Levittown Is For Lovers

Capítulo 19 – It's A Long Way To The Floor…


Os dedos longos de Adam soltaram a bola pesada que acertou em cheio os pinos brancos com listras vermelhas no fim da pista, deixando apenas um – que não caiu por muito pouco – de pé.

- ...e então a mãe dele o levou no médico, e de fato era mononucleose. – encolheu os ombros magros, e jogou a outra bola, que derrubou o pino que ainda estava de pé. –Agora ele tem que ficar sete dias de cama, sem ir pra aula. Mereço o Matt e sua falta de cuidados. – reclamou, roubando uma batatinha frita de seu prato. John nunca imaginou que Adam fosse bom no boliche, mas ele era, melhor do que qualquer um dos outros que estavam jogando, e ele era uma negação. Já havia caído com a bola na pista nas duas vezes que tentou, então achou melhor saborear as batatinhas da lanchonete e assistir Adam competindo com Pete.

- Eu acho que ele pegou mononucleose de mim. – Peter comentou, ajeitando a bola de boliche nas mãos.

- Eu ainda não acredito que vocês ficaram e não me contaram nada! – Adam exclamou, indignado. Pete já havia explicado pelo menos vinte vezes que não contaram porque acharam desnecessário, e não porque estavam escondendo, mas Adam ainda fazia questão de ressaltar que aquilo foi horrível da parte deles.

Tão irritante.

- Eu não vou explicar outra vez. Até o Hemmingway entenderia mais rápido que você, pelo amor de Deus, Adam. – girou os olhos castanhos, e bufando foi na direção da pista. John pegou mais uma batatinha, a mastigando.

Não estava se divertindo.

Queria que aquele jogo acabasse logo para inventar uma desculpa qualquer e ir pra casa, e de lá ligaria para Jesse, ou Kevin, ou qualquer um dos meninos para ver qual era a festa da noite. Sentiu o queixo de Adam se apoiando em seu ombro, virou o rosto devagar, encarando os olhos dele, a franja do cabelo caindo em um lado, e um sorriso fraco exposto em seus lábios.

- O que foi? – perguntou baixo, acariciando seu rosto com uma mão.

- Nada. – respondeu. Não poderia dizer a Adam que estava entediado e que ele o estava irritando, e que ele queria ir para casa para sair com Jesse e os outros.

- Sabe o que eu estava pensando? – Adam perguntou, o selando e se sentando direito na cadeira, observando Pete enquanto ele falava com um garoto qualquer da outra pista. – Aquele seu plano pra acabar com o Lacey é perfeito.

- Ah! – exclamou, incapaz de dizer qualquer outra coisa. Depois de tanto tempo, ele achava que Adam já havia esquecido a tal vingança, ou que tivesse desistido de pedir para que ele cumprisse o que prometeu, porque achava que Adam, assim como qualquer outra pessoa um pouco mais observadora, já tivesse percebido que ele e Jesse estavam levando uma relação muito boa. Fazia tempo que Jesse não o humilhava no corredor, ou que Jesse não o xingava.

Ele até ria com John!

E ver o sorriso de Jesse, ouvir sua risada, era uma das maiores satisfações que John tinha.

- Então, eu estava conversando com o Matt e achamos o Halloween perfeito. – se olharam. – O Jesse ama Halloween, e provavelmente vai ter festa na casa de alguém, tipo o Vinnie, ou o Garrett, e geralmente o Brian não pode sair, porque ele é judeu e a mãe dele é louca. Então podemos ir pra festa, e aí você coloca o plano em ação, o que acha?

Não queria.

- Ótimo! – exclamou animado, e de onde havia saído aquela animação toda, ele não sabia. – Vai ser fácil distrair todo mundo?

Adam riu.

- Fácil? Vai ser a parte mais fácil! – se ajeitou na cadeira – Eles sempre bebem demais nessas festas, mesmo. A Lindsay também, então é tudo mais simples, saca? – piscou um olho.

É, talvez a bebida ajudasse, mas de qualquer forma, essa vingança seria tudo, menos prazerosa.

Jesse terminou de colocar a espiral de plástico nas folhas unidas em suas mãos, ao total, umas cinqüenta, ao mesmo tempo em que ele empilhava o material que não usaram para a montagem da maquete do reator que fizeram para a aula de Física III. Era gostoso saber que finalmente haviam terminado o trabalho, e que agora as responsabilidades normais da escola – deveres de artes, tarefas de biologia, intervalos fazendo nada – seriam um peso menor do que eram há alguns meses. Nem parecia que haviam gasto tanto tempo naquele trabalho.

- Eu achei que não fossemos acabar nunca. – Jesse sorriu, se jogando ao seu lado na cama.

- Estou feliz que acabamos. – respondeu, fitando os olhos azuis do outro, batucando os dedos em cima das outras cópias do trabalho, que magicamente foram roubadas de seu colo pelos dedos ágeis de Jesse.

