje em dia também ficam cegas pelo sentimento de vingança. Não é como se Shakespeare tivesse escrito algo que está muito distante da realidade, visto que as mortes que acontecem na história podem ser levadas para o lado metafórico. – continuou.

- Não, Lacey, não podem. Justamente por isso é uma tragé...

- Imagine que alguém, cego pelo sentimento de vingança resolva dormir com a namorada do melhor amigo, será que a morte da amizade dos dois não pode ser comparada à morte da Ofélia, por exemplo? E visto que tomando essa atitude, dito amigo acaba perdendo todos os outros amigos, será que não pode ser comparado à morte de todos os outros personagens de Hamlet? Digo, no final todo mundo morre. – soltou, seus dedos segurando com força o tampo da mesa, tão forte que os nós dos dedos estavam esbranquiçados.

- Sim, Lacey, todos morrem, mas as mortes não são metafóricas. – o professor concluiu, se virando para o quadro negro, mas Jesse não se sentou.

- Mas e se fossem? – perguntou. O professor se virou para Jesse, o fitando.

- Lacey, quer se sentar, por favor? – pediu, começando a aparentar a falta de paciência. –Ou serei obrigado a te tirar da sala. – acrescentou ao ver que Jesse não se movia.

- Pois eu lhe digo que Shakespeare teria concordado comigo. – Jesse fechou o livro, puxou a alça da própria mochila, e batendo a porta se retirou da sala. Desconcertado, o professor sugeriu que continuassem a aula. O silêncio que ficou era pesado, os olhares sobre ele não tornavam as coisas mais confortáveis, e ele sabia que aquilo era só o começo.

Até a hora do intervalo conseguiu evitar com graciosidade todos que pudessem ter algo a ver com o acontecido. Avistou brevemente Vinnie e Garrett no corredor, mas conseguiu se esquivar e se escondeu no banheiro até perceber que o corredor esvaziou, causando um atraso para a aula de Inglês, que o rendeu um aviso em vermelho na lista.

Na hora do intervalo contemplou por um longo tempo se deveria sair da sala.

Não tinha fome.

Sabia que precisava comer, mas não conseguia. Era como se dentro do seu estômago tivesse uma grande bexiga cheia de ar, um vazio que ele não conseguia preencher, mas que também não o deixava ingerir nada. Mesmo o pequeno copo de suco que tentou tomar de manhã o fez sentir como se fosse vomitar.

E tinha que encarar os fatos.

Reuniu o pouco de coragem que ainda conseguia ter, saiu da sala e caminhou até o refeitório, agradecido pela pouca fila. Ele era o grande assunto, pessoas apontavam sem discrição nenhuma, falavam alto e até riam, afinal, além de amigo traidor, ele era o gay que dormiu com uma garota.

A grande piada da escola.

E ele não tinha nem idéia do que Lindsay havia dito a seu respeito.

- O que vai querer? – a servente perguntou, uma colher na mão, apontando as diversas opções.

- Qualquer coisa. – resmungou sem dar muita atenção à comida.

- Dia ruim? – ela comentou, enfiando realmente qualquer coisa que via em sua bandeja.

- Fim de semana ruim. – assentiu, saindo da fila. Parou de repente, se dando conta de que não tinha onde sentar. De um lado estavam Matt e Adam, acompanhados de Peter e mais um garoto que ele não conhecia. Do outro as pessoas que ele não fazia idéia de quem eram, mas que visivelmente não o queriam por perto, colocando mochilas nos lugares aparentemente vagos, ou fingindo que não o viam. E do outro lado do refeitório, estranhamente em silêncio, estava a mesa de Jesse, Vinnie, Garrett, Brian e Kevin, sem Lindsay. Olhou sua bandeja, olhou ao redor e girou nos calcanhares.

Parou na frente da primeira lixeira, jogou tudo lá dentro, deixou a bandeja e saiu.

Começou a andar em passos largos pelo corredor, se sentindo cada vez mais sufocado, acelerando sem perceber, até se dar conta que estava correndo. Não sabia exatamente para onde, mas não conseguiria ficar lá dentro por muito mais tempo, se sentindo tão insuportável quanto estava, porque se as pessoas queriam fazer com que ele se sentisse a pior das criaturas, estavam conseguindo.

Ele não havia feito tudo sozinho!

Mas a culpa era só dele.

Empurrou as portas de metal que separavam o prédio de concreto do gramado verde e continuou correndo, e correria até que seus pulmões perdessem todo o ar ou que suas pernas perdessem toda a mobilidade.

Parou quando percebeu que caso se movimentasse um pouco mais, acabaria tendo uma parada respiratória, e se jogou no chão. Ficou no meio do gramado, estirado, respirando forte, fixando os olhos nas nuvens escuras no céu, se movimentando devagar conforme a brisa gelada batia contra seu rosto vermelho do esforço feito.

Não queria se levantar nunca mais, não queria sair dali.

