Levittown Is For Lovers

Capítulo 13 - ...Make It Hurt!


Os pingos da chuva gelada caíam fortes sobre ele, escorrendo pelos fios de cabelo e sobre os olhos desprovidos dos óculos que guardou na mochila. Tudo que queria era que um dos raios o atingisse naquele exato momento e o matasse ali mesmo. Abraçava o próprio corpo enquanto andava na direção da casa que conhecia bem, sem coragem de realmente bater.

Na realidade, duvidava que estaria fazendo algum bem a si mesmo se batesse, mas ele, literalmente, não tinha para onde correr. Não podia chegar em casa naquele estado, estava ensopado, tremendo de frio e não sabia se a água que escorria em seu rosto era chuva ou lágrimas.

Achava que era só chuva, ainda estava um tanto chocado para começar a chorar.

Subiu as escadinhas e esticou a mão, hesitando em tocar a campainha, ele podia estar com alguém lá dentro.

Mas tocou.

Esperou alguns segundos até que a porta se abrisse, revelando Jesse com o pequeno Cody no colo.

- John, entra! – exclamou assustado, o puxando para dentro e fechando a porta. –Vem, eu vou colocar o Cody no quarto.

Jesse subiu as escadas.

John sabia que era para o acompanhar, mas suas pernas não o obedeciam. Ficou parado ao pé da escada, encharcando o tapete com a água que escorria de seu corpo, sem conseguir realmente se importar se a Sra. Lacey brigaria com Jesse depois.

- John! – Jesse chamou do alto, descendo as escadas rápido, tomando suas mãos frias nas dele. –Vem, vem tomar um banho quente. – mandou, o puxando pela escada.

Ele não percebeu quanto tempo levou para que estivesse debaixo do chuveiro, a água quente devolvendo um pouco de vida ao seu corpo, voltando o tato, voltando até a sentir o ar em seus pulmões, relaxando os músculos, finalmente.

Saiu do banheiro usando uma muda de roupas que Jesse havia deixado para ele no balcão, os braços longos em volta do corpo magro, estremecendo só de pensar que precisaria explicar a Jesse o que aconteceu. O encontrou sentado com o pequeno Cody no meio dos brinquedos, esperando o pequeno terminar a mamadeira para o colocar para dormir.

- Hey... – disse baixo ao o encontrar parado na porta.

- Hey. – respondeu forçando um sorriso. Jesse se virou para o pequeno, correndo os dedos sobre os fios loiros, vendo o leite desaparecer do cilindro plástico. Cody o entregou a mamadeira vazia, e sorriu inocente para John parado à porta.

- Oi, Vinnie! – exclamou. –Você ta triste?

Pego de surpresa, John simplesmente sorriu, sacudindo negativamente a cabeça, sem conseguir responder nada coerente ao pequeno.

- Mas o Jessie disse que você está triste. – o mini-Jesse se levantou, indo até uma caixa de brinquedos, sendo observado pelos olhos claros do irmão e os de John, retirou de lá um urso panda de pelúcia encardido, e correndo até a porta, o entregou a John. – Esse é o Tommy, fica com ele, pra você ficar feliz.

Ele riu, se abaixou na altura do menino, pegando o ursinho nas mãos. Deixou seus lábios se comprimirem em um sorriso de verdade, desejando internamente que pudesse ser como Cody novamente, criança, alheio aos problemas das pessoas, às coisas sérias e às maldades do mundo.

- Obrigado, Cody. Prometo que vou ficar feliz. – acariciou os cachinhos loiros e deixou que a criança voltasse para onde estava, pedindo para o irmão o colocar na cama para dormir. Observou na porta, segurando o ursinho, enquanto Jesse cobria a criança. Fechou a porta, passando o braço pela cintura de John, segurando a mamadeira vazia na outra, o guiando com ele para a cozinha sem dizer absolutamente nada. Era confortável saber que não precisava falar nada agora, porque desde cedo não estava com muita vontade de falar.

Não havia um motivo.

Só não estava bem. Não imaginava que a adaptação à vida nova fosse ser tão complicada, que fosse sentir tantas saudades do lugar que agora chamava de casa, que fosse ter vontade de gritar com a cara enfiada no travesseiro todos os dias e que...

- Quer café ou chá? – ele perguntou quando chegaram na cozinha.

...que sentisse tanta falta da presença de Jesse na sua vida.

- Chá. – soltou fraquinho, se sentindo ridículo por estar abraçando forte o ursinho de Cody.

Mas Jesse riu baixinho.