- Quer fazer o que, agora? Ainda são quatro horas, você pode ficar aqui até tarde, é sexta-feira. Aliás, você pode dormir aqui. – Jesse disse animado, voltando da cômoda para a cama. Não era que ele não queria ficar lá, era só que ele não se sentia confortável em ficar lá, sozinho com Jesse. Já haviam colocado Cody para dormir, e os pais de Jesse só chegariam mais tarde com os outros Lacey.

- Pode ser. – deu de ombros, os mesmos ombros que sentiu sendo puxados por mãos firmes até que estivesse de pé, em frente ao garoto levemente mais baixo que ele na sua frente.

- Você quer ou não quer? – Jesse perguntou, sério, sem soltar seus ombros. –Se você não quiser ficar aqui é só falar, John. Você tem que parar de agir como se quisesse tudo que eu quero, ou que os outros querem. Eu aposto que você não está namorando o Adam porque escolheu isso, e aposto que tem medo de expor isso. Você tem que ser mais agressivo, menos passivo, tem que se impor mais, tem que se expor, dar suas opiniões e não aceitar tudo de cabeça baixa porque é isso que esperam de você. Às vezes é bom surpreender os outros, pisar na luz e ter uma opinião própria. – disse, soltando seus ombros, dando um longo suspiro. –Eu só quero que você comece a agir como um ser independente. – completou.

John não sabia muito bem o que dizer, porque Jesse tinha razão, e ele sabia que Jesse o forçava a tomar alguma decisão sempre que podia, mas ele nunca imaginou que Jesse fosse o confrontar dessa maneira, nunca imaginou que ele fosse de fato se preocupar com isso.

- Eu... – começou, vendo o olhar esperançoso nos olhos do outro.

- Fala. – Jesse encorajou, assentindo levemente com a cabeça.

- Eu quero ficar, mas eu fico constrangido de ficar com você aqui sem ter exatamente um objetivo. – disse, fitando os próprios pés, as bochechas ficando quentes, até ouvir o riso de Jesse.

- Ótimo, vamos arrumar um objetivo. – Jesse soltou, caminhando até o outro lado do quarto, pegando o violão. – Tem praticado?

Na verdade, havia praticado.

Na mesma semana que Jesse o ensinou o básico, comprou um violão, algumas revistas com a teoria e começou a ensaiar. Não havia encontrado muita dificuldade, mas até então, não havia falado mais com Jesse sobre o assunto, e poderia estar cometendo erros grotescos, além de seu violão estar todo desafinado.

- Um pouco. Não muito, na verdade. – comentou, recebendo em seu colo o violão de Jesse, que se sentou do seu lado direito.

- Toque alguma coisa pra mim. – pediu, os olhos tão azuis o fitando, aquele leve sorrisinho nos lábios, querendo lhe passar confiança, era impossível negar qualquer coisa a ele.

Respirou fundo, e depois de ajeitar os dedos no braço do violão, tocando as primeiras cordas devagar.

- <i>There’s gonna be some trouble...</I> - começou cantar baixinho, fechando os olhos, se deixando levar pela música, tentando esquecer que Jesse estava ao seu lado, observando cada um dos seus movimentos. – <i>Dallow, Spicer, Pinkie, Cubitt, Rush to danger wind up nowhere, Patric Doonan, raised to wait... I\\\'m tired again, I\\\'ve tried again…</I> - mas era difícil. Era difícil esquecer que Jesse estava ali quando ele podia ouvir a respiração do garoto, quando ele praticamente podia sentir a presença do outro, porque Jesse era quase uma extensão do seu corpo. Ela sabia o que se passava em sua mente, o que ele queria dizer quando largava meias palavras no ar, e o conhecia tão bem que sabia que ele não estava com Adam porque escolheu assim, mas também sabia que ele, de certa forma, lá em seu jeito peculiar, gostava de estar com Adam. E Jesse provavelmente sabia que se ele pudesse escolher... - <i>Now my heart is full, and I just can\\\'t explain...</i> -...ele estaria com Jesse, e isso era o mais honesto que ele conseguia ser consigo mesmo no momento. Tocou os últimos acordes, sentindo que não deveria ter admitido pra si mesmo tudo que estava tentando ignorar durante todo tempo, justo naquele momento. Virou a cabeça, encontrando Jesse com uma expressão de total surpresa no rosto.

- Você está tocando muito bem em muito pouco tempo, isso não é justo! – riu. –Sério, você melhorou muito.

Sentiu as bochechas quentes, não conseguindo evitar um sorrisinho tímido ao colocar o violão no chão, encostado à cama.

- Eu treinei um pouco mais essa música do que as outras, eu ainda sou bem ruim no resto. – admitiu, rindo ao ver a cara de desgosto que Jesse fez.

- Eu te perdôo. – Jesse soltou, o olhando de soslaio com um sorrisinho. –E acho que deveríamos comer muffin.

- De novo? – riu alto. Se tinha uma coisa que Jesse fazia com freqüência, era comer muffin. Chegavam da escola e Jesse já agarrava dois, no intervalo do trabalho de Física, pegava mais dois, e agora já queria mais. Ele ficava preocupado com a saúde do amigo, que acabaria diabético antes dos trinta, e feliz porque ele não tinha a menor tendência a engordar.