Encarar as pessoas na escola estava se provando mais difícil do que imaginava, pior do que o primeiro dia de aula. Era diferente quando o ignoravam, ou quando agiam como se ele não existisse, porque agora as pessoas sabiam que ele existia, e sabiam o que ele havia feito, e como havia feito e o quão ruim havia sido.

Ainda se estivessem apoiando Jesse, ele não diria ou faria nada, mas o fato era que nem isso faziam, porque uma meia dúzia de fofoqueiros ainda teve tempo de ouvir que Jesse estava apaixonado por ele, que ia deixar a namorada para ficar com ele, e agora até o coitado era vítima dos héteros homofóbicos da escola.

Suspirou, ouvindo o sinal do começo das últimas aulas tocando dentro do prédio da escola. Se levantou devagar, e caminhou.

Na direção oposta.

Não estava interessado em voltar para lá, não se importava se ligariam para os seus pais, ou se estava cabulando aula pela primeira vez na vida: ele simplesmente não estava suportando mais ficar lá dentro.

Quando pisou em casa, já passava das oito da noite, suas pernas doíam, seus pés latejavam, e seus olhos estavam praticamente se fechando sozinhos. Nunca imaginou que caminhar pela cidade fosse o cansar tanto, só queria tirar as coisas da cabeça um pouco, e achou que caminhar fosse uma boa idéia.

Jogou tirou os tênis, e começou a subir as escadas acarpetadas em direção a seu quarto, não queria conversar, ver pessoas, ouvir pessoas, além disso, o cheiro da comida quentinha que vinha da cozinha estava o embrulhando o estômago. Já era o segundo dia que não conseguia comer nada, e não conseguia se preocupar com isso.

- John? – sua mãe chamou do pé da escada. – Por que só está chegando a essa hora? Ligaram da escola dizendo que você não estava nas duas últimas aulas!

Não sabia como começaria a explicar.

Esperava que só ao olhar para ele sua mãe entendesse que não era uma boa hora, não era um bom dia, uma boa semana, um bom mês... não era. Mas aparentemente ela estava preocupada demais para aceitar que ele não estava pronto para falar, e faria perguntas até que ele decidisse vomitar em cima dela toda a verdade.

Se virou de frente para ela, faltando apenas dois degraus para que ele chegasse a seu quarto, enfim, e respirou fundo, tentando forçar um sorriso.

- Eu fiz uma coisa muito, muito errada com um amigo meu, e agora a escola toda me odeia. – Mordeu o lábio, vendo a mãe franzir a testa. – E eu não estava agüentando ficar lá dentro, decidi sair e tomar um ar, e acabei ficando fora até agora. E não estou com fome, só quero tomar um banho e dormir um pouco. – terminou. Era a verdade, mas não era o que ela estava esperando, aparentemente. Linda Nolan inclinou a cabeça um pouco, os olhos iguais aos seus tomando um ar preocupado, mas não descrente.

- Não quer mesmo comer? – perguntou, calma.

- Não. – ele sacudiu a cabeça negativamente. Ela assentiu.

- Já tentou pedir desculpas para ele? – perguntou.

- Não. Ele me enforcaria se eu chegasse a menos de dez metros dele. E mesmo que eu gritasse desculpas para ele, ele acabaria comigo usando as palavras, ele tem esse dom. – disse sorrindo fraco. Sua mãe assentiu novamente, sorrindo como se quisesse o assegurar de que tudo ficaria bem, e saiu, dizendo algo sobre guardar um prato de comida no forno, caso ele decidisse comer.

Relaxou o corpo, terminando de subir as escadas, entrou no quarto e se jogou na cama.

Não sabia por quanto tempo continuaria vivendo naquele estado ridículo de apenas ficar pensando o quanto havia sido ruim tudo que fez, e o quanto se arrepender, somente, não ajudaria em nada. E apesar de tudo que ele estava sentindo, ele sabia que saberia – ou tentaria – lidar com isso quando o momento chegasse, mesmo que doesse saber que havia perdido Jesse para sempre.

Ouviu algumas batidas na porta, e uma cabeça cheia de cachos se enfiar pela fresta que criou ao girar a maçaneta.

- John? Podemos conversar? – era Michelle. Ele não queria conversar com a pirralha que lhe pediria mil conselhos sobre como conquistar aquele garoto por quem ela era apaixonada, e ele lhe diria – pela vigésima vez – que não sabia dizer, porque não se interessava por nenhum atributo feminino.

Sentou na cama, e assentiu.

Talvez Michelle conseguisse o distrair um pouco.

- Fala... – resmungou, vendo a garota de treze anos entrar e fechar a porta. Jogou o corpo pequeno sobre a ponta do colchão e o olhou, tentando sorrir, ou parecer preocupada com ele.

- Eu sei o que aconteceu, e por menos que eu aprove, eu acho que você precisa ouvir a opinião do ponto de vista de alguém que não é da turminha. – disse. Era engraçado saber que sua irmãzinha sabia do ocorrido, mesmo estudando em outra escola, estando no fundamental ainda. Tudo bem que provavelmente a maioria dos alunos das DAHS na sua série tinham irmãos mais novos pra quem contaram a história, mas ele realmente não esperava que justo a pequena Michelle soubesse.