- Londres te fez mal. – e se colocou na pia, arrumando as coisas para começar o chá. John sorriu fraco, escorregando para uma das cadeiras. Estava esperando que Jesse começasse o questionar a qualquer segundo, mas o chá veio, acabou, foram para o quarto, Jesse o deitou em sua cama, ficou sentado no chão tocando violão baixinho, a chuva diminuiu, e nenhuma pergunta foi feita.

Só quando John voltou os olhos úmidos pelas lembranças para o relógio do criado mudo, se dando conta que os pais de Jesse logo chegariam, e se sentou na cama, assustado porque precisava ir embora, que mais novo se sentou ao seu lado.

- Eu preciso ir pra casa. – soltou em um suspiro.

- Dorme aqui. – Jesse disse – O que aconteceu?

Era como se Jesse estivesse tomando coragem para perguntar, porque parecia não se sentir à vontade para perguntar essas coisas a ele. Estavam os dois pisando em terreno desconhecido, John também não sabia se deveria contar a ele, se confiava nele.

Mas se não confiasse nele, confiaria em quem?

Em Adam e Matt?

Não conseguia.

Respirou fundo, virando o rosto para encarar os azuis dos olhos de Jesse, tentando não desabar na frente dele, ainda agarrado ao ursinho, sem saber ao certo porque.

- O Sabo me... o Sabo me... –fechou os olhos, tomou ar e soltou tudo de uma vez – O Sabo me molestou, e disse que essa não foi a primeira e última vez, que é bom que eu o obedeça e vá ao seu escritório todas as vezes que ele chamar, ou vai sobrar pro meu namorado.

Jesse não se moveu, não pareceu ter reação alguma àquilo por alguns segundos, até que se virou para frente, fixando a atenção no chão do quarto.

- Você tem que denunciar esse cara. – disse baixo, o olhando outra vez. –Se você não fizer nada, ele vai tornar sua vida um inferno. Até que ponto ele chegou hoje? Eu sei que é incômodo falar isso, mas você vai ter que me contar.

- Ele me fez usar as mãos nele. – disse baixo, meio embolado, apertando o ursinho contra o corpo. – Ele queria que eu usasse... sabe... a boca, eu disse que não, pedi por favor, e ele deixou usar só as mãos, mas ele me... ele... –Não queria continuar contando, apertava firme os olhos fechados como se isso fosse levar para longe as memórias do dia. Sentiu a cama se mexer, e viu Jesse sumir por alguns segundos, voltando logo depois com um telefone no ouvido, andando de um lado para outro no quarto.

- Queria denunciar um membro do corpo docente da Division Avenue High School. Não, não quero dizer meu nome. – falou, fixando os olhos nos de John, ficando em silêncio algum tempo, até que aparentemente alguém voltou à linha. – Eu fui molestado pelo senhor Kyle Sabo, do conselho estudantil. Ele me forçou a atividades sexuais. – desviou os olhos dos de John, andando de um lado para outro do quarto, falando e detalhando o acontecimento, fingindo chorar e estar chocado, piorando muito o que aconteceu na verdade.

John não ousou interferir, e quando Jesse desligou, ele tinha um sorriso sobre os lábios.

- Quer alugar filme? Eu tenho a impressão que não teremos aula amanhã.

- Eles vão...? – começou John, e Jesse assentiu sorrindo, se jogando ao seu lado na cama.

- Sim, vão.

Jesse nunca imaginaria o quanto ele estava grato naquele momento. Não só porque Sabo iria preso, mas porque Jesse não o forçou a contar tudo logo que chegou, porque Jesse o deixou ficar lá, porque esperou que ele lhe contasse o que houve para então ligar para a polícia e contar o que aconteceu, não o fazendo repetir tudo.

- Por que você que contou tudo? Podia ter me feito contar e... – ficou sem saber como terminar a frase.

- Fazer você contar pra eles, seria fazer você reviver tudo que aconteceu, e não precisamos disso. – e olhou para John com os lábios juntos, quase um sorrisinho carinhoso. E naquele momento, era como se tivesse seu melhor amigo de volta.

Quando se deu conta estava com os braços em volta da forma pequena de Jesse, chorando tudo que queria chorar e não havia conseguido.

- Seu emo. – Jesse murmurou, o abraçando de volta. –Liga pra casa e avisa que vai dormir aqui. – John afastou o rosto, o encarando, voltando a abraçar o ursinho.

- E seus pais? – perguntou, inseguro.

- Eu digo que precisamos terminar uns trabalhos, eles geralmente não se importam. – e os olhos azuis caíram sobre o pequeno panda. – Você não vai dormir agarrando esse negócio encardido, né?

John riu baixo.

-Me deixa. – resmungou.