Gostava dele assim.

- Eu estou com fome, Johnny! – resmungou abraçando a barriga. – Mas tudo bem, eu espero o jantar. Então, nesse meio tempo eu vou te ensinar pestanas e...

- Não! – exclamou. Conseguia se lembrar bem do que aconteceu da última vez que Jesse tentou o ensinar alguma coisa no violão, e só de pensar nisso, ficava apavorado. Ele não queria ser o novo Kevin, obrigado a fingir que era um ótimo amigo na frente de Lindsay, sendo que esteve com o namorado dela na noite anterior. Não queria isso, e não queria trair Adam, porque não conseguiria esconder, e porque acabaria perdendo o sono por conta da consciência pesada. –Eu não estou muito a fim de tocar.

Jesse arqueou as sobrancelhas, visivelmente preocupado com o salto repentino que ele deu em direção ao armário, guardando o violão enquanto falava. Se encostou na porta e sorriu.

- O que, exatamente, te deixa nervoso a meu respeito? – Jesse perguntou, se levantando, parando na sua frente, não muito longe, mas perto o bastante para o deixar perdido.

- Não sei. – deu de ombros. – Digo, até sei, mas eu não deveria saber, porque não era pra eu saber. Na verdade, não era pra estar me sentindo desconfortável na sua frente, certo? – deu um riso escarninho, sem jeito.

- Depende. Se for do mesmo jeito que eu me sinto desconfortável na sua frente, então é algo que nós podemos resolver, e não é exatamente conversando. – Jesse abaixou a cabeça. –Eu não gosto de te ver com o Adam. – e John fez um esforço sobre-humano para não sair correndo do quarto. Queria que o chão abrisse, ou que o guarda-roupas fosse como o das “Crônicas de Nárnia” e ele pudesse fugir por algum tempo, até que seu cérebro decidisse voltar a funcionar e criasse algo inteligente para falar.

Mas, como nada que ele desejava acontecia, e os olhos azuis de Jesse já estavam perfurando os seus castanhos com a demora de algo a dizer, ele resolveu que precisava tomar uma atitude. E Jesse tinha razão duas vezes: ele precisava ser mais agressivo, e palavras não resolveriam aquilo. Antes que se arrependesse, ou antes que pudesse processar o que fez – e se chutar até a morte mentalmente por isso – seus lábios cobriram os de Jesse, com medo de ter entendido tudo errado.

Mas quando Jesse o pressionou contra o armário, e seus lábios se entreabriram para que suas línguas se tocassem, e as mãos de Jesse estavam uma em seu peito e uma em seu cabelo, ele percebeu que era aquilo mesmo. E não, ele não poderia reclamar, porque Jesse era exatamente tudo aquilo que ele imaginou que fosse, os toques, os lábios, até o gosto superficial de chocolate que ele estava sentindo, ele não poderia pedir por mais, além do encaixe perfeito dos seus lábios nos dele.

Aquele era, sem a menor dúvida, o melhor beijo que ele já havia recebido, concluiu mentalmente quando Jesse se afastou, puxando o ar, a testa apoiada na sua, um sorrisinho fraco nos lábios.

- Você realmente entendeu quando eu te disse pra ser mais agressivo. – murmurou e o selou em seguida.

- Eu sou tímido, é só isso. – respondeu no mesmo tom, deixando – finalmente – que seus dedos tocassem o rosto do garoto na sua frente, se sentindo culpado, lógico, mas tão bem ao mesmo tempo, que ele não podia deixar de sorrir. Jesse riu, dando uma mordidinha fraca em seu lábio inferior, o beijando novamente.

O ar noturno estava frio, ele só estava com o hoodie preto do Morrissey, e conforme andava o vento batia agressivo em seu rosto desprotegido. Mais à noite provavelmente a temperatura cairia mais, e ele sentiria os ossos gelados. E ainda tinha dever de história para fazer, e estava com fome, mas no momento, nada disso era importante. Não conseguia pensar nas coisas ruins, porque um sorriso bobo estava em seus lábios ao caminhar de volta para casa, pensando no que havia acontecido, não se preocupando com as conseqüência que aquilo teria.

Não queria pensar em Adam no momento.

Não queria pensar em Lindsay.

Havia ficado com Jesse, e era como se estivesse esperando a vida toda por aquilo.

Estava feliz, e quem o iria condenar?

Porém, havia algo com o qual deveria se preocupar, mesmo porque Jesse o havia convidado, disse que Adam, Matt e todo o resto da escola estariam lá, e aconteceria no sábado seguinte: a festa de Halloween na casa de Garrett. Ele não teria como negar, porque Adam já havia garantido que ele iria, era o maior evento do ano, até então, ele não teria desculpas.

Mas tinha uma semana, ainda, poderia resolver toda sua vida naquela semana, não é?

Correu até a porta de casa, subindo as escadinhas rápido, sorrindo.

Duvidava que conseguiria tirar aquele sorriso do rosto naquela noite.