- Eu juro que não preciso da opinião de alguém de fora pra saber o que as pessoas estão pensando, acredite, eles não fazem questão de esconder. – tentou terminar a conversa por ali mesmo, mas Michelle não saiu do lugar.

Por Deus, ele só queria ficar sozinho.

- Algumas pessoas estão te vendo como alguém muito espirituoso, tem gente fazendo aposta pra quando o Jesse vai te bater, e gente apostando quanto tempo demora até que vocês voltem a se falar, mas o pior de tudo é a Lindsay. – disse a garota, soltando um longo suspiro. – As meninas todas estão irritadas com o que se transformou a reputação dela, sendo que ela foi usada por você, nada mais.

E era verdade.

Ele ainda não havia pensando em Lindsay e em como ela poderia estar se sentindo com tudo isso. E justo ela, que havia sido a mais prejudicada.

- Tem alguma notícia dela? – perguntou, sem querer realmente saber.

- Ela foi muito xingada no fim de semana, parece que ela foi transferida pra Baldwin, foi passar o resto do ano letivo com os tios, ou algo assim. Não que a fama não vá a seguir na cidade do lado, mas é menos alvoroço, né? – Michelle encolheu os ombros, olhando o chão. John suspirou, sentindo o estômago revirar, não imaginava que as conseqüências dos seus atos seriam tão grandes. –E pra uma garota, o baque é muito pior. – Michelle concluiu.

- E eu achei que pra mim estava sendo complicado... – comentou, agora se sentindo um pouco pior.

- Complicado? – Michelle arqueou as sobrancelhas.

- É. Eu estava começando a me acostumar a conversar com as pessoas, a sair com pessoas, a... ter amigos. – comentou, recebendo um olhar acusador da irmã que lhe dizia claramente que havia sido ele quem havia procurado aquilo. E ele não precisava que ninguém dissesse aquilo em voz alta, porque ele entendia que ele estava pagando as conseqüências da sua estupidez. –Eu só queria saber quando é que isso vai passar, pra poder me explicar pro Jesse. Ele não pode me odiar pra sempre!

Michelle mordeu o lábio inferior, o olhando agora com uma certa pena que ele começava a achar que dispensava. Não queria que sentissem pena dele, queria apenas que entendessem que ele errou, e que se arrependia.

- Eu não acho que ele vá te odiar pra sempre, mas você não pode querer que de um dia pra outro ele volte a te adorar. John, você pisou na bola com o Jesse mais do que é saudável, errou mais do que devia e está pedindo que ele te perdoe por algo que provavelmente não vai sumir da memória das pessoas tão fácil assim. – disse a garota, puxando sua mão e a prensando entre as dela.

- Quanto tempo vai demorar pra sumir da memória das pessoas, Shelly? – perguntou, aflito.

- Talvez semanas, talvez meses, talvez anos. E talvez, John, nunca se esqueçam. Talvez isso ainda vá te perseguir o resto da sua vida, porque essa não é uma daquelas coisas que acontecem em uma festa de Halloween que se torna a vergonha eterna de alguém. Isso é algo que, para as outras pessoas, define o seu caráter. Eu não acho que um dia vão esquecer, porque toda garota vai ter medo de ser usada por você, todo garoto mais ter medo de ter a namorada roubada por você...

- Mas foi um erro! – ele a interrompeu, se irritando. – Michelle, eu errei! Todo mundo comete erros, todo mundo faz uma besteira aqui e ali. E eu me arrependi, eu quero pedir desculpas porque eu aprendi que isso não é legal, infelizmente eu precisei fazer tudo errado pra me dar conta do quanto aquilo era errado. Eu fui idiota, eu fui imaturo, mas quem nunca foi? As pessoas cometem erros o tempo todo, quando escolhem fazer um caminho diferente naquele dia, quando acordam e decidem fazer algo que nunca fizeram antes, quando tomam alguma decisão, quando falam com alguém, ou quando ignoram alguém. Quando acham que estão apaixonadas, quando fazem promessas, quando percebem que não estavam apaixonadas porque descobriram o que é se apaixonar de verdade... – respirou fundo, tentando se recompor. Michelle se encolheu, olhando as próprias mãos agora.

- Eu sei, John, mas por que você não tenta falar isso pro Jesse? Ou pro Adam? – ela encolheu os ombros.

Houve um longo momento de silêncio em que John começou a ponderar as possibilidades de falar com Adam, ou com Jesse, o que aconteceria ou como seria tratado. Michelle se mexeu desconfortavelmente na cama, como se estivesse apenas esperando uma resposta para sair dali.

- Eles entenderiam? – perguntou, sabendo exatamente o que Michelle ia responder.

- Não, não entenderiam. – ela disse, sorrindo fraco para ele, se levantando. –Dorme, amanhã é outro dia. – passou pela porta, a segurando aberta alguns segundos enquanto o olhava. –A mamãe deixou comida no forno, tenta engolir alguma coisa mais tarde. Amo você. – saiu do quarto, o deixando no breu.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.