Os pais de Jesse chegaram com as outras crianças não muito depois daquilo, Jesse explicou em tom baixo à sua mãe no corredor que estavam cheios de trabalhos para fazer, e que não iriam à aula no dia seguinte para terminar tudo, exatamente o que John disse à sua mãe. E jantaram como se estivesse tudo bem, ignorando quando a pequena Hayley perguntou por que John estava com o moletom de Jesse. E John tentou não criar teorias sobre o olhar de cumplicidade que o Sr. e a Sra. Lacey trocaram, e como coraram em seguida, sem responder à garota.

O quarto estava quentinho, e já passava das dez da noite quando John se lembrou de Adam. Precisaria arrumar uma boa explicação pra ele no dia seguinte, talvez pedisse ajuda a Jesse. Deslizou os dedos pelas lombadas dos livros na estante, não prestando atenção ao que estava escrito, apenas, ali...

Desde o ocorrido não conseguia desvincular de sua mente a imagem de Kyle Sabo, não conseguia esquecer o olhar malicioso, as mãos pesadas sobre ele, as ameaças, a vontade de terminar aquilo logo para poder fugir.

- Pare de pensar nisso! – Jesse ralhou com ele, fechando a porta atrás de si mesmo, já de pijama, com uma bandeja com dois copos de leite e uma travessa de cookies. –Você precisa se distrair e esquecer o que aconteceu.

Abaixou a cabeça, fitando os próprios pés. Não queria dizer o quanto era difícil, o quando doía, e nem queria ter que admitir o medo que estava sentindo em ter que voltar pra escola.

Não queria parecer fraco justo na frente dele.

- John... – Jesse chamou, depositando a bandeja em cima da escrivaninha, deslizando a mão de dedos frios pelo rosto magro dele, até seu maxilar, erguendo sua face para que ele pudesse encarar os olhos azuis, acompanhados de um sorriso meigo nos lábios. – Vai ficar tudo bem. Você não pode ficar pensando nisso agora, okay?

John assentiu.

Não sabia em que momento Jesse havia se transformado naquela pessoa, mas ele não estava reclamando.

Comeram os cookies, tomaram o leite, e Jesse se recusou a deixar que ele dormisse no colchão no chão, cedendo sua cama, o obrigando a ficar lá.

Mas era inútil.

John não conseguia dormir, não conseguia fechar os olhos e dormir sem se lembrar de Kyle Sabo, sem lembrar das mãos, sem lembrar de...

Virou pro outro lado, disposto a pegar no sono.

Em vão.

- Não consegue dormir, né? – a voz veio de trás dele. Se sentou, virando para olhar no chão, onde Jesse estava deitado.

- Não. Ele aparece na minha mente toda vez que eu fecho os olhos. É involuntário, Jess. Eu não quero pensar nisso, mas...

- Então vamos conversar. – Jesse se sentou também, bocejando. – A Lindsay me contou que você gosta de Smiths.

John não achava que pudesse manter uma conversa com Jesse por mais de dez minutos, mas já passava das duas da manhã, e por mais que estivesse com a consciência pesada por manter Jesse acordado tanto tempo – quando as piscadas e bocejadas que ele soltava mostravam que ele obviamente precisava dormir – não queria abandonar a conversa. Apesar de tudo, tinham muito em comum.

Chegava a ser assustador.

Jesse estava esticado de bruços sobre o colchão, e John sentado, observando enquanto o outro sorria, contando embolado – por conta do sono – sobre os lugares que costumava ir nos finais de semana.

- Você deva ir junto comigo... – resmungou, os olhos azuis sumindo por trás das pálpebras. -...eu sinto sua falta.

- Eu também sinto a sua, Jesse. – murmurou, percebendo que o outro já havia pegado no sono. Se deitou, puxando a coberta sobre o corpo, observando Jesse dormir serenamente no colchão.

Mas ele abriu os olhos.

- Eu to acordado. – se espreguiçou. – Só durmo depois que você dormir.

- Jesse, você está acabado de sono, pode dormir, eu vou ficar bem. – assegurou. Mas o mais novo parecia se recusar a acreditar nele, mantendo os olhos abertos.

- O que você estava falando mesmo? – perguntou, esfregando o rosto nas mãos.

- Dorme, Jesse. – pediu. Estava se sentindo um incomodo, mas ao mesmo tempo, estava se sentindo importante.

Importante o bastante para que Jesse Lacey não dormisse.

E não entendia porque isso o fazia se sentir tão bem.

Conversaram mais alguns minutos, até que John desistiu de resistir à ardência dos olhos, e acabou vencido pelo cansaço, acabou não dormindo agarrado ao “negócio encardido”, porque o colocou no criado mudo, e quando acordou de manhã, Jesse o estava chamando para o café, e ele sentia o nariz começando a ficar entupido, e o corpo doer com os sintomas da gripe.